Tesis doctorales de Economía

 

TURISMO, CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO: UMA ANÁLISE URBANO-REGIONAL BASEADA EM CLUSTER

Jorge Antonio Santos Silva

 

 

 

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3.1.4. Localização das atividades turísticas: teoria dos lugares centrais, relação centro-periferia e dependência

Walter Christaller, estabeleceu uma relação entre a atividade do turismo e a teoria dos lugares centrais, por ele formulada, a qual já se abordou nesta tese, no capítulo 1, item 1.1.4, que Silva (2001) destaca.

Se é possível estabelecer para os lugares centrais leis exatas de localização [...], isto não é possível para os lugares periféricos (ligados ao turismo) com a mesma exatidão matemática. O máximo que pode ser dito é que estes espaços, que são os mais afastados das localidades centrais e também das aglomerações industriais, têm as mais favoráveis condições de localização para os lugares turísticos. Estes não se encontram no centro das regiões povoadas mas na periferia. (CHRISTALLER, 1955, apud, SILVA, 2001, p. 124-125).

Neste sentido, dentre os diversos fatores que desempenham relevante função no uso humano do espaço, Christaller, mencionado por Silva (2001), aponta o turismo como sendo a única atividade econômica que, intrinsecamente, reúne um expressivo potencial de desconcentração espacial, contrariando a tendência à concentração.

Para Christaller, conforme Silva (2001), o turismo “pode ser um meio para se atingir o desenvolvimento econômico em regiões periféricas já que o fluxo de turistas ricos dos centros “metropolitanos” deveria injetar moeda estrangeira e gerar empregos” (IOANNIDES, 1995, apud SILVA, 2001, p. 127), sugerindo que o fluxo para o exterior dos residentes nos centros metropolitanos poderia ser uma alternativa para reverter os fluxos de renda e emprego normalmente direcionados para as localidades centrais de maior importância.

E. Von Boeventer, citado em Silva (2001), cunhou a denominação “Teoria das Regiões Periféricas”, como uma derivação do instrumental da Teoria dos Lugares Centrais, formulada por Christaller, a qual assumiria as seguintes características: a estratégia dos agentes econômicos, de se localizar o mais longe possível do próximo concorrente; a consideração dos custos de transporte; a influência das vantagens da aglomeração.

Walter Christaller, portanto, de acordo com Silva (2003), indica que o turismo possui uma tendência natural para a periferia de áreas centrais ou de regiões densamente povoadas, em razão do turista procurar conhecer áreas distintas e distantes do seu habitat, por conseqüência, os fatores locacionais para o desenvolvimento do turismo encontram-se vinculados à existência de ambientes e culturas diferenciados.

Fica evidenciado, entretanto, que para as empresas estabelecidas nas regiões “periféricas”, objeto de visitação pelo turista, o processo de localização obedeceria à mesma lógica preconizada na “matriz” conceitual desta derivação teórica.

Como na Teoria das Localidades Centrais, [...] nas regiões com menor densidade de atividades industriais e de concentração de mão-de-obra especializada, se estabelecem lojas adicionais ou outras empresas, assim, dentro deste modelo, para o turismo, de maneira similar, as regiões menos povoadas da periferia se povoam com os turistas que procuram a solidão. Mas estes têm duas restrições, como na localização dos lugares centrais: de um lado, os custos de transporte ou de viagem [que] limitam a extensão da viagem e, por outro lado, as vantagens da aglomeração da sociedade também atuam sobre o turismo. (VON BOEVENTER, 1968, apud SILVA, 2001, p. 128).

Os fatores acima, na análise de von Boeventer, destacada por Silva, atuam no sentido de constituir uma hierarquia dos lugares de turismo, e de suas relações, possibilitando ao turista optar, no conjunto de várias combinações, entre a maior proximidade com a natureza até a inserção em grandes centros turísticos.

Para que a relação entre os fatores endógenos e exógenos do desenvolvimento favoreça o desenvolvimento de base local, é necessário, segundo Silva (2003), que ocorra a valorização dos fatores endógenos, conformando um processo de “territorialização” turística, o que complementa e reforça os aspectos locacionais referenciados por Christaller.

