Joám Evans Pim; Óscar Crespo Argibay
Instituto Galego de Estudos de Segurança Internacional e da Paz
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NOTAS PRÉVIAS
Na hora de abordar a temática deste trabalho, o estudo das políticas económicas
de defesa, partimos justamente de duas disciplinas que foram nos últimos tempos
objecto de uma crescente modelação matemática. Por uma banda, a economia, onde
já não é algo inusual encontrar especialistas em matemática, física, ou
engenharia teórica, aplicando os seus conhecimentos ao cada vez mais competitivo
orbe financeiro, no explosivo mundo da relativamente nova engenharia económica,
ou na busca de patrões e regras que permitam dar uma explicação compreensível do
devir económico. Na outra topamos com os assuntos da defesa, tanto ao nível
doutrinal, organizativo, e operacional, assim como a cada vez mais vital
optimização dos recursos, tanto humanos como materiais, que têm descoberto um
grande aliado no rigor da linguagem da ciência da precisão. E não só isto, ao
tomar esta opção, facilita-se o trabalho ao respeito do estabelecimento da base
relacional que junge ambas disciplinas, constituindo em este caso o fio
argumental de este escrito, quando o mesmo esquadrinha a correlação existente
entre o modelo que explica a economia coma uma onda de tipo sinusoidal no tempo,
e os avanços repercutidos pela chamada Revolução dos Assuntos Militares.
Assim, um dos feitos mais salientáveis que vêm acontecendo nos últimos tempos,
no que tem que ver com as distintas ramas do saber humano, é a progressiva
matematização das mesmas, é dizer, a proposição de modelos emergidos de uma
profusa formalização e fundamentação teórica que se deram nas matemáticas para
finais do século XIX e princípios do XX. Agora bem, e para evitar a crescente
confusão nascida do uso que muitas vezes se realiza de modo indiscriminado de
estas técnicas, faz-se necessário amostrar a diferencia subjacente entre o que é
a idealização matemática e a realidade. Sem dúvida, e pelo menos, desde a mesma
enunciação dos axiomas de Euclides, que hão fundamentar a geometria até bem
entrado o século XIX, é a experiência cognitiva a que forma a base e o fundo da
abstracção, que com a sua linguagem particular, dar-se-ia em chamar matemáticas.
Mas apesar de que ache o seu manancial originador na avaliação empírica, não é
uma explicação, nem uma descrição do real, senão que coma toda idealização,
trata-se de uma simplificação, de uma redução na complexidade da temática a
estudar. E é cá que embicamos com a questão principal, a resposta obtida no
transitar de este caminho, não é apenas exacta, senão uma aproximação, uma
indicação, convertendo-se de este jeito a cotação do erro em um elemento de
primeira magnitude, como bem sabem os especialistas em modelagem da matemática
aplicada, onde o relevante não é só obter uma solução, senão também o porte que
supõe o erro cometido.
BASES INTRODUCTÓRIAS: A TEORIA CÍCLICA
A teoria de ciclos de onda longa nos permite realizar uma análise da realidade
desde um ponto de vista distinto do predominante no mundo acadêmico. Buscando
causalidades e não-causalidades, voltamos à época na qual a ciência tinha como
único objetivo o reconhecimento de padrões na natureza, tais que permitissem o
enunciado de leis que não deixassem lugar algum à especulação banal, tão própria
do mundo científico atualmente. É nessa conjuntura, no retorno à solidez do
padrão, na que se aborda a aplicação de uma teoria que ocupa os economistas há
mais de cem anos, mas não só a eles, também aos mais diversos campos, desde a
explicação da mudança e o conflito social, particularmente a guerra, até chegar
ao porquê de uma certa política, passando, como neste caso, pelo estudo das
políticas e indústrias tecnológicas no campo militar e no modo com que estas
repercutem em toda a sociedade.
Ainda que seja habitual escutar comentários sobre ciclos em economia,
especialmente quando se fala dos ciclos curtos nas flutuações de mercado, os
ciclos de onda longa continuam sendo os grandes desconhecidos, inclusive no
campo acadêmico. Cabe dizer que este tipo de análise somente é válido quando se
trabalha com dados das economias capitalistas de mercado, pois as tentativas de
extensão a períodos protocapitalistas, em parte devido à ostensiva ausência de
elementos empíricos, não resultaram concludentes de forma alguma. De forma
similar, cabe indicar que a maior parte da literatura faz referência aos países
onde historicamente se desenvolveu este sistema, designadamente os de matriz
anglo-saxã e centro-européia. Devemos assinalar, além disso, que os estudos
cíclicos não estão restritos ao campo da economia, tendo, como veremos, especial
validade nas áreas como a polemologia, estudos ambientais, mudanças sociais e (r)evolução
tecnológica.
Direcionando-nos ao assunto deste apartado, iniciamos fazendo referência ao
século XIX, quando certos economistas, através de estudos, assinalaram que a
economia capitalista poderia comportar-se seguindo um movimento ondular de
período longo. No entanto, foi especificamente com Schumpeter (1939), professor
de Harvard que recuperou os trabajos de Kondratieff, que se chegou a colocar de
manifesto a natureza cíclica dos fenômenos econômicos no mundo acadêmico.
Em suas obras The Analysis of Economic Change e, posteriormente, Business Cycles:
A Theorical, Statistical Analysis of the capitalist Process, este autor aponta
para a existência de três tipos de ciclos, com o nome dos seus respectivos
descobridores: os ciclos de Kitchin ou de onda extra-curta (aproximadamente
quarenta meses); ciclos de Juglar ou de onda curta (entre oito a dez anos); e os
que aqui nos incumbem, os ciclos de Kondratieff ou de onda longa (entre quarenta
e sessenta anos).
Schumpeter considera a inovação técnica o elemento que atua como detonante no
processo cíclico do desenvolvimento econômico, baseando a divergência de
longitude dos distintos períodos na própria natureza da inovação-matriz que
incita a origem do ciclo. Portanto, para ele, o determinante tecnológico é o que
motiva o caráter cíclico da economia, e no caso do ciclo de onda longa, sua
própria origem se encontra nos importantes descobrimentos de tipo técnico.
