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libro
Ensaios de Economia
de Luis Gonzaga da Sousa
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A SOBERANIA DO CONSUMIDOR
Uma das questões mais sérias na atualidade é quanto ao consumo da população como um todo. A população que consome é a mesma que produz, entretanto, sua participação no processo produtivo, como se pode observar, não condiz com o que se acrescenta ao produto nacional. É este diferencial que justifica a exploração do homem pelo homem, tendo em vista que a remuneração obtida no processo produtivo não dá nem para o pagamento de sua força de trabalho; pois, é fácil notar que a produção cresce e a mão-de-obra envolvida cada vez mais definha, para engordar o capital monetário alheio. E o que se vê nas ruas, nas periferias das cidades de qualquer porte; e, em especial, nas médias e nas grandes cidades é a formação de trombadinhas, pivetes, prostitutas, pedintes e muitos outros, em busca de conseguir, pelo menos terminar sua vida, ou viver mais um pouco.
Este estado de coisas é próprio de países que vivem cegamente atrelados ao capitalismo internacional, propagando que o povo é livre para as suas ações; e, na verdade, é porque se não o fosse, o poder de exploração seria bem menor; mas, o que acontece com este poder que deixa seu povo liberto para as suas ações e cada vez mais acumula em nome do desenvolvimento e crescimento nacional? É fácil entender esta pergunta quando se observa o grau de mobilização existente no torrão nacional, ou o grau de atropelamento de um povo subserviente àqueles que detém a hegemonia monopolística da economia do país, ou região, ou determinada localidade. É com esta abertura que o sistema capitalista proporciona às comunidades, liberdade, e, a partir de então, é que começa o atropelamento ideológico entre os consumidores e os produtores, propagado normalmente como soberania do consumidor.
As teorias que trabalham com as questões concernentes ao consumidor dentro de uma estrutura de poder onde quem manda é o dono do capital, dizem que tal agente econômico resolve seus problemas de consumo, dentro de total liberdade, significando dizer que, os consumidores têm uma função preferência preestabelecida e que ao mesmo tempo tem pleno conhecimento de mercado. Estas hipóteses básicas versam sobre o princípio da racionalidade, que dizem os neoclássicos, ser de fundamental importância para assegurar as liberdades individuais dos consumidores, tanto no que diz respeito à escolha de seus bens de consumo em geral, como no que versa sobre a alocação dos recursos escassos desta sociedade. No entanto, veja que a segunda hipótese tem grande dificuldade de comprovação real, pelo fato de que jamais se conseguirá pleno conhecimento dos fatos econômicos para decisão de consumo.
A soberania do consumidor diz respeito ao princípio do hedonismo, do individualismo e como alguns economistas costumam dizer, do egoísmo, ou da exacerbada liberdade individual, onde o ser humano tem plena liberdade de fazer, o que quer e entende e, em qualquer lugar, nada interfere nas decisões daqueles que precisam satisfazer as suas necessidades. Esta filosofia econômica adota o princípio do laissez faire, ou com outras palavras, o que funciona é a famigerada invisible hand de Adam SMITH (1776), ou mais claramente, o sistema onde o governo não interfere na economia, ele existe apenas para coordenar o sistema político e social, sem uma participação ativa no desenrolar da atividade econômica. É o que se chama no linguajar clássico e neoclássico, uma economia de livre concorrência, quer dizer, todos são livres perante suas escolhas preferenciais.
Dentro de uma gama excessivamente grande de economistas que trabalharam, e trabalham com a soberania do consumidor, verifica-se que Vilfredo PARETO (1897), que foi o que mais se destacou dentro da teoria subjetiva do valor, quando observou que as utilidades individuais não eram mensuráveis quantitativamente; mas, poder-se-iam ser superpostas de maneira qualitativa, ou dito de outra maneira, ordenada em escala, pelo simples fato de que a utilidade não poderia ser medida quantitativamente; todavia, considerar-se-ía em termos de ordenação. Desta forma, PARETO (1897) estudou a questão da necessidade humana pelo lado da economia normativa; e, neste sentido, sua análise da soberania do consumidor teria a seguinte versão, conforme GREEN & NORE (1987)[1]
todos os agentes devem ter o direito de seguir suas preferências, contanto, que isso não implique efeitos prejudiciais para outros agentes, organizando-se as instituições sociais para que isto seja possível.