[...] é fundamental que haja, ao mesmo tempo, um forte enraizamento local e um dinâmico enredamento global das atividades turísticas integradas às demais atividades e setores. [Principalmente porque] o turismo sempre depende de um plano externo para desenvolver seu plano interno o que se constitui [simultaneamente] em um potencial mas também em um risco sociocultural e ambiental. (SILVA, 2003, p. 161).

Silva aponta a necessidade de se verificarem quatro condições básicas, sem as quais o território ficará exposto e sujeito ao impacto determinante de fatores exógenos: interação sociopolítica; identidade, laços de coesão e projeto social. Na ausência dessas condições não ocorrerá o desenvolvimento, entendido como [...] um processo de mudanças que permita superar problemas e construir uma sociedade mais justa, com significativa redução da pobreza e vivendo com mais qualidade de vida. Nesse caso [de ausência das condições básicas], o turismo contribuirá mais para agravar os desequilíbrios sócio-espaciais e ambientais do que para superá-los.

A territorialização turística permitirá que os lugares e regiões transformem suas vantagens comparativas, proporcionadas pelo seu capital natural e cultural, em vantagens competitivas, assegurando a continuidade do dinamismo e contribuindo para promover, com uma determinada autonomia, um efetivo desenvolvimento socioeconômico. Assim, a dinâmica do desenvolvimento dependerá muito mais da capacidade de organização social e política dos territórios, valorizando os laços de coesão e de solidariedade, do que de outros aspectos externos, de pequena influência local e regional, [grifo nosso]. (SILVA, 2003, p. 162).

Fundamentada nos fatores locacionais diferenciados, tal perspectiva implica em se buscar “desenvolver o turismo com forte grau de endogeneização, melhor dizendo, de territorialização, evitando que ocorram comprometimentos ambientais e perda de identidade” (SILVA, 2003, p. 163), de modo a favorecer o avanço competitivo da região focado em um processo sustentado de desenvolvimento socioeconômico de base local.

Objetivando aprofundar a análise anterior realizada por Silva (2001 e 2003), recorre-se a Callizo Soneiro (1991), para quem Walter Christaller propunha como objeto da geografia do turismo, em 1955 e 1963, o exame das regularidades existentes na distribuição dos assentamentos turísticos.

Para Christaller, o esquema explicativo repousa no crescente impulso em direção à periferia demonstrado por certos grupos sociais residentes nas aglomerações urbano-industriais, como resultado de dois fatores interrelacionados: os que “empurram” a efetuar os deslocamentos, como conseqüência da melhoria do bem-estar econômico [...] e a força de atração que para as pessoas têm determinados lugares. [...] Desde uma clara assunção do papel do consumo na atividade econômica, as regularidades que regem a distribuição espacial dos assentamentos turísticos repousam sobre princípios de racionalidade econômica similares aos que fundamentaram a teoria dos lugares centrais: a eleição de um centro e a duração da estada se entendem como resultado de decisões racionais que tomam os consumidores com o fim de obter a maior rentabilidade do investimento realizado, [tradução livre nossa]. (CALLIZO SONEIRO, 1991, p. 23).

O turismo de massas exerce uma função modificadora da hierarquia urbana, conforme Callizo Soneiro, que se manifesta no crescimento e multiplicação dos centros turísticos de litoral em detrimento dos núcleos do interior, de um país ou de uma região. Neste sentido, a transformação de um espaço pela atividade do turismo resulta na definição de uma determinada estrutura hierárquica, ou seja, as áreas turísticas apresentam uma tendência de organizar o território, aproximando-se da estrutura espacial dos lugares centrais de Christaller.

[...] a hierarquia urbana pode considerar-se, no caso das regiões fortemente turísticas, como uma expressão da nodalidade surgida pela presença de serviços destinados, no todo ou em parte, à população turística. [...] uma classificação hierárquica dos centros turísticos [pode se sustentar, portanto,] sobre a análise das funções de comércio e serviços relacionados com a recepção turística, [tradução livre nossa]. (CALLIZO SONEIRO, 1991, p. 161-162).

Referenciando-se à contribuição de Biagini, Callizo Soneiro comenta que um centro turístico abriga quatro tipos de habitantes, oferecendo dois tipos de serviços. Os grupos populacionais são:

 habitantes permanentes do próprio núcleo, a uma parte dos quais concerne de forma direta a atividade do turismo;

 mão-de-obra imigrada sazonalmente;

 turistas que pernoitam na localidade; e

 turistas “pendulares” – que se hospedam em um local base e se movimentam em torno de uma região próxima, indo e voltando, pernoitando fora da(s) localidade(s) turística(s) desta região, mas a ela(s) acorrendo, atraídos por sua dotação funcional.

