DESENVOLVIMENTO RURAL

DESENVOLVIMENTO RURAL

Paulo Carvalho (CV)

1. A União Europeia e as políticas para o mundo rural: tendências evolutivas e novas orientações

Heterogeneidade, assimetrias, continuidades e ruturas são alguns dos traços mais expressivos de caracterização da Europa rural neste início de milénio. Se a matriz territorial traduz a coexistência de áreas periurbanas com elevadas densidades demográficas e áreas despovoadas, isoladas e de fraca dotação de infraestruturas e serviços básicos, o perfil funcional revela, também, lugares em que a atividade agrícola, silvícola ou ganadeira é dominante, e outros cada vez menos vinculados às atividades produtivas tradicionais dando lugar a novos usos e funções como o turismo, a indústria ou o artesanato.
A Europa Comunitária, reconhecendo a especificidade e as dificuldades (estruturais) do mundo rural, incluiu no seu Tratado fundador (Roma, 1957), as regiões rurais como preocupações prioritárias de promoção do desenvolvimento económico e social. A elevação dos rendimentos e do nível de vida da população rural (designadamente os ativos vinculados ao setor agrícola) e a resolução do problema decorrente do défice de produção de leite, carne e cereais por parte da Comunidade Económico Europeia (CEE), configuram objetivos da maior relevância que emergem na génese da Política Agrícola Comum (PAC).
A trajetória da política da União Europeia para o mundo rural reflete a transição de uma conceção agrícola, centrada no apoio e estímulo direto às produções e aos agricultores, que coincide com um período de acentuado enfraquecimento e desvitalização económica, social e demográfica do espaço rural, para uma conceção pós-agrícola alicerçada na valorização de novas atividades como suporte essencial da renovação e viabilidade do mundo rural, que por sua vez acompanha o maior interesse dos territórios e das paisagens rurais por parte da população urbana.
O mundo rural europeu, depois de um período em que dominaram as preocupações produtivistas (do início dos anos 60 ao final dos anos 80 do século XX) começa a evidenciar os efeitos das perspetivas territorialistas ambientalistas e patrimonialistas. Estas enfatizam a dimensão multifuncional da agricultura e do mundo rural, reconhecem a especificidade dos territórios e do seu potencial de recursos, e assumem como prioritários os conceitos de sustentabilidade, subsidiariedade e parceria. O objetivo principal é conciliar a prática agrícola com as preocupações ambientais e paisagísticas, preservar e valorizar a paisagem e a diversidade do património cultural, e ao mesmo tempo encontrar novas funções/usos para os territórios rurais compatíveis com esses princípios orientadores (Carvalho, 2006).
Em quase meio século de aplicação de orientações políticas para o mundo rural europeu, destacam-se duas grandes tendências evolutivas que, por sua vez, configuram outras tantas conceções de desenvolvimento: uma, de cariz agrícola, centrada no papel da agricultura e direcionada para os agricultores e suas organizações; outra, de cariz territorial, norteada para o território e para o conjunto da população rural. No primeiro caso, o apoio da União Europeia é orientado exclusivamente para os agricultores (através de ações como, por exemplo, a modernização das explorações agrícolas, a renovação de gerações, a instalação de jovens agricultores, a introdução de novos sistemas de produção agrícola e as medidas agroambientais) e a multifuncionalidade da agricultura é o seu principal contributo para o desenvolvimento rural, incorporando as novas noções de sustentabilidade, eficiência e competitividade. A segunda perspetiva, ao contrário de enfatizar a importância da agricultura para o desenvolvimento rural, considera que a agricultura já não é o motor do desenvolvimento das áreas rurais uma vez que existem outras atividades de maior relevância na criação de emprego e na dinamização social e económica. De acordo com esta última conceção, a política agrícola deve ser integrada no quadro de uma política de desenvolvimento rural que impulsione a diversificação de atividades e dote os territórios rurais de infraestruturas e equipamentos suficientes para que a população se mantenha nos espaços rurais em condições de qualidade (Estrada, 2005) e, ao mesmo tempo, responda às exigências da sociedade do lazer (Carvalho et al., 2007).
Contudo, a afirmação do desenvolvimento rural como dimensão autónoma e a sua importância crescente nas políticas europeias designadamente no âmbito da PAC, é recente e tem a Agenda 2000 como referência incontornável. Na sequência de importantes documentos orientadores/normativos e eventos como, por exemplo, o “Futuro do Mundo Rural” (1988) e a “Conferência Europeia sobre Desenvolvimento Rural” (1996), a União Europeia, na Cimeira de Berlim (1999), reconhecendo a necessidade de um conjunto de reformas estruturais (Agenda 2000), assumiu como prioritária a reforma da PAC e assim aumentou o papel e a importância do desenvolvimento rural. As preocupações em relação à modernização do modelo agrícola, segundo a tese de que o modelo agrícola europeu se destina a cumprir diversas funções, incluindo a promoção do desenvolvimento económico e ambiental, tendo em vista preservar os modos de vida rurais e as paisagens agrícolas, levaram a União Europeia a adotar novas disposições que apontam para um modelo agrícola mais ecológico e economizador de recursos, com garantias de qualidade e segurança dos alimentos para os consumidores (Carvalho et al., op. cit.).
