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Keynesianas
Mario Gómez Olivares

 

 

Algumas reflexões a propósito do pensamento de Keynes sobre as relações económicas internacionais

 

 

“The decadent international but individualistic capitalism, in the hand of which we found ourselves after the War, is not a success. It is not intelligent, it is not beautiful, it is not just, it is not virtuous-and it doesn’t deliver the goods. In short we dislike it and we are beginning to despise it. But when we wonder what to put in its place, we are extremely perplexed”.

 

 

Introdução

Um  problema insólito que levanta a Teoria Geral é o facto de nesta Keynes apenas tomar como referência uma economia fechada. Aparentemente, tal facto encerraria uma contradição com a sua obra anterior, como também um paradoxo em referência à participação de Keynes no processo de construção das relações internacionais de pós-guerra. Os termos em que Keynes regressa às preocupações com as questões internacionais, seria visto como uma autocrítica ao período em que colocou em questão o livre comércio, o padrão-ouro, o laissez-faire económico. Esta contradição é apenas aparente e as posições de Keynes encontram-se perfeitamente em concordância com o essencial do pensamento teórico e em coerência com as implicações que ele deriva das difíceis e conturbadas relações entre as principais economias capitalistas ocidentais.

 

1.         O contexto

A Grande Depressão abriu um fosso ainda maior entre as mais poderosas nações comerciais, dada a prática absolutamente ´nacionalista´ seguida pela maioria dos países europeus e a tentativa dos Estados Unidos de  seguir uma política de  hegemonia económica e política. Como frisa Keynes, criticamente:

“We have here an extreme example of disharmony of general and particular interest. Each nation, in an effort to improve its relative position, takes measures injurious to the absolute prosperity of its neighbours; and since its example is not confined to itself, it suffers more from similar action by its neighbours than it gains by such action itself.[1]”.

O fracasso da Conferência Internacional de 1933 representou a oportunidade para resolver os problemas monetários de modo que Keynes vinha preconizando desde 1923, i.e., criar um padrão monetário internacional ao serviço de políticas nacionais de pleno emprego e substituir o padrão-ouro. Keynes preconizava o fim do laissez-faire, pretendia a regulação das taxas de câmbio fora do padrão-ouro, desejava um programa de subida gradual e estável dos preços, recomendava a negociação do sistema tarifário e alfandegário. Estas políticas faziam parte da agenda que Keynes recomendava com o propósito dos países aumentarem as suas trocas e resolveram os problemas económicos gerados e acentuados pela depressão[2]. O fracasso da conferência foi a última oportunidade de criar um quadro económico favorável para o clima de paz e prosperidade entre as nações. Uma via diferente deveria ser seguida para atingir esses mesmos objectivos:

“As I began by saying, it is the failure of the unplanned industrial world of Western Europe and America to regulate itself to best advantage, or tore up the fruits of the genius of its scientists and its engineers and its business organisers, which is predisposing many persons to consider without prejudice those far-reaching experimental projects of the most constructive minds of the post-war world which go, conveniently, by the name of planning[3]”.

Enquanto  Keynes escrevia a Teoria Geral, e  apesar  do pessimismo em torno dos resultados previsíveis da Conferência Económica Internacional, preparava como contribuição pessoal para esse evento o artigo denominado “ Means to Prosperity”. No campo doutrinário, e reflectindo uma posição mais determinada Keynes escreveu o artigo “National Self-Sufficiency”[4]. Keynes recomendava a passagem a um estádio de experimentação que H. Radice denomina de proteccionismo prático, como meio de proteger a paz e as relações comercias entre as nações[5]. A primeira questão era a de fixar os elementos doutrinais para essa nova etapa que deveria atravessar o seu país, saindo definitivamente do passado. Tratava-se de fugir ao temor da falácia proteccionista, justificando a necessidade da mudança:

“ Looking again at the statement of these fundamental truths which I then gave, I do not feel myself disputing them. Yet the orientation of my mind is changed; and I share this changed mind with many others. Partly, indeed, my background of economic theory is modified[6]”.

