Tesis doctorales de Economía

 

TURISMO, CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO: UMA ANÁLISE URBANO-REGIONAL BASEADA EM CLUSTER

Jorge Antonio Santos Silva

 

 

 

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3.1.3. Dimensão territorial do desenvolvimento turístico: externalidades e economias de aglomeração / espaço, região e território

Introduzindo algumas considerações visando analisar os efeitos das externalidades de mercado e das economias de aglomeração em relação à atividade do turismo, nota-se, inicialmente abordando a natureza dos chamados bens públicos, de acordo com Furió Blasco (1997), que uma vez produzidos, os bens públicos são livres, porém não acessíveis, em quantidade e qualidade, de forma equitativa, para todos os indivíduos de um sistema urbano-regional. Esses bens são fornecidos, em parte, através de algum mecanismo de localização. A localização permite o acesso a certos bens públicos ou a certos serviços que eles proporcionam, gerando benefícios e custos ou afetando os benefícios e custos dos agentes socioeconômicos, quer na vertente da produção, quer na do consumo.

O deslocamento do turista, segundo Furió Blasco, se justifica pelo fato de ele se motivar a viajar influenciado por uma série de elementos que não se fazem presentes em seu entorno habitual de residência. Dentro dos componentes elementares do produto turístico, vários podem ser considerados como bens públicos, desde quando se caracterizem como bens não rivais no consumo e não excluíveis na provisão. Neste sentido, o autor observa que a particularidade presente em muitos dos bens suscetíveis de qualificar-se como turísticos é o fato de serem bens públicos “locais”. Assim uma praia é um bem público [...] desde o momento em que o usuário da mesma se encontre em sua proximidade. A partir daí a praia aparecerá como um bem não rival em seu consumo e no qual o fornecedor é incapaz, por distintos motivos, de por em prática [...] mecanismos de exclusão.

[A praia ....], o entorno urbano-rural, a riqueza arquitetônica e monumental, ..., são [exemplos de] bens públicos cujos serviços beneficiam aos que “vivem” – permanente ou temporalmente, em uma determinada comunidade. Serão, pois, bens públicos locais. E, deve-se ter em conta que a existência deste tipo de bens públicos pode ser a motivação que leve potenciais usuários a se deslocar até este determinado lugar, e assim poder se beneficiar dos serviços prestados por bens desta natureza, [tradução livre nossa]. (FURIÓ BLASCO, 1997, p. 47-48).

Ao se estudar os efeitos produzidos pelo turismo nos diferenciados âmbitos do território onde se desenvolve, pode se distinguir distintas tipologias que, no entanto, de acordo com Furió Blasco, apresentam diversos traços comuns:

 se mostram como resultado do próprio processo turístico, sem ter um caráter desejado ou pretendido, ou seja, apresentam-se como não intencionais;

 são resultantes das interdependências existentes entre os elementos econômicos, sociais, culturais e físicos deste processo;

 são efeitos que incidem positiva ou negativamente nas decisões, comportamentos ou atividades de agentes alheios ao processo ou, de certa forma, no próprio processo, sem que isso dê lugar nem à (re)consideração, nem a nenhum tipo de compensação; e

 a literatura lhes otorga uma relevância operativa por suas incidências no próprio processo de desenvolvimento turístico.

Os efeitos externos das atividades turísticas derivam-se, em grande parte, de acordo com Furió Blasco (1997), da localização do componente privado do produto turístico. O fato das atividades turísticas se situarem próximas aos bens publicos locais lhes concede a capacidade de receber e/ou gerar efeitos externos.

[...] nas atividades turísticas [portanto] existe uma significativa presença de efeitos externos de mercado, positivos e negativos, de consumo e de produção, tecnológicos e pecuniários. [...] estes efeitos externos também estão presentes na dimensão espacial destas atividades de um modo ligeiramente distinto, [tradução livre nossa]. (FURIÓ BLASCO, 1997, p. 54).

Como destacado por Furió Blasco, as economias tecnológicas e pecuniárias estão na base da definição das economias de aglomeração descritas na economia espacial, assumindo relevante papel no processo de desenvolvimento do turismo, o que também acontece com a proximidade aos bens públicos no caso do produto turístico. Um espaço turístico, portanto, apresenta economias externas de localização. Nas atividades turísticas, estas economias manifestam-se em duas vertentes:

Em primeiro lugar, se encontram as economias de localização que surgem da concentração de unidades produtivas de idêntica ou similar atividade; por exemplo, as que surgem entre empresas de prestação de serviços de alojamento. E, em segundo lugar, também se dão economias entre as distintas unidades produtivas pertencentes às diferentes atividades turísticas. Por exemplo, as economias externas (tecnológicas e/ou pecuniárias) que podem existir entre as atividades de alojamento, restauração [alimentação] e outras atividades de lazer; entre as atividades de alojamento e um parque temático e vice-versa.

Estas últimas podem entender-se de um modo particular como economias de urbanização. São economias de localização para o conjunto de atividades turísticas. Porém são economias de urbanização se se observam desde o ponto de vista das subatividades turísticas. Desde esta última perspectiva, são economias externas a cada uma das subatividades, porém internas ao território turístico. São economias que se definem em função das vantagens devidas à aglomeração, que se criam dentro de um sistema urbano, [tradução livre nossa]. (FURIÓ BLASCO, 1997, p. 54-55).

A presença de bens públicos locais no produto turístico e os efeitos externos de mercado no desenvolvimento das atividades turísticas trazem, como afirma o autor, importantes conseqüências para um território que tenha como atividade de sustentação o turismo. “[...] estes aspectos possibilitam níveis de demanda e de produção das atividades turísticas superiores aos que se apresentariam como ótimos na suposição de que se tratasse de bens privados e/ou se internalizassem os efeitos externos” [tradução livre nossa], (FURIÓ BLASCO, 1997, p. 57).

A expressiva presença de bens públicos no produto turístico, aliada à respectiva “gratuidade” dos serviços prestados por esses bens, e a relevância dos efeitos externos positivos, estão, conforme Furió Blasco, na origem da geração dos efeitos externos negativos, ou das deseconomias externas, que provocam o congestionamento e a deterioração dos bens públicos e a perda de atratividade dos espaços turísticos, e, por conseqüência, o surgimento de custos – internos e externos, privados e sociais, no próprio processo de desenvolvimento turístico e econômico.

Um outro aspecto a considerar diz respeito à acessibilidade diferencial que, segundo Furió Blasco (1994), pode atuar como mecanismo seletivo para estabelecer o tipo de turismo que se deseja acolher, ou seja, a acessibilidade pode ser inversamente proporcional à “qualidade” do espaço de lazer.

