TURISMO, CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO: UMA ANÁLISE URBANO-REGIONAL BASEADA EM CLUSTER
Jorge Antonio Santos Silva
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Algumas Formas de Capitais Intangíveis
Especificação
1. Capital Institucional As instituições ou organizações públicas e privadas existentes na região: o seu número, o clima de relações interinstitucionais (cooperação, conflito, neutralidade), o seu grau de modernidade.
2. Capital Humano O estoque de conhecimentos e habilidades que possuem os indivíduos que residem na região e sua capacidade para exercitá-los.
3. Capital Cívico A tradução de práticas de políticas democráticas, de confiança nas instituições, de preocupação pessoal com os assuntos públicos, de associatividade entre as esferas públicas e privadas, etc.
4. Capital Social O que permite aos membros de uma comunidade confiar um no outro e cooperar na formação de novos grupos ou em realizar ações em comum.
5. Capital Sinergético Consiste na capacidade real ou latente de toda a comunidade para articular de forma democrática as diversas formas de capital intangível disponíveis nessa comunidade.
Quadro 2.3 Formas de Capitais Intangíveis Determinantes do Processo de Desenvolvimento Regional
Fonte: Boisier, 2000, apud Haddad, 2001, p. 53.
Nota: Boisier menciona, ainda, como capitais intangíveis: o capital cultural, o capital cognitivo e o capital simbólico.
Danilo Camargo Igliori, em sua dissertação de mestrado “Economia dos clusters industriais e desenvolvimento”, 2000, examina várias contribuições teóricas que envolvem a concentração geográfica de atividades produtivas, se detendo nos chamados sistemas produtivos locais ou clusters de atividade econômica, observando que não existe uma definição consensual sobre o termo e que alguns autores que estudam assuntos correlacionados não adotam tal denominação.
Igliori se utiliza, principalmente, da abordagem realizada por H. Schmitz em seus relevantes trabalhos sobre o tema: Collective efficiency and increasing returns (1997) e Global competition and local cooperation: success and failure in the Sinos Valley, Brazil (1999). De acordo com Schmitz, Igliori (2000), apresenta uma classificação das contribuições estudadas, em função da fonte de inspiração teórica e metodológica, todas elas originadas ou com forte base analítica nas teorias seminais, já analisadas nesta tese, de Marshall e de Schumpeter:
1) Teoria econômica ortodoxa: trabalhos que procuram desenvolver modelos formalizados que incluam retornos crescentes e que abordam os clusters industriais juntamente com o comércio exterior e a geografia econômica [destaque para as contribuições de Paul Krugman];
2) Economia da mudança tecnológica e sistemas de inovação: trabalhos focalizando o desenvolvimento tecnológico e a formação de sistemas de inovação, decorrentes da interação das firmas e de outras organizações [destaque para as contribuições de C. Freeman];
3) Economia de empresas: trabalhos que enfatizam que as vantagens competitivas em um mundo globalizado derivam de um conjunto de fatores locais que sustentam o dinamismo das firmas líderes [destaque para as contribuições de Michael Porter];
4) Debate sobre os “distritos industriais”: estudos sobre o desenvolvimento dos distritos industriais recentes, em especial da Itália e de outros países europeus, destacando a importância de arranjos socioeconômicos específicos e do papel das pequenas e médias empresas [destaque para as contribuições de Becattini], [grifo nosso]. (IGLIORI, 2000, p. 6).
Destaca Igliori, que apesar dessa classificação, existem muitas e importantes dificuldades para se identificar com clareza os clusters, acrescentando-se que muitas das variáveis analisadas são de natureza qualitativa, o que dificulta o esforço de mensuração e de comparação entre os seus diversos tipos ou modelos.
Britto (2000), considera que o conceito de cluster pode ser elaborado a partir de duas abordagens: a primeira, de “baixo para cima”, a partir das firmas e de suas redes de interação; a segunda, de “cima para baixo”, a partir de recortes regionais ou locais do ambiente institucional no interior do qual interagem os agentes. Essas duas abordagens correspondem a dois processos simultâneos que são fundamentais, segundo o autor, para uma compreensão mais abrangente do processo de formação de clusters industriais, os quais se apresenta na (Figura 2.8, p. 200).
Figura 2.8 Elementos para Compreensão do Processo de Formação dos
Clusters Industriais
Fonte: Britto, 2000, p. 11.
Conforme Kotler, Jatusripitak e Maesincee (1997), um cluster industrial é
[...] um grupo de segmentos industriais que compartilham encadeamentos verticais e horizontais positivos. Se uma indústria se diversifica em áreas que fornecem matérias-primas ou consomem produtos daquela indústria, a direção da diversificação é vertical. Há dois tipos de encadeamentos verticais: encadeamentos à frente e encadeamentos retrógrados. Encadeamentos à frente são os relacionamentos entre a “indústria focalizada” e as indústrias a seguir na cadeia produtiva, enquanto os encadeamentos retrógrados são aqueles entre a “indústria enfocada” e as indústrias anteriores na cadeia produtiva. [...] Do ponto de vista da indústria focalizada, todas as indústrias integradas verticalmente são denominadas “indústrias de apoio”.
[...] se uma indústria não se diversifica por meio de relações matéria-prima – produto, a direção é “horizontal”. Os encadeamentos horizontais conectam uma indústria com outras indústrias complementares em tecnologia e/ou marketing. Todas essas indústrias envolvidas em encadeamentos horizontais são denominadas “indústrias relacionadas”, [grifo nosso]. (KOTLER, JATUSRIPITAK e MAESINCEE, 1997, p. 190-191).
Como boa parte dos clusters enquadrados nas classificações acima, já foram objeto de análise neste trabalho, se procurará explorar com mais detalhe neste ponto a relação entre os clusters e os países em desenvolvimento, tomando por base o estudo efetuado, com muita propriedade, por Igliori (2000).
A análise dos clusters industriais nos países em desenvolvimento, relata Igliori, também destaca a importância da concentração espacial e setorial como base para a formação de economias externas e complementariedades estratégicas ressaltando, porém, três aspectos peculiares: não se enfatiza a capacidade dos clusters em desencadear processos de desenvolvimento que se espalhem para outras partes da economia de um país, os spread effects, com o enfoque sendo essencialmente regional; focaliza-se as perspectivas para o aumento da competitividade de pequenas e médias empresas; e atribui-se grande importância aos relacionamentos cooperativos sistemáticos entre as empresas para a obtenção de menores custos e a geração de fluxos de inovação.
Para uma reunião de empresas configurada em uma estrutura de agrupamento ou cluster, abre-se a possibilidade de ganhos de eficiência que a nível individual raramente essas empresas conseguiriam obter. Esses ganhos são capturados no conceito de “eficiência coletiva”, definido como a vantagem competitiva derivada das economias externas locais e da ação conjunta das empresas reunidas no cluster.
O conceito de eficiência coletiva identifica [portanto] duas fontes de vantagens competitivas. A primeira delas decorre das economias externas locais [...]. De acordo com Schmitz, a existência de economias externas não depende das ações deliberadas das empresas, mas apenas da concentração espacial e setorial das mesmas. Por isso, Nadvi e Schmitz (1999) a batizaram de economia coletiva passiva. A segunda fonte de vantagem competitiva, ao contrário, está diretamente ligada às ações cooperadas que as empresas realizam de forma deliberada. Estas, analogamente, receberam o nome de eficiência coletiva ativa. [...] embora a eficiência coletiva passiva seja importante, não é suficiente para explicar o sucesso dos clusters. [...] é fundamental que as empresas “invistam” nas formas de eficiência coletiva ativa, agindo cooperativamente, [grifo nosso]. (IGLIORI, 2000, p. 93-94).
A reunião de empresas na forma de clusters, permite o surgimento de determinadas características que possibilitam o aparecimento de ganhos econômicos. Tais características, apontadas por Schmtiz, são listadas no trabalho de Igliori, a saber:
divisão do trabalho e especialização entre empresas;
surgimento de fornecedores de matérias-primas, equipamentos e peças de reposição;
surgimento de agentes comerciais que levam os produtos para mercados distantes (nacionais e internacionais);
surgimento de trabalhadores com habilidades específicas para o setor;
surgimento de ações conjuntas entre os produtores locais de dois tipos: cooperação entre firmas individuais ou cooperação entre grupos de firmas por meio de associações e consórcios.
Mesmo a presença de tais características não garante a competitividade do cluster a médio e longo prazo, pois, “o sucesso de um cluster não é um estado, mas sim, um processo de obter vantagens competitivas e enfrentar crises [...]”, [grifo nosso]. (IGLIORI, 2000, p. 94).
Para Nadvi e Schmitz (Clustering and Industrialization: Introduction, 1999), conforme Igliori, os clusters assumem maior importância nos estágios iniciais de industrialização, quando torna-se necessário mobilizar eficientemente recursos produtivos que não estejam em utilização, facilitando, deste modo, uma trajetória “evolucionária” de crescimento de pequenas e médias empresas. Em tal contexto, “o crescimento das firmas seria estimulado por três fontes distintas: redução nos custos, especialização e condições mais favoráveis de acesso ao conhecimento (knowledge facilities) [...]” [grifo nosso], (IGLIORI, 2000, p. 95).
Segundo Igliori, Schmitz afirma ser um equívoco considerar os clusters como conjuntos de pequenas empresas ganhando das grandes no mercado internacional, em função de, na atualidade, as grandes corporações terem se tornado expressivamente flexíveis em termos de estruturação, organização e gestão, sendo dotadas de uma elevada capacidade de adaptação às mudanças de cenários competitivos, deste modo, é positivo o fato de existir em um cluster empresas de diferenciados tamanhos, notadamente quando essas empresas buscam sua inserção em mercados internacionais.
Nadvi e Schmitz concluem, de acordo com Igliori, que para um cluster conseguir promover o crescimento industrial, além do aparecimento da eficiência coletiva, em suas formas ativa e passiva, torna-se necessário “a existência de redes de comércio que conectem o cluster a mercados distantes de maior porte e a existência de confiança suficiente para sustentar as relações coooperativas entre as firmas [...]” (IGLIORI, 2000, p. 96).
Já Altemburg e Meyer-Stamer (How to Promote Clusters: Policy Experiences from Latin América, 1999), segundo Igliori, também estudando a realidade de países em desenvolvimento, distinguem três tipos de clusters industriais: clusters de sobrevivência ou de subsistência de pequenas e médias empresas, clusters avançados com produção em grande escala e clusters transnacionais.