Segundo os partidários do livre comércio, tudo o que com este interferisse representava ignorância e egoísmo. O livre comércio ajudava a resolver os problemas da pobreza, afectando os recursos do melhor modo, assegurando ao mesmo tempo a paz, a justiça e a difusão do progresso. Para Keynes, os partidários do laissez-faire e livrecambistas já não representavam o sentimento de querer resolver os problemas da paz, da pobreza, da melhor afectação dos recursos entre as nações, da causa da liberdade, da iniciativa individual. A maximização das relações económicas internacionais no espírito do laissez passer não contribuía para a paz entre as nações. Se cada país protege o seu comércio externo, pratica dura concorrência nos novos mercados, recorre a um imperialismo progressivo:

 

“But it does not now seem obvious that a great concentration of national effort on the capture of foreign trade, that the penetration of a country’s economic structure by the resources and influence of foreign capitalists, that a close dependence of our own economic life on the fluctuating economic policies of foreign countries, are safeguards and assurances of international peace[7]”.

          Se os fluxos migratórios eram complementares aos movimentos de bens, mercadorias, capital, estes realizavam-se entre países com níveis de industrialização diferenciada. O sistema internacional que emerge, com o seus fluxos de capital, servia fundamentalmente o capital financeiro, pelo que Keynes  conclui:

 

(...) “ let goods be homespun whenever it is reasonably and conveniently possible; and, above all, let finance be primarily national....For these strong reasons, therefore, I am inclined to the belief that, after the transition is accomplished, a greater measure of national self-sufficiency and economic isolation between countries than existed in 1914 may tend to serve the cause of peace, rather than otherwise[8]”.

Com a crescente quantidade de bens não transaccionáveis, a incidência da produção dos produtos para os mercados nacionais começa a subir, de modo tal que a possibilidade de experiências nacionais aumenta o seu significado e necessidade; disto  retira Keynes uma ilação:

 

“that we all need to be as free as possible of interference from economic changes elsewhere, in order to make our own favourite experiments toward the ideal social republic of the future; and that a deliberate movement toward greater national self-sufficiency and economic isolation will make our task easier, in so far it can be accomplished without excessive economic cost[9].

 

Essas experiências de controlo e planeamento tinham justamente a qualidade de proteger a autonomia e independência nacional, sendo os seus contornos imprecisos e sem nenhuma experiência prática em Inglaterra, e com o perigo de serem identificados politicamente com o comunismo ou fascismo, como o próprio Keynes escreve:

 

“It is called planning-state planning, something for which we had no accustomed English word even five years ago. It is not Socialism; it is not Comunism. We can accept the desirability and even the necessity of planning without being a Comunist,  a Socialist or a Fascist. But whether it is going to prove possible to carry out planning in actual practice without a great change in the traditions and in the machinery of democratic government[10].

 

Procurando justamente definir em que consistia o planeamento explica:

 

”Let us mean by planning, or national economy, the problem of the general organisation of the resources as distinct from the particular problem of production  and distribution which are the province of the individual business technician and engineer....To remedy this failure is the problem of planning. The problem of planning is to do those thing which, from the nature of the case, it is impossible for the individual to attempt. To bring in the collective intelligence, to find a place in the economic scheme of things for central deliberation, is not to disparage the achievements of the individual mind or the initiative of the private person. Indeed it is the achievements of this initiative which have set the problem. It is the failure of the collective intelligence..the achievement of the  individual intelligence which we have to remedy. And we have to remedy it..without impairing the constructive energy of the individual mind, without hampering the liberty and the independence of the private person[11]”.

 

Keynes aproxima-se doutrinariamente da escola histórica alemã no que respeita à recuperação da ideia da nação social, da nação espaço; não tanto na acepção da nação representar o espírito de missão da pátria, mas no sentido de diferenciar entre os interesses e âmbitos dos indivíduos e do conjunto social e sobretudo da contradição que surge entre o indivíduo parcimonioso e o estado garante do emprego social:

 

“ The nation is simply a collection of individuals. If for any reason the individuals who comprise the nation are unwilling, each in his private capacity, to spend sufficient to employ the resources with which the nation is endowed, then it is for the government, the collective representative of all the individuals in the nation, to fill the gap. For the effects of government expenditure, and it is the increase in the income of the public of  the public which provides the source of the extra government expenditure[12]”.

Este artigo, escrito no fulcral ano de 1933, anuncia certas premissas elaboradas posteriormente na própria Teoria Geral, as quais serão apenas revistas nas negociações  com os americanos e aliados, tendo em vista os problemas do pós-guerra.

