TURISMO, CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO: UMA ANÁLISE URBANO-REGIONAL BASEADA EM CLUSTER
Jorge Antonio Santos Silva
Esta página muestra parte del texto pero sin formato.
Puede bajarse la tesis completa en PDF comprimido ZIP
(480 páginas, 2,35 Mb) pulsando aquí
CONCLUSÃO
Todos os tipos de concentrações geográficas de conjuntos produtivos, quer sejam de empresas, indústrias, cadeias produtivas, setores ou atividades econômicas, negócios, centros de inovação tecnológica, núcleos que agreguem conhecimento, capital físico, capital humano ou capital social, podem, genericamente, serem denominados de agrupamentos, ou do seu equivalente de origem anglo-saxônica, cluster.
Especificamente, esses agrupamentos assumem diferenciadas denominações, conforme o enfoque dominante ou o conjunto de características de cada um, assim tem-se uma variedade de conceitos ou metologias conformando “diferentes” tipos de agrupamentos: distritos industriais, meios inovadores, arranjos produtivos locais, sistemas produtivos locais, parques tecnológicos, tecnopolos, ..., além de suas derivações ou dissidências.
O termo cluster, no seu uso genérico, significando a noção de reunião ou grupo de elementos de qualquer natureza, pode ser utilizado para referir-se a todos os tipos de conjuntos produtivos, qualquer que seja o seu foco e dimensão, não servindo, entretanto, para caracterizá-los em suas especificidades.
O uso generalizado que o termo ganhou, a partir dos trabalhos de Michael Porter, transformou-o em mero substantivo, responsável pela grande confusão reinante no meio acadêmico em relação ao que é e o que deixa de ser um cluster. Tal confusão, na perspectiva desta tese deixa de existir, quando se visualiza que o termo deve ser utilizado apenas na condição de substantitvo, pois assim, todo grupo, de qualquer coisa, é, de fato, um cluster. Entende-se que essa confusão tende a se perpetuar com a insistência em utilizar-se o termo na função de adjetivo, procurando-se desta forma qualificar as especificidades de distintos agrupamentos e enquadrá-los, a todos, indiferenciadamente, no modelo teórico-metodológico porteriano de cluster.
A própria difusão e massificação do termo, conseqüência da sua universal e prescritiva utilização, preconizada e imprimida pelo próprio Michael Porter ao seu conceito e metodologia, podem ser apontadas como responsáveis pela sua banalização, a tal ponto que, para resgatar a identidade do seu modelo, Michael Porter deve, inclusive, procurar um novo termo que traduza as especificidades do seu tipo de cluster – caracterizado como um cluster nacional e setorial; com ênfase nas grandes empresas e complexos industriais; e com enfoque empresarial e microecômico.
Quanto mais ampliada for a dimensão do cluster, mais abstrata a sua referência espacial, assumindo o conceito apenas uma utilidade didática de teorização. Para uma concreta utilização do conceito para efeito de estudo das concentrações geográficas de empresas, dos seus enlaces funcionais, institucionais e territoriais, do seu planejamento e do papel que desempenha no desenvolvimento regional, menor deverá ser sua dimensão territorial de referência e mais restrito o seu enquadramento teórico.
Ao se procurar incluir no conceito de cluster, conforme a concepção de Michael Porter, todos os tipos de aglomerações de empresas existentes, se pretende uma aplicação universal deste conceito, o que carece de base científica e reforça o seu caráter didático, teórico e abstrato, perdendo o mesmo, todo o sentido prático de um modelo de análise de desenvolvimento urbano-regional. Além disso, pela sua caracterização nitidamente empresarial e microeconômica, o conceito de cluster não pode ser tomado como uma estratégia de desenvolvimento regional, não na amplitude preconizada por Porter.
O “setor” turístico é excessivamente amplo e heterogêneo, para poder ser tratado como um todo. A verdadeira concorrência no “setor” turístico ocorre entre segmentos estratégicos distintivos dedicados a fornecer serviços em um âmbito geográfico determinado - o destino turístico, o qual pode fazer parte de um ou mais clusters, em função dos diferenciados produtos que seja capaz de articular.