[...] a acessibilidade interna influe no desenvolvimento turístico na medida que contribue à organização e estruturação da área turística. Se em sua vertente externa a acessibilidade permite a comunicação entre espaços emissores e receptores, em sua vertente interna possibilita os fluxos internos de uma área. Ao mesmo tempo, também contribui a definir as economias de aglomeração, especialmente as de localização, e a reduzir as possíveis deseconomias de aglomeração, [tradução livre nossa]. (FURIÓ BLASCO, 1994, p. 384).

Todo sistema territorial pode ser representado, de acordo com Furió Blasco (1994), como resultado da união e costura de subsistemas funcionais. A. Cunha identificou sete componentes desse sistema, cujo conjunto Furió Blasco denomina de “matriz funcional” do sistema territorial (Figura 3.5, p. 311).

 1º- Subsistema humano – designa, simultaneamente, ao homem e ao conjunto de relações que ele mantém com os outros e com o território onde desenvolve sua vida pessoal, operando na satisfação das necessidades materiais e imateriais fundamentais;

 2º- Subsistema cultural – está conformado pelo conjunto simbólico criado pelo homem e que constitui sua reserva de saber, controlando e orientando a ação dos indivíduos;

 3º- Subsistema tecnológico – opera na introdução dos conhecimentos no domínio da produção econômica, englobando os processos de produção de novos bens e serviços, o saber-fazer que permite a introdução de uma novidade no mercado – em termos de produto, processo ou serviço, o saber-fazer que possibilita a utilização produtiva de recursos até então não utilizados;

 4º- Subsistema econômico – transforma, produz e distribue os bens e serviços necessários a uma sociedade a partir da utilização de sua força de trabalho, o capital, as técnicas e os recursos naturais existentes no sistema ecológico, permitindo ainda o conhecimento de configurações econômicas territoriais;

 5º- Subsistema espacial – em primeiro lugar, retrata o quadro de vida e o suporte da atividade econômica, tendo como função essencial assegurar a interação local e a comunicação na distância. Está constituído por um conjunto de nodos, lugares centrais, de vias de comunicação que os unem e por um conjunto de zonas intersticiais, caracterizando-se ainda pela capacidade de criar sinergias e campos de polarização que orientam os fluxos de pessoas, de capitais e de informação em torno de formas hierarquizadas de povoamento e de habitat;

 6º- Subsistema político – percebido no território por meio da rede administrativa, operando na regulação dos diversos conflitos e contradições entre os grupos sociais localizados e influindo na eleição e definição dos objetivos do desenvolvimento territorial;

 7º- Subsistema ecológico – fornece a matéria e a energia necessária para o funcionamento do sistema socioeconômico.

Portanto, o território pode ser definido como um conjunto formado por uma sociedade e o espaço que ela organiza. A noção de território engloba, pois, a noção de espaço mas não se confunde com ela. Considera-se aqui o território como um conjunto dinâmico, delimitado por uma fronteira, na qual se combinam e reacionam os elementos físicos e humanos [...]. A diferenciação territorial é o resultado de um processo que conduz aos atores sociais a organizar, administrar e apropriar-se do espaço. [...] A noção de território manifesta, explicitamente, a existência de uma organização social, política e econômica que organiza e ordena o espaço, [tradução livre nossa]. (CUNHA, 1988, apud FURIÓ BLASCO, 1994, p. 74).

O turismo constitui um fato social e econômico que se manifesta claramente no espaço. Seu caráter territorial, segundo Ivars (2003), é determinado pelo deslocamento de pessoas desde seu lugar de residência a espaços que reúnem determinadas condições para satisfazer as diferentes motivações turísticas. Portanto, os fluxos turísticos implicam a existência de uma série de efeitos territoriais de diversa natureza, tanto nas áreas geográficas de trânsito como nas de destino, [tradução livre nossa]. (IVARS, 2003, p. 17).

Ivars concebe o sistema turístico como um sistema dinâmico e aberto ao entorno social, cultural, econômico, político e tecnológico, integrado, desde uma perspectiva setorial, com o sistema territorial global, o qual conforma dois planos interrelacionados, os mercados de origem e os espaços de destino. Os primeiros condicionam o volume e as características dos fluxos turísticos que emitem, e os segundos influenciam o modelo de desenvolvimento turístico (Figura 3.6, p. 312).

Figura 3.5 O Sistema Territorial e seus Componentes

Fonte: Cunha, 1988, apud Furió Blasco, 1994, p. 75.

[...] convém destacar que o resultado dessa interação não é um mercado homogêneo, mas sim uma demanda complexa e suscetível de segmentação de acordo com variáveis sociodemográficas, econômicas e psicográficas, sem esquecer que o caráter dinâmico dos mercados obriga a considerar não só os segmentos atuais, como também os potenciais, [tradução livre nossa]. (IVARS, 2003, p. 23).

Figura 3.6 O Sistema Territorial Turístico

Fonte: Ivars, 2003, p. 22.

A delimitação do sistema destino se realiza, conforme Ivars, a partir de sua função turística, de sua especialização em uma atividade econômica com evidentes efeitos territoriais. O sistema destino, aberto ao sistema territorial no qual se insere, aos mercados, ao entorno e outros destinos através de relações de complementariedade ou concorrência, caracteriza-se, segundo o autor, por se constituir de elementos interrelacionados e interdependentes que satisfazem a demanda turística por meio de sua estruturação em produtos turísticos concretos. A satisfação da demanda turística, continua Ivars, torna-se possível mediante a existência de um sistema produtivo que gera rentabilidade econômica e social.

Não se trata, portanto, de um sistema produtivo convencional porque engloba bens públicos (geralmente, recursos naturais), infra-estruturas, empresas turísticas e não especificamente turísticas e, inclusive, a imagem do próprio destino. O sistema produtivo encontra sua unidade no destino turístico, denominador comum de bens e serviços diversos que configuram a experiência turística, na identidade do destino como elemento aglutinador e nas relações interempresarias, fundamentalmente entre as empresas turísticas e suas auxiliares. Além do mais, no cumprimento de sua função turística gera distinto impactos que afetam tanto ao sistema territorial como à própria produção turística (a degradação ambiental de uma praia não implica unicamente a deterioração do sistema territorial, mas também da competitividade da função turística do território), [tradução livre nossa]. (IVARS, 2003, p. 25-26).

A dispersão e relativa indefinição no uso dos conceitos referidos ao espaço turístico, de acordo com Ivars, torna aconselhável uma sistematização prévia que parte da redução do espaço turístico a tres unidades básicas que desempenham uma função turística, apesar do seu grau de complexidade e extensão territorial ser distinto.

