TURISMO, CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO: UMA ANÁLISE URBANO-REGIONAL BASEADA EM CLUSTER
Jorge Antonio Santos Silva
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3. TURISMO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL E TEORIA DOS AGLOMERADOS
3.1. O turismo no crescimento e no desenvolvimento regional
3.1.1. O enquadramento econômico do turismo
O turismo se apresenta, em sua forma mais simples, como uma corrente massiva que se desloca desde um mercado de origem até um núcleo receptor, apresentando dois problemas básicos: sua má distribuição no tempo e sua polarização no espaço. Isto revela a necessidade de um disciplinamento no contexto global onde opera o turismo, visando dotá-lo de uma racionalidade econômica que permita o controle das variáveis envolvidas, possibilitando a obtenção do pleno desenvolvimento das suas potencialidades.
O tratamento econômico do turismo requer, no entanto, uma abordagem que contemple ao lado da análise científica, a consideração do elemento humano que é fundamental em sua manifestação.
A economia é parte do humanismo científico, porque o fato econômico é um aspecto do fato humano. Como em nossa sociedade livre contemporânea o interesse econômico se converteu em dominante, desde um ponto de vista quantitativo, o tratamento econômico do turismo deve fazer-se sob distinta consideração que a do resto do tratamento humanístico.
Todo o rigor científico da ciência econômica deve centrar-se no tratamento do fenômeno turístico. Porém, o seu caráter [...] humano [...] faz que nem sequer para seu tratamento econômico possa desumanizar-se o turismo.
Se se desumaniza, se desvirtua e perde realidade, e a economia não opera sobre entidades irreais. Por isso, as categorias econômicas do turismo têm que possuir uma específica personalidade, sem perder seu rigor científico; devem ser o suficientemente flexíveis para estudar o fenômeno turístico de uma maneira real e, por sua vez, para poder integrar-se nas categorias econômicas gerais.
Quando se criou a ciência econômica, o turismo não tinha a atual transcendência, e o elemento humano da economia era bastante menos respeitado que hoje. Por isso, é justo que, na prática e na idéia, tratemos de encontrar formas mais adequadas para as categorias econômicas do turismo, [tradução livre nossa]. (CIERVA Y DE HOCES, 1963, p. 48-49).
O produto turístico se realiza por intermédio de um composto de atividades e serviços relativos ao alojamento (indústria das construções e indústria de transformação), à alimentação e às bebidas (atividade agrícola e indústria alimentícia), aos transportes (indústria de transformação e de consumo energético, além de serviços), às aquisições de produtos locais (artesanato e indústria do vestuário ou de transformaçåo), às visitas e aos divertimentos (serviços).
Todas essas atividades são ligadas a uma atração natural ou cultural. Este conglomerado de atividades permite a realização do produto turístico que na sua fase final é atividade produtiva, de serviços. Deste modo, os bens naturais e culturais tornam-se bens diretamente produtivos, participando do processo geral de expansão da economia.
O turismo, portanto, representa um conjunto de atividades produtivas, no qual os serviços têm um caráter prevalente, que interessam a todos os setores econômicos de uma país ou uma região, se caracterizando por possuir uma interdependência estrutural com as demais atividades, em maior grau e intensidade que qualquer outra atividade produtiva. Esta interdependência se realiza, como visto, com as indústrias de transformação, com o comércio, com o artesanato, com os serviços públicos, com as infra-estruturas, os transportes e a agricultura.
Neste sentido, a raiz do fenômeno turístico se encontra na colocação em circulação econômica dos bens naturais e culturais, que, até então, permaneciam à margem dos circuitos econômicos por sua anterior natureza de bens livres.
Para a emissão dos bens naturais no circuito econômico torna-se necessário incorrer em custos de transformação, representados, num primeiro estágio, pela implantação de infra-estruturas que podem afetar o meio ambiente. O cálculo dos custos se apresenta complexo pelas características estruturais deste tipo de produção. O mesmo se pode afirmar para o cálculo dos benefícios. É quase impossível determinar quantitativamente a opção entre o desenvolvimento desta atividade em relação a uma de outro tipo.
O turismo se preocupa com a produção e distribuição de bens e serviços que tornam possíveis os benefícios esperados pelos turistas em viagem. Os principais objetivos econômicos gerais do turismo, são:
maximização da quantidade de experiência psicológica para os turistas [da utilidade dos bens e serviços];
maximização dos lucros das firmas que produzem bens para os turistas;
maximização dos impactos primário e secundário dos gastos turísticos sobre uma determinada comunidade, região ou país. (HAVAS, 1981, p. 6).
Devido ao elevado grau de diversificação do produto turístico, existe um grande número de restrições à consecução dos objetivos estabelecidos:
a demanda por bens e serviços turísticos limita a capacidade de obtenção de lucros e impactos sobre a comunidade;
a oferta de atrações turísticas limita a quantidade de benefícios que os turistas podem obter e, portanto, também os lucros e os impactos econômicos sobre a comunidade;
as restrições de ordem técnica e ambiental envolvem situações que tratam da capacidade física de determinado centro receptivo;
as restrições temporais - de um lado o tempo disponível para viajar limita as atividades que o turista pode desenvolver, e de outro lado a duração da estação turística influencia a rentabilidade dos negócios e o impacto dos gastos turísticos sobre a economia;
os problemas relativos à indivisibilidade de determinados produtos e serviços.
Existe uma séria dificuldade para se determinar a renda decorrente do consumo da produção dita turística. A mesma reside na correta especificação ou delimitação da atividade turística geradora de renda. Assinalar o limite do que é e não é turismo representa um grave problema, dado não haver uma clara definição da atividade turística em seu contexto econômico.
Para Figuerola (1985), a renda turística é representada pelo conjunto de recursos econômicos que se originam no marco do processo produtivo de todas as atividades propriamente turísticas, mais aqueles que se originam nos setores parcialmente turísticos e os influidos por estes, desde que sejam causados expressamente pelo nascimento e expansão do fato turístico. É a agregação sucessiva de todas as rendas parciais (ou valores agregados) que são originados pelo turismo nos diversos ramos produtivos, os quais, de maneira direta ou indireta, sejam influidos pela atividade, [tradução livre nossa]. (FIGUEROLA, 1985, p. 95).
Torna-se necessária uma sistematização coerente e rigorosa, que permita avaliar o impacto do turismo na renda nacional. Entretanto, a falta de uma conceituação generalizada e aceita da atividade turística, impede uma correta estimativa, setor por setor, do valor agregado gerado pelo turismo em cada um deles e no conjunto da produção nacional.
Em função dos seus elementos constitutivos, o valor ou porcentagem da renda que possa ser atribuida ao turismo, poderá ser decomposto em tres categorias específicas:
1ª- valor agregado ou renda de atividades ou ramos produtivos “plenamente” turísticos (hotelaria, restaurantes, transportes, agências de viagens, centros urbanísticos e de recreação), ponderados pelo coeficiente de consumo turístico no total da produção;
2ª- valor agregado ou renda de atividades ou ramos produtivos que vendem serviços ou bens aos turistas, sem que sejam considerados “setores” turísticos (estabelecimentos comerciais, bancos, reparo de veículos), na parte proporcional da demanda turística; e
3ª- valor agregado ou renda de setores industriais, agrários ou de serviços, gerado pela repercussão da demanda turística (conteúdo direto e indireto), ou seja, construção, alimentação, obras de infra-estrutura.
A acumulação ou agregação desses valores expressará o peso global do turismo, como atividade econômica, na renda de um país.
