TURISMO, CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO: UMA ANÁLISE URBANO-REGIONAL BASEADA EM CLUSTER
Jorge Antonio Santos Silva
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1.2.6 A abordagem territorialista: o papel das inovações tecnológicas e a formação de redes
Em meados dos anos 1970 começa a se estruturar uma nova abordagem do planejamento do desenvolvimento regional, com a noção de espaço configurando-se como variável estratégica de desenvolvimento, tendo por objetivo articular estreitamente a abordagem territorial às dinâmicas de desenvolvimento regional, cujas contribuições marcantes, abordadas por Santos (2002b), foram as de John Friedmann e Clyde Weaver (Territory and function, 1979), que adotaram a designação de territorialista e de Walter Stöhr e Fraser Taylor (Development from above or below? 1981), que o denominaram from below (ascendente), a partir da base (autocentrado ou endógeno).
Walter Stöhr e Franz Todtling (Spatial equity – some antitheses to current regional development doctrine, 1977), citados por Santos (2002b), chamavam a atenção para o fato de que as disparidades espaciais nos níveis de vida, num elevado número de países desenvolvidos, ao invés de diminuírem, por via da aplicação de políticas regionais, aumentaram ou, pelo menos, estagnaram. Pouco tempo depois, reforçaram essa análise, sustentando que a política de pólos de desenvolvimento ficou aquém do esperado na dinamização das periferias, gerando mesmo, freqüentemente, efeitos perversos, dado que os efeitos negativos induzidos (polarization effects ou backwash effects) se sobrepuseram aos efeitos positivos (trickling down effects ou spread effects). (SANTOS, 2002b, p. 219).
Com a crescente dificuldade em distribuir espacialmente o crescimento, dada sua inexistência ou insuficiência, “a questão fundamental para o desenvolvimento regional deixou de ser a capacidade da região para atrair novos projetos, para ser a das capacidades das regiões para gerar internamente as condições de transformação das suas estruturas produtivas” (BAPTISTA, 1985, apud SANTOS, 2002b, p. 220).
A questão central passou a ser a do desenvolvimento regional endógeno, que pressupõe o controle territorial das economias regionais visando o aumento da eficiência de todos os fatores produtivos, com sua estratégia baseando-se na utilização de pequenas e médias empresas (PME), as quais devem surgir por iniciativa de agentes locais, de modo a possibilitar a retenção dos valores adicionados no contexto da própria matriz econômica territorial.
Conforme Santos (2002b), a teoria do desenvolvimento de base territorial e endógena procurou responder ao paradigma funcional até então dominante, cujos pressupostos eram:
a subalternização dos aspectos estruturais do desenvolvimento, como os políticos, sociais e ambientais;
uma visão economicista do desenvolvimento, assentada em processos de acumulação concentrada de capital;
a prioridade à mobilidade espacial de capitais;
a preferência por investimentos em infra-estruturas pesadas, sem atender aos aspectos qualitativos dos mercados locais de emprego;
uma grande aposta nos sistemas de grande escala e altamente consumidores de energia;
o recurso a estratégias exógenas às economias locais para definição dos recursos a explorar;
a imposição de mecanismos de decisão centralizados.
Já o novo paradigma conceitual do desenvolvimento regional, de base territorialista e endógena, pressupõe que o desenvolvimento só será alcançado pela mobilização integral dos recursos das diferentes regiões para a satisfação prioritária das necessidades das respectivas populações. Seu argumento central é que o poder econômico funcional, sem um controle de um ente territorial, tende a acentuar as disparidades sociais e econômicas características do desenvolvimento polarizado. A questão-chave colocada no centro do novo modelo de desenvolvimento regional é saber “se a função deve prevalecer sobre o território ou o território sobre a função” [grifo nosso], (FRIEDMANN e WEAVER, 1979, apud SANTOS, 2002b, p. 221).
Segundo Friedmann e Weaver (1981), atuando a doutrina dos centros ou pólos de crescimento como principal ferramenta do planejamento do desenvolvimento espacial, este se transformou em base de apoio para a expansão do capital transnacional, fato que inicialmente não foi percebido nitidamente, devido à dissimulação histórica entre integração funcional e territorial.
O planejamento foi uma função da forma de governar territorialmente e, provavelmente, seu componente espacial teria a missão de assegurar um modelo inter-regional equilibrado de produção e consumo. Se pretendia assim, que o planejamento espacial refletisse um objetivo público. Porém, falando praticamente, a eficácia se assentava quase sempre sobre a base de uma contabilidade de natureza privada. A questão mais freqüente a que se chegava era até que ponto o capital privado devia ser ajudado, [tradução livre nossa]. (FRIEDMANN e WEAVER, 1981, p. 271).
Nesse contexto, a questão acima era atendida sob a condição de um desenvolvimento desigual, tratando-se as relações eficácia e equidade, e produção e distribuição, como temas independentes entre si. Os planejadores espaciais, conforme Friedmann e Weaver, podiam até reter o conceito territorial de região, mas este configurava-se apenas como um rótulo para designar uma área integrada funcionalmente. O objetivo final era de integrar a economia nacional sob uma forma espacialmente articulada, de modo a subordinar as economias locais ou regionais à razão do mercado nacional (e internacional).
[...] o planejamento do desenvolvimento espacial se converteu inconscientemente [ou conscientemente orientado pelas elites dirigentes?] no assistente ou criado do capital transnacional. A doutrina dos centros [ou pólos] de crescimento está perfeitamente sintonizada com as reduções ideológicas e planificadoras das empresas multinacionais, [grifo dos autores], [tradução livre nossa]. (FRIEDMANN e WEAVER, 1981, p.276-277).