A função turística desses espaços consiste em sua capacidade de atrair visitantes através de recursos de diverso tipo e de uma certa imagem turística, abrigá-los em determinados meios de alojamento e satisfazer seus desejos e necessidades como consumidores, [tradução livre nossa]. (IVARS, 2003, p. 31).

As três unidades territorias consideradas por Ivars são:

 os complexos turísticos integrados – cumprem autônomamente a função turística (ex. Club Mediterranée);

 os espaços que requerem a conjunção de uma série de empresas e serviços para desenvolver sua função turística dentro de um raio que pode alcançar desde um núcleo de povoamento a um âmbito sub-regional (ex. um destino turístico de litoral ou um núcleo rural com oferta turística); e

 a possível integração das duas unidades anteriores em um espaço de dimensão variável que apresenta um certo grau de coesão por constituir uma demarcação administrativa, compartilhar uma idêntica imagem turística ou constituir o marco das relações funcionais turísticas entre as unidades territoriais inferiores (ex. uma zona turística ou um pólo turístico).

Porém, resulta paradoxo que praticamente a totalidade dos conceitos territoriais do turismo possam referir-se indistintamente a qualquer das unidades territoriais identificadas. Assim, o conceito de destino turístico pode empregar-se para o complexo turístico de Sandals Resorts na Jamaica, para Montego Bay (Jamaica) ou para a própria ilha da Jamaica, [grifo nosso], [tradução livre nossa]. (IVARS, 2003, p. 31).

Similar problema ocorre em relação aos conceitos de cadeia produtiva do turismo e de agrupamento ou cluster de turismo, como poderá se constatar nos itens 3.2.1 e 3.2.2 deste capítulo.

As três unidades territoriais básicas acima indicadas, podem identificar-se, segundo Ivars, com os conceitos de complexos turísticos integrados, espaços de destino turístico e regiões turísticas, respectivamente.

Os complexos turísticos integrados, de acordo com Ivars, se distinguem por: sua menor extensão territorial; uma concepção unitária que lhe confere caráter de produto integral – alojamento mais atividades de entretenimento; uma clara orientação para segmentos de mercado determinados de acordo com o conceito de negócio selecionado; e o papel praticamente exclusivo do turismo como atividade econômica do território que ocupa, normalmente segregado, formal e funcionalmente, do sistema territorial no qual se insere, na condição de um “enclave turístico”.

Os espaços de destino turístico se identificam com destinos ou municípios turísticos, diferindo, formal e funcionalmente, dos complexos turísticos integrados, que podem se constituir em mais um elemento desses espaços. Nos espaços de destino a função turística não é a única, embora possa ser a predominante, eles não correspondem a uma concepção unitária e sua oferta turística se nutre de uma diversidade de componentes dependentes de uma pluralidade de agentes.

Ivars (2003) menciona como um aspecto relevante, que o turismo tem uma capacidade estruturante do território e uma direta incidência nas funções econômicas do mesmo, pelo que uma definição mais restrita e ajustada deste conceito [de destino turístico] requer um mínimo grau de especialização turística, [tradução livre nossa]. (IVARS, 2003, p. 37).

O destino turístico constitui-se, simultaneanente, em espaço de produção e de consumo, nesse contexto, a especialização turística é obtida através das relações de complementariedade e concorrência com outros setores produtivos.

A complexidade do sistema de interrelações que constitui o destino turístico se ampliou, conforme Ivars, na medida em que passou-se a otorgar à sociedade local um papel ativo na definição do modelo de desenvolvimento e uma vinculação mais estreita entre qualidade de vida, diversificação econômica e imagem do território.

O espaço turístico, ao menos no plano teórico, recupera então sua dimensão social, circunstância que se traduz na promoção de um desenvolvimento mais equilibrado territorial e setorialmente, e em uma maior ênfase na preservação do patrimônio natural e cultural. Os processos de reestruturação dos espaços de destino com um alto grau de consolidação partem do reconhecimento da importância estratégica do turismo para o desenvolvimento local, da necessidade de concertar interesses plurais e de impulsionar outras atividades econômicas compatíveis com a turística. Se trata de uma percepção do espaço turístico distinta da do mero contenedor do crescimento de uma oferta estereotipada para uma demanda massiva guiada quase que exclusivamente por critérios de mercado. Pelo contrário, o espaço se concebe como um recurso em si mesmo e o horizonte do desenvolvimento se amplia a um prazo mais longo como reação a mudanças qualitativas na demanda, à progressão de espaços concorrentes e ao maior protagonismo das aspirações da sociedade local, [tradução livre nossa]. (IVARS, 2003, p. 38).

Considera-se, com Ivars, que o município – constituído pelos elementos território, população e organização, reúne em grande parte as características definidoras dos espaços de destino turístico, quando a atividade do turismo é um componente predominante ou relativamente significativo de sua estrutura territorial e socioeconômica, contando com a presença de fatores de atração, concentração de oferta e serviços turísticos, e, em geral, imagem diferenciada. Porém, segundo o autor, o município não delimita o espaço turístico, pois este se configura pelos padrões de localização das atividades turísticas, pelas pautas de consumo dos segmentos de demanda e pela imagem projetada e percebida do território.

O nexo de união entre o espaço de destino e o município se fundamenta na capacidade e autonomia municipal para gestionar elementos básicos do destino turístico concebido como produto global e, deste modo, influir através do exercício de suas competências tanto em seu processo de configuração como em sua evolução futura, sempre de acordo com os interesses da população local. Sem dúvida, o grau de identificação entre espaço turístico e município incide no que é a base da singularidade do tratamento do município como entidade territorial turística: sua capacidade de gestão, [grifo nosso], [tradução livre nossa]. (IVARS, 2003, p. 29).

A configuração do espaço turístico a partir dos elementos que integram o destino turístico, resulta, de um lado, da apropriação dos recursos territoriais por parte das empresas turísticas visando obter a máxima rentabilidade de seus investimentos e aproveitando as externalidades positivas dos bens livres e públicos que atraem a demanda turística, e, de outro lado, da apropriação dos recursos naturais que realizam os consumidores turísticos para obter uma experiência satisfatória. Ambas as dinâmicas, de produção e consumo, não dariam origem, por si mesmas, a um espaço turístico funcionalmente coeso, o que se viabiliza por intermédio da participação pública com suas diferentes formas de intervenção, assim condicionando a produção do espaço turístico.

Para Ivars (2003), as principais características formais e funcionais dos espaços de destino turístico coincidem com: uma escala local, quando predomina o enfoque de destino como entidade urbana que concentra os serviços turísticos e como âmbito de gestão municipal; e uma escala sub-regional, quando o espaço de destino é concebido como uma zona ou área territorial composta por elementos interrelacionados.