Goded Salto (1998), tomando em consideração [...] que o turismo é um fenômeno essencialmente de demanda – pelo fato de não existirem empresas turísticas por natureza, mas sim produtos que se convertem em turísticos por seu destino final, [analisa e concorda que] as técnicas insumo-produto permitem valorar apropriadamente o caráter multisetorial da atividade [do turismo]. [... Além do que], é possível estimar uma conta satélite de turismo que permite estabelecer uma comparação da atividade com o resto dos setores da economia, [grifo nosso], [tradução livre nossa]. (GODED SALTO, 1998, p. 194-195).
Apresenta-se na sequência alguns conceitos básicos do marco conceitual da Conta Satélite do Turismo (CST), que constam de um estudo elaborado por um grupo de trabalho integrado pela Organização Mundial do Turismo (OMT), Organização das Nações Unidas (ONU), Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE) e pelo Escritório de Estatística das Comunidades Européias (EUROSTAT), tendo como objetivo mensurar a incidência econômica do turismo nas economias nacionais e regionais.
A CST, interessa-se, inicialmente, pelo efeito do turismo sobre a oferta e a demanda de bens e serviços, sobre o nível geral da atividade econômica e sobre o emprego.
O ponto de partida para esta análise econômica é a consideração da atividade dos visitantes como uma atividade de consumo em um sentido amplo, a qual constitui o núcleo dos aspectos econômicos do turismo [...] [grifo nosso], [tradução livre nossa], (ONU et al., 2001, p. 14).
Dado que o turismo se define como a atividade das “pessoas”, o primeiro passo é identificar claramente quem são estas pessoas, porque elas constituem o centro do estudo do turismo, a partir do qual se apresentam os diferentes componentes da demanda turística.
As pessoas às quais se faz referência na definição de turismo se denominam “visitantes”: “toda pessoa que se desloca a um lugar distinto ao de seu entorno habitual [de residência] por um período de tempo inferior a 12 meses, e cuja finalidade principal da viagem não é a de exercer uma atividade remunerada [fixa] no lugar visitado”, [tradução livre nossa]. (ONU, 1994, apud ONU et al., 2001, p. 14).
Quando os visitantes não pernoitam no lugar são denominados de “visitantes do dia” ou “excursionistas”, já quando eles pernoitam ou permanecem um mínimo de 24 horas no lugar visitado, são classificados como “turistas”.
Muitas, e inclusive a maioria das atividades econômicas do turismo em um país sucedem enquanto os visitantes se encontram em viagem. Porém, a CST também inclui a atividade de consumo por parte dos possíveis visitantes na previsão [ou provisão] de suas viagens (tais como aquisições de equipamentos para acampar ou o seguro de viagem), ou por parte dos visitantes uma vez que tenham regressado de viagem (como a revelação de fotos tiradas durante a viagem), [tradução livre nossa]. (ONU et al., 2001, p. 14).
A análise econômica do turismo exige, segundo a ONU et al., 2001, a identificação dos recursos utilizados pelos visitantes em suas viagens, do consumo de bens e serviços por eles adquiridos e, portanto, a identificação das unidades econômicas provedoras desses bens e serviços.
O turismo é um fenômeno que se tem definido, desde suas origens, do ponto de vista da demanda, embora a maioria das classificações econômicas gerais de atividades se estabelecem desde o ponto de vista da oferta dos produtores e da caracterização dos processos de produção. Por conseqüência, são necessárias algumas adaptações destas classificações com o fim de descrever e medir, de forma apropriada e útil, a incidência econômica do turismo.
A estas dificuldades metodológicas, deve-se acrescentar o fato de que, até o presente, as experiências nacionais em quantificar o turismo desde um ponto de vista da demanda são muito mais escassas. É difícil, portanto, [ainda se] identificar de forma precisa os critérios estatísticos que possam ser utilizados de forma universal, [tradução livre nossa]. (ONU et al., 2001, p. 39).
Pode-se concluir que a metodologia da CST é um caminho de solução, e um meritório e promissor caminho, para a questão relativa à medição da incidência do turismo nas economias nacionais e regionais, porém ainda não é a própria solução – pronta, acabada e definitiva.
Por sua importância para a análise e delimitação da(s) cadeia(s) produtiva(s) do turismo, destaca-se alguns outros conceitos e elementos do marco conceitual da CST:
Consumo Turístico (CT) - se refere a "todo gasto de consumo efetuado por um visitante (ou por conta de um visitante) durante seu deslocamento e sua estada no lugar de destino". Considera os gastos de consumo que correspondem às aquisições de bens e serviços destinados a satisfazer as necessidades de um visitante, incluindo, eventualmente, os adquiridos com a finalidade de uso como recordações e presentes;
Demanda Turística (DT) - se refere a um agregado mais amplo que o consumo turístico, incluindo além do consumo turístico (CT), a formação bruta de capital fixo turística (FBKFT) e o consumo coletivo turístico do governo (CCT). O que torna um consumo turístico não é a natureza intrínseca própria do bem ou serviço consumido, e sim a condição dentro da qual se encontra o consumidor, ou seja, ele é um visitante ou pretende sê-lo;
Situação anterior à Conta Satélite do Turismo (conceito "convencional")
Gastos Turísticos (GT) – aqueles realizados pelos visitantes durante sua estadia no lugar de destino, no consumo de bens e serviços,
Gastos Turísticos (GT) = Consumo Turístico (CT) = Demanda Turística (DT), ou seja, DT = CT;
Situação no contexto da Conta Satélite do Turismo (conceito "ampliado")
Consumo Turístico (CT) – consumo (monetário e não monetário) de bens e serviços pelo visitante (incluindo os de pequeno valor e bens duráveis de qualquer valor), adicionado do consumo intermediário de empresas / instituições (produção turística ou direcionada ao turismo),
Consumo Coletivo Turístico do Governo (CCT),
Formação Bruta de Capital Fixo Turística (FBKFT), onde,
DT = CT + CCT + FBKFT;
Consumo Turístico Interior Total (CTIT)
Consumo Turístico Interior (CTI) – consumo turístico interno + consumo turístico receptor (no país/região),
Consumo Turístico Emissor (CTE) – gastos antes da viagem (organização e realização da viagem) + gastos durante a viagem (resto do mundo/importações) + gastos depois da viagem (ao regressar, por conta da viagem), logo,
CTIT = CTI + parte do CTE (realizado antes e depois da viagem).
Apesar deste recente desenvolvimento conceitual e metodológico, é difundido o princípio de não reconhecer-se ao turismo o caráter de “setor” econômico, já que os outputs do processo produtivo turístico são heterogêneos e gerados em fontes muito diferentes.
No sistema econômico, as empresas distribuem-se em seis grandes grupos denominados de setores econômicos, quais sejam: Agricultura; Mineração; Indústria; Construção; Comércio; e Serviços, sendo que, nos quatro primeiros, as empresas realizam atividades produtivas orientadas para a obtenção de diversos tipos de bens. Segundo Boullón (1997), Colin Clark, em 1940, propôs uma nova classificação, que se tornou universalmente aceita, pela qual os setores econômicos se reduziram a três: Primário; Secundário; e Terciário.
Boullón procede uma detalhada reflexão teórica, analisando em qual setor o turismo melhor se enquadraria, chegando a algumas conclusões a respeito.
Fica claro [...] que o turismo não pertence ao setor primário pois ainda que o turismo utilize os atrativos naturais, não os extrae (como a mineração) nem os produz (como a agricultura); portanto, o turismo não “explora” os atrativos naturais, somente os “usa”, [...].
[...] pode-se afirmar que o turismo não é um resultado da construção porque esta produz obras físicas como estradas, pontes, represas, casas, aeroportos, hospitais, etc., os quais prestam diversos serviços.