Em verdade, isto seria verdadeiro na hipótese da inexistência de orgulho, vaidade e ganância; mas como isto não acontece, fica muito complicado para que se tenha sua veracidade.
O pensamento fundamental da soberania do consumidor está objetivamente melhor representado nas idéias de LERNER (1944)[2], ao colocar que
a idéia básica da soberania do consumidor é realmente muito simples: providencia-se para que todos tenham aquilo que querem, desde que isto não implique sacrifício para qualquer outra pessoa. ... Como crítico social, posso tentar mudar desejos, de uns para outros, que me parecem melhores, mas, como economista, devo preocupar-me com o mecanismo necessário para que as pessoas obtenham o que querem, não importando como esses desejos são atendidos.
Como se nota, o conceito de LERNER é muito importante para se entender as liberdades do consumidor nos tempos modernos; entretanto, é uma questão que tem ficado fora das discussões fundamentais da economia pura; pois, dentro de uma economia imperfeita, esta questão torna-se relevante nos grandes debates sobre a participação do consumidor na economia.
Entrementes, numa tentativa de justificar a posição de LERNER (1944) em sua concepção de ver a questão da soberania do consumidor MOHUN (1987)[3] disse que
como conceito fundamental, é por igual simples e complexo: simples porque parece axiomaticamente razoável; complexo porque faz parte tanto da economia positiva, quanto da economia normativa; complexo também porque abrange simultaneamente a teoria econômica e a política, a soberania do consumidor descreve para o economista burguês a motivação para a produção e o ponto de partida axiomático de sua análise, tanto a finalidade de produção como sua justificação.
Porém, a soberania do consumidor pode fazer parte de uma estrutura econômica positiva, na medida, em que se parte do lado de decisão empresarial e, por outro lado, seria normativa do ponto de vista do consumidor que deveria mudar seus hábitos de consumo e, por conseguinte, da produção.
A soberania do consumidor não parte somente do fato de se querer algo e se conseguir imediatamente, mas toda uma gama de fatores é determinante no processo de escolha do agente econômico, quanto aos seus desejos, tais como: a cultura, necessidades físicas e biológicas, personalidade, atitudes e valores, aspirações, prestígios, classe social, grupo de referência, localização e clima, mobilidade, moda e muito outros elementos influentes na determinação da demanda do consumidor, que representa as necessidades daqueles que desejam satisfaze-las de forma plena. Esses fatores essenciais na determinação da demanda do consumidor tolhem as liberdades individuais e restringem a um ponto que talvez não se possa falar em soberania do consumidor; mas, em algo que mostre a mobilidade do agente de consumo na economia, quanto às suas escolhas de consumo individuais; mas, dentro dos princípios de dependência, próprios de uma estrutura oligopolista dos tempos modernos.
Além de todos estes fatores determinantes da demanda do consumo da economia, o de maior relevância é o nível de renda de cada consumidor; pois, sem recursos financeiros, jamais os agentes consumidores terão condições de satisfazer as suas necessidades. As rendas dos consumidores podem ser vistas por dois ângulos, tais como: renda monetária nominal e renda monetária real. No primeiro caso, a soberania do consumidor é afetada pela quantidade total percebida de dinheiro, isto significa dizer, que um consumidor pobre tem um parco consumo, tendo em vista a limitação de sua remuneração percebida no final do mês; enquanto um consumidor rico possui altos rendimentos, consequentemente, um poder de compra maior do que um pobre. Já para o segundo caso, a renda real do consumidor afeta o consumo da população, levando-se em consideração as variações de preços e como exemplo especial, o problema da inflação que deixa o dinheiro cada vez mais desvalorizado.
Uma questão que vale a pena levantar é quanto às informações que os consumidores devem ter quanto às mercadorias que desejam adquirir; pois, para que o consumidor tenha soberania em seu processo de escolha é necessário que as informações sejam perfeitamente conseguidas para que as decisões sejam perfeitas. Numa estrutura de mercado de plena concorrência, quer dizer, numa economia livre, ou que atua sobre o princípio do laissez faire, a soberania do consumidor é perfeitamente viável; contudo, na moderna economia do século XX, onde existe abundantemente a expansão dos oligopólios, ou monopólios, não há condições de que as informações sejam perfeitamente conhecidas por todos os agentes econômicos. Na verdade, as informações são perfeitamente conhecidas pelo produtor e depois de um lapso de tempo, é que, os consumidores conseguem obter as informações que muitas vezes chegam viezadas e sem condições de servir para decisões certa.