A região turística é outro conceito utilizado indistinta e indiferenciadamente para designar espaços de distintas características, como já visto. Ivars adota a seguinte definição de região turística: [...] uma unidade territorial básica do espaço turístico na qual podem integrar-se as outras unidades territoriais diferenciadas (complexos turísticos integrados e espaços de destino turístico) e que apresentam certo grau de coesão derivado da existência de relações funcionais, do sentido de pertencer a uma demarcação político-administrativa ou do fato de compartilhar uma determinada imagem turística, [tradução livre nossa]. (IVARS, 2003, p. 43).

O interesse do autor se centra na consideração da região turística como realidade territorial sobre a qual se desenvolve um tipo de atividade que cumpre uma função significativa, tanto do ponto de vista da organização territorial como da estrutura econômica associada, para melhor se compreender a forma e os impactos da implantação do turismo nos espaços regionais.

Para Lozato, comentado por Ivars (2003), as regiões turísticas identificam-se com espaços que concentram uma certa densidade de turistas e possuem uma imagem característica. As regiões estão integradas por um conjunto de destinos, mais ou menos contíguos, caracterizados pelo peso e o impacto da visitação turística.

Uma outra contribuição destacada por Ivars, é a de Boullón, o qual nega a existência das regiões turísticas com o argumento de que a especialização em algum tipo de atividade produtiva não resulta na ocupação absoluta de um território por essa atividade. Neste sentido ele substitui o conceito de região pelo de espaço turístico, entendido como a conseqência da presença e distribuição territorial dos atrativos e da planta turística.

Observando como se manifestam fisicamente diversos setores econômicos, Boullón (1997) constata que em nenhum caso a especialização em algum tipo de atividade produtiva resulta na ocupação absoluta do território por essa especialidade.

Segundo Boullón, é fisicamente impossível dividir um país em áreas nas quais cada metro seja idênctico ao resto, a idéia de região que utilizam os economistas se refere às porções do território cujos indicadores econômicos (a produção, o transporte, o comércio, etc.) e de desenvolvimento social (a alfabetização, a moradia, a saúde, os salários, etc.) são similares.

Ao ser similares os indicadores, as regiões adquirem uma determinada identidade que conduz a qualificar seu espaço como homogêneo e contínuo. Estas qualidades, válidas para a análise econômica, não podem transportar-se ao espaço físico porque, [...] na realidade, em maior ou menor grau, muitos elementos materiais de distinta natureza compartilham uma mesma unidade espacial. A diferença entre uma e outra concepção assenta-se em que para a teoria do desenvolvimento regional, a homogeneidade se refere a semelhanças de indicadores econômicos ainda que a expressão física dos elementos medidos careça de unidade espacial. [...] Estritamente, o espaço econômico é abstrato, já que existe a partir de uma série de relações entre fatos e situações que não têm realidade física, [tradução livre nossa]. (BOULLÓN, 1997, p. 57-58).

O espaço turístico, é concebido por Boullón, como sendo “a conseqüência da presença e distribuição territorial dos atrativos turísticos que, não se deve esquecer, são a matéria-prima do turismo” [tradução livre nossa], (BOULLÓN, 1997, p. 65).

Considerando que o produto turístico é entrecortado, Boullón analisa que não se pode utilizar as técnicas de regionalização para delimitá-lo porque, para isso, haveria que se abranger toda a superfície do país ou região em estudo e, se assim se procedesse, estaria se cometendo o erro de configurar como turísticas grandes áreas que, de fato, não o seriam. “Isto quer dizer que as regiões turísticas não existem. É precisamente em substituição à idéia de região turística que [se] desenvolveu a teoria do espaço turístico” [grifo nosso], [tradução livre nossa], (BOULLÓN, 1997, p. 66).

A melhor forma de determinar um espaço turístico, de acordo com Boullón, é através do método empírico, pelo qual se pode observar a distribuição dos atrativos turísticos e da planta turística no território, visando detectar os agrupamentos e concentrações que se destaquem. Assim, se pode encontrar os componentes do espaço turístico, os quais, no modelo teórico de Boullón (1997), são os seguintes, em escala descendente quanto ao tamanho de sua superfície: Zona; Área; Complexo; Centro - Centro de distribuição, Centro de estadia, Centro de escala, Centro de excursão; Unidade; Núcleo; Conjunto; Corredor - Corredor de traslado, Corredor de estadia.

A negação da região turística, de acordo com Ivars, contrapõe-se aos postulados da regionalização a partir da noção de espaços econômicos dotados de um certo grau de homogeneidade, que deu lugar ao conceito de regiões econômicas homogêneas, sustentadas na especialização econômica em uma determinada atividade produtiva e suas repercussões na organização territorial.

A vinculação da ordenação territorial com a atividade turística é evidente, na medida em que o turismo desempenha um papel fundamental na organização territorial e, por sua vez, o território constitui um recurso essencial para a produção e o consumo turísticos. Portanto, resulta totalmente lógico que a região turística, derivada do conceito genérico de região geográfica e concebida como um espaço diferenciado como conseqüência da implantação territorial do turismo constitua um conceito útil para o planejamento e gestão do turismo, [tradução livre nossa]. (IVARS, 2003, p. 47).

Desde uma perspectiva conceitual, segundo Ivars, os elementos básicos de uma região turística estariam integrados por limites regionais definidos; vias de acesso desde os mercados de origem, especialmente em vias de entrada de natureza estratégica – portões da região turística e vias de comunicação internas – corredores de circulação; uma série de zonas de destino que compreendem atrativos e serviços turísticos; e um hinterland sem atrativo turístico.

Complementando os elementos acima citados, aponta-se, com Ivars (2003), outros critérios para a delimitação das regiões turísticas:

 a região deve ter um conjunto de características culturais, físicas e sociais que gerem uma identidade regional;

 deve haver uma adequada infra-estrutura turística e oferta de serviços para permitir o desenvolvimento turístico e satisfazer as necessidades dos turistas;

 a região deve ser maior que um destino ou uma única atração;

 a região deve possuir os atrativos suficientes para atrair turistas atual ou potencialmente;

 a região tem que ter a capacidade de criar uma agência de desenvolvimento e ações promocionais para fortalecer o desenvolvimento turístico;

 a região deve ser acessível para uma massa populacional importante.

Ivars alerta que não se deve confundir a escala regional com a sub-regional ou a local, à qual corresponderiam as zonas de destino, que, por sua vez, estariam integradas, em número variável, dentro do conceito de região turística.