[...] a indústria é uma atividade de transformação que emprega numerosos recursos, alguns dos quais podem ser matéria-prima e, outros, produtos industriais intermediários. Em geral, é o produto final que serve para qualificar os diferentes tipos de indústria; [...] se o turismo fosse uma indústria, deveriam existir, mas não existem, fábricas de turismo ou processos industriais cujo produto final ou intermediário fosse o turismo. Em troca, podem citar-se numerosos produtos industriais que são utilizados pelos turistas, [... que] se originam em diferentes ramos da indústria, [...] e não em uma especial chamada indústria do turismo.
Fica claro, pois, que o turismo é uma forma de consumir, algo assim como um canal para o qual conflue uma demanda especial de muitos tipos de bens e serviços elaborados por outros setores, mais o consumo de alguns serviços especialmente desenhados para satisfazer necessidades próprias dos viajantes. Portanto, o turismo pertence ao setor terciário, e não ao secundário, como deveria ser para que se pudesse catalogá-lo como pertencente à indústria, [grifo nosso], [tradução livre nossa]. (BOULLÓN, 1997, p. 26-29).
A valoração da produção turística, portanto, é complexa, devido a não se poder recorrer ao cálculo de um ou vários ramos produtivos da contabilidade nacional, em função de não existir nenhum setor cuja produção dirija-se por completo à demanda turística, e também, porque a atividade turística, inclusive diretamente, afeta praticamente a todos os setores da economia.
Poderá ser considerado, no entanto, que o valor da produção turística coincide com o consumo dos turistas, desde que a atividade não armazena nenhum resto de produção (não é estocada); logo, se se chega a estimar o consumo turístico por meio de pesquisas para o turismo interno, e através do registro de caixa do banco central para o turismo internacional, este valor deverá corresponder à produção turística.
A característica fundamental do fato econômico turístico é que as forças da oferta e da procura se apresentam numa relação oposta: uma oferta de tipo rígido e uma demanda elástica. A oferta turística compreende bens e serviços, sendo os primeiros materiais ou imateriais. Os bens materiais além de se encontrar fixados em um determinado lugar, não permitem a formação de estoques, é o caso dos equipamentos receptores como os hotéis e os bens de transporte, envolvendo ainda, gastos fixos muito elevados. A demanda, por seu lado, está condicionada pela estacionalidade e outros elementos subjetivos, como imitação e preferências, experimentando mudanças com maior ou menor rapidez.
Os efeitos econômicos do turismo, são condicionados por tres características fundamentais da atividade turística, que a tornam comparável a qualquer tipo de indústria: rigidez da superestrutura turística; dependência da infra-estrutura de transporte; exigência de elevados investimentos em imobilizado, que requerem um longo período de amortização.
A dinâmica do mercado turístico oferece duas vertentes para o seu desenvolvimento: a primeira reside na maximização das despesas dos turistas, nacionais e estrangeiros, no núcleo receptor, durante o período de alta estação; a segunda se baseia na redução do período fora da alta estação, ou seja, na diminuição da sazonalidade.
A redução da sazonalidade, permitindo um fluxo contínuo de pessoas e receitas, tem sua importância reforçada nesta afirmação de Paz: a despesa turística realizada em uma região por residentes em outras é uma adição líquida à procura regional, não sendo essas despesas rivais da demanda local, no sentido de que são um deslocamento de procura de um ramo da economia para outro. Assim, o crescimento das receitas do turismo receptivo é altamente desejável para qualquer região, pois gera emprego, renda e impostos, sem afetar o volume e a composição da demanda pré-existente. [...] Se a despesa realizada em um estado por turistas nacionais residentes em outros estados é uma adição líquida à procura estadual, [...] a despesa dos turistas estrangeiros possui uma dupla vantagem: além de ser uma adição líquida à demanda estadual, é também uma adição líquida à demanda nacional, com a vantagem complementar de financiar essa demanda adicional com moeda estrangeira, recurso estruturalmente escasso. [...] [Portanto], a diminuição da sazonalidade no fluxo turístico é altamente desejável. [...] um alto grau de sazonalidade diminui as taxas de ocupação hoteleira, aumentando assim, o peso dos custos fixos. Desse modo, baixas sazonalidades barateiam custos, permitindo baixar preços que, por sua vez, são um fator de aumento de procura. (PAZ, 1986, p. 1; 5; 7).
A oferta turística, portanto, resulta de todas as atividades produtivas que servem à formação dos bens e serviços necessários à satisfação das necessidades turísticas, que se exprimem no consumo turístico.
Sessa (1983), classifica a oferta turística em tres semi-agregados: as infra-estruturas de base, as superestruturas turísticas e a “indústria” turística em sentido restrito.
As infra-estruturas de base são as infra-estruturas técnicas constituintes das estruturas indispensáveis e preliminares às instalações da superestrutura turística, que permitirão a propagação dos impulsos econômicos induzidos de um pólo turístico: rede de comunicações, unidades de produção energética, aquedutos, esgotos, etc.
As superestruturas turísticas são compostas pelos equipamentos receptivos de tipo clássico (hotéis e meios de alojamento complementares, restaurantes), pelos equipamentos para diversões e esportes, e pelos serviços de recepção turística. Representam o composto de equipamentos constituidos de forma exclusiva e direta para a satisfação das necessidades turísticas.
A “indústria” turística em sentido restrito, que para Sessa corresponde apenas à “indústria” hoteleira, se limita a incluir os equipamentos e as instalações com as quais habitualmente se qualifica a estrutura receptiva clássica – os hotéis e meios receptivos complementares, além dos restaurantes.
A oferta turística, além da extrema rigidez no espaço, caracteriza-se por um alto grau de perecibilidade no tempo. Outro aspecto, é que a prestação de serviços de hotelaria -incorporando de forma parcial os hotéis-residência, é o componente da oferta turística que pode ser considerado como o mais procurado em termos líquidos por turistas, ao passo que os demais ramos produtivos envolvidos fornecem bens e serviços que são compartilhados, em maior intensidade, por residentes e não residentes.
Ressalva-se, entretanto, que os hotéis estão, cada vez mais, atraindo a presença e o consumo de residentes dos locais onde se localizam, através da gastronomia (restaurantes), do entretenimento (shows e espetáculos) e de eventos (reuniões profissionais / de negócios, seminários, simpósios, congressos, convenções, etc.), com isso criando e ampliando fontes de receitas alternativas que podem se revelar significativas, particularmente em períodos de baixa temporada.
Por outro lado, a demanda turística, conforme Armellini Di Santi e Isabella Revetria (2003), excede os serviços que oferecem os setores tradicionalmente vinculados de forma direta ao turismo, abrangendo a quase totalidade de bens e serviços existentes na economia, já que todos eles são passíveis de consumo direto ou indireto por parte dos turistas.
Isto implica uma dificuldade para observar a atividade turística desde a oferta por setores ou indústrias relacionadas, já que o consumo turístico se define no momento em que se concretiza a compra por parte do turista, e não no momento em que se produz a oferta (dado que no momento da produção normalmente se desconhece quem é e onde reside habitualmente o consumidor). [...] Desde este ponto de vista então, entende-se que não é correta a caracterização do turismo como um “setor” da economia, já que abrange a praticamente todos os setores e indústrias da mesma, [grifo dos autores], [tradução livre nossa]. (ARMELLINI DI SANTI e ISABELLA REVETRIA, 2003, p. 6-7).
Por seu turno, para Rabahy (1990), o conceito de demanda turística, em termos econômicos, aproxima-se do enunciado na teoria do consumidor: a demanda por bens e serviços pode ser expressa como uma função inversa em relação ao preço, influenciada por outras condições do mercado, até pelos preços de outros bens. A característica típica do turismo, [...] é que o consumo é efetivado em um local diferente daquele onde reside o consumidor, portanto, com estrutura de mercado distinta. A capacidade de compra e as condições de mercado são provenientes de lugares e tempos diferentes daqueles dados pela região em que o consumo é realizado. (RABAHY, 1990, p. 79-80).