Os clusters de sobrevivência ou de subsistência (survival clusters), produzem bens de consumo de baixo padrão de qualidade voltados para o mercado local, apresentando ainda as seguintes características:
pertencem ao setor informal da economia;
o capital social é modesto;
existe grande desconfiança entre as empresas;
a concorrência é nociva e predatória, com ênfase na prática de preços baixos;
apresentam insuficientes competências técnicas e comerciais;
há, portanto, um reduzido grau de especialização e cooperação;
a capacidade de inovação é mínima, todas as empresas produzem praticamente a mesma coisa, existindo o hábito de copiarem os sucessos lançados pelos concorrentes;
o baixo nível de qualificação geral dos empresários (analfabetismo funcional, know-how técnico deficiente);
registram-se, por conseqüência, baixos níveis de produtividade.
Os clusters avançados (fordistas) são formados por empresas heterogêneas, que se estruturam em um processo de substituição de importações.
A maioria desses clusters concentra-se em produtos padronizados, com tecnologias consolidadas e voltados para grandes mercados [...]. Alguns [deles] estão integrados em cadeais internacionais, mas normalmente envolvendo mercados bastante sensíveis a preços, o que os deixa mais vulneráveis nos mercados externos. (IGLIORI, 2000, p. 97).
Tomando como modelo os distritos industriais italianos, constituídos em grande parte por Médias e Pequenas Empresas (MPEs), Meyer-Stamer analisa que
os clusters de países em desenvolvimento apresentam um paradoxo: aqueles formados por micro-empresas são, na maioria, clusters de sobrevivência, com potencial de desenvolvimento limitado – pelo menos a curto e médio prazo, enquanto os clusters com alto potencial de desenvolvimento são dominados por grandes empresas. Estes últimos, criados para substituir importações na fase da industrialização, tendem a passar por uma lenta adaptação ao modelo da especialização flexível (perfil nítido de especialização de uma empresa, baixo grau de integração vertical, estreitas relações de fornecimento entre empresas locais). Nesses clusters, ainda predomina o modelo de produção fordista em grande escala [Cluster fordista]. (MEYER-STAMER, 2001, p. 10).
Os clusters transnacionais envolvem grandes corporações que produzem bens com o uso de tecnologias avançadas, direcionados para mercados internacionais, assemelhando-se ao modelo porteriano de cluster.
Os clusters transnacionais resultam de modificação de estratégias de empresas transnacionais e é um tipo de cluster cada vez mais presente nos países em desenvolvimento. Conforme Meyer-Stamer, em décadas passadas, por exigência do país “hospedeiro”, esses clusters desenvolveram uma rede de fornecedores, como forma de investimento nos países em industrialização.
Ao mesmo tempo, as empresas transnacionais iniciaram um processo de reorganização de sua estrutura de fornecedores também nos países industrializados, ocorrendo uma brusca redução do número de fornecedores diretos, particularmente, nas indústrias automobilística e eletrônica. Alguns dos fabricantes que continuaram a abastecer essas empresas, passaram à condição de “fornecedores de sistemas”, se responsabilizando pela produção de módulos integrais. Esses fornecedores passaram a ter o status de globally preferred suppliers, se fazendo presentes em grande parte do mundo.
A combinação desses dois fatores – local content e globally preferred suppliers – fez nascer, nos países em desenvolvimento, clusters formados por empresas transnacionais, que reúnem não apenas os fabricantes dos produtos finais, como também a maioria dos fornecedores. Nesse contexto, tornou-se pequena a possibilidade de uma empresa local virar um fornecedor de sistemas, por dois motivos: empresas com perfil para assumir esse papel não existem (e ter atuação exclusivamente local já não funciona mais); ou quando há fornecedores nacionais eficientes, surgidos na fase de substituição de importações, acabam sendo absorvidos pelos globally preferred suppliers, visto que a aquisição de uma empresa produtiva é sempre mais fácil do que a instalação de uma filial própria.
Existe aqui, entretanto, um ponto de inserção para as indústrias locais: medidas comuns de promoção das MPEs podem ser combinadas com atividades que visam estabelecer contatos diretos e iniciar processos de aprendizagem entre fornecedores transnacionais e empresas locais. [MEYER-STAMER, 2001, p. 12).
O autor acrescenta ainda, o fato das filiais de grandes empresas, em particular as estrangeiras, não se enquadrarem com facilidade nas estratégias delineadas pelos clusters dos quais participam.
O complexo da Ford instalado no município de Camaçari e os complexos turísticos integrados, os resorts, construídos e em implantação no litoral norte da Bahia, parecem obedecer aos parâmetros e às condições que conformam a presença dos clusters transnacionais nos países em desenvolvimento, explicitados por Meyer-Stamer, além de transportar para o âmbito local a lógica da especialização e da divisão do trabalho que vigora no cenário globalizado da economia mundial.
Nas políticas de promoção do desenvolvimento através da clusterização, Meyer-Stamer (2001), afirma que a integração nas cadeias internacionais de valor, notadamente com a atração de empresas externas, representa uma “faca de dois gumes”, dado que estruturas globais de governança podem inibir e restringir iniciativas locais e regionais. Dois tipos de fatores limitam a articulação de estratégias de localização local e regional: a posição de poder de empresas locais – de um lado, MPEs com fortes raízes locais, matrizes de grandes empresas, ou unidades de negócios estratégicos; e do outro, fábricas e montadoras sem poder de decisão; e a posição da indústria local no “ciclo de vida” da indústria global e dos respectivos negócios.
Altemburg e Meyer-Stamer apontam, de acordo com Igliori (2000), três deficiências básicas nos clusters da América Latina: grande heterogeneidade no nível de desenvolvimento das firmas e baixa competitividade das pequenas e médias empresas; falta de capacidade de inovação; e baixo grau de especialização e cooperação entre as firmas.
Para aumentar a capacidade competitiva das pequenas e médias empresas, [Altemburg e Meyer-Stamer] sugerem que os formuladores de política assumam o papel de agentes catalizadores na promoção de transferência tecnológica das empresas grandes para as menores, potencializando os processos de aprendizagem pela interação (learning-by-interacting). (IGLIORI, 2000, p. 98).
No campo das políticas públicas locais, direcionadas para o fomento de clusters de pequenas e médias empresas, Humphrey e Schmitz (The Triple C Approach to Local Industrial Policy, 1996), em conformidade com Igliori, formularam uma receita denominada de Triple C (customer-oriented, collective and cumulative). Para esses autores, tais políticas devem ser orientadas para os clientes e simultaneamente satisfazer aos interesses coletivos das empresas, com isso, ampliam-se as possibilidades de um determinado cluster obter melhorias cumulativas de competitividade.
Na conclusão do seu trabalho, Igliori (2000) comenta sobre a existência em países em desenvolvimento de diversos casos de aglomeração econômica que podem ser classificados como clusters, no entanto, esses clusters têm nos baixos salários a fonte mais importante para a redução de custos e o consequente aumento de competitividade. Ele observa ainda que, na maioria dos casos, os clusters de países em desenvolvimento apresentam maiores deficiências relativas à capacidade inovativa, à competitividade de pequenas e médias empresas e à cooperação entre as firmas. Tal constatação pode sugerir que existam maiores dificuldades para o aumento da competitividade em clusters presentes nessas regiões. No entanto, é verificada pequena participação das autoridades públicas no auxílio ao fortalecimento desses arranjos produtivos e pouca utilização de centros de pesquisa e associações já existentes. [...] No entanto, existem restrições para a eficácia de políticas públicas voltadas para a formação e o fortalecimento dos clusters ...] É necessário levar em conta que as iniciativas de cooperação precisam partir do interesse dos próprios agentes para que sejam sustentadas. Deve-se considerar ainda que o fortalecimento de relações de interdependência exige períodos de tempo que não são previsíveis a priori. Finalmente, é fundamental que essas políticas articulem-se com políticas de âmbito nacional para evitar o aparecimento de conflitos entre regiões ou grupos de interesse. (IGLIORI, 2000, p. 134-135).
Ressalta-se que os trabalhos examinados por Igliori possuem um forte viés para atividades industriais, não ficando claro quais seriam as restrições para a formação e consolidação de clusters de atividades primárias ou de serviços, situação que se pode considerar similar para clusters de turismo.
Um aspecto crucial apontado por Amorim (1998), como um dos sérios problemas que dificultam a competitividade das pequenas empresas, é o fato das mesmas, em geral, operarem plantas aquém do tamanho ótimo, o que as colocam em pontos altos das curvas de custo médio e as tornam ineficientes face os padrões da indústria da qual fazem parte. Segundo a autora, o conceito de cluster de pequenas empresas vem modificar esta situação.
Sabe-se hoje, [...] que o problema das pequenas empresas reside não [apenas] na sua reduzida escala de produção, mas no seu isolamento. Através da ação coletiva, formação de clusters, as pequenas empresas podem alcançar as vantagens e benefícios que as grandes empresas auferem em razão de sua volumosa escala de produção, ou seja, “economias de escala”. (AMORIM, 1998, p. 24).
Chamando a atenção para o fato de alguns autores designarem os clusters de pequenas empresas como “distritos industriais”, ou networks de firmas de pequeno e médio porte, Amorim explicita o conceito de cluster por ela adotado:
[...] um conjunto numeroso de empresas, em geral pequenas e médias, operando em regime de intensa cooperação, onde cada uma das firmas executa um estágio do processo de produção. Essas empresas participam de um mesmo negócio [...] embora cada uma das firmas seja uma entidade autônoma. [...] As firmas integrantes de um cluster se concentram em uma certa área geográfica definida. Em um cluster típico, vários estágios de produção e serviços produtivos relacionados são desenvolvidos por um número expressivo de pequenas e médias empresas, [grifo nosso]. (AMORIM, 1998, p. 24).
Pelo conceito acima, pode se perceber que o entendimento de cluster manifestado na abordagem de Amorim, tem por foco a presença predominante da pequena empresa, com este conceito sendo equivalente ao de distrito industrial ou ao de uma rede de pequenas e médias empresas, remetendo à noção de arranjo produtivo local, onde a pequena e a média empresa desempenham um papel central no processo de desenvolvimento local.
