Em Portugal as imagens contrastadas da ocupação e organização do território repartem-se entre as polarizações territoriais e as centralidades reforçadas pelas políticas públicas, e os territórios perdedores, quase sempre com posição excêntrica e marginal (Jacinto, 1998), como é o caso de vastas áreas do interior do país, que durante muitos anos perderam efetivos pelos movimentos migratórios e pelo saldo natural negativo, e o efeito cumulativo dessas perdas causou considerável rutura nas estruturas demográficas e sociais (Cravidão et al., 1998), tendência que nos últimos anos não foi possível travar e muito menos redirecionar (Fonseca e Cavaco, 1997).
A Serra da Lousã, no seio do Pinhal Interior Norte (Centro de Portugal), é um espelho dessas trajetórias e imagens contrastadas de desenvolvimento.
A NUT III Pinhal Interior é uma subregião heterogénea, marcada pela diversidade dos traços fisiográficos e geohumanos. De uma forma simplificada, parece-nos possível identificar pelo menos dois conjuntos com características diferenciadas.
No setor setentrional-ocidental, por entre áreas aplanadas ou suavemente onduladas mas sempre de pequena altitude, localizam-se os lugares de topo da hierarquia do povoamento sub-regional, que coincidem com as sedes dos concelhos mais dinâmicos, a saber: Lousã, Oliveira do Hospital, Arganil, Miranda do Corvo, Ansião.
A capital regional, a cidade de Coimbra (polo estruturante de um sistema urbano com mais de 300 mil habitantes), interfere de forma mais ou menos significativa na alteração das suas estruturas demográficas, económicas e sociais.
O setor meridional-oriental, essencialmente montanhoso, dominado pelos recortes cenográficos da serras da Lousã, Caveiras, Açor, Médio Zêzere e Cristas Quartzíticas, com reduzidas densidades populacionais (entre 11 hab./km2, em Pampilhosa da Serra, e 56 hab./km2, em Castanheira de Pera), é um espaço repulsivo profundamente marcado pelo efeito cumulativo de vários problemas: orografia acidentada; reduzidas acessibilidades viárias (baixas densidades e medíocre qualidade das vias de comunicação) e também a diversos serviços e equipamentos; fragilidades que decorrem da base produtiva; baixa densidade de estruturas organizativas formais; fragilidade da estrutura de povoamento (dominada por pequenos lugares) e da rede urbana (de baixo nível hierárquico); decréscimo demográfico acentuado; forte despovoamento rural e abandono da montanha; envelhecimento da população; degradação progressiva da floresta (do carvalhal e dos soutos ao pinhal, ao eucaliptal, às formações do tipo matos e às áreas desérticas); elevada sensibilidade ao risco de incêndio florestal; propriedade fundiária dispersa, descontínua e de pequena dimensão; elevado absentismo dos proprietários; subaproveitamento dos recursos naturais: hídricos, florestais, eólicos e paisagísticos. As orientações da União Europeia para o mundo rural revelam importantes ruturas com a história recente da Política Agrícola Comum, em resultado das perspetivas ambientalistas e territorialistas de promoção do desenvolvimento, designadamente a emergência da dimensão multifuncional da agricultura e dos espaços rurais, o reconhecimento da especificidade dos territórios e do seu potencial de recursos, e a adoção dos conceitos de sustentabilidade, subsidiariedade e parceria.
Trata-se de um espaço que corre o risco de vir a ser marginalizado e excluído das dinâmicas de transformação da região, onde o desenvolvimento não pode deixar de considerar o voluntarismo público (Batista, 1999).
A análise aprofundada das mudanças e dos dinamismos territoriais recentes é fundamental para identificar e interpretar as dimensões locais dos processos de mudança, diferenciados e com dinamismos e velocidades variáveis, e para alicerçar as estratégias de intervenção local, diferenciadas conforme a especificidade dos problemas e dos territórios.
Nos territórios encravados na montanha, na amplitude extrema definida pelos níveis locais de abandono e de afastamento dos principais eixos de circulação e das cidades e vilas mais dinâmicas, as linhas estratégicas de intervenção devem considerar: a criação de emprego e a qualificação profissional dos ativos; a reestruturação do sistema de povoamento e da rede urbana, no sentido de configurar pequenos sistemas/eixos urbanos territoriais viáveis; o fomento da cooperação e coordenação entre os atores públicos e privados; a definição de uma base de pluriatividade, multifuncionalidade e de plurirrendimento; a promoção das artes e ofícios tradicionais; a valorização dos produtos genuínos (com indicação de proveniência e certificado de qualidade); o incremento científico da fileira florestal, com preocupações ambientais e sociais; a proteção, conservação e valorização do património natural e cultural (no amplo espectro das dimensões etnográfica, arquitetónica e arqueológica); lançamento de infraestruturas básicas e equipamentos adequados a uma boa qualidade de vida e ao acolhimento dos visitantes (Cavaco, 1996).
No caso das sedes concelhias, mormente as de maior dinamismo urbano (como é o caso da vila da Lousã), é fundamental que o ritmo de crescimento dos últimos anos seja enquadrado numa estratégia clara e inequívoca de desenvolvimento sustentável, alicerçada na capacidade de oferta local de emprego e na fixação da população, tendo presente as diretrizes nucleares do moderno planeamento urbano e a importância da imagem urbana, da qualidade urbanística e da qualificação ambiental, e das acessibilidades, consideradas como fatores de bloqueio da organização e da qualificação do sistema urbano (CCRC, 1999-B).
A Serra da Lousã (Figura 1) reparte-se pelos municípios de Penela, Miranda do Corvo, Lousã, Góis, Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pera, que ocupa de forma parcial, exceto este último onde se desenvolve totalmente.