Estudiosos neo-schumpeterianos, como Freeman ou Pérez, sustentam a explicação
anterior, em base à relação causal entre inovação, lucro e expectativas
econômicas criadas, que desemboca na aparição de novas técnicas e produtos com a
introdução de uma renovada indústria responsável pela parte crescente do ciclo
ou da fase ascendente de uma onda longa.
Kondratieff, através de sua obra, foi quem mais influenciou na concepção cíclica
da economia capitalista, ao ponto de se utilizar 'onda longa' e 'onda de
Kondratieff' ou 'ondas-K' como sinônimos, ainda que alguns autores distingam
outras ondas longas com períodos distintos ao descrito pelo cientista russo. De
qualquer forma, Kondratieff foi um dos primeiros a tentar demonstrar, baseando-se
em dados de origem puramente estatística (utilizando os materiais mais completos
que existiam em referência às economias dos Estados Unidos, França e Reino
Unido), a existência de ondas longas na evolução econômica dos países
capitalistas, em um conjunto binômico de 'crescimento-decrescimento' com uma
média de cinquenta anos de duração. Tudo isto, através de séries relativas aos
preços, taxas de lucro, evolução do volume do comércio exterior, produção de
ferro, chumbo e carvão, entre outros produtos.
Sua honestidade científica nos tempos da União Soviética de Stalin o levou a ver
o fim de seus dias em um Gulag da Sibéria, em 1938. Suas conclusões não podiam
contrariar mais aos mandatárias soviéticos, ao mostrar que, desde seu início
efeticvo em 1789, o capitalismo sofria crises periódicas, seguidas por períodos
de recuperação e bonança, sendo as causas que incitariam estes movimentos
rítmicos, ascendentes e descendentes, a seu entender, de tipo endógeno.
Aprofundando os estudos, Gordon (2005), seguindo Kondratieff, aborda cada ciclo
dividindo-os em quatro fases perfeitamente distintas, ficando cada uma delas
(primavera, verão, outono e inverno) plenamente caracterizadas. Com base em sua
análise, situar-nos-íamos, atualmente, nos alvores do Inverno do quarto ciclo,
tendo como ponto de apoio para seu estudo o acontecido nos três ciclos
anteriores e em especial no terceiro, o mais próximo, conhecido e estudado,
tanto pela sua proximidade na linha temporal como pelo volume e qualidade dos
dados à nossa disposição.
No terceiro ciclo, a entrada na estação hibernal vem determinada por um evento
conhecido como o crack de 1929, de cujas conseqüências europeus e estadunidenses
somos conhecedores e cujo detonante consistia numa acumulação de dívida
insustentável tanto no nível estatal como empresarial e particular, que levou à
criação de uma economia irreal, não baseada na produção, mas na especulação.
Gordon considera esta descrição como apropriada para a situação em que vivemos
na atualidade e nos indica que, somente nos Estados Unidos, a dívida está
totalizada em cerca de trinta e sete trilhões de dólares, algo nunca visto no
passado. Este processo tem a 'missão autorreguladora' de aniquilar a dívida
adquirida, ainda que o preço a pagar seja extremamente alto, sobretudo se
tivermos em conta realidades como de 1929, quando somente 5% das famílias
estadunidenses apresentavam interesses no mercado de valores, comparando-a com a
atual, em que esta porcentagem chega aos 50%, o que pode nos dar uma idéia do
que aconteceria se ocorresse um crack semelhante ao de então.
As séries de preços de bens e matérias primas se convertem no principal
argumento a favor da hipótese da onda longa. No referente à produção, a
controvérsia é maior, já que, como aponta Goldstein (1988), enquanto a escola
marxista encontra uma relação consistente entre o aumento de produção
preferencialmente industrial e o período de crescimento da onda, outros
estudiosos procedentes de diferentes escolas teóricas não confirmaram esta
afirmação, ou mostram escassas evidências que a sustentem. O trabalho de Cleary
e Hobbs (cit. Goldstein, 1988) realça o fato quase inquestionável, referente às
séries de preços, assim como os dados aportados pela produção de energia, a
inovação e o índice de interesse, que tentam indicar a consistência da teoria,
sendo a produção industrial um elemento a desprezar. Sobre a inovação, o
desacordo entre os especialistas é a tônica dominante, desde o momento em que
não existe unanimidade na designação do que se pode considerar inovação, ainda
que a escola neo-schumpeteriana seja a que maior ênfase coloca.
Ao introduzir a teoria de ondas longas na economia e buscar o elemento-raiz que
induz a geração de um comportamento cíclico no decorrer da atividade econômica
através da linha do tempo, nota-se que uma das principais escolas, que hoje em
dia se ocupam dos estudos e otimização da dita teoria, é aquela que considera a
inovação tecnológica (que, inclusive, chega a ser catalogada como revolução
técnológica) quando a aportação proveniente de tal novidade leva consigo uma
mudança radical de paradigma da realidade tecno-econômica, como a pedra roseta
que nos permite decifrar as chaves fundamentais na hora de levar a cabo uma
descrição coerente das causas que impelem a economia a adotar um comportamento
cíclico segundo o já citado modelo binômico de crescimento-descrescimento.
Schumpeter inaugurará e nomeará esta escola de pensamento econômico, ainda que
seja o próprio Kondratieff o que adiante a importância fundamental da inovação
como elemento dinamizador e modelador da economia, como bem reflete ao
sentenciar: “During the recession of the long waves, an especially large number
of important discoveries and inventions in the technique of production and
communication are made, which, however, are usually applied on a large scale at
the beginning of the next long upswing” (Kondratieff, 1935:111).