As pequena empresas organizadas em clusters, em muito se distanciam de propostas ultrapassadas que idealizavam esse segmento apenas como instrumento de promoção de assistência social, tais como geração de emprego e renda para comunidades carentes. Muito ao contrário, os clusters de pequenas empresas constituem formas eficientes e viáveis de encaminhamento de objetivos econômicos com vistas ao desenvolvimento de regiões. Conforme se sabe hoje, as pequenas empresas podem constituir, em circunstâncias adequadas, não uma proxy de status inferior para a grande empresa, mas um instrumento eficaz na luta contra o subdesenvolvimento. [...] O caráter do desenvolvimento estimulado pelos clusters de pequenas empresas tende a ser mais integrador, contrastando assim com a tendência excludente do desenvolvimento desencadeado por grandes empresas. Na verdade, os clusters de pequenas empresas têm-se destacado por sua capacidade de criar coesão social. (AMORIM, 1998, p.41).
No que se refere à escolha dos setores de atividades para a promoção de clusters, Amorim indica que os caso de intervenção pública foram mais exitosos quando apoiaram iniciativas já existentes e tradicionais nas comunidades envolvidas. Ou seja, “certas atividades produtivas ou ingredientes necessários à concretização dessas já se encontravam em franco desenvolvimento nas localidades [...]” (AMORIM, 1998, p. 47). As intervenções públicas se direcionaram então para o fornecimento de um ou outro “ingrediente” que proporcionasse uma maior eficiência no funcionamento do cluster, numa ação tipicamente “minimalista” visando prover a “gota d’água” necessária para alavancar o desenvolvimento dos negócios.
De acordo com Amorim, a sustentabilidade e solidez de um cluster depende dos níveis de entrosamento, coesão e de cooperação que se desenvolvem entre seus componentes, ou seja, da “ação coletiva”, da convergência dos interesses, bem como “[...] das relações de confiança que se estabelecem entre os diversos integrantes de um cluster, sejam esses firmas, agentes produtivos isolados ou instituições [...]” (AMORIM, 1998, p. 49).
A ocorrência de fricções constitui fato natural e decorre da própria essência dos clusters, pois esses nascem e se desenvolvem em meio a tensões inerentes a relações simultâneas de competição e cooperação. Daí a necessidade desse “espaço social” ser permeado de instituições que possam funcionar como colchões de amortecimento de tensões. Em termos ideais, o entrelaçamento das firmas (networks) que compõem um cluster deve ser “costurado” e “calcificado” pelas instituições que o cercam e o permeiam. Assim, da força e da influência dessas instituições sobre as firmas que o compõe, resultam a solidez e a auto-sustentação de um cluster. (AMORIM, 1998, p. 51).
Com base na consulta a pesquisas internacionais, Almeida (2002), comenta sobre o relativismo da importância dada à condição da criação de clusters com ênfase nas MPEs, como fato gerador de um grande número de empregos por parte da pequena empresa, por três razões: na realidade as pequenas empresas criam menos empregos do que o que se divulga; grande parte das novas ocupações nas pequenas empresas são provenientes do deslocamento do emprego da indústria para os serviços; e as ocupações nas pequenas empresas tendem a ser mais instáveis e mal remuneradas.
Face às razões acima, o emprego no mercado do turismo, onde predomina uma oferta caracterizada por um expressivo número de pequenas empresas - em seus diversos segmentos: meios de hospedagem, agenciamento, restaurantes, locadoras, guias, transportadoras, comérico de artesanato, etc., é marcado ainda por certos agravantes: um grande número das ocupações são exercidas numa condição de informalidade; e embora seja considerada como uma atividade trabalho intensiva, o turismo defronta-se com os problemas decorrentes da sazonalidade, que acarreta forte oscilação na quantidade de pessoas efetivamente ocupadas, em caráter fixo e regular. Nesse contexto, o propalado potencial de geração de empregos desta atividade econômica deve ser mais qualificado na literatura sobre o tema.
Um outro mito que Almeida (2002) questiona, refere-se às relações “harmoniosas”, de cooperação, entre grandes e pequenas empresas no seio das cadeias de subcontratação (redes top down) ou de terceirização (redes verticais), bem como nos clusters regionais, distritos industriais, consórcios de exportação (redes flexíveis ou horizontais) e nos tecnopolos.
O clustering, isto é, o desenvolvimento de alianças estratégicas entre grandes e pequenas firmas, é desejável e deve ser estimulado, mas sem ilusões. Tais alianças exigem quase sempre liderança (empresas líderes) e relações de subordinação [hierarquia]. Decorre da própria natureza destas alianças a coexistência, num mesmo ambiente, de cooperação, competição e conflito. [...] mesmo no interior de conjuntos de empresas de pequeno ou médio porte continuam existindo firmas com vantagens tecnológicas, financeiras ou relacionais, que podem controlar os pontos estratégicos das cadeias de valor, [grifo nosso]. (ALMEIDA, 2002, p. 252).
Para Almeida (2002), a maioria dos atores que atuam no campo do desenvolvimento econômico ainda comungam uma visão de desenvolvimento, para ele ultrapassada, que gira em torno de dois conceitos: o “pólo” e a “cadeia de valor”. Sob esta ótica, a expansão das pequenas empresas e suas redes seria uma conseqência do crescimento das grandes corporações associadas a estes “pólos” e aos seus “sistemas” e “cadeias de valor”.
A versão tradicional do desenvolvimento regional baseado em “pólos” era uma vulgarização da teoria do pólo de crescimento de François Perroux (1955), para quem o desenvolvimento não ocorreria de forma uniforme numa economia, mas tenderia a se concentrar num número limitado de núcleos ou focos industriais. O desenvolvimento econômico foi definido por Perroux como a mudança estrutural provocada no espaço econômico pela expansão destes núcleos de indústrias dinâmicas. Os pólos de crescimento industrial iniciariam o processo que seria, em seguida, difundido ao resto da economia por efeitos multiplicadores e de aglomeração sobre o investimento, a renda e o emprego, incluindo a multiplicação de pequenas empresas. A teoria de Perroux se completava assim com a idéia de encadeamentos para frente e para trás de Hirschman (1958). As indústrias “motrizes” eram ainda associadas, como lembra Pecquer (1989), à indústria pesada (siderurgia, metal-mecânica, química) [...]. (ALMEIDA, 2002, p. 255).
Segundo Almeida, a versão corrente do modelo de pólos representa a vulgarização da versão vulgar em moda nos anos 1970 e 1980.
Mas hoje fala-se de “pólos” mesmo quando se trata de indústrias leves de bens finais, de natureza footloose e, até por isso, dispersas num vasto território que, dado o seu limitado poder de “impulsão”, não pretendem e nem podem mudar. Fala-se também, como Sicsúl e Lima (1997), de “pólos econômicos de base local”, fundados em agroindústrias e indústrias extrativas de baixíssimo dinamismo. E quando os grandes e tradicionais ‘pólos” e os novos pequenos pseudo “pólos” fracassam como motores do desenvolvimento regional, exatamente porque não provocam os efeitos de encadeamento esperados, propõe-se o “adensamento das suas cadeias de valor”, [grifo do autor]. (ALMEIDA, 2002, p. 255).
Por cadeia de valor, Almeida entende a sequência de atividades (elos) de produção, distribuição ou promoção, interdependente e realizada intrafirma e/ou entre firmas, que agregam valor a um bem ou serviço do início de sua elaboração ao seu destino final – outras empresas ou consumidores [...]. (ALMEIDA, 2002, p. 255-256).
A crítica realizada por Almeida quanto à vulgarização da aplicação do conceito de pólo de crescimento de Perroux, pode ser transferida para a análise dos pólos turísticos, que constituem o eixo orientador dos planos e projetos de desenvolvimento turístico que vêm sendo elaborados desde meados da década de 1990 pelos estados da Região Nordeste do Brasil.
Andrade (1987, p. 62) menciona que “[...] à primeira vista pode parecer inadmissível que se fale em pólos turísticos, de vez que é estranho possa o turismo funcionar como atividade motriz [...]”, corroborando com a essência da crítica de Almeida (2002).
Sabemos no entanto, continua Andrade, que algumas regiões podem ter no turismo um importante vetor de crescimento econômico, pois, mesmo não se constituindo uma atividade motriz, é uma atividade estimuladora de dinamismo econômico, possuindo um relevante caráter de transversalidade e complementaridade com diversas atividades econômicas dos setores primário, secundário e terciário, o que lhe proporciona a condição de fomentar o adensamento das cadeais produtivas que integram a estrutura produtiva das economias de tais regiões. Apesar da justificativa, acredita-se que a crítica de Almeida reforça-se em sua pertinência ao se considerar a noção de “pólos” turísticos, não concernente com a concepção original de Perroux.
Uma outra questão levantada por Almeida (2002) trata de saber se o conceito de “cadeia” pode ser adaptado a uma realidade empresarial em que o valor se desloca para os serviços, fato que caracteriza a atividade do turismo, onde a produção se realiza com enlaces mais complexos e as organizações praticam o global sourcing e a co-produção.
Abandonando parcialmente as tradicionais análises baseadas nos conceitos de “pólo” e da “cadeia de valor”, uma minoria emergente de acadêmicos e técnicos de governo tem se interessado crescentemente pelas fórmulas dos novos sistemas ou distritos industriais flexíveis e, particularmente, pela idéia de cluster, num contexto de defesa de uma nova via de desenvolvimento “endógeno”, “de baixo para cima” e fundado em médias e pequenas empresas locais. O problema [...], é que os clusters, na maior parte dos casos, não se inventam, [grifo nosso]. (ALMEIDA, 2002, p. 256).
Existe, para Almeida, uma certa dificuldade para encontrar ou criar clusters, devido às seguintes razões: a maior parte dos clusters industriais tem origens históricas pouco reproduzíveis; para ser bem-sucedido, o clustering (agrupamento) supõe ações continuadas por uma década ou mais; o clustering de médias e pequenas empresas exige forte intervenção governamental; e o surgimento de determinados clusters depende de elevado volume de investimentos de grandes empresas ou agências estatais.