Trabalhar com âmbitos territoriais dispersos, excessivamente amplos e pouco homogêneos, dificulta realizar-se diagnósticos precisos do “setor” turístico. Ao se trabalhar com clusters no turismo torna-se necessário contemplar um nível geográfico reduzido, concreto, um destino turístico ou um microcluster turístico.
O destino turístico ou microcluster pode ser identificado como uma zona turística, de dimensão micro-regional. A zona turística pode ela mesma ser um agrupamento, ou constituir-se em um conglomerado de agrupamentos - uma zona turística contém, ou pode conter, vários clusters turísticos.
O cluster de turismo pode ser identificado espacialmente sob duas óticas: uma de natureza geral, através das zonas e pólos turísticos em que uma região encontra-se dividida, e outra de natureza específica, vinculando aos municípios e localidades que integram as zonas turísticas os diferenciados segmentos nos quais a região seja dotada de recursos de base para uma inserção competitiva no cenário nacional e internacional do mercado de viagens e turismo.
Se, por um lado, os traços singulares da atividade turística, trazem uma dimensão muito mais ampliada e complexa ao seu enquadramento e tratamento como uma única cadeia produtiva ou um único cluster, vis a vis um setor econômico ou uma indústria convencional, com maior grau de homogeneidade, por outro lado, uma atividade de tal porte e importância só pode ser planejada como um sistema integrado, considerando-se o conjunto de variáveis envolvidas – culturais, sociais, psicológicas, político-legais, ecológicas, econômicas e tecnológicas, com vistas ao desenvolvimento sustentado da região em análise. Esse desenvolvimento compreende o alcance dos objetivos de proteção e preservação ambiental, o bem-estar e a melhoria da qualidade de vida da comunidade residente, a satisfação das necessidades e expectativas do turista e a integração econômica local e regional, levando-se em conta as distintas dimensões da sustentabilidade: ecológica, social, cultural, econômica e espacial / territorial, considerando suas respectivas capacidades de suporte ou de carga.
Os diversos aspectos que aqui se analisa são de grande utilidade para auxiliar no processo de identificação dos componentes dos destinos turísticos ou microclusters – infra-estruturas de base econômica, fornecedores / suporte / transporte, produtos / serviços, mercados / clientes. As informações obtidas com a visualização das deficiências sistêmicas de integração entre esses componentes subsidiarão o processo de superação dos pontos de estrangulamentos, que poderão resultar no fortalecimento dos elos da(s) cadeia(s) produtiva(s) relacionadas ao turismo da região em estudo.
Para vários dos autores abordados nesta tese, os agrupamentos contêm uma determinada quantidade de cadeias produtivas, de distinta tipologia e diferenciados padrões de qualidade. Porém, em um nível mais agregado e geograficamente localizado, tais agrupamentos podem representar, na prática, aglomerações urbanas e conjuntos de instituições em torno de uma cadeia produtiva – especialização funcional do destino turístico.
Neste sentido, os clusters podem ser entendidos como concentrações geográficas de elos da cadeia produtiva. Quanto mais avançado e desenvolvido o cluster, maior será o número de elos da cadeia concentrados em um âmbito geográfico restrito, o que corresponderá ao adensamento regional da cadeia produtiva – o provimento de bens e serviços intermediários da cadeia passa a ser realizado por fornecedores locais.
Enquanto a configuração de cadeia privilegia elementos verticais de comando, relacionando-se com atividades nas quais existem economias de escala apropriáveis, a configuração de cluster sustenta-se em mecanismos horizontais de coordenação nos quais estão presentes economias externas dificilmente apropriáveis.
Não se pode considerar os conceitos de cadeia e de cluster, em particular referidos ao turismo, dissociados da dimensão espacial que caracteriza a atividade, a qual se concretiza em um âmbito geográfico delimitado, conformando o sistema territorial do turismo. Em verdade, pode se dizer que o turismo constitui uma atividade econômica “totalmente territorializada”, desde que seus ativos fundamentais, os atrativos naturais e os construídos, a história e a cultura – “práticas e relações”, além de localizados espacialmente numa determinada região, marquem em seu conjunto uma identidade social e territorial, com o poder de atrair investimentos públicos e privados, nacionais e internacionais, que irão propriciar uma “embalagem” competitiva para esta atividade, cujos elementos cruciais e estratégicos de competitividade são os diferenciais desses ativos que não podem ser “criados ou imitados com facilidade em outros lugares”. Se pode confirmar então, que quando se trata de agrupamentos de empresas, ou arranjos produtivos, ou clusters, cujo núcleo seja a atividade econômica do turismo, a proximidade geográfica é um componente relevante e indispensável da abordagem conceitual a ser adotada, com o aspecto da territorialidade sendo a base de sustentação da natureza endógena do desenvolvimento da região e de sua competitividade.