Buscando comprovar a teoria, Schumpeter chega a catalogar, na história da
economia capitalista, três mudanças de paradigma tecno-econômico devidas a
outras tantas inovações fundamentais ou cluster de inovações radicais, a saber:
1 A revolução industrial e seu brutal impacto nas formas de produção
tradicional, que pouco a pouco se veriam substituídas. Isto conlevaria o
desaparecimento do laço comunitário expresso através da congregação gremial, a
ser substituído por um crescente individualismo que tem sua raiz genelógica no
homem assalariado;
2 A posterior idade do aço e o vapor que terá uma incidência primordial no
encurtamento das distâncias geográficas mediante a introdução das ferrovias, de
modo que a indústria deixaria de estar ligada à fonte de matéria prima, podendo
encontrar-se separada dela a milhares de quilômetros;
3 Logo chegaria a revolução introduzida pela aparição da eletricidade, a química
e os motores de combustão interna, variando radicalmente a forma de produção,
que permite colocar em mercado, de forma simultânea e em lugares distantes
geograficamente, uma grande quantidade de um mesmo bem (sincronia e ubiqüidade).
E ainda que o autor não chegue a catalogar uma quarta revolução tecnológica,
fizeram-no os seus discípulos, estando esta caracterizada pela invenção do
plástico, a generalização do uso do automóvel (que tanto deve à cadeia de
montagem e ao veículo do povo - VolksWagen -, o carro popular utilitário), assim
como a aparição da eletrônica e o conseqüente descobrimento do transistor, que
fez possível a miniaturização dos aparelhos eletrônicos. Trata-se, sem dúvida,
do cimento sobre o qual se assenta o que atualmente se chama a revolução
tecnológica, também conhecida como 'sociedade da informação', ao ser justamente
o tratamento e o acesso à informação o centro sobre o qual gravita toda esta
série de inovações de consumo, que dia-a-dia nos são oferecidas.
A inovação paradigmática ou radical que produz a ruptura com a fase terminal do
ciclo e amostra o início da seguinte cumpre uma série de pré-requisitos
necessários para que tal processo possa ser levado a cabo: deve introduzir novas
técnicas que resultem no aumento da eficácia produtiva, mediante a aparição de
novas e mais efetivas ferramentas; traz consigo a elaboração de novos produtos e
bens que estão à disposição do consumidor; imperativamente obriga uma
reorganização da atividade econômica com a aparição de novos modelos de
estruturação.
A INDÚSTRIA DE DEFESA COMO AGENTE IMPULSOR
Se é certo que os constatáveis ciclos econômicos devem sua anuência à introdução
de uma nova tecnologia capaz de produzir uma mudança paradigmática em relação à
que se tenha tornado obsoleta, e portanto habilita a geração de um novo ciclo de
renovados brios, é, então, necessário analisar, ainda que somente de maneira
superficial, a contribuição feita desde o campo militar, especificamente sua
indústria, a esta vital renovação que se encontra atrás do devir econômico.
A preocupação pela defesa e segurança ocupam um lugar preferencial dentro do
pulular vital do homem desde o princípio dos tempos. Mais do que isso, o próprio
instinto de sobrevivência, com sua base genética, impele de maneira definitiva
para assim seja. Por tudo isso, não é descabido afimar que as políticas de
defesa e segurança, desde seus rudimentos mais arcaicos nas tribos nômades até a
atual sofisticação eletrônica, é parte indivisivel da própria vida. E para
somente demonstrar, basta que se visite um dos milhares de Castros localizados
no nosso noroeste peninsular, onde, sem dúvida se perceberá, dada a sua
localização e estruturação que, primeiramente e antes de ser erigido em uma zona
favorável ao cultivo ou pastoreio, ergue-se sobre um terreno defensível,
constitui uma unidade defensiva e apresenta-se edificado de acordo com uma
verdadeira política de defesa, a qual há de reger o resto das atividades da
comunidade. Tendo isto em conta, não parece difícil chegar à conclusão de que os
desenvolvimentos tecnológicos no campo militar, entendido num amplo espectro,
têm uma absoluta influência no âmbito civil e particularmente no devir econômico.
Neste sentido, é necessário fazer notar a crescente dissociação entre o civil e
o militar, ao contrário dos tempos antigos, em que a milícia e a cidadania
estavam intimamente ligadas, chegando a ser praticamente indistinguíveis uma da
outra. E apesar deste atual desentendimento, e ainda que os grupos de pressão
favoráveis a que este divórcio se consolide definitivamente sejam cada vez mais
numerosos e poderosos, a realidade se mostra irremediavelmente teimosa. A
tentativa, condenada sem remédio ao fracasso, de separar investigação militar e
civil é um erro notável que somente pode entorpecer a histórica e necessária
convergência e retroalimentação de ambas, a qual somente pode ter um objetivo de
efeito multiplicador de resultados positivos.
O exemplo norte-americano de fusão de ambos setores é o que, sem dúvida, melhor
tem mostrado a eficácia e conveniência desta comunhão. Também devemos ser
conscientes de que a colaboração das empresas civis no campo da investigação e
produção militar, as proporciona um alto nível competitivo tanto nacional como
internacional, ao estar os encargos realizados desde os departamentos de defesa
ligados à mais candente atualidade tecnológica, supondo isto um desafio que
somente pode repercutir na melhoria da qualidade de sua própria produção
empresarial. Como demonstração deste inapelável fato, basta simplesmente a
enumeração de toda uma série de invenções e implementações técnicas que marcam
nosso decorrer diário e sem as quais seria impossível levar a cabo nossas
tarefas mais habituais, cuja origem se encontra na atividade da investigação e
indústria militares. Hoje, dificilmente e nas mais diversas áreas, seria
inconcebível nosso trabalho e lazer tem a presença dos computadores e Internet.
Mais ainda, seu desaparecimento causaria um colapsco econômico global. Pois bem:
ambos elementos nasceram na esfera do militar.
O primeiro computador digital, o electronic numerical integrator and computer,
ENIAC, foi desenvolvido pelo exército norte-americano para fazer frente à
extraordinária demanda de cálculo necessário para elaborar as tabelas de disparo
balístico. O ENIAC constitui o protótipo do qual evoluiriam todas as máquinas
computacionais de hoje, abrindo caminhos para uma nova indústria, passando
rapidamente de um instrumento meramente militar à principal fonte para a solução
numérica de uma imensidão de problemas científicos, entre eles os relacionados
com a energia nuclear, os modelos meteorológicos, a ignição térmica, a análise
espectral, a geração dos números aleatórios ou o desenho de túneis de vento,
entre muitos outros.