Diante desta contastação, Friedmann e Weaver (1981), propõem uma solução “agropolitana”, conjugando as áreas agrícola e urbana, como uma estratégia de necessidades básicas a serem satisfeitas, conducentes ao desenvolvimento territorial. Nesta solução eles apontam quatro delineamentos fundamentais: as condições básicas para sua realização, o marco territorial, a expansão da produção e o papel do Estado.
São três as “condições básicas” por eles detetadas, a saber:
seletiva delimitação territorial, que se refere a uma clara política de definição dos níveis relevantes de integração territorial: local, regional e nacional;
comunalização ou socialização da riqueza produtiva, que se apresenta principalmente sob a forma de terra e água;
igualdade de oportunidades para o acesso às base de acumulação de poder social, concebido como um recurso capaz de elevar o sentido individual de capacidade potencial.
O “marco territorial” proposto considera que as comunidades organizadas territorialmente podem conceber-se como a interseção de três espaços abstratos:
um espaço cultural comum – deve existir uma tradição de significados compartilhados que propicie a formação e enraizamento de um juízo moral que sustente a base sócio-cultural local do desenvolvimento;
um espaço político comum – a igualdade de oportunidades de acesso às bases do poder social requer negociações e acordos entre instituições políticas sólidas e representativas de todos os atores do tecido social local;
um espaço econômico comum – deve existir um conjunto de atividades produtivas interdependentes e de níveis conhecidos no desenvolvimento das forças produtivas que justifique a articulação de políticas que visem integrar e potenciar a base econômica local do desenvolvimento.
A “expansão da produção” se orientaria pela aplicação do princípio de territorialidade aos problemas da organização econômica objetivando potencializar e dinamizar a economia territorial a todos os níveis relevantes, derivando-se do mesmo cinco princípios correlativos:
a diversificação da economia territorial;
o máximo desenvolvimento físico limitado pela necessidade de conservação, o que insere a perspectiva do desenvolvimento sustentável - as comunidades organizadas territorialmente tendem a valorizar o futuro muito mais que as comunidades integradas com base na função;
a expansão dos mercados regionais e inter-regionais (domésticos), tornando-se importante ressaltar as diferenças entre as formas de aumentar os mercados domésticos sob a orientação do modelo de desenvolvimento desigual e sob a orientação do modelo agropolitano;
orientação pelos princípios do autofinanciamento – estabelecer as condições que assegurem a formação de poupança;
promoção e aprendizagem social – melhorar a prática real e ensinar o princípio geral de que o desenvolvimento não se “importa”, mas se produz através do próprio esforço, com o fortalecimento das instituições locais.
No modelo de desenvolvimento desigual a única forma de aumentar os mercados domésticos assemelha-se à seguinte sequência: demanda estrangeira => exportação de produtos manufaturados => expansão do emprego secundário e terciário => crescimento da demanda de produtos agrícolas => crescimento da demanda de manufaturas domésticas => crescimento da produção e do emprego domésticos, [tradução livre nossa]. (PAAUW e FEI, 1973, apud FRIEDMANN e WEAVER, 1981, p. 298).
Para alavancar uma produção nacional de bens intensivos em capital, a produção em massa com tecnologia avançada, exógena, deve ser limitada. O sucesso da produção local de bens intensivos em capital pode criar uma demanda por máquinas e equipamentos de fundamental e estratégica importância para o desenvolvimento em bases endógenas.
A nova sequência, derivada do modelo agropolitano, será semelhante à que segue: aumento da produtividade agrícola + diversificação industrial em localizações descentralizadas (principalmente produção de bens simples) => aumento da ocupação de mão-de-obra => aumento da demanda de maquinaria e equipamento [...] => inovações tecnológicas e de produtos => aumento da capacidade de exportação de manufaturas domésticas para o mercado externo, [tradução livre nossa]. (FRIEDMANN e WEAVER, 1981, p. 299).
Com algum esforço de adaptação, pode-se perceber que as duas sequências acima podem explicar as diferenças entre os destinos turísticos que possuem forte dependência exógena, tanto no suprimento da oferta específica (característica e conexa) e não específica (não conexa) e o consequente atendimento da demanda turística, como pela predominância econômica da atividade ou mesmo pela presença da monocultura do turismo; e os destinos que dispõem de uma diversificada estrutura produtiva e podem suprir a oferta e atender à demanda com produtos e serviços de forte conteúdo endógeno de valor agregado. Esses dois contextos oferecem distintas perspectivas para o crescimento local ou regional e a sustentabilidade do desenvolvimento, sendo importante para o seu alcance, em bases endógenas, promover-se a utilização de mecanismos de autofinanciamento e a promoção do aprendizado social.
O modelo agropolitano constitui-se em uma solução territorial para o desenvolvimento regional, onde os interesses do território devem se impor aos interesses funcionais. Em sua abordagem, o planejamento do desenvolvimento deve privilegiar o foco no território em substituição à ênfase funcional ou espacial. “É o momento para a contenção do poder funcional e sua subordinação à vontade territorial” [tradução livre nossa], (FRIEDMANN e WEAVER, 1981, p.330).
O planejamento territorial é uma atividade endógena. Persegue continuidades históricas, busca uma melhoria geral na qualidade de vida para toda a população da zona e exige o desenvolvimento completo do seu potencial produtivo. Seu método é holístico, multidisciplinar e complexo, [grifo nosso], [tradução livre nossa]. (FRIEDMANN e WEAVER, 1981, p.328).
