Refletir sobre os caminhos do desenvolvimento que se hoje se abrem num contexto social mais heterogéneo e complexo, mais imprevisível e, porventura, exigente na busca de respostas criativas face aos novos desafios é, ao mesmo tempo, questionar os modos de organizar e consumir os territórios, e de intervir sobre esses mesmos espaços geográficos de vida quotidiana.
Na Europa, logo após a Segunda Guerra Mundial, tiveram o seu apogeu as teses difusionistas de desenvolvimento, uma crença em determinados princípios que supostamente seriam o garante da felicidade, do progresso e do bem-estar das populações. Foi o mito do crescimento económico (confundido com o desenvolvimento, aqui interpretado de um modo redutor, pelo menos à luz dos critérios atuais) e a fé inabalável na razão dos avanços tecnológicos. Neste contexto, com facilidade se atribuíam os epítetos redutores de “centros” e “periferias”, sendo os primeiros os dignos depositários do progresso que a partir dos quais se difundiriam para as periferias, consideradas por isso mais atrasadas, em termos de uma imaginária, mas ao mesmo tempo palpável e orientadora de políticas, linha unívoca de desenvolvimento. Isto é, ser-se desenvolvido implicava seguir os modelos pré-definidos por centros urbano-industriais (Perroux, 1950) que seriam assim os motores de arrastamento dos (ditos) territórios menos dinâmicos. Este processo traduziu-se numa linha de progressão descendente, pouco participada, burocratizada e acrítica, no sentido de que não poderia ser questionada, até por não implicar em si um verdadeiro esquema de avaliação de processos. A consequência lógica seria a uniformização de processos, a produção massificada (fordismo), a perda de diversidade. Esta filosofia de desenvolvimento acabou por ter repercussões diretas no modo de entender e organizar os territórios. Se o desenvolvimento se resume e se pode simplificar pelo conceito abrangente de desenvolvimento urbano e industrial, num sistema competitivo, racional, seletivo e hierarquizante, os territórios menos adaptados a esta realidade acabam por sucumbir, definhar e perder poder e relevância económica, com a consequente perda de protagonismo político. Às áreas perdedoras estava assim reservado um sentimento de caridade, de assistencialismo aos mais carenciados coberto pelos sistemas de “Welfare State” característicos da Europa pós II Guerra Mundial (Carvalho e Fernandes, 2001).
Interessava produzir muito e mais barato, o que não estava ao alcance de todos. O capital, ao mesmo tempo que se internacionaliza vai, desde modo, circular à procura de mais valias competitivas, num contexto de forte segregação a coberto da divisão internacional do trabalho: as mais-valias e os maiores valores acrescentados concentram-se nos territórios e nos protagonistas mais poderosos; as atividades de menor nobreza circulam e “aterram” em territórios e nas mãos dos que menos possibilidades têm para tomar uma opção. Trata-se de um quadro funcionalista e redutor das reais capacidades intrínsecas de cada um. Em consequência desta tese, chegou mesmo a negligenciar-se o verdadeiro desenvolvimento territorial. Interessaria mais o ‘desenvolvimento das pessoas’ que o dos lugares. Este conceito e esta visão acabaria mesmo por enquadrar e estimular a mobilidade espacial das populações: a concentração dos investimentos arrastou a concentração das populações. O êxodo rural e os processos de despovoamento verificados na Europa e, mais recentemente, em Portugal, comprovam os efeitos territoriais desta visão.