Segundo Havas (1981), o fator mais importante que afeta a decisão de viajar é a motivação, que deve ser objeto de análise separada tanto do ponto de vista econômico, quanto do ponto de vista sócio-cultural e psicológico, porque caracteriza os diferentes comportamentos econômicos em termos de gastos, taxa de permanência, demanda de alojamento, [...]. (HAVAS, 1981, p. 8).
Na estrutura da demanda observam-se tres efeitos importantes: o efeito renda - variação produzida na demanda como conseqüência de uma variação na renda real devida a uma modificação do preço; o efeito demonstração, por sua influência no comportamento dos consumidores; e o efeito preço.
Existe a possibilidade de acesso a novos consumos como conseqüência de um aumento na própria renda ou porque se sente o desejo de igualar as demandas realizadas por outras pessoas. Quando o turista regressa a seu país ou região de origem, o relato de suas experiências e observações pessoais despertará interesse nos demais, produzindo novos viajantes que passarão a compor a demanda efetiva, cujo desenvolvimento não se ajusta de maneira matemática a uma função renda-consumo.
Quanto ao efeito renda, Havas (1981), considera como um aspecto interessante da experiência turística o fato de que, uma vez criado o hábito de viajar ele passa a tornar-se uma necessidade das pessoas. Talvez devido a este fato, mesmo em períodos de recessão econômica, em que as rendas das famílias se contraem, existe uma certa resistência em cortar gastos com viagens, caracterizando uma inelasticidade renda da demanda de turismo, para as classes sociais de nível de renda mais elevado.
A este respeito, Sessa (1983), explica que a elasticidade do consumo turístico em correlação às rendas subsiste por causa de um aumento da renda, mas a demanda, entretanto, não se torna elástica em sentido oposto (negativo), devido à estagnação ou ao decréscimo das rendas. O motivo, segundo ele, é simples; o turismo se tornou um fenômeno de massa pelo seu aspecto de compensação social da qualidade de vida das sociedades industrializadas, não sendo mais, portanto, um fenômeno supérfluo ou de luxo, isso, ressalva-se mais uma vez, para as camadas da população dotadas de maior poder aquisitivo.
Acrescenta Rabahy (1990), que altos níveis de renda, característicos da população turística, propiciam o consumo de alguns tipos de bens e serviços não essenciais, como o turismo, [...] mais que proporcionais do que as variações de renda, de modo que os orçamentos domésticos, quando se vêem reduzidos, são rearranjados, e esse tipo de consumo é mantido, em detrimento de outras espécies de gastos. (RABAHY, 1990, p. 89).
A demanda turística, por seu turno, dispondo de uma alta elasticidade de substituição, é sensível ao efeito preço. Ela responde a variações nos preços dos bens e serviços turísticos, sendo elástica a preços.
Sobre esta questão, Rabahy esclarece que, para os países desenvolvidos, nos quais as viagens estão se tornando um bem de consumo necessário e pela ausência de informações atualizadas de preços, a demanda de curto prazo tende a ser inelástica com relação aos preços, observadas as ressalvas de certas categorias de turistas e seu nível de renda. (RABAHY, 1990, p. 87)
A renda e os preços afetarão as decisões relativas à distância da viagem, período de permanência na destinação, padrões de consumo, escolha entre viagens individuais ou de grupo e meios de transporte.
Do lado dos núcleos emissores, a demanda de viagens ao estrangeiro tem sido muito elástica em função da renda, especialmente nos principais países de origem da grande maioria dos turistas. À medida que a renda nacional aumenta, os gastos de viagens a outros países crescem a um ritmo ainda maior.
A demanda turística deve ser pensada sob uma ótica coletiva, permitindo a identificação e a diferenciação das correntes turísticas, para potencializar a procura pelo núcleo receptor. A deteção quantitativa destas correntes, sua composição qualitativa, reações e direcionamento, torna-se uma necessidade estratégica do estudo técnico do turismo.
Qualquer indústria tem dois tipos de efeitos sobre uma economia. O primeiro é sentido durante o período de “gestação” quando há uma intensa atividade de investimentos, incluindo períodos de expansão. O segundo é aquele decorrente do dia-a-dia da operação dos empreendimentos em sua fase de maturidade. Em ambos os casos o volume dos impactos dependerá da capacidade da economia local de fornecer os bens e serviços demandados pela atividade turística.
[...] a expansão das atividades turísticas gerará demanda crescente por produtos agrícolas, mobiliário, transporte, construção civil. Na medida em que a economia da área em estudo for suficientemente diversificada, esses produtos poderão ser obtidos, em grande parte, localmente, elevando o número de empregos, gerando mais renda para empresários e empregados nesses setores e elevando a receita tributária municipal, tanto no que se refere a impostos e taxas locais, quanto em termos de participação nos impostos federais e estaduais. (HAVAS, 1981, p. 16).
O incremento da capacidade receptiva, a criação de estabelecimentos e instalações complementares, ou simplesmente a necessidade de atender a chegada massiva de viajantes a um núcleo habilitado a desenvolver a atividade turística, haverá de impactar na função demanda do fator trabalho.
A criação de postos de trabalho pelo turismo pode se dar de forma direta - pelo aumento de locais de alojamento, abertura de novos restaurantes, incremento dos meios de transporte; e indireta - pela necessidade de expandir setores que prestam serviços aos setores produtivos dirigidos ao turismo.
Quanto à importância do turismo em relação ao nível de emprego e salários, Krippendorf alerta para o reverso da medalha:
no “setor” turístico, a maioria dos empregos não tem nada de atraente. As condições de trabalho são rigorosas: horas extras, horários irregulares, sobrecarga de acordo com a estação do ano e comprometimento pessoal em favor do cliente. Ademais, os salários são inferiores à média. As opções profissionais e a possibilidade de carreira são restritas. Muitas atividades não são qualificadas, e são socialmente desfavorecidas, como os trabalhos efetuados nos bastidores dos hotéis, sejam na cozinha ou nos quartos. (KRIPPENDORF, 1989, p. 14).
À parte qualquer tipo de conotação desqualificadora, entende-se que, para regiões subdesenvolvidas ou em desenvolvimento, onde o problema do desemprego é de natureza estrutural e prevalece um precário nível de vida, qualquer tipo de emprego é melhor do que nenhum, propiciando, ainda que mínimo, um certo grau de participação econômica ativa por parte da população receptora do fluxo turístico.
É fato, no entanto, que a maioria das ofertas de emprego dizem respeito a funções que não exigem mão-de-obra qualificada, correspondendo aos cargos que ocupam recursos humanos abundantes e baratos na maioria dos países em desenvolvimento. As funções mais qualificadas são ocupadas por elementos estrangeiros. Por esta razão, ocorre o esvaziamento de mão-de-obra nos setores primários da economia, ocasionado pelos “atrativos” dos empregos nas atividades turísticas.
Um outro aspecto a considerar, diz respeito aos efeitos da sazonalidade de uma grande parte desses empregos, que não são mantidos fora da alta estação, com a consequente dificuldade em reconverter os trabalhadores envolvidos às suas ocupações anteriores ou aos seus setores de origem, que ocupavam na baixa estação, ou quando da ausência da atividade do turismo na região.
Apesar disso, é imagem corrente que o turismo representa uma atividade altamente empregadora, quando levado em conta o volume de investimentos necessário à criação de um emprego, o que o caracterizaria como uma atividade tipicamente “mão-de-obra intensiva”. Esta imagem é contestada por Paz (1986), para quem, não sendo o turismo uma categoria de produção, não seria aplicável ao mesmo, os conceitos geralmente aceitos para os ramos produtores de bens e serviços. Além de que, a etiqueta “capital intensivo” ou sua contrapartida “mão-de-obra intensiva”, envolvem questões de gradação, não havendo uma fronteira líquida e certa que permita uma clara definição de ambas.