Ivars (2003), apresenta o modelo de região de destino de Dredge, que tem como importante aporte os seus elementos componentes e os tipos de regiões resultantes (Figura 3.7):

 mercados emissores de turismo – lugar de residência habitual dos turistas, incluído no modelo para destacar a interdependência entre os mercados e os destinos;

 nodos – constituídos por dois elementos principais que são interdependentes, complexos de atrações e oferta de serviços. Os nodos se hierarquizam segundo sua capacidade de atração e estabelecem sinergias reforçando a imagem da região e complementando-se entre si;

 distritos – compreendem um ou mais nodos com estilos ou ambientes turístios dominantes, poderiam ser considerados como uma conjunção de nodos que compartilham uma orientação turística similar;

 rotas circulatórias – permitem o movimento de turistas entre os complexos das atrações e os serviços;

 portas ou portões – zonas de chegadas a uma região de destino situadas nas rotas de circulação inter-regional.

Figura 3.7 Modelo de Região de Dredge

Fonte: Ivars, 2003, p. 52.

A análise dos espaços turísticos será parcial, afirma Ivars, se não se reconhece os efeitos das interrelações escalares referenciadas aos agentes e processos que intervém na produção turística e na canalização dos fluxos de demanda. Essas interrelações apresentam uma tradução territorial na medida em que afetam o funcionamento do espaço turístico, condicionando sua integração no mercado, com tais interrelações diferenciando-se em função da escala considerada – local, regional, nacional e internacional / global.

Com relação ao conceito de região turística, as referências teóricas do desenvolvimento e localização da atividade do turismo, segundo Vera Rebollo (1997), contempla uma variada tipologia sem, no entanto, se abordar o tema de forma clara, sistematizada e definitiva, existindo, na prática, certa ambiguidade e imprecisão nas diferentes formulações. Além do que, o termo é usado indistintamente em relação a diferenciadas escalas, sendo aplicado tanto a grandes espaços supranacionais e supra-estatais como a espaços intra-estatais.

Considerando que, para Vera Rebollo, “o turismo não é uma atividade econômica, mas sim uma atividade de caráter espacial que induz ou gera “diversas” atividades econômicas” [grifo nosso], [tradução livre nossa], (VERA REBOLLO, 1997, p. 60). Nesse contexto, o espaço assume relevante função para o turismo, como suporte, recurso e fator.

O espaço é suporte e fator por sua condição geográfica: magnitude espacial e atributos de caráter qualitativo, que têm um valor intrínseco – seja natural ou cultural, e o derivado da valoração qualitativa que lhe otorga a sociedade em cada momento histórico. Esta valoração social conduz à “adequação” dos recursos ou atrativos e a sua conversão em produto e oferta, objeto da venda e consumo turísticos, [grifo nosso], [tradução livre nossa]. (VERA REBOLLO, 1997, p. 61).

Tendo em conta que toda atividade turística se apóia em um recurso, o autor entende recurso turístico como sendo, [...] todo elemento natural, toda atividade humana ou todo resultado desta atividade humana que pode mobilizar e gerar um deslocamento por motivos essencialmente de lazer. [...] os recursos turísticos são a base sobre a qual se desenvolve a atividade turística; são aqueles atrativos que, no contexto de um destino, podem gerar interesse entre o público, determinar a eleição e motivar o deslocamento, [grifo nosso], [tradução livre nossa]. (VERA REBOLLO, 1997, p. 61).

A complexidade do produto turístico é, segundo Vera Rebollo, um fato derivado do próprio fenômeno do turismo e de seu peculiar significado como atividade econômica. Nesse contexto, um produto turístico é [...] uma combinação de prestações e elementos tangíveis e intangíveis que oferecem benefícios ao cliente como resposta a determinadas expectativas e motivações. Portanto, [...] se concebe o produto turístico como a realidade integrada que capta ou percebe a demanda turística, e que não se compõe de um só elemento, mas sim que compreende um conjunto de bens, serviços e entornos, que o visitante pecebe ou utiliza durante sua viagem e estada nos destinos aos que acorre para satisfazer sua motivações de lazer e férias, [tradução livre nossa]. (VERA REBOLLO, 1997, p. 61).

De todo o exposto, com referência à base conceitual adotada por Vera Rebollo, fica para o autor, marcada a relevância do território como fundamento do recurso turístico e configurador do produto turístico e, conseqüentemente, como espaço de produção e espaço de consumo do fenômeno do turismo.

O conhecimento da realidade do turismo evidencia, conforme Vera Rebollo, que as atividades turísticas não se distribuem no espaço de forma homogênea, mas sim que a sua localização demonstra um determinado grau de concentração espacial, de natureza pontual ou zonal. Este aspecto deve-se, entre outras razões, ao fato de que para viabilizar-se o deslocamento entre um centro emissor e um centro receptor, o consumidor-turista pondera, tendo como pano de fundo as variáveis restrição orçamentária, preferências de consumo e utilidade esperada, a influência e o peso em seu orçamento do fator distância, em suas três manifestações: a distância-física; a distância-tempo – incluindo o custo de oportunidade; e a distância-custo.

A localização das atividades turísticas, portanto, influe na dimensão e intensidade dos fluxos físicos e monetários, efetivos e potencias, que injetam vitalidade e dinamismo na economia do país ou região de destino. Neste sentido, a localização das atividades turísticas está determinada pelo fator econômico, o qual Vera Rebollo (1997) entende como representado pelo

[...] conjunto de diversas circunstâncias de natureza econômica que interviram e intervêm nos processos de desenvolvimento do turismo e que também influem nas suas pautas espaciais, [...] Há que adicionar-se a política monetária, a influência do valor das moedas e a sucessão de situações econômicas conjunturais (inflação, crises cíclicas...), entre outras, [tradução livre nossa]. (VERA REBOLLO, 1997, p. 70).

As pautas espaciais à escala mundial, conforme o autor, apresentam três características básicas:

 maior intensidade do movimento turístico nacional, doméstico ou interior, em comparação com o movimento turístico internacional;

 caráter regional da estrutura espacial dos espaços receptores, dos espaços emissores, e, especialmente, dos fluxos turísticos, cujas linhas principais correspondem aos fluxos intracontinentais, enquanto os de natureza intercontinental, de maior distância, têm uma menor intensidade; e

 assimetria e desigualdade do mapa turístico mundial resultante da localização concentrada dos principais espaços turísticos, tanto de países emissores como de países receptores.

Território e função turística, em qualquer âmbito espacial de desenvolvimento, cuja atividade-chave seja o turismo, são dois fatores indissolúveis na respectiva equação do êxito competitivo (Figura 3.8, p. 324). Vera Rebollo (1997) chama a atenção para o fato de que a demanda percebe o produto turístico como um todo, portanto, a satisfação desse “todo” é a chave da competitividade da atividade turística. A qualidade ambiental, territorial e infra-estrutural do destino turístico em sua globalidade deve inserir-se nesse conjunto” [grifo nosso], [tradução livre nossa], (VERA REBOLLO, 1997, p. 185).