Por outra parte, também temos a energia nuclear, vítima de falsa controvérsia,
sem a qual não contaríamos, apesar do problema dos resíduos, com a mais barata e
eficaz forma de produzir energia em ingentes quantidades. No entanto, se o
argumento energético não fosse suficiente, somente teríamos que acudir a um
hospital qualquer de uma de nossas cidades para comprovar o amplo leque de
técnicas e aparelhos que deparou sua implementação na esfera sanitária. Não cabe
dizer, por tão conhecido que já nos é, e ainda que sua infausta utilização como
arma de guerra haja causado centenas de milhares de mortos e feridos, além de um
terror global a uma guerra de tipo nuclear, que a origem das atuais aplicações
pacíficas da mesma se centram no desenvolvimento destas próprias armas que,
talvez, por outro lado, tenham evitado uma devastadora III Guerra Mundial, dado
o elemento dissuasivo que introduziram.
Somos prisioneiros do telefone móvel, acessamos a canais de televisão que emitem
em tempo real desde qualquer parte do mundo, contamos com um sistema de aviação
que constitui o meio de transporte mais seguro, cujo tráfico se organiza e
atualiza em tempo real, assim como as rotas marítimas e frotas de transporte
terrestre, do mesmo modo em que podemos viajar num automóvel próprio particular
de Lisboa a Berlim, sem nos perdermos em estradas secundárias, graças aos
satélites que orbitam nosso planeta.
Conforme podemos podeceber, há dois elementos, cuja ausência faria inimaginável
a existência desta tecnologia. Por uma parte, a ambição espacial de Wernher von
Braun, cujos trabalhos em balística, primeiro para o exército alemão e logo após
a guerra, para a que então era uma agência militar, a NASA, não só conduziram o
primeiro homem à Lua como permitiram elaborar o veículo que colocaria em órbita
a plêiade de satélites que hoje sobrevoa as nossas cabeças e que tantos serviços
põe à nossa disposição. Por outra, a militarmente falida strategic defense
initiative, SDI, ou popularmente conhecida como guerra de las galaxias, sob a
égide da administração Reagan. Esta iniciativa se contituiu em um dos maiores
desafios técnicos jamais assumidos pelo homem, cujo ingente esforço em
investigação e desenvolvimento, ainda que miliarmente fosse um fracasso, tenha
acabado por dar seus frutos no campo civil, sendo, sem dúvida, o sistema GPS um
dos seus frutos, mas não o único. Aplicações na luta contra o câncer, na
localização e extração mineral, petróleo ou gás, por exemplo, são da mesma forma
algumas das que podemos nomear.
É possível, no entanto, encontrarmos aplicações militares adaptadas à sociedade
civil que sejam menos espetaculares. Um exemplo é a adequação dos sensores
utilizados pelo exército para a localização de submarinos e minas para evitar os
acientes, não demasiado freqüentes, nas salas onde se levam a cabo as
ressonâncias magnéticas. Também nos vale ressaltar que não somente no campo
técnico se realizam as contribuições militares, como no teórico. Não em vão, o
último trabalho que apresenta uma solução exata à teoria do campo gravitacional
de Einstein sob a condição de que a massa se mova a uma velocidade próxima à da
luz vem da mão do físico norte-americano Franklin Felebr, com mais de 30 anos de
serviço nas Forças Armadas estadunidenses.
Por último, cabe mencionar alguns dos trabalhos que se levam a cabo em nosso
país dentro do ramo da investigação militar e que apresentam uma clara
possibilidade de ser implementados no nível civil: estudos sobre os efeitos das
radiações eletromagnéticas sobre as pessoas, por estar o pessoal militar
altamente exposto a este tipo de emissões, a fabricação do radar tridimensional
por parte da Indra; a elaboração de sensores que, inseridos nas fuselagem dos
aviões farão possíveis detectar seu grau de fadiga sem a necessidade de proceder
à sua desmontagem; o desenvolvimento de aviões não-tripulados que, além de
colaborar com as tarefas de combate, poderão ser utilizados na luta contra o
fogo ou na localizaçao de bancos de peixes.
A DEFESA: INOVAÇÃO DOUTRINAL, ORGANIZATIVA E OPERACIONAL
A introdução de novidades tecnológicas desde a esfera da defesa supõe um
processo de extrema complexidade que primeiramente vai repercutir na própria
estrutura da mesma, assim como na forma em que se exerce, para finalmente acabar
ultrapassando a, hoje grossa, linha que separa o militar do civil. Todo este
périplo é o que se costuma chamar de Revolução dos Assuntos Militares, em inglês
Revolution in Military Affairs.
Antes de entrar a definir um conceito tão amplo e vigoroso como pode ser o da
Revolução dos Assuntos Militares, e posto que se entra de cheio no campo da
defesa e segurança, converte-se imperativo aclarar algum termo, dado o
redemoinho totalitário proveniente do politicamente correto, que traz como
resultado um esvaziamento do sentido etimológico das palavras, para
simultaneamente dotá-las de um novo significado mais de acordo com a nova
ideologia do neutro, do assexuado, do tíbio, conduzindo, deste modo, a
construção do que se denomina uma neolíngua, na que o sentido da intuição
natural que conforma o significado dos significantes é substituído por uma mera
idealização abstrata. Isto se plasma particularmente no que se refere à guerra,
cuja alusão direta foi suplantada por toda classe de eufemismos, chegando,
inclusive, a mudar-se a definição clássica da sua natureza intrínseca, que tão
bem foi observada por Clausewitz.