Já os serviços oferecidos por um centro turístico, de acordo com a teoria da base econômica urbana – razão “básico-não básico”, são os seguintes: básicos, ou seja, aqueles que podem ser utilizados pelos turistas pendulares – souvenirs, alimentação, artesanato, galerias de arte, antiquários, discotecas, boutiques, restaurantes, serviços profissionais; e não-básicos, ou aqueles que vêm a ser usados pelos turistas que pernoitam na localidade – estruturas de alojamento em geral.

Diferentemente de outros bens de consumo, a oferta turística não pode deslocar-se, ela há de ser consumida in loco; a economia turística se explica então, segundo Callizo Soneiro (2001), através da noção de utilidade dos lugares, a qual, conforme advertido por Christaller, gera uma propensão à mobilidade desde o centro emissor à periferia receptora; uma migração sazonal da clientela, que busca na periferia a mudança ou a diferenciação espacial em relação ao centro habitual de residência. Daí que, quanto mais afastada do centro estiver a periferia, maior será o estímulo de deslocar-se em sua direção e, consequentemente, maior será a sua atração, [tradução livre nossa]. (CALLIZO SONEIRO, 1991, p. 168).

O ato turístico gira, de acordo com Callizo Soneiro, sobre o deslocamento e a estada na periferia receptora. O esquema concêntrico elementar e original não faria senão traduzir os gradientes centro-periferia do custo do deslocamento, do tempo da estada e do preço do solo, três variáveis que não podem ser subtraidas do orçamento de férias dos distintos grupos e classes sociais.

O preço do solo diminue progressivamente desde o centro até a periferia; por sua vez, o custo do deslocamento se eleva à medida que se afasta do centro, até um ponto onde a periferia distante, ao intervir as economias de escala, possa ser alcançada através de um vôo charter, sem que isto implique em um aumento no valor do orçamento de férias; já o tempo da estada reflete que a maior parte da população turística pode suportar um tempo médio de férias entre 10 a 20 dias, a partir do qual reduz-se a sua quantidade (Figura 3.10, p. 340).

A combinação dos três gradientes acima dá forma a um modelo concêntrico, ancorado no seguinte esquema, como apresentado por Callizo Soneiro (1991): Centro emissor – lugar de residência habitual; Periferia próxima – as rendas baixas não permitem a seus possuidores deslocar-se além dos territórios próximos; o preço do solo é elevado e a população se agrupa em minúsculos apartamentos ou acampamentos turísticos; e Periferia distante – acessível para os orçamentos de férias das classes de melhor condição econômica, a menor freqüência de visitantes implica em uma menor densidade habitacional, preços mais baixos e um processo de urbanização baseado em villages e grandes mansões.

Figura 3.10 Os Círculos de Von Thünen e o Espaço Turístico

Fonte: Miossec, 1976, apud Callizo Soneiro, 1991, p. 169.

A aplicação deste esquema à distribuição do turismo mundial permite, segundo o autor, detetar-se uma sumária correlação entre o volume turístico, os meios de transporte e o gradiente centro-periferia: os fluxos turísticos vão diminuindo progressivamente à medida que se afasta do centro emissor; ao mesmo tempo, a dilatação da periferia provoca a substituição progressiva do deslocamento terrestre pela viagem aérea; progressivamente também, e com o distanciamento do centro, a estada acaba prevalecendo sobre o deslocamento. [...] à medida que se afasta dos centros emissores-receptores, a periferização se traduz [geralmente ...] em uma diminuição progressiva da magnitude dos fluxos [...] [tradução livre nossa] (CALLIZO SONEIRO, 1991, p. 170).