Já o efeito do turismo relacionado à geração de rendas fiscais, depende das características de cada país: do tipo de carga tributária que se impõe; da pressão dos impostos diretos e indiretos que gravam os atos econômicos ou seus processos produtivos ou de consumo; de que os ramos que intervenham diretamente na atividade turística tenham maior ou menor repercussão fiscal; de que exista um tratamento especial do turismo como atividade exportadora; e do grau de evasão fiscal existente.
Muñoz de Escalona (2002), formula a seguinte questão: o turismo, além de um fenômeno social, é uma atividade econômica? Se de fato o é, de que tipo é?
Buscando esclarecer este questionamento, o autor raciocina a partir do que consiste uma atividade econômica, a que tem por finalidade satisfazer necessidades humanas destinando para tal fim recursos escassos suscetíveis de usos alternativos. As atividades econômicas podem ser de dois tipos, segue o autor: as produtivas, intermediárias ou indiretas – extrativas, transformadoras, distribuidoras, ou seja, geradoras de utilidades; e as consuntivas ou finalistas – destruidoras de utilidades, no sentido econômico, em alguns casos, e usuárias em outras circunstâncias.
As primeiras processam recursos não aptos para satisfazer diretamente necessidades e os transformam em bens e serviços, [...] adicionando valor, quer dizer, trabalho. As segundas destinam os bens e serviços obtidos pelas primeiras à direta satisfação de necessidades. As primeiras são realizadas pelos produtores. As segundas, pelos consumidores. Em economias pouco avançadas, o consumidor é também um produtor (autoprodutor). Em economias avançadas, as duas funções acabam separadas com o aparecimento do alteroprodutor, o que produz para os demais com espírito de lucro em virtude do princípio da divisão do trabalho, [tradução livre nossa]. (MUÑOZ DE ESCALONA, 2002, p. 7).
Mas, inquire o autor, a qual dos dois tipos de atividades econômicas pertence o turismo?
Para a concepção convencional, conforme Muñoz de Escalona, o turismo não é uma única atividade produtiva e sim um heterogêneo e complexo grupo de atividades produtivas, tal assertiva é uma conseqüência direta da consideração do turismo como atividade consuntiva, derivada de sua concepção como fenômeno social, que o torna visualizado como um “conjunto massivo de atos de consumo realizados por determinados forasteiros em um lugar de referência” [tradução livre nossa], (MUÑOZ DE ESCALONA, 2002, p. 8).
Predomina, a partir desta visão, uma investigação do turismo focada no ponto de vista do consumidor estrangeiro que demanda uma diversidade de bens e serviços produzidos no lugar no qual se encontra na condição de residente passageiro ou temporário, visão que resulta na aplicação de um duplo enfoque, conjunto e inextrícavel: de demanda e localizado. Tal enfoque implica que o estudo econômico do turismo parte do gasto do consumidor, o que decorre da consideração do turismo como fenômeno social.
O conjunto de atividades produtivas se identifica em função do conjunto de atividades consuntivas. O consuntivo determina o produtivo. Desde os consumidores se chega aos produtores. A análise parte da demanda para proceder a da oferta. O enfoque de demanda é vinculante, mesmo que o investigador não o saiba ou deseje desprender-se dele, [grifo do autor], [tradução livre nossa]. (MUÑOZ DE ESCALONA, 2002, p. 9).
Referenciando-se a Alfred Marshall (“Princípios de Economía”, versão em espanhol de 1963), o autor não desconhece que as atividades produtivas devem satisfazer as necessidades dos consumidores, mas é evidente que antes de um bem ou serviço ser consumido tem de ser produzido. “A necessidade do agente consumidor precede a resposta do agente produtor, mas, tanto o analista como o investidor, se centram na atividade do segundo para estudar e executar a resposta viável e rentável que se dará ao primeiro” [tradução livre nossa], (MUÑOZ DE ESCALONA, 2002, p. 14).
Não é certo que a teoria do consumo seja a base científica da economia, pois muito do que é de interesse primordial na teoria das necessidades pertence à dos esforços e atividades. Ambas as teorias se complementam mutuamente; uma é incompleta sem a outra; mas se uma delas pode pretender ser intérprete da história do homem, quer seja do ponto de vista econômico ou desde qualquer outro, esta teoria é, sem nenhuma dúvida, a das atividades e não a das necessidades, [grifo do autor], [tradução livre nossa]. (MARSHALL, 1963, apud MUÑOZ DE ESCALONA, 2002, p. 15).
Para o autor, muitos estudiosos, economistas ou não, por não ter claro ou não se convencerem do acima explicado, continuam sustentando que o turismo se consome ao mesmo tempo que se produz, ou ainda, que sem a participação do consumidor no processo produtor não há turismo.
Equivocadamente, mas com freqüência, segundo Muñoz de Escalona (1991), a expressão “atividade turística” tem sido utilizada para designar tanto a atividade produtiva como a consuntiva, ou seja, tanto a geração de renda - produção e oferta, como a realização de um gasto final – demanda e consumo.
O autor denomina de teoria econômica clássica do turismo ou teoria convencional, todo o arcabouço conceitual e metodológico desenvolvido no sentido da aplicação da teoria econômica à atividade do turismo privilegiando um enfoque de demanda e de natureza macroeconômica, a qual ele qualifica como sendo sociológica, multisetorial e agregada – correspondendo, em linhas gerais, ao que se expôs até aqui, neste capítulo. Em sua contribuição de caráter original, Muñoz de Escalona formula e defende um modelo teórico alternativo, fundamentado em um enfoque de oferta e de caráter microeconômico, caracterizado ainda por ser de natureza empresarial e unisetorial.
O autor comenta ser correto afirmar-se que não existe um “setor turístico” da mesma forma que existe o setor industrial, com o que, na sua opinião, a teoria convencional concorda embora não o faça explicitamente. Acrescenta ainda, ser uma contradição da teoria clássica admitir a consideração do “setor turístico” como pertencente ao setor terciário, dados o elevado grau de agregação, a abrangência e complexidade da atividade e do próprio produto turístico, que constituem a razão de ser de sua sustentação conceitual e metodológica. Muñoz de Escalona monta uma matriz que cruza setores de demanda – de residentes e de turistas, com setores de oferta – primário, secundário e terciário, na qual se definem os totais setoriais e gerais (Quadro3.1).
Nesta matriz, as abreviações referem-se a: PR – primário residencial, PTur – primário turística, ToP – total primário; SR – secundário residencial, STur – secundário turística, ToS – total secundário; TeR – terciário residencial, TeTur – terciário turística, ToTe – total terciário; e TdR – total residencial, TdTur – total turística, TT – total geral.
A partir dos cruzamentos desta matriz, Muñoz de Escalona analisa que para a teoria clássica o “setor” turístico se definiria pela expressão PTur + STur + TeTur = TdTur, embora na prática se venha considerando que é somente TeTur, agregando, no entanto, determinados sub-setores de ToTe, em função da dificuldade encontrada para identificar o que, precisamente, compõe o TeTur.
O enfoque de demanda imputa, segundo o autor, um evidente caráter de multisetorialidade à teoria clássica do turismo. “Para a teoria “multisetorial” da produção turística, [...] qualquer empresa e qualquer setor são potencialmente turísticos, o que equivale a negar a existência do produto turístico como tal” [grifo nosso], [tradução livre nossa], (MUÑOZ DE ESCALONA, 1991, p. 214).