Quanto à dificuldade de se caracterizar um cluster, Neto (2000), destaca que os [...] clusters são formados apenas quando ambos os aspectos setorial e geográfico estão concentrados. De outra forma, o que se tem são apenas organização de produção em setores e geografia dispersa, não formando, portanto, um cluster. [...] O que se observa na prática, [...] é que há uma grande dificuldade de caracterização de um cluster, já que os sistemas produtivos nem sempre podem ser claramente separados nas categorias “disperso” ou “aglomerado” (clustered). Os limites entre essas categorias nem sempre são nítidos, e, em alguns casos, pode haver um mix das duas formas de organização. [Além disso, o] fato de que os clusters combinam concentração setorial e geográfica pode levar determinada cidade ou região a um estado de certa vulnerabilidade, em face das mudanças de paradigmas nos produtos e nas tecnologias empregadas. Esse é o principal argumento contra a concentração de clusters. Contudo, o que se observa é que os clusters têm maior capacidade de sobreviver aos choques e à instabilidade do meio ambiente do que as empresas isoladas, em virtude da ação em conjunto e de sua alta capacidade de auto-reestruturação, capacidades intrínsecas à própria forma organizacional em rede. (NETO, 2000, p. 53-55).
Nesta linha de análise, Almeida, considera que se o conceito genérico de cluster já tem uma aplicabilidade limitada, o conceito de cluster de base geográfica enfrenta uma restrição a mais, [...] na medida em que se torna cada vez mais difícil sustentar-se numa base territorial local, em um mundo de suprimento globalizado, em que o “lugar de mercado” (market place) dá lugar ao “espaço de mercado” (market space), vale dizer, em que o mercado, como queria Adam Smith, verdadeiramente se “desterritorializa”. [...] Do mesmo tipo de problema padece a mais recente teorização a respeito das “redes” de médias e pequenas empresas. [...] Os network approaches têm se revelado uma metodologia útil para a compreensão das conexões e estruturas de setores econômicos ou indústrias de bases regionais. Mas essas abordagens vêm, na prática, se confundindo com o estudo de clusters regionais ou locais [...] e, além disso, têm demonstrado pouca capacidade de analisar a dinâmica dos novos ramos industriais. Por que manter uma ferramenta poderosa como o networking prisioneira do contexto regional, quando o seu espaço potencial, a sua verdadeira vocação, é a análise da economia planetária, incluídos aí os market spaces virtuais? [grifo do autor]. (ALMEIDA, 2003, p. 257).
Além disso, na visão de Almeida, se o clustering de setores realmente existentes é difícil, mais complicado ainda é o agrupamento de empresas de setores de “alta tecnologia”. Tratar um tecnopolo como uma variante de cluster esbarra em uma série de dificuldades. Os tecnopolos, considerados como “sistemas regionais de inovação de base neo-schumpeteriana”, raramente são encontrados em países subdesenvolvidos, pois requerem centros urbanos que concentrem uma massa crítica necessária, não muito comuns ou frequentes nesses países, como seja, empresas inovadoras, grandes centros de pesquisa, além de forte integração universidade-empresa. Concordando com Howells, Almeida destaca ainda que, a idéia de tecnopolo (“parques tecnológicos”, “regiões criativas”, “sistemas regionais de inovação” e outras variantes) tem se firmado como uma nova versão reciclada ou “recondicionada” do antigo conceito de “pólo de crescimento” de Perroux, com todos os problemas da versão original. A única diferença é que as grandes indústrias verticalizadas são substituídas (no campo da imaginação) por agrupamentos de indústrias de alta tecnologia que geram (na teoria) os novos efeitos multiplicadores e de aglomeração, agora sob a forma de “densas redes de cooperação inter-firmas”, [grifo do autor]. (ALMEIDA, 2002, p. 257).
Diante dessas considerações, vale destacar que nos útimos anos, têm se acentuado os estudos sobre os agrupamentos econômicos e sobre a questão do “local” como fonte de vantagens competitivas. Segundo Cassiolato e Lastres (2002) a ênfase convergente no “local” tem se manifestado, na literatura especializada, em quatro linhas de pesquisa:
1ª - “economia neoclássica tradicional” – desde meados dos anos 1980, os economistas neoclássicos têm modelado retornos crescentes, o que levou à denominada nova teoria do crescimento (Paul Krugman, 1995);
2ª - “economia e gestão de empresas” – as vantagens competitivas na economia global derivam de uma constelação de fatores locais que sustentam o dinamismo das empresas líderes (Michael Porter, 1998);
3ª - “economia e ciência regional” – interesse da geografia econômica e da economia regional em razão dos recentes trabalhos sobre os distritos industriais italianos, que colocam uma nova ênfase na região como um nexo de interdependências que não são “comercializáveis” (Becattini, 1990; Brusco, 1990; Markusen, 1996; Pike e Sengenberger, 1992);
4ª - “economia neo-schumpeteriana sobre sistemas de inovação” – lança e desenvolve o conceito de sistemas nacionais de inovação, se fazendo presente uma preocupação com o desenvolvimento tecnológico, levando a enfatizar-se o caráter localizado do processo inovativo associado a processos de aprendizado específicos e da importância do conhecimento tácito em tais processos, ressaltando-se a importância das instituições, de suas políticas, de todo o ambiente sócio-cultural onde se inserem os agentes econômicos, além da ênfase às economias e ao aprendizado por interação em sistemas que envolvem as empresas, as instituições de ensino e pesquisa e as próprias regiões (Freeman, 1995; Cooke e Morgan, 1998).
Percebe-se aqui, a relação de convergência dessas linhas de pesquisa sobre a questão do “local” como fonte de vantagem competitiva indicadas por Cassiolato e Lastres, com a classificação das contribuições teóricas sobre a importância das concentrações geográficas e setoriais de empresas apresentada por Igliori (2000), sintetizada na página 196. Para efeito de comparação entre as diversas abordagens veja-se o (Quadro 2.4).
Quadro 2.4 Principais Ênfases das Abordagens Usuais de Agrupamentos Locais
Fonte: Lemos, 1997, apud Cassiolato e Szapiro, 2003, p. 39.
De acordo com Cassiolato e Szapiro, as fontes locais de competitividade são importantes, tanto para o crescimento das empresas quanto para o aumento da sua capacidade de inovação, com a noção de aglomerações tornando-se diretamente associada ao conceito de competitividade. Assim, distritos industriais, clusters, arranjos produtivos, crescem de importância tanto como unidade de análise como objeto de políticas industriais.
O próprio conceito de aglomeração, segundo os autores, a partir do início da década de 1990, tornou-se mais articulado, particularmente com a sua vinculação à idéia de “redes”, no contexto de cadeias de fornecimento e ao redor de empresas “âncoras”. Neste contexto, a cooperação entre os agentes ao longo da cadeia produtiva passou a ser um elemento central na competitividade, embora, abordagens teóricas sobre clusters, a exemplo da desenvolvida por Michael Porter, tenham enfatizado a questão concorrencial, da rivalidade entre as empresas como fator de estímulo à competitividade.
A importância das aglomerações de empresas para a competitividade tem sido foco de estudos nos países em desenvolvimento, nos quais se utiliza uma definição de cluster bastante simples e operacional: “uma concentração setorial e espacial de firmas com ênfase em uma visão de empresas como entidades conectadas nos fatores locais para a competição nos mercados globais” (SCHMITZ e NADVI, 1999, apud CASSIOLATO e SZAPIRO, 2003, p. 36).
Storper, comentado por Cassiolato e Szapiro, introduz na discussão sobre a caracterização de sistemas produtivos a questão da territorialização de atividades econômicas. Nesta perspectiva, na visão de Storper,
[...] a territorialização está ligada a interdependências específicas da vida econômica e não pode ser definida meramente como localização da atividade econômica. É muito mais, no sentido de que está ligada à dependência da atividade econômica em relação a recursos territorialmente específicos. As relações de proximidade geográfica constituem-se, assim, em ativos específicos valiosos na medida em que são necessárias para a geração de spillovers e externalidades positivas num sistema econômico. Uma atividade é totalmente territorializada quando sua viabilidade econômica está enraizada em ativos (incluindo práticas e relações) que não estão disponíveis em outros lugares e que não podem ser facilmente ou rapidamente criadas ou imitadas em lugares que não as têm, [grifo nosso]. (CASSIOLATO e SZAPIRO, 2003, p. 40).
OO conteúdo da citação acima vai de encontro ao argumento de Almeida (2002), favorável à “verdadeira desterritorialização do mercado” face à realidade e alcance virtuais das networks e dos market spaces, que limitam e dificultam a aplicabilidade do conceito de cluster de base local ou regional.
Por outro lado, de acordo com Cassiolato e Szapiro (2003), a única maneira de as aglomerações localizadas em países menos desenvolvidos de transformarem em arranjos e sistemas produtivos locais (clusters) é via exportação e integração em cadeias globais.
Esta única via parece, a princípio, reforçar a condição de dependência dos países menos desenvolvidos, pois confirma as condições vigentes no sistema de relações de trocas internacionais, ainda marcado pela lógica da especialização do trabalho e suas correspondentes vantagens comparativas, o que tende a manter a transferência, acumulação e concentração dos ganhos de produtividade alcançados pelos países mais atrasados, nos países mais desenvolvidos.
Para romper esta lógica secular, revertendo-a em benefício dos países menos desenvolvidos, o grau de territorialização das atividades produtivas e inovativas nesses países, incluindo a propriedade do capital, é fator essencial a ser considerado e trabalhado. Conforme Cassiolato e Szapiro (2003, p. 44), a pergunta-chave é “[...] até que ponto estão enraizadas localmente as capacitações necessárias ao estabelecimento de atividades inovativas”.
Considerando o aspecto da governança nos arranjos produtivos, (Quadro 2.5, p. 218), os autores acrescentam que:
[...] a partir da abertura comercial, os casos [de arranjos produtivos ou clusters] em que a coordenação é feita por filiais de multinacionais são aqueles onde o grau de territorialização diminuiu e os processos de capacitação e aprendizado foram reduzidos [além da possibilidade de terem ocorrido vazamentos da economia local]. Inversamente, naqueles casos em que a coordenação local é dada majoritariamente por empresas de controle local, observou-se [nos estudos empíricos efetuados pela RedeSist] um aumento no grau de territorialização. [...] Pode-se [ainda] concluir desta análise que os arranjos governados por grandes firmas cuja produção é destinada ao mercado nacional têm maior propensão a maiores graus de territorialidade, [grifo nosso]. (CASSIOLATO e SZAPIRO, 2003, p. 45).