 

2.         O novo contexto

Depois do período de longa depressão económica e guerra, Keynes visualiza a eventualidade de uma cooperação internacional a partir de um acordo entre as nações vitoriosas do conflito bélico, com base na cooperação dos aliados, e lembrando as lições da Primeira Guerra. Esta nova situação permitiria olhar para o mundo do pós guerra como um mundo de prosperidade e paz, de pleno emprego e reconstrução:

“A satisfactory economic and social settlement of the post-war world depends above all on our working intimately with the United States. An attempted policy of self-sufficiency by which we ruptured our trade relations with a great part of the world would mean that this intimacy of collaboration must necessary come to an end[13]”.

O facto de Keynes ser partidário  de uma economia aberta, nunca foi uma questão de doutrina abstracta. Foram as cambiantes circunstanciais que tornaram sempre a sua posição uma continuidade em ruptura. A sua posição era, à época, por vezes incompreendida. Como este escreve no período a seguir à publicação da Teoria Geral, assumindo uma posição que será idêntica à defendida  durante as negociações com Harry White,  alguns anos mais tarde:

“ I did not intend that there should be any serious discrepancies between my various writings on the subject you mention. I am, however, sometimes writing more theoretically and with more general conditions and the long period in view; in other cases I have more particular circumstances in mind and am more inclined to agree to compromises which might prove practically acceptable[14]”.

Assim, como era típico na relação com os seus interlocutores, Keynes procurava deixar clara a sua posição e a coerência desta com aquelas defendidas no passado, esclarecendo numa dessas situações:

..“Perhaps my views could be summarised as follows:- 1) In general I remain in favour of independent national systems with fluctuating exchange rates.(2) Unless, however, a long period is considered, there need be no reason why the exchange rate should in practice be constantly fluctuating.(3) Since there are certain advantages in stability and in knowing as much as possible beforehand what is likely to happen, I am entirely in favour of practical measures towards de facto stability so long as there are no fundamental grounds for a different policy.(4) I would even go so far, in order to get practical agreement, as to give some additional assurances as to the magnitude of the fluctuation which would be normally allowed. I should dislike as absolute pledge, I think that in most ordinary circumstances a margin of 10 per cent should be sufficient.

(5) I would emphasise that the practicability of stability would depend (I) upon measures to control capital movements to be similar in different countries concerned[15]”.

O que quer dizer que era necessário complementar o instrumental da Teoria Geral destinado aumentar  o output e emprego com um sistema de taxas de câmbio flutuantes a curto prazo, destinado a impedir os desequilíbrios na balança comercial e de serviços e a corrigir as diferenças nos custos de produção. O objectivo era sempre o de conseguir o máximo emprego.

O proteccionismo calculado dos anos trinta nunca significou para Keynes nem autarcia  nem isolacionismo. Significou simplesmente controlo e regulação da abertura externa, tendo em devida conta os interesses da indústria e do emprego britânicos:

“ You will see that I am arguing in favour of import regulation, not merely on balance of trade grounds, but also on the ground of maintaining stability of employment in new staple industries[16].

O significado político da lição dos anos de desemprego e depressão manifesta-se na predisposição de Keynes para aceitar[17] ou propor qualquer fórmula política que solucionasse qualquer situação de desequilíbrio económico, sempre que estivesse em causa o social, pelo que a regulação poderia assumir a forma do planeamento das acções:

“Experience before the war indicated that methods of unregulated laissez-faire were not successful in securing equilibrium between imports and exports, at any rate in the short term. Some latitude, therefore, for official planning of import and export programmes is indispensable to economic wealth, and, indeed, to maintenance of solvency and credit[18]”.

Keynes percebia que nas condições de pós-guerra as exigências de emprego deveriam aumentar, desta vez proveniente de homens que regressavam do campo de batalha, armados de reconhecimento moral  e munidos do espírito da vitória aliada, pelo que urgiam regulações internacionais em matéria monetária, financeira e comercial[19]:

“ The policy of full employment to which His Majesty’s Government are committed would be immensely easier in practice if we could have a concerted policy with other countries, and if we all moved altogether and did not allow what is some times called the export of unemployment from one country to another[20]”.

Por isso, quando alguém ousava repropor os velhos remédios do laissez-faire, a sua indignação era eloquente, mostrando não apenas sabedoria económica como tacto político:

“How much otherwise avoidable unemployment do you propose to bring about in order to keep the Trade Unions in order? Do you think it will be politically possible when they understand what you are up to?[21]”.