Como consequência da Agenda 2000, o Conselho adotou o Regulamento (CE) 1.257/1999, de 17 de maio, sobre a ajuda ao desenvolvimento rural a cargo do Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola (FEOGA), que passou a integrar todas as medidas de desenvolvimento rural, de aplicação no período 2000-2006. O referido Regulamento marcou um ponto de viragem na perspetiva da União Europeia sobre o desenvolvimento rural, contribuiu para a simplificação da política rural (na realidade constituiu o único documento normativo base para a programação do período 2000-2006) e aumentou a margem de manobra dos Estados Membros e das regiões na aplicação das diferentes medidas (subsidiariedade). De entre as suas dimensões mais inovadoras, importa salientar o conceito de diversificação da atividade económica do meio rural, que desempenha um papel decisivo na recuperação dos espaços rurais. A agricultura é considerada uma atividade essencial que necessita do complemento de outras para manter a população e consolidar a atividade e a qualidade de vida do mundo rural (Arroyo, 2006).
Deste modo, o desenvolvimento rural emerge como segundo pilar da PAC, mediante o objetivo de estabelecer um quadro coerente e sustentável para o futuro das áreas rurais. Trata-se de complementar as reformas dos mercados – centradas na redução dos preços garantidos nos setores das culturas arvenses, carne de bovino, leite e produtos lácteos e vitivinícolas – com outras ações que promovam uma atividade agrícola mais competitiva e multifuncional. Os grandes objetivos do pacote de medidas desta nova abordagem dos desafios colocados às economias rurais são criar um setor agrícola e silvícola mais forte, melhorar a competitividade das áreas rurais e preservar o ambiente e o património rural da Europa.
Pouco tempo depois, no âmbito da “2ª Conferência Europeia sobre Desenvolvimento Rural” (2003), realizada em Salzburgo, com o propósito de avaliar a execução da política de desenvolvimento rural da União Europeia, desde a Agenda 2000, e analisar as necessidades futuras, reafirma-se que o “desenvolvimento das áreas rurais já não pode assentar exclusivamente na agricultura, e que a diversificação, quer dentro do setor agrícola, quer para além dele, é indispensável para a promoção de comunidades rurais viáveis e sustentáveis” (Carvalho, 2005: 121).
De forma gradual a União Europeia preparou e adotou as bases de uma verdadeira política de desenvolvimento rural. A aprovação do Regulamento (CE) 1698/2005 do Conselho, de 20 de setembro de 2005, relativo ao financiamento do desenvolvimento rural através do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER), é um marco decisivo e um ponto de viragem neste domínio. Com o objetivo de cumprir as prioridades relativas à melhoria da competitividade e ao fomento do crescimento económico e do emprego que se estabeleceram no Conselho Europeu de Lisboa em 2001, e as prioridades relativas ao desenvolvimento sustentável e à integração dos aspetos ambientais nas políticas comunitárias, estabelecidas também no ano de 2001 no Conselho Europeu de Gotemburgo (Arroyo, 2006), o Regulamento propõe três eixos temáticos de atuação/objetivos fundamentais: o aumento da competitividade da agricultura e silvicultura; a melhoria do ambiente e da paisagem rural; a promoção da qualidade de vida nas áreas rurais e a diversificação da atividade económica no conjunto dos espaços rurais. Ao mesmo tempo, o FEADER criou um eixo transversal, não temático, de aplicação nos outros três eixos, baseado na metodologia da iniciativa LEADER que, assim, se consolida como uma medida de aplicação obrigatória no âmbito do Regulamento de desenvolvimento rural. Determina, ainda, a obrigatoriedade de cada Estado Membro estabelecer um Plano Estratégico Nacional para o Desenvolvimento Rural (que indique as suas prioridades temáticas e territoriais, tendo em conta as diretrizes estratégicas da União Europeia), e um Programa Nacional ou um conjunto de Programas Regionais de Desenvolvimento Rural (neste caso o Plano Estratégico Nacional deve constituir um quadro de referência, que permita estabelecer uma coordenação horizontal compatível com os programas regionais).
Em síntese, o novo Regulamento, que define as prioridades da União Europeia em matéria de desenvolvimento rural para o período 2007-2013 em resposta aos grandes objetivos políticos dos Conselhos Europeus de Lisboa e Gotemburgo, corresponde a um esforço para simplificar a normativa de desenvolvimento rural, estabelece a integração de todas as medidas de desenvolvimento rural no âmbito de um instrumento único, e concede uma importante margem de manobra aos Estados Membros para gerir esta política.