Cassiolato e Szapiro chamam a atenção e destacam que [...] a ocorrência da produção voltada para a exportação (ou seja, direcionada para o mercado internacional) juntamente com a integração em cadeias globais de commodities apresenta limites significativos ao grau de territorilialidade das atividades dos arranjos. As análises [...] contradizem [aqueles, inclusive Michael Porter] que argumentam que a participação nestas redes globais de produção levam a um aumento das capacitações locais e auxiliam as [médias e pequenas empresas] dos países em desenvolvimento a aumentar sua capacidade tecnológica. Nestes casos o aumento de capacitações limita-se à esfera da produção propriamente dita. (CASSIOLATO e SZAPIRO, 2003, p. 46).
Para se transformar aglomerações geográficas em arranjos e sistemas produtivos locais, Cassiolato e Szapiro descrevem dois tipos de estratégia, a primeira consistiria do aprofundamento e gradual upgrading da produção, a segunda seria a diversificação para diferentes produtos.
[Na primeira estratégia], as empresas visarão a um aumento na qualidade do produto (isto é, aumento do valor adicionado por unidade produzida). Em caso de sucesso, ocorrerá um aumento na especialização e as estratégias empresariais perseguidas se concentrarão principalmente em nichos de mercado onde existirão importantes limites tanto à agregação de valor quanto à própria competitividade a longo prazo. [A segunda estratégia] envolve a reorganização da produção e o estabelecimento de novas relações com firmas, instituições locais, etc. Ocorre uma transformação de um aglomerado industrial monoproduto para um aglomerado industrial organizado ao longo de uma filiére. Isto é, a evolução do aglomerado se dá através de mudanças verticais em direção a capacitações complementares, para frente e para trás. As ligações inter-firmas (verticais e horizontais) se tornam mais intensas e surgirá o desenvolvimento de um “sistema” de firmas e instituições mais completo.
As empresas, individual e coletivamente, avançam em direção à produção de bens mais complexos tecnologicamente em função do estabelecimento da rede de relações técnicas e econômicas. A implicação mais importante deste processo refere-se à necessidade de uma coordenação multi-organizacional da formação de capacitações que evidentemente adquirem importância crítica. É neste caso que o grau de territorialidade aumenta significativamente. Tecnologia e trabalho qualificado tornam-se intrínsecos ao sistema local. (CASSIOLATO e SZAPIRO, 2003, p. 48-49).
O termo cluster, genericamente, de acordo com Albagli e Britto (2003), refere-se a agrupamentos territoriais de agentes econômicos que desenvolvem atividades similares. Os autores não exploram de modo mais aprofundado o conceito de cluster, pois, para eles, este constitui uma abordagem análoga ao conceito de “arranjo produtivo local”, a exemplo dos conceitos de cadeia produtiva, distrito industrial, meio ou ambiente inovador, pólos e parques científicos e tecnológicos, e rede de empresas.
O conceito e a abordagem metodológica de arranjos e sistemas produtivos e inovativos locais (ASPL), resultaram, no Brasil, dos estudos da Rede de Sistemas Produtivos e Inovativos Locais – RedeSist, que é uma rede de pesquisa interdisciplinar formalizada desde 1997 e sediada no Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.
Conforme Albagli e Britto (2003, p.3), que também integram a RedeSist, arranjos produtivos locais “[...] são aglomerações territoriais de agentes econômicos, políticos e sociais, com foco em um conjunto específico de atividades econômicas e que apresentam vínculos e interdependências”.
Por sua vez, sistemas produtivos e inovativos locais são [...] aqueles arranjos produtivos cuja interdependência, articulação e vínculos consistentes resultam em interação, cooperação e aprendizagem, possibilitando inovações de produtos, processos e formatos organizacionais e gerando maior competitividade empresarial e capacitação social. (ALBAGLI e BRITTO, 2003, p.3).
Na abordagem dos ASPL, segundo Albagli e Britto, a dimensão territorial [...] constitui recorte específico de análise e de ação política, definindo o espaço onde processos produtivos, inovativos e cooperativos têm lugar, tais como: município ou área de um município; conjunto de municípios; micro-região; conjunto de micro-regiões, entre outros. A proximidade ou concentração geográfica, levando ao compartilhamento de visões e valores econômicos, sociais e culturais, constitui fonte de dinamismo local, bem como de diversidade e de vantagens competitivas em relação a outras regiões, [grifo nosso]. (ALBAGLI e BRITTO, 2003, p. 3).
As especificidades que se pode perceber no conceito e abordagem metodológica dos ASPL, consistem no maior rigor quanto ao âmbito territorial, a proximidade geográfica, na ênfase nas micro, pequenas e médias empresas, na concretude da proposição de intervenção no espaço local e na efetiva concepção e utilização da abordagem como um modelo de desenvolvimento regional de base endógena. Esses elementos inseridos em conjunto no seu corpo teórico, tornam esta abordagem distintiva das demais, embora, tomando-se isoladamente cada um desses elementos e no que diz respeito ao conteúdo mais genérico e abstrato do seu embasamento conceitual e metodológico, há de fato vários pontos de semelhança com as outras abordagens, que a própria RedeSist indica como análogas.
As divergências espaciais entre os distintos modelos de desenvolvimento regional tudo indica que advêm, segundo Veiga (1999), do fenômeno de clustering. De acordo com uma das definições mais aceitas, [...] cluster é uma concentração geograficamente delimitada de negócios independentes que se comunicam, dialogam e transacionam para partilhar coletivamente tanto oportunidades quanto ameaças, gerando novos conhecimentos, concorrência inovadora, chances de cooperação, adequada infra-estrutura, além de freqüentemente também atraírem os correspondentes serviços especializados e outros negócios correlatos. E os estudos sobre a relação existente entre a formação desses feixes e o “empreendedorismo” acabam sempre por enfatizar os fatores culturais que às vezes são compactados na sedutora noção de “capital social”: um complexo de instituições, costumes e relações de confiança que geram a “atmosfera” necessária a seu estímulo. (VEIGA, 1999, p.1306).
Também referenciando-se aos distritos marshallianos da terceira Itália, Veiga considera enriquecedora a redescoberta da noção de Marshall de distritos industriais, mas acredita que ela não pode dar conta da atual compexidade e diversidade dos sistemas locais, e que, ao mesmo tempo, tem que se ter cuidado quanto ao risco de serem criados tantos novos conceitos quantas forem as situações diferenciadas. Daí a vantagem da noção de “sistemas produtivos locais” (local productive systems), mais ampla que a noção limitada de distritos.
Nos Estados Unidos, comenta Veiga (1999), 60% das atividades econômicas puderam ser atribuídas a um total de 380 clusters em diversas fases de amadurecimento, classificados em apenas quatro tipos de origens:
recursos naturais estratégicos (ex. Chicago – agroalimentar);
fontes de novas tecnologias (ex. Vale do Silício – microeletrônica);
mercados de trabalho especializado (ex. Dalton, Geórgia – tapetes; Tupelo, Mississipi – móveis);
oportunidades mercadológicas (ex. Buffalo, New York – meio ambiente; New York City – jóias).
Fica o entendimento de que Veiga considera os diversos clusters como exemplos, eles próprios diferenciados, de sistemas produtivos locais (SPL). Ele constata que as políticas públicas, com bastante atraso, começaram a tratar com seriedade proposições sobre desenvolvimento endógeno, desenvolvimento de baixo para cima e ecodesenvolvimento, passando a admitir que as iniciativas locais podem desempenhar um crucial papel no desenvolvimento, tornando-se um relevante fator de competitividade ao transformarem os territórios em ambientes inovadores.
Evidentemente não demoraram tanto a aparecer as limitações inerentes às resultantes políticas do “desenvolvimento local”, o que acabou por estimular debates dos mais bizantinos sobre as relações entre o “local” e o “global” no processo de desenvolvimento, nos quais costumam até a se levar a sério ridículas disputas entre o “glocalismo” e o “lobalismo”... (VEIGA, 1999, p. 1309).
Enfocando os novos modelos e processos de desenvolvimento em espaços localizados, Hansen (2001) comenta sobre a importância atribuída por vários autores aos clusters regionais, que corresponderiam a grupos de empresas na mesma indústria, ou indústrias relacionadas geograficamente próximas, podendo incluir os distritos industriais. O autor ressalta que os clusters são mais evidentes nas economias dos países desenvolvidos (ex. Hollywood e Wall Street nos Estados Unidos).
Em muitos casos, menciona Hansen (2001), a origem de um cluster está vinculada a alguma especificidade local, demanda local ou indústria relacionada. Para Michael Enright (Regional clusters and firm strategy, 1998), citado por Hansen, nem todos os clusters regionais se desenvolveram a partir de uma vantagem local inicial.
[...] a criação de um conhecimento industrial específico através de redes de troca de idéias e inovações, o desenvolvimento de redes de insumo-produto-consumo e pressões competitivas locais que forçaram empresas a inovarem ou melhorarem, são fatores que explicam, também, o crescimentos de clusters [note-se que não se faz menção à iniciativa governamental como fator de criação de um cluster]. São as pressões, incentivos e capacidades de inovar que permitem aos clusters regionais competirem contra concorrentes dispersados. Efeitos de spinoff, que ocorrem quando trabalhadores de uma empresa saem e desenvolvem outras empresas na localidade [...], explicam, por sua vez, a multiplicação de empresas similares. (ENRIGHT, 1998, apud HANSEN, 2001, p. 91-92).
Haddad (2002), por seu turno, introduz na análise uma apreciação distintiva, afirmando que não há desenvolvimento local onde não há inconformismo social e político com relação ao mau desempenho dos indicadores econômicos, sociais e de sustentabilidade ambiental (Figura 2.9).
A estruturação do inconformismo, em geral, envolve reflexões quanto ao baixo desempenho dos indicadores econômicos (taxa de crescimento do produto territorial, índice de valor agregado, diversificação da base produtiva, adensamento da cadeia de valor econômico, etc.), dos indicadores sociais (taxa de analfabetismo, esperança de vida ao nascer, taxa combinada de matrícula nos três níveis de ensino, concentração da renda e da riqueza, etc.) e dos indicadores de sustentabilidade ambiental (qualidade das micro-bacias hidrográficas, tratamento do lixo urbano, uso de defensivos agrícolas, etc.), como quanto ao reduzido nível de aproveitamento das oportunidades de investimentos disponíveis. (HADDAD, 2002, p. 41-42).