Por todos esses aspectos envolvidos, não se pode falar de “um” turismo e sim de “vários” turismos, logo não se pode delimitar e analisar “uma” cadeia produtiva ou “um” cluster de turismo e sim “diversas” cadeias produtivas e “diversos” clusters relacionados ao turismo.
Considerando esse caráter transversal da atividade do turismo, vários dos autores analisados chegam a afirmar que não existem “empresas turísticas” strictu sensu porque nenhuma empresa ou setor, tomado isoladamente, satisfaz à totalidade das necessidades do cliente-turista. Não existindo nenhum tipo de empresa que satisfaça a totalidade das demandas do turista, a atividade turística pode ser considerada como uma atividade de empresas que trabalham e se comunicam “em rede”. É preciso que tais empresas funcionem de modo interrelacionado, principalmente as que se reputam como “nucleares”, ou seja, que satisfazem as necessidades essenciais do consumidor turístico: alojamento, transporte e alimentação.
Entende-se o conceito de rede como de natureza transversal, perpassando todos os tipos de agrupamentos, apresentando menor ou maior dimensão, intensidade, complexidade, conectividade, interatividade, virtualidade, ..., a depender das especificidades de cada configuração de agrupamento.
Do mesmo modo, considera-se a atividade do turismo também de caráter transversal, perpassando, com menor ou maior intensidade, influência e dinamismo, todas as configurações de cadeias e clusters, integrando em determinada medida as relações inter-setorias derivadas dos encadeamentos produtivos, a montante e a jusante, de uma dada economia de base local ou regional.
Alguns elementos peculiares à dinâmica da atividade do turismo em países receptores, caracterizados como economicamente menos desenvolvidos, apresentam-se influenciados pelos círculos viciosos ou ciclos de causalidade presentes na própria estrutura produtiva de sua economia.
A atividade do turismo nos países mais atrasados, em sua movimentação internacional, é predominantemente de natureza receptora, ou importativa, de visitantes. No caso de o desenvolvimento do turismo nesses países acarretar um elevado conteúdo importador pelo lado da oferta - a nível de insumos, recursos humanos e capital, para suprir a demanda dos turistas, isso provocará a ocorrência de vazamentos ou fugas da economia nacional ou regional, que acabarão por diminuir os benefícios líquidos do consumo turístico realizado pelos visitantes, reduzindo o nível da eficiência do turismo na economia do país ou da região.
Por outro lado, o baixo nível de renda peculiar aos países em desenvolvimento limita o poder de compra da demanda interna, implicando num reduzido nível de gastos e no insatisfatório desempenho do turismo doméstico.
As desigualdades socioeconômicas e regionais que marcam esses países, decorrentes de uma estrutura econômica concentradora da renda e da riqueza neles geradas, aliada a um baixo nível de investimentos em infra-estrutura econômica e social, resulta na persistência e agravamento de problemas relacionados à exclusão, pobreza e violência, frutos de um ineficiente suprimento público de educação, saúde, segurança e limpeza.
Desse quadro desdobra-se o fato de que a modesta ou média situação econômica e social dos residentes nesses países, se traduz na existência de turistas nacionais detentores de uma modesta ou média situação econômica e social, o que irá implicar na exigência de um nível apenas satisfatório na qualidade dos serviços, dificultando a consolidação de uma “cultura” de qualidade na prestação de serviços, nos âmbitos nacional e regional.
Nesse contexto, um agravante a ser colocado é a fragmentação dos agentes que atuam nos diversos sub-sistemas que compõem o sistema maior – o turismo, prevalecendo uma visão setorial e segmentada que turva a percepção e o entendimento sobre o aspecto central e estratégico do sistema em seu conjunto que é a capacidade do destino turístico de produzir valor de forma global.