Na atualidade, e considerando que as informações não chegam a tempo aos consumidores, idealiza-se de imediato que os consumidores do século atual está abraçado pelo princípio de irracionalidade, ou com outras palavras, objetiva-se que os consumidores da era da informática são poucos informados de tudo aquilo que deverá servir para satisfazer as necessidades humanas. Essa ignorância que o consumidor alimenta, deixa-lhe um custo muito alto na obtenção de tais produtos, vivendo sempre a reboque do capital explorador que usa os meios de comunicação para tirar proveitos dos consumidores desinformados, que muitas vezes compram seus produtos por força de uma propaganda bem feita, ou uma promoção enganatória. Isto é a força de uma ditadura de cartéis como bem disse Kurt MIRROW (1982) e, desta forma, a soberania do consumidor não tem condições de existir na realidade contemporânea e os únicos a sofrerem, são os consumidores soberbos.
A soberania do consumidor teria um pouco de probabilidade de ocorrência, se, na verdade, o Estado tivesse independência e atuasse frente aos espoliadores do bolso alheio, delimitando a todo custo, a atuação de multinacionais, ou mais especificamente, os oligopólios. Neste sentido, explicou MOHUN[4] que
evidentemente, para que a soberania do consumidor tenha sentido, este princípio deve ter o apoio ativo da intervenção governamental. Precisa ser promulgada legislação exigindo a revelação de informações privadas, que o governo dissemine regulamentação, controle e mesmo proibição de práticas de produção e comercialização, que conteste o princípio da soberania do consumidor.
Como é do conhecimento público, a intromissão do Estado tem a incumbência de punir aqueles que procuram iludir a consciência de quem está desinformado, com o objetivo de vender o seu produto que talvez não esteja dentro dos padrões estipulados pelo comércio.
A liberdade, o cidadão deve a ter; mas essa liberdade não ir de encontro com as liberdades alheias e dentro deste ponto de vista reporta MARX (1867)[5] com grande sapiência que
essa esfera. ... é de fato o próprio éden dos direitos inatos do homem. Nela governa apenas a Liberdade, a Igualdade, a Propriedade e Benthan. A liberdade porque o comprador e o vendedor de um bem. ... são limitados apenas por sua livre vontade. Fazem contratos com agentes livres, e o acordo a quem chega é apenas a forma mediante a qual dão expressão legal à vontade comum. A igualdade porque entram em relação recíproca como proprietários simples de bens e trocam equivalentes por equivalentes. A propriedade porque cada um dispõe apenas daquilo que possui. E, Benthan porque cada um se preocupa apenas consigo mesmo. A única força que os aproxima e relaciona é o egoísmo, o ganho e o interesse privado. Cada um se preocupa apenas consigo mesmo e ninguém se importa com os demais. ... .
Assim sendo, o anseio humano seria atendido, devido às suas condições estarem de acordo com a libertação determinada pela natureza da ordem social e econômica em que todos estão submetidos.
Todavia, reportar sobre a liberdade individual de cada consumidor em possui sua mercadoria significa plena condição para a sua obtenção; pois, uma, ou diversas comunidades, ou a maioria da população, vive apenas com um salário mínimo, ou submínimo, como existem casos, não há possibilidade para que os consumidores pratiquem sua soberania plena. O que existe, na verdade, é a possibilidade de escolha dos desejosos de conseguirem satisfazer suas necessidades; entretanto, esbarra-se de imediato, na imposição das condições financeiras não permitirem qualquer liberdade na busca de se conseguir seu intento; pois, além da grande limitação orçamentaria, os meios de comunicação deixam o consumidor cada vez mais desinformado, quanto às condições de conhecimento do produto, assim como de o obter. Esses complexos de informações deixam o consumidor mais confuso, a ponto de não invocar a sua liberdade para melhor escolher aquilo que lhe convier e sempre sai enganado pelo poder de persuasão televisiva.