Figura 2.9 Características da Situação de Inconformismo Local
Fonte: Haddad, 2002, p. 41.
De acordo com a abordagem porteriana, adotada por Haddad (2002, p. 42), as economias dos países ou regiões incapazes de gerar uma competitividade sustentável e de melhorar a qualidade de vida dos seus habitantes, caracterizam-se por:
apresentarem um ciclo vicioso de destruição da riqueza;
sofrerem um processo de deterioração nas suas relações de troca;
se destacarem pelos baixos valores de seus indicadores sociais;
verem se ampliar a quantidade de seus concorrentes em escala global, devido às facilidades de entrada nos mercados de bens e serviços onde atuam;
não apresentarem ou possuirem condições de sustentar no longo prazo o seu processo de crescimento.
A competitividade, de acordo com MUSA (2001), também seguindo o modelo de Porter, não significa simplesmente possuir fatores básicos do tipo: subsídio governamental, mão-de-obra barata, taxa de câmbio favorável, balança comercial positiva, ou baixa taxa de inflação. A competitividade traduz-se na produtividade com a qual os recursos são desenvolvidos, refletindo a existência de fatores avançados como: recursos humanos qualificados, capital social e ativos físicos (Figura 2.10).
Figura 2.10 A Economia Global: O Novo Foco da Vantagem Competitiva
Fonte: Musa, Monitor Group, 2001, p. 196.
Para o autor, a competitividade consiste na busca de criação de riquezas, existindo duas formas de alcançá-la, que historicamente vêm sendo utilizadas pelos países (Figura 2.11).
A primeira forma pode ser descrita como um “ciclo virtuoso”, marcado pela estratégia que objetiva a exportação de produtos complexos, sofisticados e com alto conteúdo tecnológico.
Esses produtos de alto valor agregado normalmente geram grande riqueza para a nação, levando os países a investir de forma significativa no desenvolvimento de capital humano e social. Com esse novo capital social, as organizações e instituições podem desenvolver novas habilidades e, com isso, gerar inovações que vão realimentar a criação e o desenvolvimento de novos produtos cada vez mais sofisticados. Entra-se assim num ciclo virtuoso de desenvolvimento contínuo de riqueza para o país, [grifo nosso]. (MUSA, 2001, p. 198).
Figura 2.11 Processo de Criação da Riqueza: Base Teórica do Crescimento
por meio da Equidade
Fonte: Musa, Monitor Group, 2001, p. 198.
A segunda forma corresponde a um “ciclo vicioso”, que caracteriza-se pela ênfase à exportação e à venda de produtos “comoditizados”, ou seja,
produtos cuja grande batalha passa a ser pelo preço, o que em geral exige que empresas concorrentes forcem uma redução da remuneração média dos seus empregados. Neste caso, uma das formas de melhorar a competitividade é empobrecer os empregados via redução dos salários pagos. Com isso, entra-se num ciclo de qualidade de vida decrescente para a maioria da população e, portanto, de incapacidade de gerar novas habilidades e inovação, [grifo nosso]. (MUSA, 2001, p. 198).
Torna-se necessário, para romper com o ciclo vicioso de destruição da riqueza - uma nova denominação porteriana para o modelo teórico, já apresentado nesta tese, do círculo vicioso da pobreza, formulado por Ragnar Nurkse (1952), diagnosticar a economia de um país ou região com essas características para identificar os seus fatores determinantes que se deverá superar para possibilitar a dinamização dos potenciais clusters produtivos, até então inibidos.
Para tanto, concordando com Haddad (2002), deve-se mapear os pontos de estrangulamento e as oportunidades perdidas, de forma a levar os principais atores do cluster a assumirem um comportamento pró-ativo e atitude de cooperação e integração aos interesses locais.
Os clusters consistem de indústrias e instituições que têm ligações particularmente fortes entre si, tanto horizontal quanto verticalmente, e, usualmente, incluem: empresas de produção especializadas; empresas fornecedoras; empresas prestadoras de serviços; instituições de pesquisas; instituições públicas e privadas de suporte fundamental. A análise de clusters focaliza os insumos críticos, num sentido geral, que as empresas geradoras de renda e de riqueza necessitam para serem dinamicamente competitivas. A essência do desenvolvimento de clusters é a criação de capacidades produtivas especializadas dentro de regiões para a promoção de seu desenvolvimento econômico, ambiental e social. (HADDAD, 1999, p. 24).
Para Haddad (2001), não faz sentido se falar de um cluster sem contextualizá-lo espacialmente, pela influência de diversos fatores: o nível organizacional dos produtos, a qualidade da mão-de-obra, da logística de transporte, dos indicadores de desenvolvimento sustentável, dos insumos de conhecimentos científicos e tecnológicos, etc. Neste sentido,
um cluster produtivo não será competitivo se a região onde opera não for igualmente competitiva em termos da qualidade de sua infra-estrutura econômica, social e político-institucional. [...] as empresas-núcleo de um cluster [também] não serão competitivas se todo o conjunto também não o for. O sucesso de um cluster [portanto] depende de uma boa gestão das externalidades e das economias de aglomeração. (HADDAD, 2001, p. 50).
Para caracterizar um contexto favorável à competitividade de um cluster, apresenta-se o (Quadro 2.6) no qual compara-se os fundamentos da competitividade entre uma economia tradicional e uma economia moderna, cujas características são as mais apropriadas e adequadas à difusão e consolidação das práticas de cluster.
FUNDAMENTOS DA COMPETITIVIDADE
ECONOMIA TRADICIONAL
ECONOMIA MODERNA
Excesso de confiança em fatores básicos; o sucesso baseado em vantagens comparativas, tais como: recursos naturais abundantes, posição geográfica, mão-de-obra de baixo custo, etc., não é sustentável; essas vantagens são facilmente replicáveis e, por isso, insuficientes para criar um padrão de vida elevado para a maioria da população local;
Reduzida cooperação inter-firmas; ausência de relações estreitas de parceria nos processos de inovação e de aperfeiçoamento;
Limitado conhecimento sobre os clientes; ausência de pesquisa de mercado, sem identificar as demandas que podem atender;
Fracasso na integração à montante; distância em relação aos usuários finais;
Paternalismo governamental; transferência para o governo do poder de tomar decisões complexas sobre o futuro das empresas;
Limitado conhecimento sobre a posição relativa; incapacidade de determinar o nível de competitividade em relação aos concorrentes;
Atitude defensiva; quando uma indústria ou setor apresenta resultados negativos, os líderes dos setores públicos e privados tendem a culpar uns aos outros pelo fracasso. Ações estratégicas são indispensáveis para o sucesso das empresas;
Custos e diferenciação; custos baixos e produtos diferenciados permitem comandar um prêmio sobre os preços dos produtos;
Escolha de escopo: 1. vertical em termos de sistemas de distribuição que criam valor econômico para os produtos; 2. Segmentos mais sofisticados de mercado; 3. espaços geográficos mais amplos;
Escolha de tecnologia e vantagem competitiva sustentável; a tecnologia somente é desejável para uma empresa se: 1. cria uma vantagem competitiva sustentável; 2. desloca custos a seu favor; 3. traz vantagens de pioneirismo; 4. melhora o conjunto da estrutura industrial.
Modelos mentais e aprendizado ao nível da firma; sistemas de crenças que contribuem para melhor criar e distribuir a riqueza.
Quadro 2.6 Características de uma Economia Tradicional Contrapostas às de uma Economia
Moderna – Fundamentos da Competitividade
Fonte: Fairbanks e Lindsay, 1997, apud Haddad, 2002, p. 43.
A essência da criação de clusters e de sua sustentabilidade, de acordo com Dall’Acqua, é a criação de capacidades especilizadas dentro de regiões para a promoção de seu desenvolvimento econômico, ambiental e social.
[...] Não há sustentabilidade de um cluster se a forma como se relaciona com a natureza [...] levar a um uso da base de recursos renováveis e não-renováveis que venha a comprometer os níveis de produtividade econômica e de bem-estar social das futuras gerações. [... Bem como] se criar deseconomias sociais de aglomeração (poluição, congestionamento) que afetem adversamente as condições de vida dos habitantes em seu entorno de influência direta e indireta. Nesse sentido, um cluster poderá se tornar autofágico se não souber lidar [...] com as relações comunitárias e [...] ambientais em sua área de influência. (DALL’ACQUA, 2003, p.102).
Para que se possa definir o grupo de interesses de cada cluster, deve-se partir da delimitação da sua área geográfica relevante, o que pode ser feito, segundo Haddad (2002, p. 44), utilizando-se três critérios de regionalização, seguindo conceituação de François Perroux e do seu aluno Jacques Boudeville , já detalhada no capítulo 1 deste trabalho:
área homogênea: um espaço caracterizado pela homogeneidade física, econômica, cultural, social, etc.;
área polarizada: um espaço caracterizado por um núcleo de atividades que polariza uma área de influência;
área programa: um espaço caracterizado por definição político-institucional de intervenção programática; este tipo de área pode se caracterizar atualmente como uma região virtual estruturada a partir do e-commerce.
No processo de mudanças de países ou regiões para o alcance e consolidação de uma configuração econômico-organizacional de clusters produtivos, a construção da cadeia de valor é um aspecto vital e estratégico para se vislumbrar as condições do desenvolvimento local de natureza endógena.
Conforme Haddad (2002), a cadeia de valor de um cluster constitui-se por múltiplos setores e indústrias da economia, conectados entre si por fluxos de bens e serviços de intensidade bem maior que os fluxos que os interligam com outros setores e indústrias da economia nacional, incluindo produtores orientados para o mercado final, bem como fornecedores de diversos níveis que efetuam operações ou transações dos encadeamentos para frente e para trás da cadeia produtiva.
O conceito de cluster é mais amplo do que o de cadeia de valor. Um cluster é constituído pelas indústrias exportadoras inter-regionais e internacionais que compõem o núcleo do cluster, e assim o caracterizam, além das indústrias e atividades de serviços correlatas e integradas à cadeia produtiva. [...] o complexo produtivo de cada cluster é a base inicial para se organizar o seu processo de melhorias de competitividade, [grifo nosso]. (HADDAD, 2002, p. 45).