A miopia competitiva desses agentes, públicos e privados, irá contribuir para a perenização dos pontos de estrangulamentos e o não adensamento das cadeais produtivas existentes, além de inibir o surgimento de novas cadeias, o que propiciaria uma maior diversificação da estrutura produtiva da economia. Como conseqüência desse processo vicioso e negativo, de natureza circular, tem-se a falta de competitividade do país ou da região no mercado do turismo, a nível internacional ou nacional.
Em essência, não é o turismo que fomenta o desenvolvimento de uma região atrasada, mas sim é o próprio nível de desenvolvimento dessa região que converte o turismo em uma atividade favorável ou não a este processo.
Ao abordar-se a relação turismo e desenvolvimento, um aspecto relevante a analisar é o grau de debilidade econômica de uma região ou de um município considerado turístico, pois quanto mais ou menos deprimido economicamente ela ou ele for, o turismo irá se inserir no contexto socioeconômico cumprindo funções de distintos matizes e alcances: como atividade dominante, como atividade estruturante, como atividade complementare ou como atividade residual, dependendo de onde se localizem as atividades turísticas e da importância que estas assumem na economia da região ou do município.
A depender do grau de diversificação da estrutura produtiva da região, aquela que possuir um elevado conteúdo importador, em termos de capital, insumos e mão-de-obra, para poder atender às necessidades de produtos e serviços dos seus visitantes, arcará com o agravante da ocorrência, como visto, de um determinado grau de vazamento dos benefícios econômicos do turismo para uma outra região, resultando que os benefícios líquidos serão concretizados numa proporção mais reduzida.
Diante desse quadro, deve ocorrer a superação de algumas deficiências para que o turismo se insira como atividade potencializadora de desenvolvimento para uma região economicamente deprimida: poucas atrações, falta de infra-estrutura, falta de espírito empresarial, ambiente de pobreza, comprometimento dos recursos (ambientais) e falta de renda local para viabilizar a o turismo em escala econômica.
Alguns outros aspectos que podem se tornar grandes desafios e refletir-se negativamente no desenvolvimento turístico, dificultando a saída de uma região do ciclo vicioso em que possa se encontrar: pouca cooperação/articulação na cadeia; baixa capacitação administrativa e gerencial; cadeia incompleta/fortes gargalos; escopo de produtos e serviços oferecidos muito reduzido; tecnologia defasada/pouco difundida; excessiva verticalização da cadeia.
Considerando a especificidade do turismo, que em seu fluxo receptivo internacional para uma região receptora corresponde tecnicamente a uma exportação, a aplicação da teoria da base econômica em um contexto de atração massiva desse tipo de fluxo, sem a região produzir internamente os produtos e serviços para atender às preferências dos consumidores turistas e tendo sua economia dependente majoritária ou exclusivamente da atividade turística, representaria efeitos desfavoráveis para o crescimento da economia local. A crescente dependência de generalizado fornecimento exógeno, resultaria na ausência de mecanismos que favorecessem a endogeneização da propriedade dos fatores produtivos e dos resultados da exploração e comercialização dos recursos de base da região: paisagens, história, cultura, etc.
O conteúdo importador do turismo na região seria muito acentuado e traria implicações negativas para a região receptora. Primeiro, os benefícios econômicos gerados pelo turismo não seriam apropriados em sua maior parcela a nível local, pelas já comentadas fugas que ocorreriam da economia interna para o exterior, em função da repatriação das remunerações dos recursos produtivos importados utilizados no turismo – recursos humanos, materiais e insumos, tecnologia e capital. Segundo, não havendo condições favoráveis ao crescimento auto-sustentado do turismo e da economia da região, com recursos de base local, a médio e longo prazo o ciclo de vida do destino turístico atingiria as fases de saturação e declínio, perdendo competitividade e participação de mercado.
Neste ponto crítico, os turistas e o turismo se desviariam para outros destinos, deixando a região desprovida de sua maior ou única atividade econômica dinâmica, relegando-a à estagnação e a uma condição de dependência estrutural de vantagens comparativas baseadas em recursos naturais ou mão-de-obra barata, sem condições de inserção positiva no mercado exterior e com um mercado interno pobre, atrofiado e defasado.