Friedmann e Weaver, comentam que o planejamento funcional e territorial coexistem entre si, porém em um relacionamento marcadamente conflitivo. Eles recorrem a um exemplo, o qual, apesar de longo, se insere neste trabalho pela propriedade da transposição da análise que realizam, para a realidade do modelo de planejamento de desenvolvimento do turismo atualmente prevalecente no Brasil, fundamentado na implantação de centros ou pólos turísticos do tipo resorts e complexos integrados de entretenimento e turismo, cuja maioria pertencem a grupos de investidores nacionais e internacionais que detêm a propriedade do capital empregado nesses empreendimentos.
Em tal contexto, pode ocorrer um nível não adequado de envolvimento e integração dos atores sociais das localidades onde eles se implantam, fruto da dicotomia ou complementaridade disfuncional entre os fatores exógenos e os fatores endógenos implicados no crescimento do turismo, do papel desempenhado por cada grupo de fatores e da interação entre os dois grupos, influenciando e determinando o nível e a qualidade do desenvolvimento regional: com inclusão ou com exclusão social; retendo localmente ou exportando os resultados econômicos decorrentes da exploração da atividade turística; propiciando a conservação e preservação dos recursos ambientais de base, naturais e construídos, numa perspectiva de sustentabilidade, ou comprometendo tais recursos pela exploração massiva e imediatista do turismo, provocando a sua depredação e degradação.
Imagine-se uma planta de cimento que elege sua localização no ponto X, o ponto com menores custos totais de produção. [...] Nesta localização que é ótima desde o ponto de vista da empresa [ou da indústria], ela empregará, digamos, cem trabalhadores retirados da zona rural e arredores. Porém, antes de finalizar sua decisão, a empresa pode regatear para conseguir benefícios adicionais tais como isenção de impostos locais e outras ajudas, por exemplo investimentos públicos para as estradas de acesso e para as instalações da sua planta. Supondo que a empresa tenha obtido sucesso nestas negociações, que a planta já esteja construída e em operação, serão impostos à comunidade custos adicionais na forma da poluição que a planta causará, deteriorando as condições higiênicas entre a população local, a destruição da vida aquática e das condições recreativas, além de danos materiais significativos. Estes custos serão quase que inteiramente suportados pela comunidade dentro da qual está situada a planta de cimento, mas para a qual sua única relação funcional é, por um lado, o emprego de homens e mulheres da localidade e, por outro, a mais valia que obtém mediante a destruição sistemática dos valores territoriais (recursos locais, tranquilidade, beleza). Porém, e já que a localização da planta de cimento é uma decisão exógena, a escolha não necessariamente deve estar reduzida a esta localidade particular. Se a comunidade tivesse regateado mais duramente, a planta estaria buscando uma localização em um entorno político mais favorável.
[...] O que se pode esperar é que o balanço de custos e benefícios se incline em alguma medida em favor da comunidade local, mas isto pode requerer uma ação adequada por parte do Estado. O Estado tem, sem dúvida nenhuma, o poder de modificar a incidência dos custos da comunidade para os produtos (e também para o consumidor do produto final), mas a extensão em que pode fazê-lo depende de variáveis tais como a natureza da atividade em questão, a existência de localizações alternativas, a propriedade do capital, as necessidades econômicas das localidades, a natureza e dimensão dos custos sociais gerados na produção e outras. Mais ainda, tal mudança pode piorar a taxa de crescimento econômico. A extensão em que isto representa uma consideração relevante, por que não dizer decisiva, só pode ser determinada desde uma perspectiva territorial.
A determinação dos custos sociais e sua incidência requerem o planejamento territorial. As necessidades territoriais devem ser articuladas cuidadosamente e deve-se considerar a base territorial dos recursos, [tradução livre nossa]. (FRIEDMANN e WEAVER, 1981, p. 328-330).
O modelo também pressupõe a promoção de soluções tecnológicas diferenciadas, com ênfase nas tecnologias intermediárias, trabalho intensivas, para uso em empresas de pequeno e médio porte, que são o motor da dinamização do sistema econômico e o reforço da diversificação da estrutura produtiva.
Em meados dos anos 1980, surge uma outra corrente desse enquadramento teórico que, [...] não levantando obstáculo à crescente internacionalização da economia, elege como instrumento estratégico a inovação, nessa primeira fase ainda com uma vertente marcadamente tecnológica. Neste novo quadro competitivo argumenta-se que as regiões que estarão melhor colocadas na batalha pela sobrevivência, numa época em que as mudanças estruturais se processam a ritmos vertiginosos e são cada vez mais imprevisíveis, serão as que puderem compensar a retração dos mercados tradicionais pela conquista de novos mercados devido quer à introdução de modificações tecnológicas nos respectivos processos produtivos, quer à fabricação de novas gamas de produtos. (SANTOS, 2002b, p. 223).
Clyde Weaver (Concepts and theories of regional development planning: the state of the art, 1988), citado por Santos (2002b), denomina esta via de planejamento regional de “Iniciativa Local” (Regional Planning as Local Initiative) que, à semelhança do modelo Agropolitano, possue uma contextualização analítica de base territorialista, porém, dela difere na justificação teórica e linhas estratégicas, principalmente quanto à ênfase ao papel da inovação tecnológica como instrumento primeiro de ação. Nesse contexto, a revolução tecnológica e a procura de inovação, no produto e no processo, se tornam o núcleo fundamental da política de desenvolvimento regional.
Sobre este aspecto, Walter Stöhr (Changing external conditions and a paradigm shift in regional development strategies? 1984), citado por Santos (2002b), refere-se a “[...] complexos regionais de inovação [...]”, resultantes do aprofundamento de uma base relacional e interativa entre unidades empresarias, instituições de educação e formação profissional, organizações de P&D, consultorias especializadas em tecnologia, gestão e marketing, sociedades de capital de risco e administrações locais e regionais.