Na abordagem de Haddad (2002), percebe-se ou um problema de semântica ou uma contradição, desde quando “a cadeia de valor de um cluster constitui-se por múltiplos setores e indústrias da economia, ...”, ou seja, um cluster tem uma cadeia de valor. Por outro lado, “o conceito de cluster é mais amplo do que o de cadeia de valor. ...”, ou seja parece abranger diversas cadeias de valor. Em ambos os enunciados fica evidenciado que o “núcleo” do cluster é constituído por uma cadeia produtiva, quer dizer o cluster seria passível de ser bem delimitado. Aqui, ressalta-se adicionalmente a contradição entre a especificidade a amplitude do conceito de cluster, quer espacial ou territorial (geográfica), quer setorial (econômica), aspecto recorrente na própria abordagem original de Michael Porter.
Haddad (2002), adiciona à sua análise o fato de existir três campos distintos nos quais se concentram os problemas para o desenvolvimento de um cluster: a) o campo das decisões privadas; b) o campo das decisões governamentais; c) o campo das decisões comunitárias. Nesta vertente que destaca o aspecto institucional, Haddad acrescenta que:
Não cabe ao comitê gestor de um cluster substituir as funções de governo e se transformar numa entidade para-estatal de planejamento e desenvolvimento local. Assim como não lhe cabe substituir o empresário nas suas decisões microeconômicas (o que produzir, quanto produzir, onde produzir), particularmente naquelas em que há riscos e incertezas, pois como afirmou François Perroux “garantir o lucro é destruir o capitalismo”. (HADDAD, 2002, p. 45).
A aplicação da metodologia dos clusters consiste, segundo Romão (1998), na identificação desses agrupamentos, na elaboração de diagnóstico de suas atividades e interações, e na preparação e implementação de um plano estratégico para o seu desenvolvimento sistêmico. No (Quadro 2.7, p. 230) insere-se um comparativo entre as metodologias convencionais e a metodologia dos clusters, na visão de Romão, destacando-se aspectos relacionados com a questão regional.
A metodologia pressupõe a análise de todos os segmentos e processos que interagem nas cadeias produtivas (aquisição e fornecimento de insumos, produção, industrialização, comercialização, mercado, mão-de-obra, serviços, infra-estrutura, etc.), e que integram e viabilizam competitivamente uma determinada atividade econômica [...]. (ROMÃO, 1998, p. 16).
Fatores Metodologias Convencionais Metodologia dos Clusters
• Agente - Governo - Sociedade, iniciativa privada, governo.
• Motivação - Aproveitamento de recursos e fatores disponíveis - Aproveitamento de oportunidades de mercado
• Fatores Locais - Vantagens comparativas tradicionais (dotação de recursos naturais e mão-de-obra abundante) - Vantagens competitivas dinâmicas (serviços terciários e quaternários, recursos humanos qualificados, ambiente de pesquisa, infra-estrutura, etc.).
• Competitividade - Localizada, baseada em custos de produção - Sistêmica, baseada em custos de transação e gestão e utilização de fatores com inovação tecnológica.
• Abordagem Industrial - Vertical ou setorial - Estratégica (promoção de atividades competitivas baseadas em Clusters)
• Unidade de Análise - A firma individual - Conglomerados de atividades econômicas afins (Clusters)
• Mercados - Internos (substituição de importações); reserva de mercado. - Estratégicos (internos e, principalmente, externos).
• Abrangência - Um projeto - Cadeia produtiva e atividades interligadas (Cluster)
• Objetivo - Avaliar a viabilidade de projeto novo ou de ampliação, do ponto de vista técnico, de disponibilidade de fatores e de mercado. - Avaliar pontos fortes e fracos de toda a cadeia produtiva e atividades interligadas (Cluster), com vistas a otimizar o ambiente de negócios.
• Elaboração - Órgãos oficiais de promoção de investimentos e/ou consultorias - Criação coletiva (governo, empresários, consultorias).
• Credibilidade - Baixa - Alta
Quadro 2.7 Diferenças entre as Metodologias Convencionais e a Metodologia dos Clusters
quanto à Promoção de Investimentos e de Tratamento da Questão Regional
Fonte: Romão, 1998, p. 17.
O conceito de cluster, cujo termo traduzido, para Carvalho e Laurindo (2003), significa o mesmo que agrupamento, sistema produtivo, entre outras denominações, é entendido por esses autores como
[...] uma concentração geográfica e setorial de empresas, oriunda de economias externas (externalidades) e de ações conjuntas de colaboração, permitindo a obtenção de ganhos de eficiência de cunho coletivo, pelo qual se atingem vantagens competitivas e a inserção nos mercados globais, algo que as empresas não conseguem alcançar individualmente.
As economias externas incidentais envolvem a existência de mão-de-obra qualificada, a presença de fornecedores especializados de bens e serviços e o transbordamento de conhecimento e tecnologia.
Já as ações conjuntas (join actions), obtidas por meio de esforço deliberado e consciente, podem ser de dois tipos: cooperação entre empresas [...] e grupos de empresas organizadas por associações ou consórcios [...] Essas ações conjuntas de cooperação podem ser horizontais (entre competidores) e verticais (entre elos da cadeia). (CARVALHO e LAURINDO, 2003, p. 116).
O conceito acima, apesar do jogo de palavras, não caracteriza uma abordagem distinta da matriz que lhe inspirou, ou seja, a matriz porteriana, com acréscimos provenientes da definição de Schmitz. Carvalho e Laurindo mencionam duas desvantagens da configuração do cluster: efeitos de trancamento e assimetrias.
Os efeitos de trancamento, pelo excesso de economias externas, passam a desestimular a concentração das empresas, gerando, por exemplo, elevados custos de transporte e de aluguel de imóveis, anulando parte das vantagens elencadas. As assimetrias surgem quando empresas líderes passam a exercer forte influência nas estratégias das demais empresas do cluster, inibindo as ações conjuntas de cooperação. (CARVALHO e LAURINDO, 2003, p. 117).
Para Carvalho e Laurindo, a competência coletiva seria a capacidade de obtenção de vantagens competitivas compartilhadas pelas empresas inseridas em complexos geograficamente concentrados ou clusters, que uma empresa, isoladamente, não teria condições de obter. Nesse contexto, ressaltam que “os aglomerados tecnológicos, nas suas mais diversas denominações, como clusters, pólos, tecnópolis, meios inovadores, foram fundamentais no desenvolvimento econômico das nações mais competitivas” (grifo nosso), (CARVALHO e LAURINDO, 2003, p. 125).
Na citação acima, se torna evidente uma inversão da ordem de importância dos termos, o termo dominante ou determinante passou a ser aglomerados tecnológicos e não clusters, se pode notar também, uma certa confusão de base conceitual, pois aqui clusters = pólos = tecnópolis = meios inovadores = ..., e o conceito de cluster enunciado pelos autores conforme anteriormente citado? Se percebe que, nas duas passagens da análise, não se está dizendo a mesma coisa.
Para Galvão (1989), o conceito de cluster é um conceito mais amplo que o de distrito industrial, capaz de abranger todo tipo de aglomeração de atividades geograficamente concentradas e setorialmente especializadas, “não importando o tamanho das unidades produtivas, nem a natureza da atividade econômica desenvolvida, podendo ser da indústria de transformação, do setor de serviços e até da agricultura [...]” (GALVÃO, 1989, p. 8).
O fenômeno associado à idéia de cluster [...] passou a ser considerado como um instrumento poderoso, seja para a revitalização de áreas geográficas deprimidas com forte tradição industrial em países desenvolvidos, seja para o desenvolvimento de nações economicamente atrasadas. [...] de um fenômeno descoberto, na forma de distritos industriais, passa-se a um novo conceito, o de clusters, que vem se desdobrando, em anos recentes, por meio de estudos de natureza metodológica para a concepção de formas mais eficientes e eficazes de intervenção pública no espaço. (GALVÃO, 1989, p. 8).
Nesse contexto, de acordo com Neto (2000), os [...] clusters podem não ser geralmente formados por apenas um tipo de indústria; contudo, geralmente, concentram somente um ramo industrial, sendo por isso alvo de críticas relativas à sua vulnerabilidade na economia regional, tendo em vista os desafios impostos pela necessidade de permanente atualização em face das constantes inovações tecnológicas, fenômeno não característico de regiões mais diversificadas. [...] Por outro lado, [...] os clusters podem responder a crises e oportunidades de forma mais dinâmica, uma vez que suas especialidades podem ser reorganizadas em novos processos. (NETO, 2000, p. 57).
As redes têm um papel cada vez mais importante na geração de crescimento econômico. Este é um pressuposto fundamental no estudo desenvolvido por Berg, Braun e Winden (2002), relacionando crecimento urbano, redes e clusters. Os autores colocam que as cooperações em redes com outras empresas e organizações têm distintas dimensões espaciais.
As redes se podem estender por todo o mundo, como acontece com as redes globais das bolsas de valores e os mercados financeiros. Mas, muitas outras relações em rede podem situar-se em uma área, uma região ou uma cidade específica. O termo cluster se relaciona principalmente com esta dimensão local ou regional de redes. [...] a maioria das definições compartilham esta noção de cluster como redes localizadas de organizações especializadas, cujos processos de produção estão estreitamente ligados por meio do intercâmbio de bens, serviços e/ou conhecimento [grifo nosso], [tradução livre nossa]. (BERG, BRAUN e WINDEN, 2002, p. 113).
Os autores informam que são escassos os estudos empíricos e comparativos de clusters em regiões urbanas, lacuna que eles se propõem a preencher partindo da idéia de que os clusters estão imersos nas estruturas espaciais e econômicas, culturais e político-administrativas das regiões urbanas, idéia que se aplica plenamente aos clusters relacionados à atividade do turismo.
No marco analítico do seu estudo, Berg, Braun e Winden assumem a influência da inter-relação dos seguintes elementos no crescimento de um cluster: a) condições espaciais e econômicas; b) condições específicas do cluster; c) capacidade organizativa do cluster.
Dentro das condições espaciais e econômicas os autores destacam as condições de demanda, a acessibilidade interna e externa da região urbana, a qualidade de vida da área urbana como um fator de localização da maior relevância, acrescentando um elemento que também integra o contexto espacial e econômico e, ao mesmo tempo, atua como uma variável institucional, o qual eles denominam de cultware, que tem a ver com a atitude das pessoas e das empresas diante da inovação e da disponibilidade para a colaboração.