A relação centro-periferia que conformou e conforma a dependência de uma região periférica da sua metrópole, de acordo com Crocia (2002), tende a ser reciclada através da atividade do turismo. Nesta perspectiva, o foco da análise deve centrar-se, segundo o autor, sobre a forma como as metrópoles exerciam a posição de core em relação às zonas ou regiões periféricas e como re-trabalharam tal condição a partir do momento em que tais zonas ou regiões tornaram-se receptoras de fluxos turísticos gerados nas próprias metrópoles centrais. Crocia comenta que as existentes relações centro-periferia são condições herdadas que exercem um decisivo papel na caracterização da forma de difusão turística que venha a contecer, formando-se assim uma “periferia do prazer”, como analisado por Turner e Ash, a qual é “concebida geograficamente como o cinturão turístico que circunda as importantes zonas industrializadas do mundo [ou suas metrópoles centrais]” (TURNER e ASH, 1976, apud CROCIA, 2002, p. 15).

Dentro da relação centro-periferia, os centros metropolitanos, segundo o autor, não somente atuam como centros de geração de turistas para as regiões periféricas receptoras, como também de formatação de serviços, operações e investimentos, conformando fluxos como os esquematizados por Vera Rebollo (Figura 3.11, p. 342). Conforme Crocia, o controle dos países centrais sobre os periféricos se concretiza não apenas na perspectiva empresarial privada, mas também na governamental e dos organismos multilaterais de investimento, considerando-se que a relação centro-periferia é exercida e consolidada através dos investimentos públicos e privados – em infra-estruturas básicas e empreendimentos de recepção e entretenimento, de caráter turístico.

Figura 3.11 Dimensões Estruturais e Geográficas da Dependência Turística

Fonte: Vera Rebollo, 1997, p. 217.

Os efeitos do turismo internacional são bastante diferentes nos dois tipos de nação enredadas num relacionamento do tipo centro-periferia – em desenvolvimento e desenvolvidas. Para os países em desenvolvimento, hoje em dia, já não se considera que o turismo internacional seja a chave do impulso econômico; quaisquer que sejam os meios para o seu incremento, ele exige precauções importantes para que traga os benefícios reais esperados por estas nações.

Procurando caracterizar possíveis ciclos de dependência nas relações internacionais de troca, através do movimento dos fluxos reais e monetários que se estabelecem, Esteve Secall (1983), verifica que enquanto as mais importantes nações desenvolvidas apresentam fortes déficits em suas balanças turísticas e enormes superávits em suas balanças de mercadorias, as mais importantes nações turísticas apresentam superávits em suas balanças turísticas e déficits nas comerciais (Figura 3.12).

Figura 3.12 Os Ciclos de Dominação-Dependência através do Turismo

Fonte: Esteve Secall, 1983, p. 301.

Pode deduzir-se daí, que o turismo tem uma função de gerador de meios de pagamento para favorecer as exportações das nações desenvolvidas. Assim, os ciclos de dependência estariam integrados pelas correntes monetárias e de mercadorias. De um lado, o setor exportador dos países desenvolvidos (PD) facilita as divisas para turistas dirigirem-se aos países menos desenvolvidos (PMD), onde as gastam. Com isso, o turismo estaria proporcionando os meios de pagamento necessários ao setor importador dos PMD para fazer frente às suas necessidades de importação. De outro lado o setor exportador dos PD abastece de mercadorias o correspondente setor importador dos PMD. Boa parte destas mercadorias importadas se destinam ao consumo turístico, que demanda novos produtos do setor exportador dos PD.

Diante desta análise, Esteve Secall constata que fica caracterizada a relação de dependência, e que, a chave para a solução do problema que se apresenta aos PMD está em reduzir, proporcionalmente, a demanda de mercadorias efetuada pelos turistas, ou mediante sua substituição por mercadorias nacionais, ou por um aumento mais que proporcional de suas exportações, o que só se conseguirá utilizando as divisas aportadas pelo turismo na importaçåo de equipamentos e tecnologia, para melhorar e ampliar a capacidade produtiva e exportadora de mercadorias manufaturadas que, pouco a pouco, reduzam a dependência do setor externo no que diz respeito ao turismo, [tradução livre nossa], (ESTEVE SECALL, 1983, p. 303).

Já na opinião de Sessa (1983), um melhor equilíbrio econômico, ou para melhor dizer, um menor desequilíbrio, no curso acelerado do desenvolvimento, há de ser procurado para [os PMD], na realização de dois objetivos:

a. o crescimento regular da relação entre a poupança interna e a renda nacional, de maneira que o país possa financiar, com os próprios recursos econômicos, o seu crescimento;

b. uma relação menos desfavorável entre as exportações e as importações, de maneira que o país não sofra de uma crônica penúria de divisas que obstaculize seu ritmo de crescimento, (SESSA, 1983, p. 80).