O que se vem chamando, portanto, de “economia do turismo”, de acordo com o autor, é uma expressão com a qual se designa, no melhor dos casos, um conjunto de economias setoriais, não existindo em absoluto a possibilidade de aplicar a análise microeconômica [com o objetivo] de agregar todas as economias setoriais presentes em qualquer sistema produtivo. Para tanto, se dispõe da análise macroeconômica e de seus instrumentos, [sendo] um deles o multiplicador keynesiano [...].
[...] não é difícil compreender que a macroeconomia do turismo não pode ser distinta da macroeconomia de todo o sistema produtivo tomado em seu conjunto. A única coisa que se pode fazer com a macroeconomia aplicada ao turismo é analisar e quantificar os efeitos do gasto que os turistas realizam em uma região receptora concreta, algo que, com maior ou menor dificuldade, somente é operativo quando a região de referência é uma nação, porém não quando é um estado ou um município, pela simples razão de que, no primeiro caso, pode se utilizar a informação sobre câmbio de moedas, enquanto que, nos demais casos, não existe tal possibilidade, com o que somente se pode estudar os efeitos do chamado turismo internacional, [tradução livre nossa]. (MUÑOZ DE ESCALONA, 1991, p. 216-217).
Um ponto fundamental sobre o qual os teóricos da abordagem clássica não prestaram a atenção devida, conforme o autor, refere-se ao aspecto diferencial que singulariza um consumidor turístico em relação a outro que não o é: o plano ou programa de viagem ou deslocamento de ida e volta, o qual, sob o enfoque de oferta, corresponde à definição de produto turístico. Neste sentido, turista é toda aquela pessoa que adquire e consome um plano de viagem de ida e volta, quer dizer, um produto turístico. Assim, o enfoque de oferta sustenta que a demanda turística é formalmente idêntica à demanda de qualquer outro produto mercadejável.
Com a concepção unisetorial da produção turística, que supõe definir o produto turístico como um plano ou programa de viagem de ida e volta, o conjunto das empresas que se dedicam a elaborar planos de viagem constitui o “setor” turístico. Estas empresas utilizam, sem dúvida, uma tecnologia própria, perfeitamente distinguível da que empregam as demais empresas produtoras, tecnologia que é o objeto do que se pode denominar engenharia turística, consistente na união de determinados inputs, a maioria dos quais são produtos obtidos em empresas que pertencem ao chamado setor serviços, Por conseguinte, as empresas turísticas produzem serviços à base de serviços [...].
Empresas turísticas [...] serão, consequentemente, aquelas que se dedicam a produzir planos de ida e volta para ser oferecidos no mercado com especificação de qualidades, preços e formas de pagamento (...), De acordo com este enfoque alternativo, empresas turísticas são os chamados operadores turísticos ou agências “atacadistas”, [grifo nosso], [tradução livre nossa]. (MUÑOZ DE ESCALONA, 1991, p. 240-241).
Muñoz de Escalona (1994), denomina de engenharia turística ou técnicas propriamente turísticas aos procedimentos que aplicam os operadores turísticos. Às técnicas facilitadoras e incentivadoras ele chama de técnicas paraturísticas.
Um dos problemas com os quais se defronta os chamados países turísticos, [...] radica no fato de terem se especializado em produzir serviços com as técnicas paraturísticas e renunciado à produção de planos de deslocamento, quer dizer à aplicação das técnicas turísticas. As técnicas turísticas se cultivam com grande êxito nos países nos quais residem os turistas, aproveitando-se dos baixos preços de compra dos serviços facilitadores e incentivadores que se produzem nos lugares de acolhida ou recepção. Por esta razão, os países “mal” chamados de turísticos sofrem uma situação de dependência e de exploração comercial por parte das empresas turísticas dos países onde residem os turistas e os operadores turísticos, [grifo do autor], [tradução livre nossa]. (MUÑOZ DE ESCALONA, 1994, p. 8).
Considerar o plano de deslocamento como o único produto turístico final, segundo o autor, equivale a mudar o enfoque de demanda que emerge da concepção convencional do turismo e substitui-lo por um enfoque de oferta, ou seja, significa passar da sociologia à microeconomia.
O enfoque de demanda ou sociológico apresenta de um modo incorreto as relações de intercâmbio entre os agentes que operam no setor e a sua concepção funcional. [...] a chamada “oferta básica”, composta pelos serviços de transporte e de alojamento, se situa ao mesmo nível da produção de artigos de consumo final nos demais setores produtivos. Ao mesmo tempo, as agências de viagens atacadistas (operadores turísticos) e varejistas são consideradas como meros intermediários entre a oferta e a demanda.
O enfoque de oferta [...] conduz a uma concepção do turismo acorde com a análise microeconômica que se utiliza para estudar qualquer setor produtivo. Este enfoque permite situar às empresas produtoras de serviços facilitadores e incentivadores ao nível que lhes corresponde, isto é, no de abastecedores de serviços intermediários ou semi-elaborados, e as agências atacadistas ou operadores turísticos no de produtores de bens aptos para o consumo final, [grifo nosso], [tradução livre nossa]. (MUÑOZ DE ESCALONA, 1994, p. 9).
Para uma melhor visualização das diferenças entre o enfoque de demanda ou sociológico, que corresponde à teoria clássica ou convencional do turismo, e o enfoque de oferta ou microeconômico, que reflete o modelo teórico alternativo formulado por Muñoz de Escalona, se introduz, conforme a abordagem deste autor, as Figuras (3.1 e 3.2, p. 284 e 3.3, p. 285).
Figura 3.3 Processo de Produção Turística: Perspectiva Comparativa entre a Metodologia Convencional versus a Metodologia Proposta pela Engenharia Turística
Fonte: Muñoz de Escalona, 1994, apud Rodrigues, 2002, p. 9. (Readaptado pelo próprio autor do modelo original).
Nota: Considerando que a produção e venda de produtos intermediários tem menor valor agregado que a produção e venda de produtos acabados, tem-se: RET > GT.
O operador turístico, portanto, é a figura central do modelo de análise da atividade turística sob o enfoque de oferta, de caráter unisetorial, empresarial e microeconômico, desenvolvido por Muñoz de Escalona. O termo operador turístico é utilizado pelo autor para designar um tipo de empresa muito concreto que desenvolve sua atividade produtiva em um número muito variado de setores e mercados. O autor afirma ainda que, de forma clara, o turismo é um sub-setor do setor terciário, do mesmo modo que as agências de viagens, atacadistas ou varejistas, que realizam uma função intermediária, porém, com estas pertencendo a um outro diferente sub-setor do setor terciário.
As agências de viagens constituem um sub-setor dedicado a elaborar produtos paraturísticos específicos, concretamente serviços de distribuição e comercialização de produtos turísticos e outros serviços paraturísticos como os elaborados pelos sub-setores dedicados a serviços de alojamento, restauração [alimentação], transporte, etc. As agências atacadistas são intermediárias, ou podem sê-lo, no processo de abastecimento dos inputs que necessitam os operadores turísticos para elaborar seus produtos turísticos, enquanto que as agências varejistas são, ou podem ser, intermediários entre os operadores turísticos e a demanda final, assim como entre os ofertantes de outros produtos paraturísticos e os autoconsumidores de turismo. [Já] a atividade produtiva dos operadores turísticos gera as seguintes relações de intercâmbio:
- Abastecimento de inputs aos operadores turísticos, diretamente ou por intermédio de agências atacadistas (brokers).
- Comercialização de produtos de operadores turísticos até a demanda final, diretamente ou por meio das agências varejistas.
[...] a atividade produtiva dos autoconsumidores dá lugar a relações de intercâmbio em parte similares às anteriores, [tradução livre nossa]. (MUÑOZ DE ESCALONA, 1990, p. 11-12).