Com efeito, as políticas produtivistas deixaram as suas marcas no Portugal rural contemporâneo, sobretudo nas áreas mais isoladas, mais marcadas por constrangimentos físicos e mais remotas. Os ciclos emigratórios brasileiro e europeu, em finais do século XIX e meados do século XX respetivamente, serve de contexto e, ao mesmo tempo, de testemunho para estas realidades. Em primeira análise, a razão de ser deste êxodo emigratório deve-se à histórica posição semiperiférica de Portugal em relação aos territórios que desde a Revolução Industrial tomaram a vanguarda do crescimento económico. A essa posição relativa correspondeu uma crónica dependência do exterior. As populações portuguesas entraram então nas suas transições demográfica e epistemológica. A curva da demografia não foi, no entanto, acompanhada pela curva da economia. A esse desnível respondeu a população com a mobilidade espacial. Em direção ao exterior, mas também em direção ao litoral, sobretudo para as principais áreas metropolitanas, em especial para Lisboa, que assim cada vez mais se foi assumindo como o centro geoeconómico e político de Portugal. O interior despovoou-se, para o que contribuíram políticas como a Campanha do Trigo e a Florestação Estatal dos Baldios (serranos), assim como o fracasso dos processos da Junta de Colonização Interna, a juntar aos fracassos dos polos de desenvolvimento preconizados pelos Planos de Fomento, assim como da ausência clara de uma política de desenvolvimento rural. As teses ruralistas do Estado Novo limitaram-se muitas vezes a realçar o bucolismo saudoso e tradicional dos modos simples de viver de uma população submissa e pouco instruída.
A maior parte dos concelhos rurais portugueses, num Portugal de distâncias relativas ainda muito grandes e concentrado no litoral, viram a sua população diminuir e envelhecer, perdendo assim vantagem no que respeita à localização de recursos humanos. A ausência de funcionalidade e o abandono deixaram marcas profundas na paisagem rural portuguesa. Assim, perdeu-se uma parte importante da identidade portuguesa e degradou-se uma parte do património: as florestas, os “montes alentejanos”, as aldeias serranas do Portugal Setentrional e Central. Entretanto, a Política Agrícola Comum (PAC) e a entrada de Portugal na União Europeia (1986) também deixaram alguns traços, pois em termos agrícolas têm dominado políticas de ganhos a curto prazo: “A PAC e a disponibilidade de fundos levou ao aumento dos investimentos embora em projetos desenquadrados da realidade portuguesa e segregadores dos pequenos agricultores, os mais prejudicados (que são a maioria), o que tem levado ao despovoamento e a um cada vez maior desequilíbrio do sistema de povoamento” (Firmino, 1999: 87).
Mas, as sociedades mudaram! Ganhou-se em instrução, em formação, em espírito crítico e em cidadania. Os ganhos materiais foram inegavelmente importantes para a população europeia em geral e portuguesa em particular. A educação, apesar de não ter sido, pelo menos até há pouco, um fator estrategicamente considerado, deu sinais de melhoria, pelo menos após os anos 60. O país abriu-se. O turismo e a emigração (que foi sinal de desequilíbrio) foram fatores de maior abertura.
Por outro lado, o sistema fordista deu sinais de fracasso. A ideia de que as teses anteriores não conseguiam resolver o problema da qualidade de vida a todas as populações e em todos os territórios desencadeou respostas e a procura de modelos diferentes de intervenção e de perceção dos territórios (Stöhr, 1974; Friedmann and Weaver, 1979; Schumacher, 1985). Modelos mais participados, mais contextualizados, mais adaptados a cada população, com uma face ao mesmo tempo mais humana. Não existe uma linha comum, que todos num “seguidismo” redutor, devem trilhar, mas sim diferentes alternativas de progresso: este torna-se também mais abrangente. Não se trata de crescimento económico, mas de um conceito mais qualitativo que tem de ser entendido em cada lugar de modo muito próprio. Deixamos de poder hierarquizar os lugares segundo os epítetos: “centros”; “periferias”, para acentuarmos o uso do termo território, cuja inserção no contexto global deverá ser lido (e ainda mais no caso dos espaços rurais portugueses, pela sua especificidade e ao mesmo tempo diversidade) por uma geometria variável (Jacinto, 1995). Assim, cada território tem o ser modo de inserção no sistema, um modo individualizado, contextualizado. São os modelos territorialistas que, de um modo geral, realçam os valores intrínsecos de cada território.