Figura 3.8 Geografia e Desenvolvimento do Produto Turístico

Fonte: Vera Rebollo, 1997, p. 186.

A qualidade e a competitividade territorial, nos dias de hoje, não podem ser analisadas sem a devida consideração de dois fatores de relevância estratégica para a sobrevivência de destinos e produtos turísticos: a globalização e o avanço tecnológico.

Os efeitos da globalização no turismo requerem, de acordo com Ivars (2003), uma análise mais profunda desde uma perspectiva crítica que contribua para a compreensão dos seus impactos diretos, indiretos ou diferidos sobre os espaços turísticos, de modo a possibilitar o desenvolvimento das ações necessárias a uma correta adaptação da escala local e regional aos processos globais. Considerando que esses processos globais se traduzem em efeitos territoriais tendo em vista que afetam de modo concreto e tangível o dinamismo ou o declive de um expressivo número de territórios, torna-se relevante e indispensável encontrar-se as melhores alternativas para se buscar e alcançar a integração dos espaços turísticos nas dinâmicas da globalização.

Neste sentido, Ivars relaciona uma série de fatores que podem explicar o caráter espacialmente não homogêneo nem uniforme da globalização, relativamente à atividade do turismo:

 a emergência de novos espaços emissores e receptores de turismo;

 o potencial fortalecimento das relações centro-periferia provocado pelos processos de concentração empresarial dos operadores turísticos que aumentam seu poder de negociação sobre as empresas localizadas no destino;

 o impacto nos fluxos turísticos da dialética entre a uniformização e a diversificação das preferências da demanda;

 os critérios de localização empresarial em relação com os fluxos de investimentos econômicos, a introdução de novas tecnologias, a regulação administrativa e os efeitos, na estrutura de custos das empresas, do fator humano e da possível internalização dos custos ambientais;

 as dificuldades da diferenciação dos espaços turísticos em um mercado global; e

 as tensões entre os interesses locais, regionais e nacionais com os globais.

Vera Rebollo e Marchena Gómez (1990), afirmam que as vantagens comparativas reais e dinâmicas se obtém no mercado mundial, no contexto da globalização, não mais por se possuir a matéria-prima, mas sim pela capacidade que tenha um território de diferenciar-se tecnologicamente e de reorientar sua produtividade para as partes do processo produtivo que geram um maior valor adicionado. Neste sentido, segundo os autores, não se deve buscar vantagens comparativas mediante práticas espúrias como baixos salários, venda do recurso a baixo preço e exotismo controlado por empresas transnacionais, as quais refletem um posicionamento típico de países periféricos.

O conveniente é situar-se no mercado mundial, cada dia mais exigente, e satisfazer o potencial do próprio país, através [... da] diferenciação de oferta, mais capacidade de processamento tecnológico do produto e [...] de um terciário qualificado e exigente. Tudo isso supõe na prática a substituição de um modelo de turismo quantitativo por uma versão mais carregada de produtividade e valor adicionado para a própria região ou país receptor, [tradução livre nossa]. (VERA REBOLLO e MARCHENA GÓMEZ, 1990, p. 65).

Neste sentido, acrescentam os autores, a introdução de maior aporte tecnológico ou de novas tecnologias é fundamental para as atividades vinculadas ao turismo.

[As] estratégias para converter a atividade turística em qualificada e desenvolvida, devem aplicar-se desde o controle consciente do domínio tecnológico, não desde a emulação das práticas das [empresas] transnacionais do turismo [...]. Porque, a princípio e aparentemente, é difícil introduzir o turismo nos processos da atual reestruturação tecnológica se não se arbitram medidas criativas e centros de pesquisa das próprias regiões turísticas: o turismo é uma atividade baseada em serviços pessoais e no “ócio” [lazer / entretenimento] ativo, e não na produção mais ou menos pós-fordista da cadeia industrial convencional [...], [tradução livre nossa]. (VERA REBOLLO e MARCHENA GÓMEZ, 1990, p. 66-67).

No conjunto de sua análise, Vera Rebollo (1997) identifica quatro âmbitos de influência para o melhor desenvolvimento do sistema turístico local: o econômico; o institucional; o cultural / territorial; e o técnico. Concordando com Furió Blasco (1996), ele comenta que a apropriação e a acumulação dos benefícios [e lucros] e das utilidades turísticas, tanto empresariais como sociais, é possível graças à localização das atividades turísticas próximas [...] aos atrativos turísticos naturais, mas também aos culturais ou artificialmente criados. [...] Se produz [dessa forma] a funcionalização de um espaço geográfico e a configuração de um novo espaço econômico: a geração de um território especializado no sistema turístico, [grifo nosso], [tradução livre nossa]. (VERA REBOLLO, 1997, p. 193).

Com a funcionalização turística, conforme Furió Blasco (1994), o espaço adquire duas formas de valores: uma como valor de uso (ex. residência secundária) e outra como meio de produção, destinada por sua vez a produzir novos valores de troca (ex. conjuntos localizados de hotéis, apartamentos de aluguel, ...). De maneira que a combinação entre o tipo de espaço produzido e a classe ou tipo de turista que se dirija a ele, implicará a especialização particular de cada zona.

Do “espaço turístico” partem os fluxos econômicos, positivos e negativos, que se mantêm com o espaço restante. Em outros termos, o “espaço turístico” é o centro nodal do “território turístico”, pois a partir do mesmo tomam corpo os processos de polarização, difusão e rechaço das atividades econômicas. As forças que emanam do “espaço turístico” são as organizadoras econômica e socialmente do conjunto do sistema espacial do turismo [o território turístico], [tradução livre nossa]. (FURIÓ BLASCO, 1994, p. 418).

Para Silva (2002), o turismo é um fenômeno espacial cujo desenvolvimento é inluenciado por variáveis econômicas, sociais, ambientais e institucionais. A dimensão espacial do turismo tem como elemento central a delimitação de um território, o qual corresponde a uma região identificada de oferta e comercialização turística. Esta região pode compreender distintas escalas: grandes espaços supranacionais, espaços nacionais, áreas regionais promocionais, ou espaços locais. A (Figura 3.9, p.328), traz uma representação dessas relações na visão de Vera Rebollo (1997), consoante com a abordagem de Silva (2002). Qualquer que seja a escala territorial, deve existir uma unidade do fenômeno turístico em torno da comercialização de um produto ou atração dominante. Além da diferença de escala, os próprios territórios, em uma perspectiva turística, podem se encontrar em situações também distintas, desde espaços onde o turismo não é uma atividade central [...], passando por outros onde constitui uma aposta de reconversão e modernização do sistema produtivo [...], até regiões ou locais onde o turismo constitui um pilar estrutural do desenvolvimento econômico e social [...]. (SILVA, 2002, p. 455).