Este aspecto, a questão moral, é frequentemente esquecido nas análises que se realizam tendentes à avaliação o problema do desemprego, para além de que tal como nos anos vinte Keynes se opunha rotundamente a utilização do desemprego como arma de reequilíbrio externo como tinha sido prática na época passada e que tanto tinham contribuído para a inquietação social nas ilhas britânicas e para atear o fogo no continente. Mesmo quando se tratava de velhos camaradas de barricada, Keynes criticava com convicção:

 

” Finally, Sir H. Henderson does not appear to expect, or does not at any rate attach any importance to the social and political consequences of deliberately using domestic unemployment as a remedy for external disequilibrium. Even if this policy had  its advantages, it is surely obviously out of the question and might easily mean the downfall of our present system of democratic government[22]”.

Por isso, na construção dos acordos do pós-guerra, Keynes toma em consideração justamente os elementos que se tinham traduzido em problemas para os objectivos de política interna, nomeadamente a relação entre o valor da moeda e a taxa de juro na sua conexão com o emprego, que com o sistema como o padrão-ouro sacrificavam totalmente a intervenção do Banco Central em situações que se impunha  aliviar o desemprego dos recursos produtivos. Daí que a única possibilidade de resolver os problemas de competitividade  fosse pressionar os custos salariais juntamente com os preços, mas de modo a reduzir rapidamente os salários reais.

Keynes lembrava as políticas praticadas durante e a seguir à depressão, de desvaliações competitivas, de subsídios às exportações, as quotas de importação, como forma de traspassar aos concorrentes europeus o emprego. A perda de referência a um padrão único prejudicou  as relações das taxas de câmbio, tendo-se estas transformado num elemento da guerra comercial. Daí que pensasse que a abertura das economias a seguir ao conflito mundial pudesse beneficiar as nações desde que esses problemas pudessem ser resolvidos previamente em acordos ou tratados multilaterais:

 

“I believe that there is great force in Prof. Hansen´s contention that the problem of surpluses and unwanted exports will largely disappear if active employment and ample purchasing power can be sustained in the main centres of world trade. I see no means of offering an inducement to the general expansion of international trade in the right degree except by broadly based international organisation[23]”.

 

Tudo dependeria do grau de visão e realismo com que essas relações económicas fossem efectivadas. Nessa matéria, Keynes pensa como um autêntico representante dos interesses britânicos:

 

“It is used to be supposed, without sufficient reason, that effective demand is always properly adjusted throughout the world; we tend to assume, equally without sufficient reason that it never can be. On the contrary, there is great force in the contention that, if active employment and ample purchasing power can be sustained in the main centres of the world trade, the problem of surpluses and unwanted exports will largely disappear, even though, under the most prosperous conditions, there may remain some disturbances of trade and unforeseen situations requiring special remedies[24]”.

         

3.         Uma nova visão para a solução dos problemas das relações económicas internacionais

 

A proposta keynesiana de «Union Clearing» enquadra-se no propósito de perfilar relações de paz e cooperação entre nações autónomas em equilíbrio económico e num quadro bastante determinado. O seu projecto deve ser visto na perspectiva da construção de relações económicas internacionais visando fortalecer a autonomia nacional, tal como escreve:

“The peculiar merit of the Clearing Union as a means of remedying a chronic shortage of international money is that it operates through the velocity, rather than through the volume of circulation. A volume of money is only required to satisfy hoarding, to provide reserves against contingencies, and to cover inevitable time lags between buying and spending. If hoarding is discouraged and if reserves against contingencies are provided by facultative overdraft, a very small amount of actually outstanding credit might be sufficient for clearing between well-organised central banks. The Clearing Union if it were fully successful, would deal with the quantity of international money by making any significant quantity unnecessary. The system might be improved, of course, by further increasing the discouragement to hoarding[25]”.

A solução dos problemas monetários internacionais passa por resolver, do mesmo modo que em termos locais, os problemas de oferta monetária na presença de actividade especulativa que, desviando moeda da circulação, impede a acumulação e faz com que a taxa de juro não possa ser um arma de acção para aumentar o investimento. A sua lição sobre o papel da taxa de juro e o papel decisivo do investimento na procura efectiva não tinham sido esquecidas:

 

“It used to be believed that the level of interest and the rate of investment were self-regulatory, and needed no management and no planning;  and that all  would be for the best if natural were left to discover and establish the inner harmonies. But such a view does not square with the fact of the experience[26]”.