Para a ampliação do ciclo de vida do destino turístico será fundamental se trabalhar os conceitos de segmentação e especialização, com os objetivos de qualidade, competitividade e sustentabilidade, alcançáveis mediante a promoção do desenvolvimento econômico e turístico com um maior grau de “endogenia”, ou seja, pela “endogeneização” ou internalização da maior parte da oferta dos inputs necessários à dinamização e (re)vitalização do destino turístico, implicando na diversificação e no adensamento das cadeias de valor relacionadas à estrutura produtiva da economia da região em estudo.
Torna-se assim evidente, que países ou regiões que tenham de importar um maior valor de inputs para abastecer as chamadas “empresas turísticas”, se encontram em desvantagem competitiva face a outros países ou regiões cujo valor correspondente às “importações turísticas” seja relativamente menor. É necessário também se considerar, que nem sempre as vantagens comparativas atuarão no sentido de compensar o custo da importação de determinados bens e serviços.
Na aplicação dos conceitos de cadeias e clusters à produção e aos serviços turísticos, existem duas formas de se tentar explicitar as áreas de enlace do turismo na economia: determinar de forma clara quais são as áreas da economia sobre as quais o turismo incide de modo mais representativo; e analisar os encadeamentos que ocorrem entre atividades e setores fornecedores de bens e serviços antes, durante e depois da produção turística.
O turismo se converte em uma rede de relações que podem criar pontos de estrangulamentos ou sinergias, constituindo-se em um conglomerado de atividades de diversos matizes. Para suprir os bens e serviços necessários ao atendimento da demanda por turismo, não só a internacional como também a doméstica, pode se recorrer a fornecedores localizados fora das fronteiras do país ou região, implicando, como visto, em fugas ou saídas de recursos da região em questão. Para o desenvolvimento da competitividade do turismo, no entanto, há que se admitir um determinado e eficiente nível de fugas - de importações e remuneração aos proprietários dos fatores produtivos não residentes, de origem exógena à região, se orientando por um seletivo e eficiente processo de “substituição de importações”. Em simultâneo, se deve identificar e procurar mitigar os pontos de estrangulamentos das cadeais produtivas existentes na região, bem como criar novos elos que ampliem e diversifiquem a estrutura de cadeias, visando fortalecer e adensar os encadeamentos produtivos que atuem como motores do aumento da eficência econômica do turismo tanto na escala local, como nas escalas regional, nacional e internacional.
A magnitude macroeconômica do turismo no mundo globalizado oferece relevantes possibilidades de desenvolvimento para blocos econômicos e países. No âmbito regional de um país, o tipo de conformação dos encadeamentos produtivos do turismo pode minimizar este potencial.
O turismo é referenciado como uma atividade econômica detentora de relevante potencial de propulsão do desenvolvimento. Numa perspectiva regional e analisando a hotelaria, setor mais homogêneo e caracteristicamente turístico, a constatação de vazamentos da economia local e o seu dimensionamento permitirá comprovar ou não tal potencial, possibilitando melhor qualificar o escopo de políticas públicas e de investimentos setoriais e infra-estruturais. Conhecendo-se a real importância do setor hoteleiro para o turismo e deste para a economia local, poderá ser alcançada sua melhor valoração e inserção no processo do planejamento voltado para o desenvolvimento regional.
Conseguindo-se mensurar o grau de nacionalização ou internacionalização de sua estrutura / perfil de compras, pode-se constatar que quanto mais elevado maior o impacto na economia local – em termos de neutralidade ou negatividade, significando um maior vazamento e sinalizando que, nestas condições, produzir localmente poderá se traduzir em uma vantagem competitiva para a região, tendo-se em conta a relação custo-benefício de se criar ou fortalecer os elos das cadeias produtivas locais com base em um processo seletivo de substituição de importações.