O reduzido grau de diversificação das exportações dos países em desenvolvimento, lastreadas na venda de produtos primários, não permite a realização de um melhor equilíbrio nas trocas internacionais.

Os fluxos financeiros das divisas provenientes do turismo internacional dos países industrializados, podem ser utilizados para saldar os fluxos de bens procedentes da economia dominante e necessários ao desenvolvimento das economias dependentes.

Esta dependência encontra-se vinculada à maior produtividade do fator trabalho decorrente do grau de avanço tecnológico atingido pela economia dominante. Por este motivo, a economia dominante, emitindo sempre nova tecnologia, pode continuar a expandir a sua produçåo de bens instrumentais e manufaturados, possibilitando a realização dos efeitos da dominação no comércio internacional.

Esta característica, contudo, não tem nenhum confronto na atividade turística, que é fundamentalmente ligada, no momento de sua produção, aos serviços centrados sobre o fator humano, e portanto, à baixa produtividade. [...] Mas, existe outra consideração a ser efetuada. A produção turística se realiza em pólos territoriais e é ligada a uma atração natural ou cultural. Neste tipo de produção “atípica”, é o consumidor-turista que se desloca ao local de produçåo para realizar o consumo e não as mercadorias que são enviadas. Em conseqüência, existe a material impossibilidade estrutural de se expandir a produção turística além de certos limites de saturação natural. (SESSA, 1983, p. 85-86).

Por este motivo, os países avançados turisticamente teriam interesse em não expandir a sua produção além de certos limites naturais, definidos pelas condições inelásticas do seu território e da impossibilidade de acumular estoque de produção, como se realiza em qualquer outra atividade produtiva, que não a de serviços. Deste modo, afirma Sessa, o efeito de dominação seria estruturalmente impossível de realizar-se, em funçåo das condições inerentes à peculiaridade deste tipo de atividade econômica.

Este pensamento é coerente, em se tratando de um país receptor desenvolvido, onde o turismo se desenrola em pólos territoriais, envolvendo uma estrutura econômica diversificada e oferecendo condições de impor-se limites ao fluxo turístico. Não se aplica porém, linearmente, ao caso de um país subdesenvolvido, onde o pólo turístico, às vezes, se confunde com sua própria extensão territorial, existindo uma forte dependência da atividade turística em função dos padrões internacionais.

É o turismo um fator de degradação e dependência? Ou a única esperança de revitalização de áreas marginais? Ou ambas as coisas de uma só vez? Este é o triplo questionamento colocado por Callizo Soneiro (1991), sobre o qual tece as seguintes considerações:

A monocultura turística é, certamente, geradora de dependência e colonialismo econômicos. Isto em dois planos distintos: dependência, desde o ponto de vista da estrutura econômica das áreas receptoras, como conseqüência da hipertrofia do setor terciário, de seu forte monofuncionalismo; colonialismo, pela estreita – ainda que desigual, vinculação da oferta turística, com respeito aos grandes operadores turísticos estrangeiros, controladores [da quase totalidade] da demanda recreativa [...], e captores de uma grande parcela das receitas turísticas retidas nos países ricos emissores, proprietários de uma importante parte do parque imobiliário das áreas receptoras, [grifo nosso], [tradução livre nossa]. (CALLIZO SONEIRO, 1991, p. 155-156).

No entanto, integrado com o meio receptor e eficazmente planejado o turismo pode se tornar um agente dinamizador de áreas deprimidas. A integração econômico-setorial focada na racionalização da oferta turística implicará na minimização da colonização do espaço receptor. O processo de desenvolvimento de base endógena pode inverter a tendência declinante de um espaço a um mínimo custo social e espacial. Neste sentido, Callizo Soneiro preconiza a não alienação do território - não permitindo a proliferação de residências secundárias, mitigando o uso especulativo do solo, proibindo a aquisição de terras por parte de estrangeiros, evitando a captura de uma boa parte do negócio turístico por operadores turísticos e cadeias hoteleiras internacionais, cuja propriedade do capital seja exógena ao país ou região receptora.