[...] estes complexos de produção, integrados, flexíveis e internamente descentralizados, sustentam a sua dinâmica numa densa rede de fluxos, materiais e imateriais, mercantis e não mercantis, que potenciam intensos efeitos locais de sinergia. (SANTOS, 2002b, p. 224).
Análises realizadas a partir de 1985, cruzam o conceito de desenvolvimento territorial com a noção de “meio inovador” que surge no seio do Groupe de Recherche Européen sur les Millieux Innovateurs (GREMI), orientando-se na direção original da procura da aptidão diferenciada dos meios para fazer nascer e difundir a inovação. Nesta linha emergem as noções de “Regiões Inteligentes” e de “Sistemas Regionais de Inovação”.
Aparecem nesse cenário, como instrumentos de planejamento regional, os tecnopolos, os parques de ciência e tecnologia, os centros de excelência, etc. Os objetivos principais referem-se ao fomento da inovação tecnológica através do reforço dos mecanismos de difusão da informação e à promoção da dinamização das áreas periféricas, pelo grande potencial empregador das indústrias de alta tecnologia e do seu entorno marcado pela ênfase nos serviços.
Vale ressaltar que as políticas regionais não deverão se voltar única e exclusivamente para o surgimento e dinamização de novas tecnologias mas, também, se direcionarem para uma atuação sobre as indústrias tradicionais no sentido de apoiar os seus processos de reestruturação operacional que visem renovar sua dotação de modernos fatores de competitividade.
Como sustenta Giocchino Garofoli (Sviluppo regionale e ristrutturazione industriale: il modelo italiano degli anni 70, 1983), mencionado por Santos (2002b), as transformações dos contornos estruturais das economias locais dependem da capacidade de valorização dos respectivos recursos (capacidade de iniciativa e de acumulação, disponibilidade de capital fixo, etc.), caracterizando uma “nova articulação do sistema industrial que é produto do aparecimento da iniciativa local nos territórios de desenvolvimento e não da mobilidade inter-regional das empresas” (GAROFOLI, 1983, apud SANTOS, 2002b, p. 226).
Resumindo, sobre o modelo “Iniciativa Local”, que fundamenta-se em uma acentuada base territorialista, Santos (2002b), analisa que a mesma possui, contudo,
[...] uma faceta associada à inserção das economias regionais nos fluxos do comércio internacional, entendida como uma “janela de oportunidades” de que podem colher dividendos as estruturas produtivas, econômicas e sociais territoriais. Todavia, para que essa articulação local/regional-global se processe com sucesso, é imperativo modernizar e diversificar o perfil tradicional de especialização mediante a introdução sistemática de vetores de inovação e a incubação de PME de base tecnológica. Torna-se [necessário] também exercer algum grau de seletividade na captação do investimento móvel, em particular restringindo a atuação do capital multiregional e multinacional a setores em que se verifiquem vantagens específicas e efeitos de fertilização da matriz produtiva local/regional. (SANTOS, 2002b, p. 226).
Santos, sugere que, no início dos anos 1990 o grande desafio no campo do desenvolvimento regional era encontrar um caminho que permitisse adequar e compatibilizar as duas abordagens territorialistas, os modelos “Agropolitano” e de “Iniciativa Local”, de modo a assentar as bases de um novo paradigma de desenvolvimento regional descentralizado. Esta nova fase da problemática do desenvolvimento regional teve como mérito colocar a “região” no centro do debate, consolidando a posição de que, “com uma concepção territorial do planejamento, o desenvolvimento regional torna-se definitivamente um projeto regional” (WEAVER, 1988, apud SANTOS, 2002b, p. 227).
Atualmente, os processos de inovação possuem reconhecidamente uma forte matriz social e territorial, como conseqüência ganham destaque na análise do crescimento regional aspectos relevantes na geração de conhecimento direcionado para as dinâmicas de inovação, como os contatos informais e as redes de fluxos de conhecimento tácito estabelecidas entre os diferentes atores, o seu capital relacional, o respectivo capital social, as regras e convenções vigentes. Os processos de inovação são vistos hoje como mecanismos socialmente construídos, que se baseiam na acumulação, difusão e utilização de conhecimento por via de um aprendizado contínuo e interativo. Nesse sentido, para Peter Maskell e Anders Malmberg (The competitiveness of firms and regions: “ubiquitification” and the importance of localized learnimg, 1999), a competitividade territorial depende, cada vez mais, “da capacidade de criar conhecimento e do estabelecimento de bases que promovam localmente processos coletivos de aprendizagem” (MASKELL e MALMBERG, 1999, apud SANTOS, 2002c, p. 286).
Um dos principais pontos de partida dessa abordagem territorialista, consistiu nas pesquisas sobre os “distritos industriais”. Os estudos sistemáticos sobre os “distritos industriais” centraram-se, originalmente, na análise da dinâmica regional italiana. Após a 2ª guerra mundial, a principal preocupação italiana em matéria de desenvolvimento econômico consistia em minimizar as profundas assimetrias entre o Norte e o Sul do país. Assim, foi promovida no Mezzogiorno uma estratégia de pólos de crescimento com base em atividades industriais de siderurgia e petroquímica, esperando-se o desencadeamento de efeitos motrizes sobre os demais setores econômicos. Essa estratégia, que não obteve êxito, configurou-se como um modelo ortodoxo de política regional from above.