Destaca-se alguns elementos e questões relevantes a se considerar em um estudo de cadeias, objetivando o fortalecimento e o provimento dos elos das seqüências de encadeamentos, para trás e para frente, sob a perspectiva de se identificar e reduzir o grau de vazamento da economia local através da atividade da hotelaria e, por conseqüência, do turismo:
a demanda pelo setor hoteleiro induz a demanda por bens e serviços de vários outros setores da economia – isto leva à consideração dos conceitos de externalidades, cadeia produtiva e cluster ou agrupamento;
a medida da contribuição local da rede hoteleira pode levar à formulação de políticas para ampliar seu escopo;
a determinação do efeito líquido do turismo, a partir da contribuição do setor hoteleiro;
poderia este efeito ser aumentado via “substituição de importações”?
o grau de vazamento que estiver ocorrendo é insatisfatório, satisfatório ou excessivo? – medida de eficiência;
o diagnóstico de por onde está vazando de modo significativo – ou seja, em quais setores se está tendo um custo elevado para importar?
deixar claro que o que se está perdendo por não se produzir localmente é diferente do custo de se estar importando – questão de eficiência;
valerá a pena ou se conseguirá internalizar o impacto econômico que vaza? – a depender do custo, para alguns bens e serviços sim, mas para outros será melhor continuar importando – também uma questão de eficiência;
dificilmente um estabelecimento isolado irá suprir a produção local do que se estiver importando, aqui tem-se uma questão envolvendo infra-estrutura e uma perspectiva de longo prazo – compensaria?
ao aspecto anterior corresponde decisões de investimentos, o que exigirá a coordenação de setor(es) líder(es) e/ou do Estado, para se adotar a decisão mais rentável.
No levantamento realizado neste trabalho, constatou-se que os hotéis de 4 e 5 estrelas ou de grande porte, que constituem o segmento da hotelaria de Salvador mais moderno, inovador ou com maior capacidade de absorção de novas tecnologias de gestão, dotados de melhor qualificação a nível de instalações, equipamentos, serviços e pessoal, com maior condição de atrair turistas de maior poder aquisitivo e segmentos dinâmicos como o turismo de negócios e de eventos, além de uma melhor condição de acesso ao mercado internacional, tendo portanto condições de maior competitividade, são aqueles em que se apresenta a maior participação de cadeias nacionais e internacionais, significando, apenas contabilizando os 9 hotéis da amostra inseridos nesta classificação, 55% da oferta de UHs, com 44% a 50% da propriedade do capital sendo de base exógena, de agentes econômicos não residentes ou não domiciliados em Salvador e na Bahia.
Esses hotéis têm uma demanda mais selecionada e diferenciada, em relação aos demais, que procuram atender com vantagens de qualidade e preço, para alcançar níveis de produtividade - com base em menores custos, diferenciação e especialização, que os tornem mais competitivos no mercado. Neste sentido, este grupo de hotéis adquire bens e serviços que não são encontrados na economia local ou que, em o sendo, não apresentam qualidade e preço compatíveis com os requerimentos dos próprios hotéis e dos seus clientes. Os problemas e dificuldades com os fornecedores locais constituem, portanto, uma das razões que levam esses hotéis a comprar fora de Salvador e da Bahia. Os recursos aplicados nessas aquisições representam vazamentos da economia local, cujas fontes se procurou identificar no trabalho empírico apresentado nesta tese, o qual constitui um levantamento limitado que pode ser aperfeiçoado e expandido.
As informações obtidas de um levantamento desta natureza se revestem de grande importância, pois permitirão estabelecer relações do tipo: se o capital do empreendimento for de propriedade local, maior será o efeito multiplicador, enquanto se for de propriedade de cadeias, o efeito multiplicador será de menor magnitude. Além disso, esta e outras relações ou constatações permitirão formular-se propostas de políticas públicas setoriais, por exemplo, face a relação anterior, seria interessante que a expansão ou modernização da hotelaria e do turismo de Salvador ou da Bahia ocorresse em base local?
Ocupa-se agora este espaço, para se fazer referência a algumas experiências relacionadas com concentrações geográficas de empresas configuradas em variadas formas ou rótulos de agrupamentos, nas quais não é percebida a inclusão da atividade do turismo.
Haguenauer e Prochnik (2000), em seu estudo sobre cadeias produtivas e oportunidades de investimento no Nordeste do Brasil, identificaram 10 (dez) cadeias principais: construção; agroindustrial; petroquímica; pecuária, outros animais, abate e laticínios; têxtil, vestuário e calçados; grãos, óleos e frutas; eletro-eletrônica; química; metal mecânica; e papel e gráfica.