Figura 3.9 Os Elementos do Sistema Turístico na Perspectiva da Geografia do Turismo

Fonte: Vera Rebollo, 1997, p. 42.

Da análise de Silva, depreende-se que a inserção das atividades turísticas em um espaço regional, a qual é objetivada em função de complexas e diferenciadas cadeias de interação, acarreta problemas de variada natureza consoante o nível de protagonismo assumido ou a assumir pela atividade do turismo no espaço de referência.

Nem todas as regiões têm capacidade para ser regiões turísticas. Conforme o autor, as regiões podem ter o turismo como função dominante, como função estruturante, como função complementar ou como função residual, a depender de onde se localizem as atividades turísticas e da importância que assumem nas economias dessas regiões.

Nas regiões em que o turismo se apresenta como atividade dominante, a procura turística, ao possuir um rigoroso equilíbrio com a estrutura produtiva, apela ao desenvolvimento de diversas atividades a montante, exigindo uma intensa utilização dos equipamentos e infra-estruturas básicas, não raro em curtos períodos de tempo, quando essas regiões apresentam problemas de sazonalidade relacionados com o tipo de turismo que oferecem. A dominância econômica do turismo, acaba por enfatizar problemas de desajustes e de requalificação dos equipamentos e serviços, quer quantitativa ou qualitativamente, face às mudanças e à evolução dos segmentos da demanda turística.

Onde a dominância se visualiza a médio e longo prazo, o tipo de problemática é de outra ordem, já que a simples constatação de atividades turísticas potencialmente dominantes muitas vezes não é acompanhada por um suficiente conhecimento dos efeitos do seu crescimento, implicando na necessidade de analisar-se o seu financiamento e as infra-estruturas, de realizar-se o planejamento dos vários elementos que compõem a oferta, além de mobilizar-se e coordenar-se os vários agentes públicos e privados em um esforço conjunto para a definição dos objetivos estratégicos.

Existem ainda espaços onde o turismo se assume como potencialmente estruturante, nos quais existem outras atividades econômicas importantes e onde a dominância da atividade turística, portanto, não irá ocorrer na mesma intensidade das situações anteriores. Neste caso, a análise que assumirá um maior destaque refere-se à problematização dos aspectos de comercialização, pelo lado da demanda, e de conflitualidade e desarticulação na utilização de recursos, infra-estruturas e equipamentos, pelo lado da oferta.

Quando o turismo se insere em regiões caracterizadas por uma expressiva diversificação de sua base econômica, os problemas nucleares e fundamentais surgem associados à defesa dos recursos histórico-culturais, à articulação de diferentes componentes do produto turístico e à conflitualidade de atividades e usos de recursos em espaços onde há o predomínio de outras atividades que poderão não se relacionar direta ou indiretamente com o turismo.

Para as regiões economicamente deprimidas, considera-se que o turismo pode dinamizar localmente as potencialidades naturais e histórico-culturais, com a realidade dos problemas sugerindo, no entanto, uma intensa debilidade da totalidade dos vetores críticos para o desnvolvimento, já referidos nas situações acima.

Os vetores estratégicos para se alterarem e se resolverem os problemas existentes nos diferentes níveis de dominância turística, consistem nas principais áreas de intervenção e análise da intensidade e efeitos desta dominância, que são: os limites de carga das infra-estruturas básicas; as auditorias ambientais; a requalificação e diversificação dos equipamentos turísticos; e a cooperação estratégica dos vários agentes envolvidos e intervenientes no processo.

Quando se julga que o turismo pode assumir uma função potencialmente dominante, a médio e longo prazo, as intervenções devem ter um caráter obrigatório e aprofundado de planejamento, de ordenamento e de avaliação ex-ante, on-going e ex-post, dos efeitos dos programas e investimentos turísticos. (SILVA, 1995, p. 2).

Segundo Vera Rebollo e Marchena Gómez (1990), a necessária mobilização do potencial endógeno das regiões se une à consideração do problema regional como um problema territorial, derivando-se importantes conseqüências para o desenvolvimento turístico.

[...] desde a superação da velha idéia de que o setor industrial é o único capaz de gerar efeitos positivos sobre o desenvolvimento econômico de uma região, e considerando as possibilidades dos chamados serviços comercializáveis no desenvolvimento regional [...], o turismo é interpretado como uma riqueza regional, segundo sua aportação mais ou menos decisiva à economia da própria região, como atividade de futuro ou alavanca para a promoção do desenvolvimento regional, [tradução livre nossa]. (VERA REBOLLO e MARCHENA GÓMEZ, 1990, p. 71).

De acordo com Ablas (1991), existem dois aspectos relevantes na questão do desenvolvimento regional: primeiro, o caráter da atividade exportadora exógena; e segundo, o meio de difusão dentro da própria economia regional.

No que se refere ao primeiro aspecto [...], é interessante verificar que as características da atividade turística permitem que ela assuma, em algumas situações, um papel de atividade motora para a região. Pela sua própria essência, tal atividade significa uma exportação da região para o restante do país, em contrapartida, um fluxo de pagamentos oriundo de outras regiões. [...]

Uma vez descoberta, implantada ou desenvolvida, a atração turística, funcionando como atividade motora, irá projetar sobre a região uma série de efeitos que terão por base a complementariedade com as atividades locais, constituindo-se essas últimas no meio de difusão – o segundo aspecto relevante. Esse meio será formado, basicamente, pelas relações de compra e venda entre os agentes presentes na região e no retorno da distribuição de renda sobre as estruturas de consumo, [grifo do autor]. (ABLAS, 1991, p. 50).

A dimensão do território analisado, salienta Ablas, deve ser levada em conta, por traduzir a idéia de escala mínima para a compatibilização dos diversos aspectos da atividade turística. Preconiza-se, portanto, uma espécie de desenvolvimento equilibrado, onde o alcance de determinados níveis de desempenho em alguns segmentos do sistema territorial turístico, irá depender do desempenho dos demais segmentos do turismo envolvidos no mesmo sistema. Da análise que realiza, o autor conclui haver indicações de que a atividade turística reveste-se de efetivo potencial para promover o desenvolvimento regional.

Na perspectiva do desenvolvimento regional, a noção de pólo turístico, neste ponto referida, corresponde à adotada por Sessa (1983), o qual se apoia na teoria do pólo de crescimento de Perroux, já analisada com detalhes no capítulo 1 desta tese, item 1.2.3. Ver também a este respeito, colocações de Almeida (2002) e Andrade (1987) no capítulo 2, item 2.4.