Analisando-se sob essa perpectiva, parece-nos plausível pensar que talvez o
trágico destino do homem seja não ver-se jamais livre da guerra, já que, ainda
além de todos os desenvolvimentos e avanços que tenha conseguido alcançar em
todos os âmbitos de sua existência ao largo da história, a realidade é que esta
se encontra total e absolutamente determinada pela guerra. Até mesmo nossa vida
atual no ocidente, desfrutando de um dos maiores períodos de paz e prosperidade
jamais alcançados por nossa espécie é resultado dela, não entendível sem a
vitória aliada sobre as forças do eixo em 1945 e a derrubada do bloco soviético,
que marcaria o final de uma confrontação bélica não-declarada, caracterizada
pelo terror nuclear e os conflitos bélicos periféricos que enfrentaram as
superpotências concorrentes. É possível que este prolongado período de tempo
tenha afetado a percepção da realidade em boa parte de nossas sociedades, e isso
apesar de os fatos serem curs e obstinados, como assim se encarregam de
mostrar-nos tragédias como as de Ruanda, Congo, Chechênia, as guerras do Golfo e
Afeganistão e, sem ir muito longe, no próprio coração da Europa, durante o
traumático desaparecimento da antiga Iuguslávia.
Se o descarnado escrutínio de nossa história nos mostra que a guerra não pode
ser abolida, então de imediato se converte em objetivo primordial seu
discernimento e entendimento, não mediante a ficção de como gostaríamos que
fosse, mas como realmente é, de acordo com as ferramentas que o bom juízo, a
razão e o método científico tenham posto à nossa disposição. Portanto, cabe aqui
perguntar: o que é a guerra? Ante a necessidade de proceder à abordagem de
tamanha questão, nada melhor do que voltar a vista a um dos maiores teóricos, no
que diz respeito à procura de uma resposta a esta pergunta. Já que, se os
estudos de Clausewitz no que tem a ver com os procedimentos técnicos e materiais,
táticos e estratégicos, tenham permanecido, sem dúvida obsoletos, não é o caso
de sua audácia na hora de captar sua essência mesma, aquela que permanece
imanente no transcurso da história.
Clausewitz, em seu crucial trabalho, Vom Kriege, descreve-a como um duelo em
grande escala, como um ato de força que tem por objetivo impor a vontade própria
sobre a do adversário, como a continuação da política por outros meios, nada
extrínseco à própria condição cainita de ser humano, salvo por estar em
proporções ampliadas. Para aclarar, e devido à deturpação lingüística à que se
fazia referência anteriormente, faz-se mister realizar alguma matização para
esta definição, que sem dúvida seria pertinente tendo em conta a época histórica
na que coube ao autor viver, ao ser assumida como caracterizadora da noção mesma.
Conceber-se-á, portanto, a guerra como um conflito armado entre estados,
entendendo-se por estado toda a unidade política que controla um espaço físico e
os indivíduos que o habitam, independentemente de que esta entidade seja capaz
de exercer e manter um controle político sobre um território e seus moradores e
que seja reconhecida, ou não, pela arbitrariedade emanada do Direito
Internacional. Desta maneira, capacita-se a discriminação entre defesa e
segurança, sendo a primeira a garantia da sobrevivência do estado mediante o uso
da força armada e a segunda encarregada de garantir a boa ordem e o cumprimento
da lei, não tanto mediante o uso da força militar, mas empregando ferramentas de
informação/contra-informação e inteligência.
A modo de exemplo e à luz do que vimos, podemos dizer que, no caso da
intervenção norte-americana no Afeganistão após o 11-S, encontramo-nos ante uma
guerra genuína, em virtude do estabelecido precedentemente, enquanto que resulta
do todo improcedente da denominação "guerra" contra o terrorismo, cujo combate
mais efetivo há de ser levado a cabo desde a esfera da informação e inteligência,
tanto militar como civil.
Após esta breve nota aclaratória sobre a necessidade de chamar cada coisa por
seu nome, em virtude de um espírito de simplicidade e claridade, faz-se
necessário entrar no proceloso mar que há de conduzir a dar uma definição o mais
ajustada possível do que se entender por Revolução dos Assuntos Militares. É
muita a literatura que, nos últimos tempos, tem-se divulgado a esse respeito,
particularmente nos Estados Unidos, e são muitos os enunciados propostos como
definidores do que venha a ser a RMA. No entanto, ainda assim e apesar da
volubilidade da linguagem, há dois elementos comuns que podem ser notados em
todos eles: mudança e tecnologia. A mudança, compreendida como fundamental,
paradigmática, que vem a substituir velhos esquemas por novos, parece-se
traumática no sentido em que a substituição do que conhecido por algo que não o
é sempre produz uma força inercial de rejeição. Isto demonstra-se-nos
importante, já que é um fator que pode fazer fracassar uma revolução, ou tão
somente uma inovação que, com o tempo, pode chegar a mostrar-se como de vital
importância.
Por outro lado, encontra-se o fator tecnológico, que seria, em grande medida, o
propulsor da mudança ou revolução, mas não somente, já que, como se tratará de
mostrar, há outro elemento, o antropológico, que, ainda que no passado talvez
não tenha tido um peso específico demasiado apreciável, certamente resultou num
agente fundamental na hora de impulsar a atual RMA.
O patente empobrecimento conceitual, que já antes era referenciado, também faz
obrigatório explicitar o que se entende por tecnologia, já que não somente se
trata da teoria e técnica que leva à produção de aparelhos eletrônicos, como se
poderia pensar se limita exclusivamente aos meios de comunicação massiva, pois,
muito ao contrário, um elemento tecnológico é toda a ferramenta desenvolvida
pelo homem e que lhe facilita a realização de suas tarefas. Implementações que
hoje em dia podem parecer arcaicas, como o controle do fogo por parte dos grupos
humanos ou a invenção da roda, em seu tempo consituíram avanços tecnológicos de
primeira ordem.
Em um modo extensivo, pode-se dizer que nos encontramos ante uma RAM quando se
produz uma mudança do paradigma tecnológico que acaba por acarretar uma mudança
radical na forma de levar a cabo uma guerra. Ou seja, produz-se uma profunda
transformação na forma e organização das instituições militares, na política que
as rege, assim como no modo em que as ações são levadas a cabo no campo de
operações. Portanto, a técnica leva a uma restruturação das instituições e
conjuntamente influencia na plasmação prática no nível operacional. Não é
preciso dizer que as RMAs, ainda que a nossa sociedade trate, de todas as
formas, de classificar o militar e o civil em conjuntos distintos, têm um
impacto direto sobre o espectro político, social e econômico, como assim se
mencionou expressamente com anterioridade nesta exposição, mediante a
transferência de teoria e técnica, fruto da investigação militar, ao campo
civil.