Cassiolato e Szapiro (2003), comentam que desde 1997 a RedeSist estudou e trabalhou com 26 (vinte e seis) arranjos produtivos locais, dentre os quais: alta tecnologia e telecomunicações – Campinas, SP e PR; têxtil e vestuário - RJ; couros e calçados – RS; mármore e granito – ES; metal mecânica – ES; automobilístico – MG; aço – ES; aeronáutico – SP; fumo – RS; cacau – BA; couro e calçados – PB; rochas ornamentais – RJ; biotecnologia – MG; software – RJ e SC; móveis – SP; soja – PR; vinho – RS; materiais avançados – São Carlos, SP; frutas tropicais – NE; cerâmica – SC; têxtil e vestuário – SC; e móveis – ES, MG e RJ.
Conejos et al. (1997), no estudo que realizaram sobre as mudanças estratégicas na Região da Cataluña, na Espanha, devidas à política de clusters, analisaram 9 (nove) casos de microclusters: jogos de madeira; maquinaria agrícola; joalheria; couros / curtumes; móveis domésticos; carnes; têxtil; edição e artes gráficas; e eletrônica de consumo.
Já com relação a experiências específicas de agrupamentos ou clusters de turismo, não são muitos os casos exitosos conhecidos. Três pontos comuns podem ser mencionados como determinantes do alcance de resultados pouco satisfatórios de concentrações geográficas de empresas numa configuração de cluster tendo como atividade nuclear o turismo:
os projetos originam-se de “cima para baixo”, através de empresas ou grupos de empresas líderes, ou de associações privadas, ou ainda da iniciativa governamental, objetivando “criar” a estrutura do cluster e “colocá-la para funcionar”;
para a realização de projetos desta natureza se recorre, em geral, à contratação de empresas internacionais de consultoria, que são encarregadas de “elaborá-los” e “implementá-los”;
no cumprimento de sua “missão”, tais empresas utilizam-se de “modelos” adotados indistintamente em vários países e, inclusive, utilizados em projetos de clusters industriais, sem qualquer afinidade com os serviços e o turismo.
O problema fundamental da simples transferência de modelos elaborados por consultorias externas internacionais, e mesmo nacionais, é que, apesar dessas empresas contarem com o respaldo de recursos técnicos avançados e o suporte de uma relevante base teórica, elas não conseguem alcançar muito sucesso quando ultrapassam a fase de diagnóstico e passam à definição e implementação de estratégias, ou por desconhecimeto das especificidades da atividade do turismo, ou da realidade local e regional a ser trabalhada, ou por ambos.
É o caso do Monitor Group, empresa de Michael Porter, que prestou serviços de consultoria aos Estados da Bahia e do Amazonas, entre os anos 2000 e 2001, para estudo de diagnóstico, viabilidade, definição de estratégias e implementação dos projetos do “Cluster de Entretenimento da Bahia” e do “Cluster de Turismo do Amazonas”, respectivamente.
O mesmo sucedeu com a ICF Consulting na proposição do cluster de turismo para os estados da Região Nordeste do Brasil, dentro do projeto “Iniciativa pelo Nordeste”, e com a McKinsey & Company, dentro do projeto “Cresce Minas: um projeto brasileiro”, no que concerne à implementação de clusters no setor serviços, incluindo o turismo, no Estado de Minas Gerais. Para um maior detalhamento e informações sobre esses projetos, ver Monitor Group (2001), Dall’Acqua (2003, p. 138-146), ICF Consulting et al. (2000) e Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG, 2000).
No Brasil, as iniciativas mais exitosas de formação de um cluster em torno do turismo, parecem ter sido ou estar sendo as experiências da Serra Gaúcha, com centro em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, e de Bonito, no Mato Grosso do Sul. No caso de Bonito, analisando o estudo realizado por Barbosa e Zamboni (2000), se percebe alguns elementos de importante influência para o sucesso, mesmo que relativo, desta iniciativa:
a homogeneidade da área física ...;
a delimitação geográgica da área de abrangência do cluster...;
a homogeneidade dos atrativos turísticos, baseado em recursos naturais;
a existência de um mercado relacionado com tais atrativos, bem definido quanto à motivação principal dos visitantes, o qual, apesar de apresentar-se com alguma variação em termos de segmento, tem como ponto comum a ênfase ao “turismo de natureza sustentável”.
a utilização do termo “turismo de natureza sustentável”, para designar a tipologia de atrativos locais agrupados em três modalidades: “ecoturismo”, “turismo de aventura e especilizado” e “turismo de lazer”.