A economia nacional em crescimento não é unicamente um território politicamente organizado. É também uma combinação de conjuntos, relativamente ativos, representados pela indústria motriz ou pólos industriais ou atividades geograficamente aglomeradas, e de conjuntos relativamente passivos, representados pela indústria não motriz ou regiões dependentes, nas quais as primeiras produzem fenômenos de crescimento sobre as segundas. Uma atividade é motriz quando exercita efeitos a montante e a jusante, aumenta as aquisições de produtos intermediários de outras unidades e as aquisições de serviços do trabalho e do capital, enquanto aumenta, possivelmente a um custo-preço reduzido, os produtos consignados às outras unidades a ao consumidor. A unidade motriz age de maneira positiva no sentido de mudar as estruturas pré-existentes, incrementando o produto real, global e líquido, do conjunto econômico. (SESSA, 1983, p. 40-41).

Assim, distinguem-se dois tipos fundamentais de pólos: aqueles de caráter industrial e aqueles de caráter urbano. Nesta conformaçåo ocorrem dois tipos de efeitos: os de “aglomeração”, que nascem da reunião das atividades complementares que suscitam ocasiões cumulativas de ganhos e custos numa localidade; e os de “conjugação”, que graças aos meios de transporte e comunicação, permitem às unidades aglomeradas aumentarem cumulativamente as ofertas e as demandas, alargando o circuito de possíveis produtos.

Sessa (1983) toma esta teoria, pensando na inserção de um outro pólo de desenvolvimento aliado aos pólos industrial e urbano; o pólo turístico. Na relaçåo que efetua, ele aponta como uma das características da “indústria” hoteleira, por exemplo, a de reunir uma série de atividades complementares que estão na origem de uma série cumulativa de ganhos e de custos em uma determinada localidade turística, o que corresponde ao efeito de “aglomeração”.

Os efeitos de “conjugação” são indicados como uma conseqüência da instalação turística, que necessita de uma série de meios de transporte, desde quando, habitualmente, a localidade turística situa-se fora dos pólos industriais ou urbanos, originando assim, um processo cumulativo de expansão das ofertas e demandas. Os circuitos monetários dos fluxos de turistas incrementariam uma série de dinamismos de expansão, além do âmbito da própria localidade turística.

Fundamentando a sua argumentação, Sessa informa que o pólo industrial é, habitualmente, formado por uma grande unidade motriz que apresenta efeitos de dominação sobre as outras unidades. Já o pólo turístico é formado por um conjunto de unidades motrizes, representadas pelas empresas hoteleiras, em especial, que por sua ação, apresentam efeitos indubitáveis sobre todas as outras empresas de caráter colateral, comercial, de divertimento e esportivas.

A série de ocasiões cumulativas de ganhos e custos em um pólo turístico, originada pela concentração espacial turística numa região da nação, pode assemelhar-se àquela derivada das concentrações urbanas. Neste caso, existe porém, uma diferença substancial, porque esta concentração espacial provém de um deslocamento, também espacial, de fluxos monetários que suscitam a acumulação de ganhos e custos numa localidade. No pólo urbano as ocasiões são suscitadas por um processo “interior” ao pólo, enquanto naquele turístico, isto provém do “exterior”, dos mesmos pólos urbanos e industriais da nação, ou de outras nações, isto é, do turismo internacional. (SESSA, 1983, p. 42-43).

A instalação de pólos turísticos em regiões detentoras de uma atração natural, que se encontra, habitualmente, fora dos pólos urbanos e industriais, determina o conhecido efeito de “compensaçåo econômica”, que é um efeito de equilíbrio territorial, e portanto, macroeconômico, podendo determinar um equilíbrio econômico entre duas zonas de um país: a urbanizada e industrial de um lado, e a turística de outro. O fluxo monetário derivado dos fluxos turísticos permite inserir estas zonas “externas” no processo de expansão acelerada do resto do país.

Neste sentido, o consumo turístico vai impactar sobre a renda nacional. Os efeitos sobre a renda nacional verificam-se por meio da ação dos mecanismos multiplicadores do turismo:

Do momento em que o primitivo investimento turístico determina (através da despesa dos turistas e dos efeitos multiplicadores influentes sobre a renda dos habitantes), uma propensão acrescida de consumos e de poupança, as empresas situadas no próprio pólo terão condições de realizar maiores investimentos, que poderão também, serem efetuados absorvendo a maior poupança que se realiza em função do processo, com uma tendência progressiva. Novas rendas se formarão por causa dos novos investimentos. Estes produzem impulsos sobre as rendas e sobre a poupança. E os mecanismos multiplicadores das rendas e dos investimentos interagindo entre si e determinando, também, uma modificação importante sobre as diferentes propensões humanas, causam um acréscimo das rendas, do consumo, da poupança, do investimento, e, novamente, das rendas. (SESSA, 1983, p. 46).

Em particular, no caso de países subdesenvolvidos ou em estágios primários de desenvolvimento, deve ser promovida uma grande diversificação econômica nas regiões turísticas, que privilegie o desenvolvimento da agricultura, do artesanato, da pequena indústria e dos serviços não turísticos, de forma equivalente ao desenvolvimento do turismo. É preciso evitar-se a dependência quase que exclusiva da atividade turística, impondo freios e até mesmo bloqueando o crescimento de infra-estruturas turísticas, por intermédio de prescrições relativas à urbanização do território e ao controle do mercado da construção, entre outras medidas.

Na determinaçåo do espaço econômico da região ou pólo turístico, deve se levar em conta as categorias em que se decompõe: espaços em que existe num grau mais elevado, certa uniformidade e homogeneidade; espaços resultantes de forças concorrentes, são os espaços polarizados segundo a escolha do crescimento harmonioso; e espaços contidos no plano de desenvolvimento do país.

A concepçåo do espaço turístico nesta categorização, permite chegar-se à definição dos problemas econômicos e sociais ligados ao crescimento acelerado do conjunto territorial, caracterizado pela atividade motriz derivada do agrupamento urbano-turístico, possibilitando uma certa coesão na realização do plano turístico.

Neste contexto, Figuerola comenta que o problema em si não reside em que haja ou não crescimento, mas que esse crescimento seja harmônico com as condições de equilíbrio que a atividade exige. É, pois, necessário habilitar novas áreas turísticas, sendo aconselhável classificar os espaços geográficos com recursos turísticos em tres grupos diferentes:

 áreas turísticas de desenvolvimento intensivo;

 áreas turísticas com possibilidades de maior aproveitamento;

 áreas turísticas que deverão permanecer em reserva, [tradução livre nossa]. (FIGUEROLA, 1985, p. 406).

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