Esta definição extensiva possui a virtude de proporcionar a capacidade de
identificar distintas RMAs ao longo da história e não somente centrar-se à que
vem-se desenvolvendo, ou procurando que se desenvolva, de tal modo que se admite
um certo grau comparativo, que sempre terá um grande valor na hora de fixar e
generalizar idéias. Contudo, talvez se peque por limitação ao fixar o elemento
tecnológico e técnico como primário, sem se ter em conta que, em qualquer época,
a violência política organizada é um produto extremamente complexo que reúne
processos políticos, sociais, econômicos e culturais.
Com isso, queremos significar que existem pelo menos duas escolas de estudiosos
das RMA. Em um lado, notam-se aqueles que consideram unicamente as novas
invenções técnicas aplicadas no campo de batalha na hora de outorgar a titulação
revolucionária das RMA. Deste modo, para eles, estaríamos ante uma RMA, por
exemplo, no caso da introdução da artilharia no século XV ou com a conjugação da
artilharia e do poder naval (séc. XVI - XVII), com a generalização do uso das
armas de fogo (XVI-XVII), com a informação, cujo desenvolvimento no período de
entreguerras levaría à aparição de uma nova doutrina de combate, a Blitzkrieg,
que quase teve como resultado uma vitória alemã a qual, aos olhos dos grandes
generais franceses ou britânicos, estagnados pela doce, mas fugaz glória da
vitória de 1918, somente se poderia produzir contra toda previsão. Aqui
encontramos um dos condicionantes que fazem necessária a impulsão da RMA: a
obrigação de estar sempre um passo mais adiante do possível adversário, mediante
a inovação e o fator-surpresa que esta introduz na equação do conflito.
Uma segunda escola, sem dúvida a mais interessante e realista, é conformada
justamente por aqueles que entendem a força armada e a instituição militar como
parte indissolúvel da sociedade, de tal modo que o mundo civil e o militar se
constituem como organismo simbiótico, sendo, portanto, a defesa uma obrigação de
todas as suas partes, não ficando somente nas mão do exército mercenário de
turno. Deste modo, a mudança paradigmática somente é interpretada como tal
quando tem uma profunda influência, em todos os níveis, de uma comunidade
filiada em uma entidade estatal. Provavelmente possamos exemplificar através da
situação que atualmente estamos vivendo, na que a eletrônica, cujos avanços no
mundo civil são simplesmente impensáveis sem se ter em conta a aportação da
investigação militar (o computador, a internet, a rede de satélites, a
tecnologia balística que se fez possível, etc.), está originando uma profunda
transformação no nexo social, da maneira na que se produz, distribui e vende, ou
no acesso à cultura. Pode ser identificada, inclusive, uma terceira escola, que
seria o produto misto das duas precedentes, com o que o único que viria aportar
seria um maior grau de confusão na hora de lidar com tais assuntos.
Antes de empreender a análise do nível mais técnico a respeito da RMA, suas
características, os processos que conduzem a ela, as variáveis que entram em
jogo na hora de determinar seu êxito ou fracasso, ou um superficial estudo da
atual RAM que está se dando nos Estados Unidos, é necessário entender os
elementos que a motivam. Já fizemos menção expressa à perecibilidade de adiantar-se
aos movimentos das possíveis ameaças mediante a inovação, que, sem dúvida, é
algo que não necessita maior explicação. No entanto, há um elemento que não
costuma constar nos manuais mas que, sem embargo, apresenta-se como vital ao
tratar de compreender o porquê da RAM atual: a correria com a que, desde os
departamentos de defesa ocidentais, principalmente o norte-americano (não cabe
dúvida pois é o único país ocidental que mantém uma intensiva atividade militar
em distintas frentes ao longo do globo), se deseja o desenvolvimento de mais e
mais tecnologia eletrónica, especialmente em sua variante robótica e de precisão
de fogo, para ser implementada no nível operacional.
Este é o antropológico, o condicionante humano, o como mudaram a forma e a
organização social, assim como a maneira com a que o indivíduo percebe sua
própria existência que, ao fim e ao cabo, é algo intimamente ligado ao cada vez
maior abandono do cultivo da parte espiritual constitutiva do homem, que não
somente se traduz na relutância na hora de exercer a atividade militar, mas
também quando ela se exerce por indivíduos não informados por valores que
transcendem uma mera existência material, convertida em simples violência
extrema que em nada ajuda a obter os resultados que o uso da força, em um
princípio, buscava.
Com respeito à análise da atual situação de apatia em nossas sociedades, no que
se refere aos assuntos de defesa, nada melhor do que citar as palavras de um
militar, o Vice-Almirante António Emílio Ferraz Saccheti, atualmente Presidente
do Grupo de Estudo e Reflexão Estratégica (GERE) e da Academia de Marinha de
Portugal, para quem, sob as roupagens da globalização e uma pretendida evolução
dos tempos, está se criando uma ideologia do relativismo, que apresentada com a
aparência de liberdade e modernidade, nada mostram como definitivo e, ainda ao
contrário, favorecem a aceitação constante de egoísmos, dentro de um ambiente
onde tudo é relativizado. E, citando o próprio João Paulo II, ratifica o
crescimento de uma indiferença ética geral e de uma preocupação obsessiva pelos
privilégios e interesses próprios, o que acaba por desembocar uma doentia avidez
por querer gozar tudo e de forma imediata, o que vem a abolir qualquer classe de
esforço e trabalho desinteressado em prol do bem comum, que tem sido substituído
por um atroz individualismo constituinte de uma barreira insalvável na hora de
empreender projetos comuns, particularmente aqueles que podem chegar a exigir o
maior do todos os sacrifícios, como é a defesa.
Sua visão do indivíduo nestas atuais circunstâncias é elevada à altura dos
partidos políticos, onde a razão e interesses partidários vieram a substituir as
políticas tendentes a proporcionar o bem comum, assim como as políticas que
necessitam de uma unidade de ação nacional, como é o caso, novamente, da defesa.