A matriz das freguesias serranas integra o Coentral, Castanheira de Pera, Campelo e Álvares; nas freguesias de Vila Nova, Espinhal, Aguda, Lousã e Góis, a serrania ocupa pelo menos metade das suas áreas.
A expressão demográfica global, aferida no âmbito administrativo dos concelhos, assinala cerca de 55000 habitantes em 1991, dos quais menos de 15% animam os povoados serranos. As densidades populacionais repartem-se no intervalo de variação 18 hab./km2 (Góis) - 103 hab./km2 (Lousã), em 1999.
Desde 1940 ou 1950 (ou mesmo desde o alvor da centúria), a redução dos efetivos populacionais é uma constante, problema que se acelera e consolida desde os anos 60 (Cravidão e Lourenço, 1994); no conjunto o decréscimo foi de um terço. Góis, Penela e Pedrógão Grande perderam, no período 1960-1999, cerca de metade da população residente.
Ao nível das freguesias, Coentral, Campelo e Espinhal iniciaram o decréscimo populacional em 1911, e desde então perderam 70% da população, como aconteceu em Álvares no período 1940-1999.
É a estrutura do despovoamento da montanha, a recomposição da rede dos lugares viáveis, sem determinismo demográfico na leitura geográfica, mas com preocupações na ótica da qualidade de vida dos serranos. A estrutura demográfica é marcada pelo envelhecimento acelerado da população e também por um desequilíbrio na composição da população por sexos, resultado da intensa mobilidade espacial, interna (especialmente para Lisboa) e externa (das Américas aos países da Europa Ocidental), que envolve a população ativa mais jovem. O desequilíbrio entre jovens e idosos é mais preocupante em Góis, Pedrógão Grande e Penela.
A maioria da população reside em lugares de dimensão reduzida: a classe de menos de 100 habitantes, sendo a mais importante no conjunto dos municípios da Serra da Lousã, é significativa em Figueiró dos Vinhos (49%), Penela (50%), Góis (55%) e Pedrógão Grande (63%). Os lugares até 199 habitantes representam 59% da população em Castanheira de Pera, 69% em Góis, 75% em Figueiró dos Vinhos, 79% em Pedrógão Grande e em Penela, e apenas 36% e 40%, em Miranda do Corvo e na Lousã, respetivamente (Cravidão e Lourenço, op. cit.).
Os núcleos de povoamento mais importantes coincidem com as vilas, sede dos concelhos mais dinâmicos: Lousã (4865 habitantes) e Miranda do Corvo (2976 habitantes), na periferia ocidental da serrania.
Na serrania, o povoamento e a população são mais significativos no setor meridional; a vila de Castanheira de Pera (1401 habitantes, em 1991), no topo de uma lista de quase 50 pequenos lugares, na amplitude demográfica definida da existência mínima até menos de três centenas de habitantes.
À semelhança do que sucede em outras áreas do país também aqui se verifica uma progressiva terciarização da população, embora de nível inferior, ligado frequentemente ao comércio e serviços conectados com empresas locais, e também com alguma relação à atividade de natureza social - saúde, educação e cultura (Cravidão, op. cit.). No conjunto da população ativa, a agricultura/silvicultura, têm vindo a perder progressivamente importância.
Estas características territoriais deixam antever o posicionamento periférico da Serra da Lousã no quadro viário regional e nacional. O interior da serrania é marcado pela rede viária secundária: estradas nacionais, municipais e florestais.
As aldeias serranas da Lousã formaram um grupo com identidade própria que tinha como espaço produtor a própria Serra (Osório et al., 1989). Resultaram primeiramente da ocupação sazonal pelos pastores (pelo menos desde o século XV), à qual se seguiu a fixação da população durante o século XVI (Carvalho, 1999).
Aproveitando o desenvolvimento de rechãs e a proximidade de vales, todas as aldeias serranas testemunham, pela tipologia, pela estrutura das habitações, pelo material de construção, e pela dimensão que apresentam, a precária economia agropastoril que dominava toda a Serra (Cravidão, 1989).
O crescimento (natural) da população, que ocorreu do final de oitocentos até meados do século XX (Quadro 1), não foi acompanhado de um aumento da produção e dos rendimentos, o que obrigou a um progressiva mobilidade populacional (Monteiro, 1985) e, afinal, anunciou o declínio irreversível dos povoados serranos.
Dos 804 habitantes recenseados nas aldeias do coração da Serra, em 1940, metade abandonaram-na até 1960, e em 1991 residiam nos povoados serranos 46 habitantes, dos quais 22 no Candal (junto à estrada asfaltada da serra). Bemposta (1970), Franco e Silveiras (1981) são hoje “rostos de pedra” em acelerada ruína.
A residência secundária, responsável pela reabilitação de três povoados serranos, (Casal Novo e Talasnal, e parcialmente o Candal) é um exemplo interessante de como um fenómeno turístico (animado por população urbana) pode contribuir para reutilizar o espaço rural, salvaguardando o meio e o espaço cultural e dar um contributo importante no desenvolvimento da economia local (Cravidão, op. cit.).
Vaqueirinho e Catarredor foram ocupadas pelos “amantes da natureza” (ou “desiludidos da civilização”), população oriunda de países da Europa Ocidental mas também portugueses em fuga dos ambientes urbanos, que aí praticam agricultura (biológica), criação de gado, artesanato, sob uma certa forma de isolamento.
Entretanto outros valores e funcionalidades renovaram os interesses do espaço rural de montanha: prática de desportos aventura motorizados (do tipo todo-o-terreno, incluindo provas do calendário mundial); atletismo e ciclismo de montanha; parapente; rede de percursos de descoberta da natureza e património cultural com apoio logístico no interior da serrania.