[...] a chave parece estar na ajuda à pequena hotelaria [...]: um modelo que [propugne] a integração territorial do turismo com o resto das atividades econômicas; que [opte] pela complementariedade entre o setor agropecuário e as atividades suscitadas pelo tempo de lazer, longes de toda [e qualquer] monocultura e monoestacionalidade. Uma política territorial, enfim, [que faça da região receptora um espaço mais harmonioso e humanizado], [tradução livre nossa]. (CALLIZO SONEIRO, 1991, p. 158).

Callizo Soneiro afirma, que com a análise do mapa de fluxos turísticos mundiais se pode desconsiderar a falácia de uma alegada reciprocidade entre os países ricos emissores e os países pobres em desenvolvimento ou menos desenvolvidos, o que ele exemplifica com a Espanha, onde o fluxo emissor está ainda muito longe de compensar o fluxo turístico receptor.

[...] é um fato dificilmente questionável – e já provado, que a atração de um centro turístico decresce à medida que a periferia se vai dilatando progressivamente; e tampouco se pode rechaçar que a interação – mesmo não sendo recíproca, entre dois centros será tanto maior quanto mais importante seja sua dimensão demográfica, [tradução livre nossa]. (CALLIZO SONEIRO, 1991, p. 165).

A dependência dos destinos turísticos dos países menos desenvolvidos, e sua consequente vulnerabilidade, em relação aos principais operadores turísticos e outros grupos estrangeiros, pode ser explicada, em grande medida, pela progressiva integração da atividade do turismo, bem como do protagonismo crescente dos pacotes turísticos, como analisado no item 3.1.3 deste capítulo.

Segundo Goded Salto (1998), grande parte das deseconomias derivadas do turismo se manifestam justamente na perspectiva do desenvolvimento regional. Na maioria das vezes, a expansão da atividade turística consiste no surgimento de verdadeiros enclaves, sem nunhuma conexão com a economia local, o que implica no caráter escasso dos encadeamentos intersetoriais e na sua insuficiência para gerar os efeitos multiplicadores do gasto turístico.

Em geral, os complexos turísticos não estabelecem nenhuma vinculação com as restantes atividades econômicas da zona e reproduzem, portanto, na opinião deste autor [de Crick, 1992], a estrutura dual, característica dos tradicionais sistemas de plantação do período colonial, [tradução livre nossa]. (GODED SALTO, 1998, p. 141-142).

Ocorre também, com relativa freqüência, conforme analisa a autora, o fato do turismo, além de não beneficiar as demais atividades produtivas – por não gerar os efeitos de espraiamento ou de transbordamento sobre as mesmas, poder chegar a prejudicá-las. Isso, em função do turismo concorrer com as demais atividades econômicas da região pelos mesmos fatores produtivos – mão-de-obra, terra, recursos financeiros, etc., conduzindo a que a sua expansão possa se dar à custas da perda do dinamismo de outra(s) atividade(s) produtiva(s).

Para Bryden, abordado por Goded Salto (1998), não é tão evidente que o fato da atividade do turismo se localizar em regiões atrasadas, com um reduzido nível de industrialização, signifique que ela desempenhe uma efetiva função de atividade motora do desenvolvimento dessas regiões, pelo contrário, é difícil que isso ocorra, porque:

 Se a região é, de uma só vez, não-agrícola e não-industrial, não haverá provavelmente a infra-estrutura ou a mão-de-obra necessária para a promoção do turismo internacional e será preciso investir vultosas somas de dinheiro em ambos os elementos. Além do mais, parece pouco provável que em uma região com estas características, o efeito multiplicador do gasto turístico seja significativo. Finalmente, grande parte da infra-estrutura requerida pelo turismo terá poucos usos alternativos, por isso, também os argumentos sobre externalidades parecem, neste caso, pouco importantes.

 Se a região é eminentemente agrícola, se dará uma forte concorrência pela terra entre usos recreativos e usos produtivos. Além disso, o setor agrícola se defrontará com sérias dificuldades para contratar a mão-de-obra que precise, particularmente na temporada de plantação e colheita. Por último, nestas circunstâncias, o argumento referente à infra-estrutura se mantém, ainda que talvez com menos força.

[Pelo exposto], é difícil aceitar que o turismo traga vantagens especiais para os países [ou regiões] pobres, desde o ponto de vista do desenvolvimento regional, [grifo nosso], [tradução livre nossa]. (GODED SALTO, 1998, p. 145).