Nas condições específicas do cluster, um primeiro aspecto a considerar, segundo Berg, Braun e Winden (2002), é o tamanho e o nível de desenvolvimento inicial do cluster. Em segundo lugar a presença de um ou mais “motores” em uma região – grandes multinacionais ou outro tipo de atores, é um determinante do funcionamento do cluster. Um terceiro aspecto, decisivo no rendimento de um cluster, diz respeito ao grau de interação estratégica, implicando relações duradouras entre as organizações. Um último elemento, que determina a evolução do cluster, é o nível de criação de novas empresas, pois elas são dinâmicas e inovadoras, e geram empregos.
Já com referência ao grau de capacidade de organização que há no cluster, esta pode ser definida como a habilidade da região urbana para obter o apoio de todos os participantes implicados no crescimento do cluster, no sentido de criar condições para o seu desenvolvimento sustentado, aspecto que, face à tipologia multifacetada da conformação organizacional do turismo, assume elevado nível de relevância.
[...] a ausência de uma visão regional e de estratégia não obstaculiza o desenvolvimento favorável do cluster. Não obstante, para o máximo aproveitamento do potencial de crecimento, no longo prazo, é conveniente uma estratégia específica. Realmente há lugar para a liderança pública no desenvolvimento do cluster para estabelecer os vínculos inexistentes, para promover nova tecnologia ou criar incentivos para a cooperação, [grifo nosso], [tradução livre nossa]. (BERG, BRAUN e WINDEN, 2002, p. 136).
Clustering, como visto, é a política de promoção de clusters. Segundo Barros, apesar de se reconhecer que há uma tendência para que os clusters se formem naturalmente, há ganhos na sua formação e integração que não são facilmente perceptíveis e apropriados pelos agentes que se incorporam a eles [...].
Quando um novo agente se insere e se integra a um cluster, ele gera ganhos que são de fato apropriados por outros membros. Dessa forma, o seu estímulo a se integrar é menor do que o ganho para todo o cluster. Isso é verdadeiro não só para a introdução de um novo agente, mas também para a inserção de novas atividades e relações que antes não eram travadas dentro do cluster. Esse fato faz com que os sinais de mercado não sejam eficientes na formação e integração de clusters e, portanto, haja espaço para políticas ativas de formação e integração de clusters, que são denominadas “políticas de clustering”. (BARROS, 2002, p. 133).
As políticas de clustering, de acordo com Barros, objetivam a promoção da eficiência dos clusters, para torná-los mais competitivos, possibilitando assim o seu crescimento.
No processo de formulação das políticas de clustering, comenta Barros, o setor público deve adotar uma postura e atitude de cooperação com o setor privado, não o tratando como inimigo do bem coletivo, e sim sendo seu parceiro, buscando a promoção de sua eficiência.
Esse setor privado, contudo, deve ser constituído de clusters amplos, não apenas de pequenos grupos privilegiados específicos, que possam se tornar rent seekers. O governo não pode se tornar refém de pequenos grupos que venham a se beneficiar das benesses públicas em detrimento do interesse coletivo [...]. (BARROS, 2002, p. 145).
Segundo Amaral Filho (2002), O apoio do poder público a qualquer agrupamento de micro, pequenas e médias empresas deve ser orientado pela modéstia, suficiente para evitar que as organizações públicas saiam pelos quatro cantos do país construindo clusters, arranjos e sistemas produtivos locais. Não se trata de construir estruturas físicas estáticas, a exemplo do que aconteceu no Brasil na década de 1970 com a multiplicação de “distritos industriais” ao redor das cidades. O saldo dessa experiência foi o surgimento de carcaças de prédios industriais vazios, quando não empreendimentos imobiliários compostos por empresas de diversos ramos de atividades, impossibilitados de gerar a sinergia e as externalidades a que se referiu Marshall.
As redes e agrupamentos localizados de MPME’s [Micro, Pequenas e Médias Empresas] com produção especializada são, antes de tudo, manifestações espontâneas, auto-organizadas, surgidas em torno de um ponto onde se forma um núcleo produtivo. As razões para esse surgimento são inúmeras: fonte de matéria-prima; presença de fornecedores; disponibilidade de recursos naturais específicos ou de boa qualidade; proximidade de mercados; presença de universidades e centros de pesquisa; bifurcações causadas por estratégias de sobrevivência de pequenos produtores submetidos à grande produção comercial agrícola; produção artesanal; etc. (AMARAL FILHO, 2002, p. 15-16).
Conforme Meyer-Stamer (2001), nos últimos dez anos duas escolas em muito contribuiram para as discussões sobre a política de desenvolvimento. Do ponto de vista conceitual ele destaca o Institute for Development Studies – IDS e do ponto de vista prático ressalta Michael Porter e sua empresa Monitor Consulting. No entanto, para o autor, essas escolas pecam por reduzir o desenvolvimento econômico local e regional à simples promoção de clusters. Mesmo sendo um fenômeno onipresente também em países em desenvolvimento, o cluster não é o único modelo estrutural de desenvolvimento local e, por isso, não satisfaz muitas das localizações e regiões. (MEYER-STAMER, 2001, p. 8).
Segundo Meyer-Stamer, a promoção de clusters como concepção de desenvolvimento local e regional da economia parte da observação de que um cluster oferece grande potencial para a criação de vantagem competitiva. Porém, nem todo agrupamento de empresas do mesmo ramo é obrigatoriamente um cluster.
O conceito de competitividade sistêmica, de acordo com Meyer-Stamer, possibilita uma visão mais abrangente quanto à adequação de instrumentos selecionados para a promoção do desenvolvimento local e regional, a exemplo de políticas de clusterização. Trata-se de um conceito aberto o suficiente para abranger os principais pontos fortes e fracos que determinam o potencial de desenvolvimento local e regional.
A principal afirmação do conceito de competitividade sistêmica é: o desenvolvimento industrial bem sucedido não se cria apenas com fatores do nível micro de empresas e do nível macro das condições macroeconômicas em geral, mas também com medidas específicas de governos e de ONGs [Organizações não Governamentaia] para fortalecer a competitividade de empresas (nível meso) – em que a capacidade de articular macro e meso política de promoção depende tanto de estruturas fundamentais políticas e econômicas, como de constelações de atores (nível meta). [...] Esse conceito, aplicável a economias nacionais, também ajuda na compreensão de importantes elementos da economia local ou global, [grifo nosso]. (MEYER-STAMER, 2001, p. 20).
Para melhor visualizar e se entender as diferenças de abrangência entre os níveis micro, meso, macro e meta na abordagem da competitividade sistêmica desenvolvida por Meyer-Stamer, insere-se a (Figura 2.12 e o Quadro 2.8, p. 237).
Figura 2. 12 Níveis Analíticos do Conceito da Competitividade Sistêmica
Fonte: Meyer-Stamer, 2001, p. 19.
Quadro 2.8 Alguns Fatores de Determinação de Competitividade Sistêmica em Níveis Diferentes de
Agregação da Política
Fonte: Meyer-Stamer, 2001, p. 20.
Pires (2001), considera o conceito de cluster como característico do nível meso competitivo, diretamente relacionado com o conceito de cadeia produtiva. Pires cita o conceito de cluster adotado pela CNI (Confederação Nacional das Indústrias), que reforça o papel de coordenação da cadeia produtiva:
Conceitua-se um agrupamento (cluster), numa referência geográfica, a aglomeração de empresas ali localizadas que desenvolvem suas atividades de forma articulada e com uma lógica econômica comum, a partir, por exemplo, de uma dada dotação de recursos naturais, da existência de capacidade laboral, tecnológica ou empresarial local, e da afinidade setorial dos seus produtos. A interação e a sinergia, decorrentes da atuação articulada, proporcionam ao conjunto de empresas vantagens competitivas que se refletem em um desempenho diferenciado superior em relação à atuação isolada de cada empresa. (CNI, 1998, apud PIRES, 2001, p. 81).
Sob o enfoque que orienta o seu trabalho, fica evidenciado que, a exemplo de outras colocações já vistas nesta tese, também para Pires, os conceitos de distritos e sistemas industriais e de sistemas produtivos locais equivalem ao conceito de cluster, assim como o conceito de cadeia produtiva está vinculado ao de cluster.
Muitas vezes os conceitos se confundem, sendo que clusters são concentrações geográficas de elos da cadeia produtiva. Quanto mais avançado o nível de desenvolvimento do cluster, maior a quantidade de elos da cadeia com concentração geográfica restrita. Isto é o que se chama de adensamento regional da cadeia produtiva, uma das características dos clusters mais desenvolvidos [grifo nosso], (PIRES, 2001, p. 82).
O adensamento da cadeia produtiva ocorre porque o suprimento de itens intermediários da cadeia produtiva visa a ser realizado por fornecedores locais. O desdobramento da cadeia produtiva tende a alcançar até os serviços de comercialização do produto, o fornecimento de insumos e serviços produtivos e a produção de bens de capital, [grifo nosso]. (CNI, 1998, apud PIRES, 2001, p. 83).
Acrescenta-se com Meyer-Stamer, Maggi e Seibel (2001), que as cadeias privilegiam os elementos verticais de comando e estão ligadas a atividades em que existem economias de escala apropriáveis. Já os clusters têm por base mecanismos horizontais de coordenação, caracterizando-se pela presença de economias externas dificilmente apropriáveis.
Para Bianchi (Nuevo enfoque en el diseño de politicas para las pymes: aprendiendo de la experiencia europea, 1996), mencionado por Pires, os sistemas produtivos locais ou clusters, podem ser classificados em:
embrionários – limitam-se quase que totalmente ao mercado local, caracterizando-se pela presença de empresas que atuam como subcontratadas de grandes empresas, as quais, em geral, localizam-se fora do contexto local;
consolidados – têm capacidade de conquistar um mercado mais ampliado, contando com empresas mais especializadas e passando a ter uma identidade e uma efetiva imagem de um cluster;
maduros – desenvolvem e sedimentam uma habilidade de inovar com sucesso, passando a gerar uma produção dotada de maior valor agregado e alcançando um âmbito internacional de atuação e competitividade.
Para caracterizar a distinção entre agrupamentos menos e mais avançados, bem como os fatores de competitividade para as PMEs em uma configuração de cluster, seguem-se os (Quadros 2.9 e 2.10, p. 240).