Um outro fator proibitivo, na utilização da soberania do consumidor; são as externalidades advindas de países mais avançados, quer dizer, a influência dos países centrais, ou primeiro mundistas, sobre os países periféricos, ou do terceiro mundo, ou como se chama atualmente, mais especificamente, depois da Revolução Industrial, os países subdesenvolvidos. Como se sabe, os países desenvolvidos têm toda uma tecnologia ultra-avançada relativamente aos países pobres, isto faz com novos produtos e mais sofisticados surjam e atendam a demanda interna para depois de saturada, seus excessos são exportados para países pobres, criando uma demanda incompatível com as disponibilidades de recursos dos países importadores, isto desestrutura os hábitos e costumes internos debilitando, desta forma, a soberania do consumidor, devido à intromissão do efeito transbordamento (spillover), ou externalidade, no processo de escolha pela população.
Com a invasão do consumismo em massa, próprio de uma economia que já passou por todas as fases de seu crescimento econômico e, por conseqüência de seu desenvolvimento, o efeito demonstração participa fortemente junto aos países que não conseguiram tal estágio de atuação econômica; todavia, as nações que querem avançar procuram entender aquele processo de consumo em massa e demandam dentro de suas condições, praticar o mesmo; mas, aqueles que possuem um certo grau de dependência, fixam-se somente na absorção, sem nenhuma condição de progredir. Este ponto agrava muito mais a pauta de importação de produtos que fazem sucesso na periferia, onde se poderia implementar a manufatura de produtos internos, mesmo com fracas tecnologias; entretanto, são os primeiros passos na independência de consumo do exterior, e mais progresso para a economia doméstica que precisa eliminar as criatividades externas em benefício do progresso dos idealistas nacionais.
A era do consumismo em massa diversificou bastante a pauta de oferta de bens de consumo, tanto no que diz respeito aos bens duráveis, como aos bens não duráveis, formando uma grande extensão de bens substituíveis e/ou complementares; pois, isto deixou muito mais confuso o consumidor que tem uma grande pauta de bens com poucas condições de se saber tudo, relativo ao pleno conhecimento de sua composição. Nesta óptica, não se conhece bem a grande oferta de mercadorias, pronta a ser substituída, ou complementada, dada a relatividade dos preços que estão em vigor e algumas vezes, ou quase sempre, problematizada ainda mais pela inflação corrente. A substitutibilidade, ou complementaridade está muito ligada ao efeito demonstração e às externalidades próprias de uma economia oligopolizada, que muitas vezes provoca a substituição e/ou complementação, sem levar em consideração os preços relativos, mas, sim, o poder de aliciamento no consumo.
Finalmente, a Economia, no que diz respeito ao consumo, não tomou um posicionamento seguro quanto à soberania do consumidor e hoje, fica muito mais difícil, considerando-se a formação de cartéis, conluios, pools e muitas outras formas de segurar o mercado na busca incessante de se conseguir o maior lucro, ou a maior venda, ou o maior poder de dominar o comércio. O consumidor na era do consumismo em massa, não tem consciência de sua participação no mercado, porque o capitalismo se encarrega de criar normas de vendar os olhos dos desejosos de suprirem suas necessidades, pela pauta de produtos sofisticados, ou encantadores às vistas dos consumidores ignorantes, que só ligam para o exterior da mercadoria. Portanto, é, neste sentido, que o governo deve intervir para disciplinar a comercialização e coibir os abusos praticados pelos trustes nacionais e/ou internacionais, assim como fomentar a criação de associações para a defesa do consumidor desinformado de hoje.
[1] GREEN & NORE. A Economia: Um Antitexto. Rio de Janeiro, ZAHAR, 1979, p. 82.
[2] LERNER, A P. The Economics and Politics of Consumer Survereighty. American Economic Review, Paper and Proceeding, 1972, p. 258.
[3] MUHON, Simon. In: Green & Nore. A Economia: Um Antitexto. Rio de Janeiro, ZAHAR, 1979, p. 77.
[4] MUHON, Simon. In: GREEN & NORE. A Economia: Um Antitexto. Rio de Janeiro, ZAHAR, 1979, p. 85.
[5] MARX, Karl. O Capital. Londres: Lawrence & Wishart, 1938, Vol.1, p. 155.