Para estabelecer sua definição de produto turístico, Furió Blasco (1994) toma como ponto de partida a oferta, ou seja, a produção, desde quando, para o autor, a produção é o plano no qual adquire maior significado a relação entre função e território. Esta posição implica uma menor atenção aos aspectos de demanda ou de consumo.
Na concepção de Furió Blasco, o turismo não pode ser considerado como um setor, uma indústria ou um mercado, neste sentido o próprio enquadramento do turismo como uma atividade de serviços do setor terciário é relativizado. Na atualidade, afirma o autor, não basta falar-se de setor primário, secundário, terciário ou até quaternário, o que se enfatiza é a necessidade de explorar as relações técnico-econômicas, mas também socioeconômicas, que se estabelecem entre diversas atividades econômicas a partir de uma dada produção, ou melhor, da realização de um produto.
Mais oportuno seria então, conforme Furió Blasco, considerar a produção turística como um continuum de bens e serviços, como um conjunto de atividades econômicas, não necessariamente equivalentes entre si, mas com fortes interdependências, no que concerne a esta produção.
Em termos similares, Vera Rebollo (1997), considera que o turismo não é uma atividade econômica, mas sim uma prática social coletiva geradora de atividade econômica, de diversas manifestações econômicas.
A maior ênfase nas interdependências entre atividades econômicas remete ao conceito, recorrente mas relevante neste trabalho, de filière, que pode ser utilizado, como exposto em Furió Blasco (1994), como significativo de uma “cadeia de indústrias integradas”, ou como um “conjunto articulado de atividades econômicas integradas, cuja integração resulta de articulações em termos de mercados, de tecnologia e de capitais”. O sistema produtivo, portanto, pode ser tomado como “uma série de filières que começam com os recursos primários para desembocar na satisfação de uma necessidade humana”.
Esta conceituação de filière como a transformação progressiva de uma matéria-prima em um produto acabado ou [...] como um conjunto de operações técnicas, constitui a definição mais imediata. Mas também são possíveis outras duas definições deste mesmo conceito. Por um lado, a filière pode ser vista como um conjunto de operações econômicas e, por outro lado, como um conjunto de organizações, [tradução livre nossa]. (FURIÓ BLASCO, 1994, p. 176).
Poderia-se então, comenta Furió Blasco, representar-se a produção turística a partir do conceito de filière e, consequentemente, referir-se a uma filière turística. Para o autor, no entanto, ambas as representações, a decorrente da nova economia de serviços – continuum de bens e serviços, e a que se desenvolve com base no conceito de filière, podem obter-se do modelo teórico do desenvolvimento econômico, por ele formulado, a partir do enfoque dos encadeamentos.
Em primeiro lugar, ambas representações enfatizam principalmente os aspectos técnico-econômicos das interrelações e, em menor medida, os socioeconômicos, enquanto que o enfoque do desenvolvimento econômico por meio de enlaces [encadeamentos], além destes, também incorpora plenamente os socioeconômicos, com a inclusão dos culturais e políticos.
Em segundo lugar, [...] os dois primeiros enfoques exploram as interrelações entre atividades econômicas a partir de uma produção com um elevado grau de homogeneidade interna. [...] pretendem reconstruir as interrelações estritamente econômicas de um produto perfeitamente definido por uma destas atividades participantes. Por sua parte, o enfoque do desenvolvimento por meio de encadeamentos, além da reconstrução anterior, autoriza também representações das interrelações entre atividades humanas cujo elemento definidor, também, seja o próprio consumidor. [Ou seja], o enfoque de enlaces permite a representação das interrelações entre as atividades necessárias para a elaboração de um produto que define ou termina de definir o próprio consumidor e, portanto, é este que [...] “diz” com sua atuação que atividades se interrelacionam, [grifo nosso], [tradução livre nossa]. (FURIÓ BLASCO, 1994, p. 176).
Depreende-se daqui, uma aparente contradição, desde quando a aplicação ao turismo do enfoque do desenvolvimento a partir de enlaces terá a determinação das interrelações definidas, em última instância, pelo consumidor, o turista, ou seja, o determinante é a demanda. No entanto, para estabelecer a definição de produto turístico Furió Blasco afirma partir da oferta, o que implicaria uma menor atenção aos aspectos de demanda.
Para fundamentar sua formulação do conceito de produto turístico, Furió Blasco (1994) recorre a Carl Menger (1871), o qual denominou de “utilidades” ou coisas úteis àquelas que têm a capacidade de estabelecer uma relação causal com a satisfação das necessidades humanas. Menger chamou de “bens” às coisas nas quais o ser humano reconheça esta relação causal e tenha o poder de empregá-las na satisfação de suas necessidades. Como exposto por Furió Blasco, para uma determinada coisa alcançar a qualidade de “bem”, devem confluir para ela as seguintes condições:
existência de uma necessidade humana;
que a coisa tenha qualidades que a capacitem para manter uma relação ou conexão causal com a satisfação dessa necessidade;
um conhecimento por parte do ser humano desta relação causal;
um poder de disposição sobre a coisa, de tal modo que possa ser utilizada de fato para a satisfação da mencionada necessidade.
A qualidade acima referida não é intrínseca ao bem em si mesmo, não é uma propriedade do bem, mas sim que se “apresenta unicamente como uma relação que algumas coisas têm com os homens. Se esta relação desaparece, aquelas coisas deixam automaticamente de ser bens”, [tradução livre nossa]. (MENGER, 1871, apud FURIÓ BLASCO, 1994, p. 194).
Segundo Furió Blasco, esta relação das coisas com o ser humano não se constitui, necessariamente, numa relação imediata, podendo se traduzir também em uma relação mediata. Neste sentido, os bens podem ser de primeira ordem, segunda ordem, terceira ordem, ... e bens de ordem superior (Figura 3.4, p. 290).
Esta ordem indica, tão somente, que um bem – contemplado desde a perspectiva de uma determinada utilização do mesmo [de consumo], tem uma relação causal certas vezes mais próxima e outras vezes mais distante com respeito à satisfação de uma necessidade humana, não se tratando, entretanto, de uma propriedade inserida no bem, [grifo nosso], [tradução livre nossa]. (MENGER, 1871, apud FURIÓ BLASCO, 1994, p. 194).
Podem ocorrer três modos de o ser humano, conforme Furió Blasco, empregar a quantidade de bens disponíveis para satisfazer suas necessidades da maneira mais completa possível: em primeiro lugar, a necessidade pode ser maior que a quantidade disponível, neste caso, os bens seriam considerados, recorrendo à terminologia adotada por Menger, como bens econômicos; em segundo lugar, a necessidade pode ser menor que a quantidade, teria-se aqui o caso dos bens não econômicos; e a necessidade pode ser igual à quantidade. A diferença entre os bens econômicos e os não econômicos, portanto, corresponde à difereça existente na relação entre a necessidade e a quantidade dos bens.
Figura 3.4 A Natureza dos Bens
Fonte: Furió Blasco, 2001, p. 236.
Com base na formulação teórica de Carl Menger a respeito da natureza dos bens, sobre a qual a análise de Furió Blasco vai muito mais além dos extratos acima referidos e que se consideraram relevantes para esta tese, o autor busca então verificar qual é a natureza dos bens que satisfazem as “necessidades turísticas” do ser humano, denominando ao bem de primeira ordem que satisfaz estas necessidades – de lazer e entretenimento, de “produto turístico”.
Em seu componente material, o produto turístico cabe considerar-se como uma cesta de bens. Os componentes desta cesta são, em relação com a satisfação das necessidades turísticas, bens de segunda ordem. Estes bens de segunda ordem não guardam uma relação isolada com a satisfação do conjunto de necessidades humanas. Pelo contrário, muitos deles guardam uma relação ou conexão causal, imediata ou mediata segundo os casos, com a satisfação de amplas necessidades humanas, entre elas as turísticas. Talvez, a particularidade dos bens turísticos de segunda ordem é que, em muitas ocasiões, têm uma relação quase imediata com a satisfação de outras necessidades humanas distintas das turísticas.