Mas, apesar de uma disposição a certos consensos mínimos com os americanos em matéria monetária, Keynes pensava que Inglaterra não deveria desarmar-se relativamente ao uso de determinas armas utilizadas com êxito para  combater os desequilíbrios:

 

“I have assumed that we shall continue our existing exchange controls after the war, and that we do not propose to return to laissez-faire currency arrangement on pre-war lines by which goods were freely bough and sold internationally in term of gold or its equivalent. Since we ourselves will have very little gold left and will cease only common sense[27]”.

 

Estas medidas precisavam de acordos explícitos, de modo a conseguir eficácia. As políticas de controlo deveriam compatibilizar as tarifas com os controlos às taxas de câmbio:

 

“It is extraordinarily difficult to frame any proposals about tariffs if countries are free to alter the value of their currencies without agreement and at short notice tariffs and currency depreciation are in many cases alternatives. Without  currency agreement  you have no firm ground on which to discuss tariffs[28]”.

 

Por esta razão Keynes postula amplos controlos, independentemente dos acordos de comércio internacional mais fluidos, de políticas convergentes de taxa de câmbio, afirmando nesse sentido:

 

“(...) it is widely held that control of capital movement, both inward and outward, should be a permanent feature of the post-war system. It is an objection to this that the control, if it is to be effective, probably requires the machinery of exchange control of all transactions, even though a general open licence to remittances in respect of current trade[29]”.

A ideia é sempre a de como atingir um máximo de emprego, como fortalecer a posição do país ao produzir e exportar. Vemos assim, na base das suas posições durante o período bélico, que a participação de Keynes na construção dos acordos de Bretton Wood não constituem uma contradição com a sua visão do papel da regulação económica como forma de conseguir equilíbrios económicos:

 

“Apart, however, from these two arguments, the preferences in favour of movements in the rate of exchange seems to me to be based on a vestigial belief in the way in which things would work under laissez faire, which you have probably given up in other contexts”[30].

 

De certo modo, e em correspondência com a sua ideia de que a procura efectiva era vital para o nível do emprego, Keynes acreditava que se deveria contribuir para uma procura internacional  que  ajudasse a consecução dos objectivos nacionais:

 

“It is used to be supposed, without sufficient reason, that effective demand is always properly adjusted throughout the world; we tend to assume, equally without sufficient reason that it never can be. On the contrary, there is great force in the contention that, if active employment and ample purchasing power can be sustained in the main centres of the world trade, the problem of surpluses and unwanted exports will largely disappear, even though, under the most prosperous conditions, there may remain some disturbances of trade and unforeseen situations requiring special remedies[31]”.

A obtenção de uma procura efectiva com uma componente externa sem restrições, ou pelo menos com salvaguardas correctivas, necessitava de um acordo como o de Bretton Wood, pois o sistema padrão-ouro tinha sido liquidado e o interesse pela sua reconstituição não passava do sonho de alguns dogmáticos. Os objectivos traçados estavam perfeitamente na linha teórica da Teoria Geral, o nível da procura determina o nível de emprego:

 

“ Here is a real  problem, fundamental yet essentially simple, which is important for all of us to try to understand. The first task is to make sure that there is enough demand to provide employment for every one. The second task is to prevent a demand  in excess of the physical possibilities of supplies, which is the proper meaning of inflation[32]”.

Keynes  bateu-se para que não houvesse um retorno  ao padrão-ouro e para que a  construção do FMI e do WB permitissem a conquista dos objectivos de pleno emprego e equilíbrio, mediante regras claras para o auxílio aos países com problemas de balança de pagamentos e um mecanismo de câmbios suficientemente ´fixflex´ que permitisse o comércio livre sem  desvalorizações competitivas,  assim como  a utilização de um fundo compensatório de recurso em situações de desequilíbrio. Por outro lado, pretendia-se estimular o investimento, sobretudo nos países com menor desenvolvimento, criando condições para a existência de crédito a taxa de juro reduzidas.

Keynes procurava resolver prospectivamente o problema económico, fazer com que trinta anos de investimento continuados conduzissem o capital ao seu ponto de saturação. Como o objectivo da vida humana não era económico,  em primeiro lugar  deveria assegurar-se que os homens resolvessem as suas necessidades básicas, pelo que para que o prazer e a beleza da vida encontrassem a sua expressão, todos os humanos deveriam atingir um patamar, como Keynes sublinha:

 

“The natural evolution should be toward a decent level of consumption for everyone; and, when that is high enough, towards the occupation of our energies in the non-economic interest of our lives. Thus we need to be slowly reconstructing our social system with these end in view[33]”.