Cada território não pode ser apenas lido no contexto da sua inserção vertical no sistema produtivo internacional. Há aqui um “salto” qualitativo que vem abrir as perspetivas a uma inserção vertical e horizontal, numa rede de cooperação e solidariedade. É certo que a globalização, que se aprofundou nas últimas décadas, é um apontada como um fator de racionalidade e de difusão de um modelo neoliberal. Ainda assim, fatores como as novas tecnologias de informação vêm também abrir as possibilidades de reafirmação da cidadania participativa e da identidade própria de cada local. O desenvolvimento local surge assim como o processo de ligação do global ao local. Uma ligação interdependente e pró-ativa, em sociedades mais terciarizadas e mais conscientes das suas responsabilidades, dos seus direitos e deveres.
Assim, os últimos anos testemunham a crescente revalorização da importância do mundo rural (onde se redescobrem novas centralidades com base na qualidade) e dos valores da ruralidade (também estes em mudança) para o equilíbrio e coesão do sistema mundial. Na Europa (Ocidental), descortinam-se em cada território as suas potencialidades específicas e procuram alicerçar-se as novas filosofias do desenvolvimento territorial dos espaços rurais em conceitos como a multifuncionalidade, a sustentabilidade e a subsidiariedade (Carvalho, 2001).
Esta revalorização do rural, não esquece o papel central da atividade agrícola (em todas as suas componentes: biológica, ambiental,…e não apenas na sua versão produtivista). Ao agricultor fica então reservado o estatuto de um importante ator na tarefa da preservação dos valores patrimoniais e paisagísticos do mundo rural. Com efeito, a agricultura assume-se mesmo como o cerne da multifuncionalidade que se pretende para os espaços rurais europeus, sem a qual se inviabilizarão outras funcionalidades, como por exemplo o Turismo em Espaço Rural. Nesta lógica, a paisagem rural, que em consequência da sua inclusão no sistema produtivista se tornou mais monótona (Dewailly, 1998), (re)coloca-se no centro das preocupações estéticas e vivênciais das populações da pós-modernidade, revelando-se cada vez mais como um fator de qualidade de vida a preservar (Beaudet, 1999). O envolvimento das populações com a paisagem faz-se quer com base nos elementos materiais, quer com base nos símbolos imateriais dessa mesma paisagem (Carvalho e Fernandes, op. cit.).
É assim que se deve apostar na valorização quer das culturas materiais próprias de cada lugar, quer das suas culturas simbólicas, importantes para a afirmação do autoconceito das populações locais (Reis, 1998). Neste sentido, num contexto competitivo aberto, a afirmação de um território ou lugar faz-se também através da construção e divulgação de uma imagem de distinção e de qualidade, em muito centrada nas identidades e nos recursos simbólicos de cada lugar (Janiskee and Drews, 1998), não sendo aqui relevante a questão da escala geográfica.
A salvaguarda e a valorização do património é condição necessária para uma paisagem mais equilibrada e atrativa, reforçando a sua identidade e pode constituir um recurso importante para a afirmação do território e reforço da autoestima das populações e, enfim, para o desenvolvimento local. Um território com qualidade e com identidade, portanto com relevância geográfica é potencialmente atrativo. Um território uniforme e vago, cria psicologias de fuga (Carvalho e Fernandes, s/d). O “Programa das Aldeias Históricas de Portugal”, enquadrado no Plano de Desenvolvimento Regional (QCA II) e centrado num conjunto simbólico de dez aldeias “rurais” do interior da Região Centro de Portugal (a saber: Almeida, Castelo Mendo, Castelo Novo, Castelo Rodrigo, Idanha-a-Velha, Linhares da Beira, Marialva, Monsanto, Piódão e Sortelha), com intervenções materiais diversas (das obras públicas à recuperação de imóveis particulares e monumentos), ações de dinamização cultural e sócio-económica, e promoção turística no mercado nacional e internacional, é um exemplo recente da utilização do “(...) património para ativar meios de vida e capacidades de fixação” (CCRC,1999, cit. em Carvalho, 2001, 4), na perspetiva da qualificação dos territórios e elevação da autoestima das populações.
Cruzam-se valores como a paisagem, a estética, o bem-estar e a qualidade de vida (Donadieu, 1999); a geografia, mesmo nos espaços rurais, torna-se mais complexa e cultural.