Estes bens de segunda ordem adquirem conjuntamente a qualidade de bem (de primeira ordem) turístico, não por algo intrínseco a eles próprios, [mas] porque apresentam-se unicamente como uma relação que algumas coisas têm com os homens. [...] a partir da relação com a necessidade turística do homem é como se adquire a qualidade de bem turístico de primeira ordem. A este bem turístico de primeira ordem é que se denomina produto turístico, [grifo nosso], [tradução livre nossa]. (FURIÓ BLASCO, 1994, p. 210).
Genericamente, para o autor, o produto turístico, como bem de ordem inferior, é constituído por uma cesta de bens de ordem secundária, sendo que a importância de cada um desses bens secundários assume um caráter distintivo para cada caso concreto, em uma comparação espacial e em sua evolução temporal, apresentando certas características que permitem estabelecer entre eles diversos agrupamentos.
Seguem alguns bens relacionados com a satisfação de “necessidades turísticas”, considerados como de segunda ordem por Furió Blasco (1994):
os atrativos turísticos – bens naturais, bens históricos, bens culturais, bens de “ócio” ou lazer / entretenimento, bens relacionados;
o “deslocamento” do núcleo emissor para o receptor;
o alojamento no local de destino;
a restauração, no sentido de alimentação;
uma série de bens relacionados e necessários quando se produzem aglomerações populacionais em uma zona e que satisfazem suas necessidades fisiológicas e sociais;
capacidades ou rendimentos do trabalho – qualificação da mão-de-obra.
Não se percebe na abordagem de Furió Blasco uma clarificação definitiva do conceito de produto turístico, desde quando a depender de qual seja a necessidade ou necessidades que o turista busque satisfazer, da intensidade e prioridade com que ela(s) se manifeste(m) e da condição que o mesmo tenha de poder pagar para satisfazê-la(s), na qualidade e quantidade que desejar, o produto turístico incorporará uma menor ou maior variedade de itens em sua composição, pois uns poucos ou muitos dos chamados bens de segunda ordem passarão a ter uma relação imediata com a satisfação da necessidade do turista, passando então à condição de bens de ordem inferior ou de primeira ordem, afirmando-se, também nesta concepção, o caráter determinante da demanda.
A definição adotada por Furió Blasco (1994), para quem o produto turístico é um bem de ordem inferior, ou de primeira ordem, alude que a qualidade de bem turístico não é dada por algo intrínseco ao próprio bem, mas pelo fato de apresentarem uma relação imediata com a satisfação de necessidades turísticas do ser humano – o consumidor, o turista. Neste sentido, ela remete e guarda alguma similaridade com a definição de consumo turístico formulada dentro do marco conceitual da Conta Satélite do Turismo, conforme ONU et al. (2001), pela qual, o que torna um consumo turístico não é a natureza intrínseca própria do bem ou serviço consumido, e sim a condição dentro da qual se encontra o consumidor, ou seja, ele deve ser um visitante ou pretender sê-lo.
Esta similaridade evidencia ainda mais que a definição de produto turístico de Furió Blasco mesmo que tomando como ponto de partida a oferta, acaba se revelando um enfoque de demanda, a qual, inclusive, como o próprio autor afirma, atua como fator definidor da natureza dos encadeamentos para trás e para frente da filière de produção dita “turística”, em seus interrelacionamentos diretos, indiretos e induzidos.
No caso de situações em que o deslocamento possa vir a se tornar um bem de primeira ordem, a definição de produto turístico de Furió Blasco corresponderá à formulada por Muñoz de Escalona. Ou, dito de outra forma, o plano ou programa de deslocamento de ida e volta, o único produto efetivamente turístico, na concepção de Muñoz de Escalona, passaria a corresponder, na abordagem de Furió Blasco, a um bem de ordem inferior ou de primeira ordem, coincidindo com sua definição de produto turístico.
Mas, na medida que o turista chegue à região receptora e vá tendo um contato direto com os serviços / técnicas facilitadores e incentivadores e daí satisfazendo suas necessidades de consumo, teríamos os bens de segunda, terceira ordem e de ordem superior transmutando-se, subseqüentemente, em bens de ordem inferior e até de primeira ordem.
Ao fato dos planos de deslocamentos de ida e volta serem direcionados para a satisfação dos consumidores turistas, tanto nos pacotes convencionais e indiferenciados próprios de um turismo massivo, como, principalmente, nos pacotes sob medida ou encomenda que são cada vez mais solicitados e que são formatos pelos operadores turísticos de forma a atender às mais diversificadas motivações próprias de um turismo diferenciado e a cada dia mais personalizado, não se poderia entender como uma segmentação das atividades produtivas dos operadores turísticos, praticamente atuando em nichos de mercado para corresponder ao nível de segmentação do mercado turístico? Não se trataria aqui, mais que implicitamente, também de um enfoque de demanda?
As empresas, turísticas ou não, tanto nos países desenvolvidos e majoritariamente emissores, quanto nos países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos e majoritariamente receptores, estruturam suas atividades produtivas objetivando viabilidade e rentabilidade, em conformidade com os preceitos referendados pela teoria microeconômica.
O turismo, através da dinâmica dos deslocamentos de pessoas como turistas ou como trabalhadores, de rendas pessoais, de produtos e serviços, de investimentos ou de capitais, etc., influencia e define relações intersetoriais internas aos diversos países envolvidos e externas, entre esses mesmos países, assumindo, em menor ou maior medida um importante papel nas economias nacionais, conformando fluxos físicos e monetários, e efeitos derivados, de caráter marcadamente macroeconômico.
Além disso, deixando de lado a ênfase no turismo internacional, esses países, qualquer que seja o seu nível de desenvolvimento, possuem em determinado grau um fluxo turístico interno, de natureza doméstica, o qual pode implicar uma movimentação econômica representativa, que, particularmente para os países menos desenvolvidos, pode ser bem mais significativa e relevante em termos econômicos e sociais, do que o movimento representado pelo turismo internacional.
Assim, se acredita não ser apropriado qualificar os países onde residem os turistas e os operadores turísticos como países “bem” chamados de turísticos e os países que os turistas visitam como “mal” chamados de países turísticos. Pelo contrário, por vezes, estes é que seriam mais apropriadamente merecedores de serem denominados países turísticos.
Portanto, acredita-se que permanece a indefinição quanto ao que é realmente o turismo e o produto turístico. De um lado tem-se a teoria clássica ou convencional orientada por um enfoque de demanda – da qual já se disponhe de uma excelente revisão e compilação dos seus contributos teóricos mais relevantes, realizada por Muñoz de Escalona; de outro lado tem-se o modelo alternativo do enfoque de oferta formulado pelo próprio Muñoz de Escalona; e, conta-se ainda, com a importante e expressiva contribuição de Furió Blasco baseada no enfoque de enlaces com foco na expressão territorial do turismo.
Dispõe-se, portanto, de uma massa crítica de significativa dimensão e qualidade de conteúdo, constituindo um campo fértil para a realização de uma necessária síntese das distintas vertentes analíticas, que uniria e integraria em um corpo teórico unificado e de caráter científico, as perspectivas empresarial e microeconômica, sociológica e macroeconômica com a territorial e mesoeconômica, em prol do desenvolvimento de uma “teoria econômica contemporânea do turismo” que pudesse avançar no sentido de favorecer a formação de um embrião do que poderia se denominar de “teoria do desenvolvimento turístico de base econômico-territorial”.