Passados mais de vinte anos, num contexto de contínuo aprofundamento das disparidades regionais Norte/Sul, os pesquisadores se depararam com uma nova realidade territorial que denominaram “Terceira Itália” (Itália do Meio ou Itália do Centro), despertando o seu interesse as elevadas taxas do emprego industrial e o excelente desempenho das exportações evidenciadas pelo tecido produtivo regional. Giacomo Becattini (Dal settore industriale al distretto industriale. Alcune considerazione sull’unita d’indagine dell’economia industriale, 1979), citado por Santos (2002c), se concentrou no conteúdo econômico dessa estrutura, destacando a sua matriz produtiva baseada em uma forte presença de PME e no seu perfil de especialização industrial. Esses estudos convergiram na direção dos trabalhos de Alfred Marshall (1890), o que levou à denominação da configuração industrial da Terceira Itália como “distrito industrial marshalliano”.
Alfred Marshall (1890, 1919), Principles of economics e Industry and trade, respectivamente, foi o primeiro investigador a descrever e analisar o funcionamento das aglomerações econômicas inglesas do século XIX, com base em dois centros industriais, Manchester e Sheffield, os quais qualificou de distritos industriais, avançando com a formulação dos conceitos de economias externas, economias de aglomeração e atmosfera industrial. Marshall argumentou que a concentração industrial e a especialização setorial, induzindo à concentração de mão-de-obra qualificada e promovendo a circulação de informação e de know-how entre as empresas, germinaria economias portadoras de vantagens empresariais. Se retomará este tema com mais detalhes no capítulo 2 deste trabalho, item 2.1.1.
“[...] o distrito industrial é uma entidade sócio-territorial caracterizada pela co-presença ativa, numa área territorial circunscrita, natural e historicamente determinada, de uma comunidade de pessoas e de uma população de empresas industriais” (BECATTINI, 1989, apud SANTOS, 2002c, p. 287).
Avançando em sua análise, segundo Santos (2002c), Becattini permite perspectivar alguns elementos estruturantes do conceito, principalmente na sua vertente produtiva: a pequena escala empresarial, a especialização por fases da cadeia produtiva, a existência de reduzidas barreiras de entrada e o papel dinamizador dos serviços de apoio à produção.
[...] o distrito industrial marshalliano é constituído por uma população de pequenas e médias empresas independentes assentes num setor de especialização e num processo de divisão do trabalho industrial à escala local, apoiando-se numa miríade de unidades fornecedoras de serviços à produção e de trabalhadores ao domicílio, orientada, através do mercado de encomendas, por um grupo aberto de empresários puros (os impannatori). (BECATTINI, 1989, apud SANTOS, 2002c, p. 288).
Nos distritos industriais as empresas são partes integrantes do território, sendo também elas, de certo modo, território. Esta perspectiva marshalliana expressa a idéia de embeddedness, vista anteriormente em breve citação, conceito proposto por M. Granovetter (Economic action and social structure: the problem of embeddedness, 1985), citado por Santos (2002c), para explicar o funcionamento dos distritos industriais: um enraizamento na matriz sócio-cultural local que constitui a base de gestação e sustentação de economias de aglomeração propiciadoras de vantagens empresariais. Nesta consideração, um distrito industrial constitui uma grande concentração de pequenas e médias empresas, autônomas, integradas horizontalmente, altamente especilizadas, atuando numa dada fase do processo produtivo e desenvolvendo vastas redes de subcontratação, com elevada capacidade dinâmica de adaptação às modificações da procura.
Na mesma linha de raciocínio, José Reis, (Os espaços da indústria. A regulação económica e o desenvolvimento local em Portugal, 1992), argumenta que: para além de um indicador pertinente de identificação (a sua especialização) e de uma certa relevância quantitativa (uma rede industrial e uma quota apreciável de produção ou das exportações do setor de especialização), um sistema produtivo local [conceito assemelhado ao de distrito industrial, grifo nosso] supõe um processo longo de consolidação técnica – uma história industrial durante a qual se formou uma cultura produtiva local – e uma [organização] produtiva de base local criadora de sinergias: um sistema de interdependências industriais. (REIS, 1992, apud SANTOS, 2002c, p. 288).
A peculiaridade da organização produtiva dos distritos industriais, portanto, advém do progressivo enraizamento de atividades econômicas em um determinado território, e não da indução de fenômenos de polarização por empresas de grande porte.
Para Claude Courlet e Michel Dimou (Les systèmes localisés de production: une approche de la dynamique longue, 1995), de acordo com Santos (2002c), os distritos industriais resultam de um amplo conjunto de iniciativas, de relações de cooperação e de redes locais, o que lhes propiciam vantagens específicas através do surgimento de vários tipos de economias externas de aglomeração, a saber: “economias de especialização”, ligadas ao aprofundamento da divisão do trabalho; “economias do trabalho”, resultantes da formação e acumulação de saber-fazer específicos; e “economias de informação” e comunicação, provenientes da capacidade de inovação e de sua difusão.
Essas vantagens, em conjunto, exercem um efeito centrípeto e aglutinador da pequena e média empresa, em um contexto marcado pela socialização de processos industriais comuns e pelo aprofundamento da integração entre economia e sociedade.
Nos distritos industriais a inovação procede da mobilização territorial dos agentes que interagem sistematicamente. O seu desenvolvimento não se baseia na procura de saltos tecnológicos – adoção de tecnologias radicalmente diferentes dos conhecimentos técnico-profissionais acumulados ao nível local – e sim no saber e no saber-fazer tácito que caracteriza a região. A análise da inovação nos distritos industriais está, portanto, distante da abordagem neo-schumpeteriana que associa a dinâmica capitalista ao impacto de um conjunto de inovações radicais e revoluções tecnológicas que aliam o avanço da produtividade e o crescimento da procura; corresponde, mais apropriadamente, a um padrão de tipo incremental, predominando uma eficiência estática, que implica em melhoramentos no âmbito de funções de produção já conhecidas, sobre uma eficiência dinâmica, refletida na capacidade do sistema produtivo local em inovar e absorver inovação.