As distintas escalas de delimitação que podem ser percebidas nos elementos acima listados, podem significar a razão dos resultados que se preconizam como satisfatórios, até aqui alcançados pela estrutura de cluster de turismo de Bonito: delimitação da amplitude geográfica do entorno, delimitação da área de abrangência do próprio cluster, delimitação dos segmentos e sub-segmentos do turismo de natureza sustentável, e, conseqüentemente, delimitação do mercado alvo.
Ao se trabalhar uma configuração de cluster de turismo, portanto, algumas questões-chave devem ser levantadas e devidamente equacionadas:
qual a atividade de especialização setorial?
qual a relação de similaridade entre a atividade de especialização e as demais atividades econômicas presentes na região?
qual a dimensão geográfica / territorial?
qual o âmbito da proximidade geográfica / territorial?
qual o grau de homogeneidade e compatibilidade entre a função, atividade de especialização, e o território?
qual a atividade nuclear, diretamente vinculada ao produto final?
quais as atividades complementares, de suporte e relacionadas?
qual e como visualizar e alcançar o mercado usuário final?
qual o grau de nacionalização ou internacionalização da estrutura?
qual a origem e magnitude de vazamentos da economia em decorrência do grau de exogenia derivado da questão anterior, e, como conseqüência desta questão;
qual o grau de endogenia do desenvolvimento turístico – atual, possível e pretendido?
Uma proposta de modelo analítico fundamentado em estrutura de cluster deve, portanto, contemplar a mensuração do nível de incidência e grau de vazamento do turismo na economia regional, bem como a identificação de quais as atividades que estariam propiciando o escoamento de recursos para fora da economia local. Esta é a perspectiva do trabalho empírico realizado para efeito desta tese, ressalvadas as limitações já referidas.
Neste sentido, concordando com a metodologia de Rodríguez Dominguez (2001) no que se refere à delimitação de microclusters cuja atividade econômica nuclear seja o turismo, como objeto central de análise, discorda-se da sua rejeição quanto ao recurso às técnicas de contabilidade social. Concorda-se adicionalmente com a metodologia empregada por Lobo e Melo (2002), com referência à abordagem que realizam do processo de clusterização, onde a caracterização setorial do cluster deriva da classificação das atividades econômicas e das relações intersetoriais obtidas das matrizes das contas nacionais – matrizes insumo-produto. Ambas as metodologias encontram-se explicitadas no capítulo 2 desta tese, item 2.4 e no capítulo 3, item 3.2.2.
Acrescentaria-se à metodologia de Lobo e Melo a utilização do marco conceitual da CST, particularmente na sua já consolidada definição de produtos e atividades característicos da atividade turística, específicos e conexos; e à integração das duas metodologias, adicionaria-se levantamentos empíricos específicos nos moldes do que se apresentou no capítulo 4 deste trabalho, evidentemente que aperfeiçoado e expandido, contemplando e diferenciando questões relativas à demanda e à oferta, além de pesquisas relacionadas à investigação prospectiva do mercado, com ênfase à multisegmentação da demanda e da oferta turísticas.
Nesse contexto, evidencia-se a coerência da aplicabilidade dos conceitos de cadeias e de agrupamentos ou clusters à atividade do turismo, passando a constituir-se a metodologia de estudo e fomento de clusters de turismo, com as ressalvas levantadas e as reduções de escopo propostas nesta tese, em um concreto instrumento de modelagem de estratégias de crescimento e desenvolvimento regional, tendo como atividade nuclear o turismo.
Se elege desta forma a especialização produtiva – o turismo, como elemento representativo das explicações do desenvolvimento econômico de base local e regional, informadas por uma perspectiva funcional, sem negligenciar-se, no entanto, que o alcance e sustentação do desenvolvimento regional resulta da interação entre a função e o território.