O marketing político que faz o jogo à deriva social tão bem expressa
anteriormente, resultou em uma percepção negativa da força armada e da
instituição militar em geral, quando a realidade é que esta se mantém como
garantia última do livre funcionamento das instituições democráticas, assim como
da defesa dos interesses nacionais que, como indica o Vice-Almirante Ferraz, são
permanentes e vitais. Sua nítida percepção da realidade social também o permite
afirmar, algo que já Nietzsche havia captado, a confusão entre causas e feitos e
o grave erro que constitui tomar um efeito por uma causa, sendo desta maneira
impossível alcançar a raiz do mal.
Abundando nesta temática, é necessário citar também o Coronel Carl D. Rehberg,
da US Air Force (USAF), sobre a educação de caráter como parte integral da
profissão de armas na tradição ocidental, mostrando sua preocupação pelo relaxo
em que vive este aspecto, já não no âmbito civil, como também no militar, quando
ela dotou aos homem de uma série de valores e códigos que serviram tanto em
tempos de paz como de guerra. Põe sua ênfase em que isto não se adquire por ter
fé em um sistema legislativo nem em uma instituição particular, as quais sempre
se encontram à mercê do devir temporal, mas pela fé em princípios que permanecem
imutáveis apesar dos avatares históricos. Talvez aqui se faça necessário
regressar a Goethe e perguntar-se quem é o melhor soldado: o que acode a ela
sabendo que somente cairá se houver uma bala que leva o seu nome e que a morte
não é o final (como se canta em honra aos nossos caídos) ou o que crê no
contrário.
Somente neste marco é acessível o julgar por completo as características que
informam a atual RAM e a impaciência por implementá-la, a qual se esvazia por
completo no fator tecnológico, tratando de extinguir no possível a intervenção
humana. Quer-se conseguir, deste modo, evitar o dano que, sobre a quebradiça
moral nacional, tem o conhecimento, por parte da sociedade, das vítimas feitas
em ato de serviço, aliviar para uma capacidade cada vez menor de recrutamento e
converter a guerra em um instrumento frio e calculado que, através de uma
vitoriosa superioridade tecnológica, somente chega a causar vítimas colaterais,
algo assim como as que a cada fim de semana produzem as nossas estradas, tal
como estas são percebidas por parte dos cidadãos como mera e fria estatística
refletida em alguma coluna interior de um jornal.
Abandonando esta espinhosa matéria, é tempo de refugiar-se no burladeiro da
insípida e neutral ténica, para adentrar-se na natureza da RAM na sua vertente
mais apegada à efetiva realização de operações miltares e como esta incide nas
mesmas. Neste sentido, pode-se entender a RAM como uma revolução técnica
militar, combinando avanços tecnológicos em vigilância, comando, controle,
comunicações, inteligência e precisão de fogo, assim como toda uma bateria de
novos conceitos operacionais entre distintas unidades que na confrontação
clássica atuavam de forma separada. No dilema atual, e sobretudo graças ao grau
de miniaturização permitida pelos chips de silício, que permite que equipamentos
dotados de uma grande potência de cálculo e processamento de informação possam
ser portados de forma individual, a estrita e clássica hierarquia militar se
começa a ver como pouco plástica e adaptável a uma situação na qual, dada a
imediatez da informação recebida, é a própria unidade de combate a que deverá
resolver a ação a tomar, sem esperar as ordens procedentes do mando pertinente.
Sem dúvida, este será um dos efeitos mais importantes que a atual RAM provocará
sobre a atual organização de uma instituição militar ainda apegada a um modelo
clássico.
O escrutínio do arquivo histório, no que tem a ver com a RAM, faz viável
assinalar uma série de características que se repetem em todas aquelas que se
pôde identificar:
1 As RAM raramente são implementadas pelos atores dominantes no teatro de
operações; e o exemplo clássico que foi mencionado podemos encontrar no
desenvolvimento das unidades mecanizadas e aéreas que deram triunfos
inimagináveis à Alemanha de Hitler no início da segunda conflagração mundial,
quando os exércitos francês e britânico permaneciam embebidos pelo halo de
superioridade aparente que, frente ao inimigo germânico, haviam obtido de seu
triunfo na primeira guerra mundial;
2 O desenvolvimento da RAM, tenha esta um caráter limitado ou mais amplo, sempre
acaba por conferir ao adversário que primeiramente a desenvolve uma ampla
vantagem na batalha. Sirva novamente como exemplo a implementação da Blitzkrieg
e seus devastadores efeitos sobre o oponente;
3 Com freqüência sucede que uma nova tecnologia desenvolvida por um bando seja
primeiramente utilizada por alguém que a adquire sem ser seu original criador,
ao ter uma visão de projeção no futuro da mesma da que está carente o primeiro;
4 A RAM fundamentada tecnologicamente costumar trazer uma série de novas
invenções que atuam de forma combinada;
5 O êxito de uma determinada RAM se correlaciona com o fato da presença, nela,
de três fatores fundamentais: tecnologia, doutrina e organização;
6 Não se trata de algo que possa programar e levar a efeito de uma forma
sistemática, mas que, pelo contrário, habitualmente, precisa de um considerável
período de tempo para que possa amadurecer de forma efetiva, dado o importante
número de agentes que intervêm nela;
7 Recordemos que toda inovação produz, em primeira instância, uma recusa e este
efeito não é menor na matéria aqui tratada, de modo que a adoção desta, ou não,
dependerá de que possa ser testada, ou não, no campo de operações,
possibilitando, assim, a eliminação das possíveis reticências que poderiam
existir em princípio.
Brevemente, deve fazer-se menção ao processo que conduz à catalogação de uma RAM
como tal, de forma que esta fique constituída pelas seguintes fases ou passos.
Em uma primeira fase se produz o desenvolvimento tecnológico incentivado pela
presença dos diversos desafios que representam inimigos declarados, ou aqueles
que, desde a ótica geopolítica, possam fazer tal papel no futuro. Sem eles, ou
sob a percepção errônea de que são inexistentes, dificilmente se poderá
finalizar com êxito uma RMA, ao necessitar-se dos incentivos precisos que
motivam a investigação militar. O anteirior dá passo ao seguinte escalão, que
consiste numa ruptura conceitual referente à organização militar e à sua
doutrina, dando lugar a uma nova que esteja mais de acordo com a necessária
execução efetiva da nova técnica sobre o teatro de operações. Por último, o
passo definitivo se traduz na incorporação prática das novas tecnologias e
ténicas, assim como do novo modelo operacional e organizacional no campo de
batalha.