Referenciado por Santos (2002c), João Paulo Barbosa de Melo (A região da Marinha Grande: um distrito industrial, 1995), coloca que: nesse sentido, poder-se-á certamente afirmar que esse percurso contínuo de upgrading competitivo baseado na inovação depende menos de estruturas formais do que de canais informais, na medida em que remete para processos de “aprender fazendo”, processos de “aprender usando” ou, até, de “aprender falhando”. (BARBOSA DE MELO, 1995, apud SANTOS, 2002c, p. 290).
Segundo Fiorenza Belussi (Local systems, industrial districts and institutional networks: towards a new evolutionary paradigm of industrial economics, 1996), mencionada por Santos (2002c), a abordagem dos distritos industrias, na perspectiva marshalliana, estebelece uma análise econômica territorializada que se consolida nas externalidades associadas à proximidade e que depende do potencial de competências locais do qual as empresas extraem os seus recursos produtivos – a proximidade espacial das empresas e o “caldo cultural” comum aumentam as probabilidades de difusão de informação e de aprendizagem, o que lhes possibilita defender sua posição competitiva recorrendo à inovação contínua e incremental.
Os distritos industriais, portanto, desenvolvem uma capacidade tecnológica e inovadora endógena que permite às PME locais conseguir competir nos mercados internacionais com as grandes empresas verticalmente integradas.
Como já mencionado, os estudos do GREMI, têm trabalhado com base na hipótese de que meios inovadores regionais geram inovações, ou seja, o sucesso do desenvolvimento de certas regiões se deverá às suas capacidades intrínsecas de fabricar novos produtos, adotar novos processos produtivos, além de configurações organizacionais e institucionais inovadoras.
O conceito de “meio”, segundo Denis Maillat, Michel Quévit e Lanfranco Senn (Résaux d’innovation et milieux innovateurs: un pari pour le dèveloppement régional, 1993), citados por Santos (2002c), refere-se a um capital relacional que agrupa coerentemente um sistema de produção, uma cultura técnica e um conjunto de atores que não se constitui um universo fechado mas, pelo contrário, está em interação permanente com seu ambiente circundante, dando lugar a processos de aprendizagem coletiva. O “meio”, conforme Bruno Lecoq (Organisation industrielle, organisation territoriale: une approche intégrée fondée sur le concept de réseau, 1991), citado por Santos (2002c), é um: conjunto sócio-territorial reticularmente integrado de recursos materiais e imateriais, dominado por uma cultura historicamente sedimentada, vetor de saber e de saber-fazer, que repousa sobre um sistema relacional do tipo cooperação-concorrência dos atores locais. (LECOQ, 1991, apud SANTOS, 2002c, p. 294).
O “meio” pode ser considerado como um ativo intangível para a empresa, de acordo com Denis Maillat (Les relations des entreprises innovatrices avec leur milieu, 1992), tomado por PÒLESE (1998). “Já que os territórios lhes fornecem o apoio logístico essencial para o seu desenvolvimento (externalidades, efeitos de proximidade, etc.), as empresas têm todo o interesse em participar no jogo da integração e do enriquecimento do seu “meio” (MAILLAT, 1992, apud POLÈSE, 1998, p. 233).
Conforme Santos (2002c), os elementos constitutivos do “meio”, apontados por Maillat, Quévit e Senn (1993), são:
uma envolvente espacial, enquadrada por uma certa homogeneidade de comportamento dos atores sociais e uma mesma cultura técnica, não se confundindo, porém, com o conceito de região, nem possuindo fronteiras físicas pré-determinadas;
um conjunto de atores, dotados de autonomia decisional e fortemente ancorados na realidade socioeconômica local (empresas, instituições de formação, centros de [P&D], etc.);
elementos materiais (as empresas, os equipamentos, as infra-estruturas) e elementos imateriais (as normas e valores, os fluxos de informação, o saber-fazer), bem como elementos institucionais (as formas de organização do poder público e da sociedade civil);
uma lógica de interação, ou seja, um capital relacional regulador do comportamento dos atores e promotor de dinâmicas locais de valorização dos recursos existentes;
uma lógica de aprendizagem, capacitando os atores para redefinirem e reconfigurarem os seus comportamentos, ajustando-os à medida que se transforma a envolvente externa, nomeadamente ao nível dos mercados e da tecnologia, [grifo nosso]. (MAILLAT, QUÉVIT e SENN, 1993, apud SANTOS, 2002c, p. 294).
Santos (2002c), destaca, de acordo com Claude Courlet (Territoire et développement, 1988), a diferença existente entre os conceitos de “meio” e de “sistema produtivo local”, fundamentando-se na dimensão-chave da intangibilidade: “o meio não é uma categoria particular de sistema produtivo local mas uma unidade cognitiva de que depende o funcionamento do próprio sistema” (COURLET, 1988, apud SANTOS, 2002c, p.294), constituindo, assim, uma matriz organizacional através da qual se projeta o potencial de autonomia e de iniciativa dos sistemas de produção localizados.