A visão de Keynes no meio  da guerra é uma visão de continuidade, de optimismo no futuro porque a guerra  irá proclamar vitoriosas as nações democráticas, e porque existia uma maior aceitação por parte dos seus nacionais das suas propostas ou dos seus discípulos e amigos. Essa situação dava a garantia de que observando o presente e o futuro, os erros do passado não se iriam repetir. Assim este escreve de modo profético:

 

”Looking beyond the immediate post-war period, when our difficulties will be genuine and must take precedence over all else-perhaps for the last time-the economic problems of the day that perplex us, will lie in solving the problems of an era of material abundance not those of an era of poverty. It is not any fear of failure of physical productivity to provide an adequate material standard of life that fills me with foreboding. The real problems of the future are first of the maintenance of peace, of international co-operation and amity, and beyond that the profound moral and social problems of how to organise material abundance to yield the fruits of a good life. These are the heroics tasks of the future[34]”.

 

A antevisão keynesiana do fim do laissez-faire, e por conseguinte da necessidade de uma determinada acção consciente dos homens inteligentes em benefício do interesse nacional, e que significasse a liquidação evolutiva e paulatina do rentier e o capital financeiro, encontram na actividade de construção do pós-guerra uma oportunidade  para a sua implementação. Keynes  queria e ansiava um mundo a reconstruir sem laissez-faire, lembrando os erros da reconstrução a seguir ao primeiro conflito mundial,  e retirando desse processo um exemplo negativo:

 

“It is quite true in 1919 the problem of reparations was attached on old laissez-faire principles and pre-1914 international commerce and finance, and that, if organised enslavement is substituted for this, much more substantial results might be obtainable over a period of years. I would certainly be useful for Ministers to decide whether they favour something tending in the direction of organised enslavement, since a broad decision about this would affect much else[35]”.

Para atingir o pleno emprego era necessário contribuir para a construção de um mundo que tinha como exigência moral e social ser diferente do herdado do primeiro conflito bélico. O significado do modelo, pondo o centro da análise no investimento, constituía uma forma de percepção do problema. Mas Keynes não considerava esse modelo como o único capaz de responder às necessidades políticas; apenas constituía um exercício intelectual:

 

“Next the full employment policy by means of investment is only one particular application of an intellectual theorem. You can produce the result just as well by consuming more or working less. Personally I regard the investment policy as first aims. In US it almost certainly will not do the trick. Less work is the ultimate solution(a 35 hour week in US would do the trick now). How you mix up the three ingredients of a cure is a matter of taste and experience, i.e. of morals and knowledge[36].

 

A preferência pela arma do investimento não resulta apenas de considerações teóricas, é antes um modo de resolver o problema moral que afecta o capitalismo; a poupança que legitimava o laissez faire se transformara-se em especulação e acumulação que era nociva para a indústria, pelo que  a economia  nacional devia existir não apenas para combater o desemprego como para lutar contra a instabilidade do sistema.

 


 

[1] J. M. Keynes, “The Worlds Economic Crisis and The Way of Escape “, JMKCW, vol.XXI, pp. 52-53.

[2] Sobre a World Economic Conference de 1933, veia-se J.M.Keynes, JMKCW, vol. XXI, capítulo 3, pp. 203-288.

[3] J. M. Keynes,  “Broadcast Lecture, 14 March 1932”, JMKCW, vol.XXI, p. 90.

[4] Este artigo publicado no The New Stateman and Nation, 8 e 15 de Julio, reflecte a viragem definitiva de posição por parte de Keynes. Pela sua natureza, e seguindo o típico ritual, corresponde ao conteúdo de umas conferências prévias em Dublin que esperaram para ser publicadas pelo fim da Conferência Económica Internacional. Ver  JMKCW , vol. XXI, pp.233-251.