Sublinhamos, em seguida, aqueles elementos que possam provocar o fracasso de uma
pretendida RMA. No caso da investigação científica em geral, e militar em
particular, não é raro o caso no qual se obtêm resultados teóricos que, na
prática, resultam irrealizáveis, seja por questões pressupostas ou de
complexidade e, portanto, ainda que, em teoria, conlevassem a uma mudança na
atuação bélica, ao final acabam por ser recusados. Outro dos fatores que se
mostra como primário na hora de decretar uma RAM como falida é a oposição da
estrutura miliar à mudança que supõe a introdução dos novos avanços na hora de
organizar-se e de operar, sendo um risco que somente pode ser abolido mediante o
teste de tais elementos de forma satisfatória, de modo que não sobre mais
remédio que dar o Nihil Obstat à sua adoção.
Atualmente, e se não mudam muito as coisas, é o que cabe esperar nos próximos
anos e, inclusive, década, são os Estados Unidos da Norteamérica o único país
capacitado para levar a cabo uma verdadeira RAM, constatando, sem dúvida, que os
esforços neste sentido, conduzidos pelo seu Departamento de Defesa sob os
auspícios da administração federal, estão sendo bastante consideráveis,
sobretudo se nos atentarmos ao gasto geral em defesa e, em particular, em
investigação militar. Não se pode dizer o mesmo deste outro lado do oceano, e
menos ainda ao nos referirmos ao nosso país, onde a aquisição de novos elementos
tecnológicos tanto de hardware como de software se produz no mercado
internacional e não são fruto da própria investigação teórica e conseguinte
desenvolvimento técnico que esta há de proporcionar.
A esta situação, que somente cabe qualificar de lamentável, ao podar uma
importante parte da soberania e independência nacional, quando se depende de
pontências extrangeiras na hora de obter dispositivos-chave para a operatividade
militar, contribuem dois elementos fundamentais, o baixo gasto destinado à
defesa, e, portanto à investigação militar, e a grave dissociação existente
entre o mundo civil e o militar, o que dificulta a tranferência mútua de idéias
e técnicas. Não é o caso dos Estados Unidos, onde a participação, desde as
grandes corporações às PEMEs, e chegando à própria cidadania, no trabalho para a
defesa, encontra-se na base da abrumadora superioridade com a qual conta este
país hoje em todos os âmbitos.
Este fato pode ser constatado através da enumeração de alguns dos programas que,
na atualidade, estão se implementando nos Estados Unidos com a finalidade de
introduzir uma RAM, e que não somente terão um impacto em como se faz a guerra,
mas sim, assim como demonstra o registro histórico, influenciarão diretamente em
toda a sociedade.
Está se colocando grande ênfase na análise de quais e como seriam as guerras do
futuro, já que, ainda que entendida classicamente como o enfrentamento entre
unidades hierarquizadas e uniformadas seja cada vez mais improvável, desde logo
não parece descartável, sendo assim que a simulação de tensões geopolíticas e a
tomada de decisões para eventuais ações militares contra as chamadas potências
locais se encontram na mais recente atualidade. Além do wargaming, o ponto forte
se encontra no desenvolvimento tecnológico de novas ferramentas de combate e a
experimentação com as mesmas, tanto para analisar sua precisão e validade, como
a influência que podem ter no momento de desenhar a tática e estratégia a
aplicar na vertente operacional.
Tampouco se deixa de lado a questão referente à própria organização militar e
como esta deve adaptar suas estruturas para obter um funcionamento otimizado de
todos os ramos que confluem numa política de defesa efetiva. Também é necessário
ressaltar o cadaz vez maior grau de implicação do campo teórico-científico, não
somente para a elaboração de ferramentas técnicas, como para a própria
racionalização do esforço. Aqui se destacam os trabalhos realizados dentro da
chamada operations research, e que, por exemplo, mediante o profuso emprego das
técnicas de programação matemática, têm proporcionado notáveis êxitos na hora de
otimizar a estruturação da logística militar. Sobressaem também as cada vez mais
numerosas contribuições da investigação operativa, tanto através da teoria de
jogos como da teoria da decisão que, graças à rigorosidade de um adequado marco
matemático, permitem uma melhor avaliação das situações de crise, tanto
políticas como militares, servindo de inestimável apoio na hora de tomar
decisões e estimar suas conseqüências.
CONCLUSÕES
A conjugação da teoria econômica que considera o devir da mesma como uma
situação de ciclo de onda longa (cuja dinâmica se encontraria na força que
introduz a inovação tecnológica) com a percepção de que a atividade militar
constitui um incentivo de primeira ordem na hora de que esta se produza,
demonstra-se como um modelo, quanto menos interesante, na hora de abordar as
mudanças que com certeza nos depara o futuro próximo. A própria história aclara
como a transferência tecnológica desde o campo militar ao civil, que se vem
produzindo de forma evidente e nítida e sem a qual não seria compreensível,
atualmente, a nossa forma de vida, permite concluir o alto grau de correlação
existente entre a atualização tecnológica militar e o mecanismo que se esconde
depois do acionar da maré econômica.
Tratar de cortar ou acabar esta ligação somente pode desembocar em um freio à
inovação, já que se podaria pela raiz um dos principais incentivos na hora de
procurá-la, que não é mais nem menos que a milenar preocupação do homem por sua
segurança e sua defesa. As atuais divergências tecnológicas, mesmo dentro da
orbe dos países ocidentais plenamente desenvolvidos, parece apontar para a
importância da inversão na área do I+D+I de defesa na hora do desenvolvimento
integral e holístico da nação. Ainda assim, não se poderá falar de forma alguma
de uma autêntica Revolução dos Assuntos Militares se não se enfrenta a dimensão
essencial da defesa: o homem.
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