Com o objetivo então, de descrever os comportamentos inovadores no seio dos sistemas produtivos locais, os pesquisadores do GREMI cunharam o conceito de “meio inovador”. Um “meio”, de acordo com Santos (2002c), realidade sistêmica dotada de propriedades emergentes, pode evoluir para um patamar superior de organização, correspondente a um “meio inovador”, pela criação, gestão eficaz e constante renovação de recursos, principalmente de natureza imaterial (saber, saber-fazer, processos de aprendizagem coletiva, conexões reticulares de cooperação, canais informacionais, etc.). Nessas circunstâncias, segundo Bernard Planque e Nathalie Gaussier (Millieux innovateurs et développement durable: des mésologies complémentaires, 1988), citados por Santos (2002c), em certos meios podem gerar-se, sistematicamente,
[...] externalidades positivas específicas que asseguram uma vantagem comparativa aos atores locais na prossecução de um processo cumulativo de inovação competitiva, [...] desenvolvendo uma convenção terrirorial de inovação [...] [correspondente ao estágio de “meio inovador”], (PLANQUE e GAUSSIER, 1998, apud SANTOS, 2002c, p.295).
Portanto, um “meio” constitui-se em “meio inovador”, conforme Andrée Matteaccioli (Auto-organisation et émergence des milieux innovateurs, 1998), mencionado por Santos (2002c), quando desenvolve a capacidade de apreender as transformações do seu ambiente tecnológico e de mercado, bem como a evolução dos outros sistemas territoriais de produção, ligando-se às dinâmicas internacionais mais significativas, mas conservando a sua coerência global e a sua identidade. (MATTEACCIOLI, 1998, apud SANTOS, 2002c, p. 296).
Desse modo, consegue-se processar recombinações técnico-produtivas dos recursos endógenos existentes, de modo a garantir configurações produtivas inovadoras valorizadas pelos mercados.
Os “meios inovadores” são diferentes dos ambientes cognitivos próprios dos “distritos industriais”. Nos meios inovadores, a inovação decorre de um arranjo organizacional e de uma coordenação institucional ex-ante, já nos distritos industriais ela surge mais ligadas a aspectos casuais e menos formais.
Ao participar em redes de interação, uma empresa contribui para reforçar a sinergia do meio. Essas redes ultrapassam as transações mediadas pelo mercado, estendendo-se a uma ampla gama de relacionamentos envolvendo sistemas de formação e educação, administrações públicas, instituições financeiras, organizações sindicais, entre outros. Cria-se, dessa forma, um ambiente que maximiza as oportunidades de interação e de inovação dos agentes econômicos.
Existe uma clara e direta correspondência entre as capacidades de inovação e de desenvolvimento das empresas e as externalidades positivas que o ambiente lhes oferece, aumentando suas possibilidades de êxito. J. Perrin (Réseaux d’innovation, milieux innovateurs et développement régional, 1991), citado por Polèse (1998), faz menção a ambientes de inovação, millieu d’innovation, ou a tecnopolos, tecnópoles. Num ambiente dinâmico desta natureza os custos de informação e de transação são mais baixos, há mais facilidade para as comunicações inter-pessoais e uma maior confiança entre os seus diversos atores.
Definido desta maneira, o conceito de millieu (que pode corresponder ao inglês community) inclui noções como “tecido social e sociedade”: é o conjunto dos valores e das relações que dão a um território uma cultura local, uma identidade, uma cultura de empresa e uma cultura técnica que lhe são próprias. (POLÈSE, 1998, p. 234).
Indaga Polèse, se o ativo intangível, o millieu, tem tanto valor, por que é que as empresas não investem nele de forma espontânea? Por que é que os poderes públicos têm que intervir? A mesma pergunta pode ser formulada em relação ao cluster. O ativo intangível, o millieu que funciona, é um bem público, que tem como característica a dificuldade de excluir os beneficiários. Seguindo a lógica privada, uma empresa só irá participar se puder privatizar ou internalizar uma parte dos ganhos. Por que participar no financiamento de um parque, de uma estrada ou de uma rede de informação, se outros agentes usufruem sem pagar ou se é possível se beneficiar sem contribuir? Logo, a participação das empresas no financiamento de bens públicos não se dá de forma espontânea. A decisão de participar de uma rede de interação implica um determinado custo de oportunidade e para que os agentes privados se empenhem e se integrem ao processo, os benefícios da cooperação, ou os custos da não cooperação, deverão ser explícitos e visíveis para as empresas.
Esta lógica de comportamento, que privilegia interesses setorizados, acaba por conformar uma teia de relações institucionais que conduz o poder público a ser o agente econômico motor de processos desta natureza, torna-se um fator estrutural subjacente a iniciativas que requerem um acentuado sentido de parceria, integração, coesão, associativismo e cooperativismo, a exemplo geral do “meio inovador”.
As redes de interação e de inovação, para ter condições de sucesso, precisam ter objetivos e mecanismos de ação vinculados à lógica de funcionamento dos empreendimentos privados:
esquemas financeiros para partilhar e diversificar riscos;
instituições comuns de formação profissional e técnica;
organizações e associações profissionais para reduzir os custos de difusão da informação;
projetos conjuntos de pesquisa e desenvolvimento contemplando a proteção dos direitos de exploração dos resultados;
redes de compras, de distribuição e de colocação no mercado;
infra-estruturas comuns como rede de distribuição de gás ou combustíveis, parques industriais, etc.;
negociações em grupo, patronato-sindicatos, de contratos coletivos de trabalho ou outros acordos.
Na maioria dos exemplos acima, está se tratando da institucionalização das economias de escala próprias de uma indústria, ou das economias de localização. Quando se refere aos tecnopolos ou aos complexos industriais a participação motora dos poderes públicos está na base de seu deslanche e implementação, podendo envolver a disponibilização de uma área ou até mesmo de um parque tecnológico e, inclusive, atividades de promoção.