Na perspectiva do desenvolvimento regional, uma expansão mal planejada ou não controlada do turismo pode, ainda, conforme a autora, acarretar outros ônus e uma série de custos para uma determinada zona ou região; tratam-se de custos de longo prazo, que limitam o potencial de crescimento futuro da zona: a necessidade de ampliar a prestação de serviços públicos na zona; de construir e manter as infra-estruras necessárias; assumir as externalidades negativas da atividade, de difícil mensuração – problemas de tráfego e estacionamento, contaminação de praias, destruição de paisagens naturais, etc. Nesse contexto, os benefícios econômicos do turismo podem converter-se em uma mera ilusão para os países ou regiões de recepção em desenvolvimento.

Considerando que a cada benefício derivado da atividade do turismo corresponde um determinado custo, a valoração de uma estratégia de desenvolvimento baseada no turismo internacional deve se realizar sempre em termos líquidos. Também ao apreciar o papel do turismo como estimulador do crescimento econômico, só se poderá defender tal estratégia como válida, se se efetuar uma comparação que lhe seja favorável, em relação às demais opções de atividades produtivas possíveis e passíveis de serem desenvolvidas na região.

A verdadeira explicação da dependência dos países menos desenvolvidos, conforme opinião de Cazes, ratificada por Goded Salto (1998), residiria na inadequação estrutural da produção da zona ou região receptora às necessidades do “setor” do turismo.

De acordo com Goded Salto, em essência, não é o turismo que fomenta o desenvolvimento de uma nação ou região atrasada, mas sim é o próprio nível de desenvolvimento desse país ou região que converte o turismo em uma atividade favorável ou não a este processo.

Não se trata, portanto, afirma Goded Salto, de adotar uma postura unívoca e incondicional diante das alternativas “turismo sim; turismo não”, o que a autora sustenta é uma colocação do tipo “turismo sim, mas como ...?”.

Ao estudar os fluxos e focos turísticos se pode comprovar, de acordo com Callizo Soneiro (1991), como o turismo é um fenômeno que concerne de modo preponderante aos países desenvolvidos, não só como principais emissores, mas também como primeiros receptores: os desequilíbrios econômicos constituem uma das causas da desigualdade de acesso ao turismo em todo o mundo e, sobretudo, da escassez dos efeitos de retorno desde os países do hemisfério sul até os do hemisfério norte, [tradução livre nossa]. (CALLIZO SONEIRO, 1991, p. 85).

Com base nas etapas do desenvolvimento econômico de W. W. Rostow, já analisadas no capítulo 2 desta tese, item 2.1.7, Callizo Soneiro elabora uma comparação das características gerais assumidas pelo turismo em grupos de países situados em níveis correspondentes a essas distintas etapas do processo de desenvolvimento, como pode ser visto no (Quadro 3.2, p. 350).

Azzoni (1993), apresenta uma dicotomia envolvendo os termos desenvolvimento do turismo e desenvolvimento turístico, vinculado à perspectiva do desenvolvimento econômico de base regional. Ele analisa a possibilidade de o turismo poder desempenhar o papel de gerador de empregos e de renda para as populações de regiões economicamente deprimidas, atuando como atividade motora do crescimento e do desenvolvimento, e, deste modo, propiciando condições favoráveis para o rompimento dos ciclos (históricos) de pobreza, setoriais e institucionais, que “engessam” essas regiões.

Observa Azzoni que, para tanto, coloca-se como condição necessária que essa atividade [o turismo] tenha viabilidade econômica, especialmente quando observada pelo setor privado [...]. Cumprindo-se essa condição poder-se-á obter o desenvolvimento do turismo na região, ou seja, observa-se o crescimento dessa atividade com relação às tendências observadas no passado, por exemplo. Mas esse fato não implica que tais efeitos positivos serão suficientes para criar efeitos de encadeamento, que permitam reverter o processo de empobrecimento ou de estagnação que está por trás da situação de atraso regional. Caso o desenvolvimento do turismo na região possa acarretar os efeitos de encadeamento citados, obtém-se o desenvolvimento econômico da região através do turismo ou o que se pode melhor denominar por desenvolvimento turístico da região, [grifo do autor]. (AZZONI, 1993, p. 39).