[5] Ver Hugo Radice, “ Keynes and the Policy of Practical Protectionism”, in John Hillard(ed.), J.M.Keynes in Retrospect, Edward Elgar Publishing LTD., England, 1988, pp. 153-171. Veja-se também James R. Crotty, “On Keynes Capital Flight”, Journal of Economic Literature Vol XXI, March 1983, pp. 59-65. Este autor na base da mesma literatura, procura responder à pergunta de Meltzer sobre a fuga de capital numa situação de  taxas de juros baixas  ou em situações de desequilíbrio da balança de pagamentos.

[6] M. Keynes,  “ National Self-Sufficiency ”,  JMKCW, vol.XXI, p. 234.

[7] J. M. Keynes,  “ National Self-Sufficiency ”,  JMKCW, vol.XXI, p. 235.

[8] J. M. Keynes,  “ National Self-Sufficiency ”,  JMKCW, vol.XXI, p. 236-237.

[9] J. M. Keynes,  “ National Self-Sufficiency ”,  JMKCW, vol.XXI, p. 241.

[10] J. M. Keynes,  “Broadcast Lecture, 14 March 1932, ”,  JMKCW, vol.XX I, p. 84.

[11] J. M. Keynes,  “Broadcast Lecture, 14 March 1932”,  JMKCW, vol.XXI, pp. 87-88.

[12] J. M. Keynes,  “ Can America  Spend Its Way Into Recovery”,  JMKCW, vol.XXI, p. 236-237.

[13] J.M.Keynes, JMKCW, vol. XXVI, p. 191.

[14] J.M.Keynes, To W. Lück, 13 October 1936,  JMKCW, vol. XI, pp.500-501.

[15] J.M.Keynes, To W. Lück, 13 October 1936,  JMKCW, vol. XI, pp.500-501.

[16] J.M.Keynes, To Sir Arnold Overton, 12 February 1943, JMKCW, vol. XXVI, p. 268.

[17] Ver J.M.Keynes, To Sir David Waley, 1 February 1943, JMKCW, vol. XXVI, p. 263.

[18] J.M.Keynes, “Article VII Conversations on Commercial Policy”, JMKCW, vol. XXVI, p.306.

[19] Embora Keynes não tenha participado nessas negociações que conduziram posteriormente ao GATT, discutiu  o assunto com frequência com  James Meade, que  tomando parte da delegação inglesa consultava  e discutia com Keynes  os vários assuntos. Ver a este propósito JMKCW, vol. XXVII, capítulo 3..

[20] J.M.Keynes, House of Lords Debates, 16 May 1944, JMKCW vol.XXVI, pp.4 e 5.

[21] J.M.Keynes, To Professor F.D.Graham, 31 December 1943,  JMKCW, vol. XXVI, p.36.

[22] J. M. Keynes,  “To Sir Wilfrid Eady and Richard Hopkins”, JMKCW, vol.XXVII, p. 374.

[23] J.M.Keynes, “Proposals for an International Currency Union”, 15.12.1941, JMKCW, vol. XXV, p.77.

[24] J.M.Keynes, “Proposals for an International Clearing Union”(28.8.1942), JMKCW, vol. XXV, p.180.

[25] J.M.Keynes, “The Objective of International Price Stability, JMKCW ,  vol. XXVI, p.31.

[26] J. M. Keynes,  “Broadcast Lecture, 14 March 1932”, JMKCW, vol.XXI, p. 90.

[27] J.M.Keynes, “Proposals to Counter the German New Order”, JMKCW, vol. XXV, p.8.

[28] J.M.Keynes,  To J.V.Robinson, 9 September 1944, JMKCW,  vol. XXVI,  p. 131.

 [29] J.M.Keynes, Idem, JMKCW, vol. XXV, p.185.

[30] J.M.Keynes,  To J.M. Fleming, 13 March 1944, JMKCW, vol. XXVI, p.288.

[31] J.M.Keynes, “Proposals for an International Clearing Union”(28.8.1942), JMKCW, vol. XXV, p.180.

[32] J. M. Keynes, “How much does Finance Matter “, JMKCW, vol.XXVII, p. 267.

[33] J. M. Keynes, “How to Avoid a Slump”, JMKCW, vol.XXI, p. 393.

[34] J. M. Keynes, “Drafts for the House of The Lord”, JMKCW, vol.XXVII, pp. 256-257.

[35]J.M.Keynes, Reparations: Notes on Mr Dalton´s Memorandum, JMKCW, vol. XXVI, p. 335.

[36] J. M. Keynes, “To T.S. Eliot, 5 April 1945”, JMKCW, vol.XXVII, p. 384.