Ressalvando-se que o desenvolvimento do turismo é uma condição necessária, mas não suficiente para o alcance do desenvolvimento turístico de uma determinada região em condição de pobreza, em conformidade com a concepção formulada por Azzoni.

A análise da distribuição espacial da atividade turística – o mapa de fluxos e focos turísticos, segundo Callizo Soneiro (2001), revela uma estreita concomitância entre o nível de desenvolvimento dos distintos países e sua propensão à viagem [...] turística; é substancial que, apesar da atração que as periferias subdesenvolvidas exercem nos países ricos por sua manifesta mudança ou diferenciação espacial, o maior volume do negócio turístico concerne de forma impressionante a estes últimos [os países ricos], [tradução livre nossa]. (CALLIZO SONEIRO, 1991, p. 142).

A indústria desempenhou, até a década de 1970, a função de principal motor do desenvolvimento econômico e das transformações espaciais. Conforme Callizo Soneiro, a teoria da “base econômica”, vista no capítulo 1, item 1.2.1 desta tese, concedeu aos serviços um protagonismo secundário, atrelado à própria expansão do setor industrial. Na atual etapa, que o autor acata como pós-industrial, a correlação de pesos dentro do sistema econômico se modificou, com os serviços passando a assumir um papel de destaque como uma das possíveis alternativas de promoção e recuperação econômica.

Uma valoração dos efeitos econômicos e espacias da atividade do turismo exige, segundo Callizo Soneiro, a consideração de diferentes escalas de análise: a escala mundial; as escalas nacional e regional; e a escala local. Independente da escala, em um espaço funcionalmente turístico, o autor afirma que poucos são os habitantes de localidades ou regiões receptoras de turistas cuja subsistência econômica permanece à margem de uma ou outra forma da atividade turística.

[...] poucos são os ramos da atividade industrial que não se beneficiam, sequer minimamente, do incremento transitório do número de consumidores que o fenômeno turístico propicia; algumas delas, inclusive, devem [ao turismo] a sua favorável expansão. É o caso da indústria de alimentos, da transformação de produtos agropecuários; mas também é o caso do desenvolvimento exitoso de determinadas atividades artesanais que, fora da atração – [...] a mudança [ou diferenciação] espacial e cultural, que exercem nos países mais industrializados, dificilmente poderiam sobreviver; e é o caso da indústria de artigos para presentes, que os turistas adquirem como um testemunho, uma prova emblemática, de sua presença nestas periferias receptoras; além dos artigos de viagem e esportes [...]. Mais evidente é o impacto industrial devido ao turismo no subsetor da construção – de alojamentos, mas sobretudo de segundas residências, e nos setores afins como vidro e cimento, madeira e móveis, e de água, gás e eletricidade, [tradução livre nossa]. (CALLIZO SONEIRO, 1991, p. 147-148).

Como contraponto ao comentado acima, transcreve-se a seguir um trecho do livro de autoria de Turner e Ash (La Horda Dorada, 1991), retirado da tese de doutorado de Goded Salto (1998), visando deixar à reflexão a necessidade de uma síntese teórica quanto à relação turismo e desenvolvimento, que é o objetivo da autora em sua tese, entre duas das suas vertentes analíticas, uma que faz a sua apologia, num matiz manifestamente positivista, e a outra que o vê com sérias ressalvas, num posicionamento de natureza crítica.

... todo el mundo arrincona las herramientas del campo y se apresura a ponerse al servicio de los extranjeros [...] Mientras se han indicado a la construcción de la infraestructura turística, no han tenido tiempo para construir sus escuelas, sistemas de regadío o fábricas textiles, es decir, todo aquello que les habría servido para educarse, alimentarse o vestirse. Tienen que pasar a depender de unas importaciones cada vez más costosas, tolerar que los turistas detenten la propiedad de sus mejores tierras; aumenten más si cabe sus deudas exteriores, a cuyo pago tendrán que seguir haciendo frente aun cuando nunca más les visite un solo turista. Así pues, en nombre de esta industria pueden llegar a perder sus tierras, sus trabajos, su forma de vida … a cambio de qué? De contribuir de forma insignificante a la satisfacción de los caprichos de los extranjeros? Si no andan con mucho cuidado, eso será todo lo que consigan extraer del sector turístico (TURNER e ASH, 1991, apud GODED SALTO, 1998, p. 188-189).

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