O conceito de “região inteligente” reforça e amplia o alcance da análise de teor organizacional-institucional que marca os estudos do GREMI, adequando o mesmo ao novo paradigma produtivo emergente fundamentado nas tecnologias de informação, telecomunicações e computação, bem como aos desafios da economia do conhecimento.
De acordo com Santos (2002c), foi Richard Florida (Toward the learning region, 1995), quem primeiro sugeriu o conceito de região inteligente para caracterizar aqueles territórios capazes de funcionarem como coletores e repositórios de conhecimentos e idéias, e de proporcionarem o ambiente a as infra-estruturas facilitadoras dos fluxos de conhecimento, idéias e práticas de aprendizagem. Essas regiões constituem contextos territoriais privilegiados de interação, aprendizagem e inovação, já que consubstanciam quadros aglomerativos e plataformas cognitivas favoráveis à existência de espaços relacionais entre atores que se interceptam e conectam por afinidades culturais e econômicas.
Este novo conceito, conforme João Ferrão (Meios inovadores em cidades de média dimensão: uma utopia razoável. O caso de Évora, 1997), (apud Santos, 2002c, p. 301), “[...] atribui uma centralidade ainda maior à capacidade coletiva e permanente de aprendizagem e adaptação (defensiva e ofensiva), como estratégia-chave de desenvolvimento regional [...]”.
De um lado, no entanto, existe uma percepção de que o conceito de região inteligente é ainda muito vago e abstrato, necessitando amadurecer o seu corpus conceitual e instrumental para se afirmar e se diferenciar de outros conceitos próximos, principalmente o de meio inovador, do qual se constitui uma evidente declinação semântica e linguística. De outro lado, se considera que o conceito de região inteligente se configura como um upgrading conceitual e normativo, desde quando oferece uma perspectiva de maior adequação ao novo paradigma téorico-produtivo baseado na utilização das modernas tecnologias de informação e na telemática, o qual condiciona toda a estrutura e funcionamento da nova economia, abrindo inéditas oportunidades para competir inovando.
As “regiões inteligentes” correspondem basicamente a um patamar superior de transformação dos “sistemas produtivos locais”, dotando-os de capacidades reforçadas para competir eficaz e sustentadamente à escala internacional.
A noção de “região inteligente” apresenta quatro aspectos relevantes para o aprofundamento da relação entre inovação e desenvolvimento territorial:
centra o debate em torno das condições territoriais de desenvolvimento, complementando as visões que valorizam a ótica dos impactos territoriais;
cria uma matriz que permite integrar grande parte do patrimônio recente das diversas ciências regionais, assegurando uma coerência e uma finalidade claras;
defende uma análise preocupada em entender, de forma sistêmica, as práticas dos diversos atores (individuais e coletivos) no quadro de comunidades territoriais específicas;
fornece argumentos favoráveis ao reforço da importância das políticas de base territorial. (FERRÃO, 1996, apud SANTOS, 2002c, p. 303-304).
A competitividade e a sustentabilidade regionais de longo prazo têm menos a ver com a eficiência de custos e mais a ver com a capacidade das empresas e instituições para inovar, isto é, para incrementar a respectiva base de conhecimentos. Assim, a inovação é ditada pela boa gestão e eficiente utilização dos fluxos estratégicos de informação e criação de conhecimento.
Segundo Santos (2002c), a palavra-chave do conceito de sistema regional de inovação parece ser “interação” ou networking entre empresas, entre empresas e instituições da envolvente de apoio, entre estas próprias instituições. Subjacente à noção de sistema regional de inovação está a idéia de que a indução de padrões empresariais mais inovadores, qualificados e competitivos, é função dos arranjos organizacionais e institucionais que estruturam um determinado território numa entidade de coordenação policêntrica.
Distinguem-se, analítica e politicamente, dois tipos de “sistemas regionais de inovação”: um que é resultante da regionalização do sistema nacional de inovação, e outro que decorre da existência de uma abordagem mais endógena e territorializada da promoção de uma política de inovação regional. Neste sentido, Bjorn Asheim e Arne Isaksen (Location, agglomeration and innovation: towards regional innovation systems in Norway, 1997), sugerem que:
[...] por um lado, encontramos sistemas de inovação que são partes de um sistema nacional de inovação regionalizado, ou seja, partes da base produtiva e da infra-estrutura institucional localizadas na região, mas funcionalmente integradas em, ou equivalentes a, sistemas nacionais (ou internacionais) de inovação, que são baseados numa abordagem centralista e no modelo linear de inovação; por outro lado, podemos identificar sistemas de inovação constituídos por partes do tecido produtivo e da esfera institucional que se encontram verdadeiramente ancorados e integrados numa determinada região, derivando, portanto, de uma abordagem territorialista de desenvolvimento e de um modelo interativo de fomento da inovação. Cremos que, no âmbito terminológico, pelas razões já aduzidas, se pode passar a distinguir um do outro, denominando o primeiro de sistema regionalizado de inovação e o segundo de, esse sim, sistema regional de inovação ou sistema territorial de inovação. (ASHEIM e ISAKSEN, 1997, apud SANTOS, 2002c, p. 306-307).
Atualmente, e cada vez mais, o conceito de “sistema regional de inovação” assume um papel eminentemente instrumental, muito associado às políticas de inovação e à implementação de estratégias regionais de inovação, diferenciando-se, por essa dimensão operativa, das abordagens anteriores de modelos de crescimento e desenvolvimento regional. O objetivo principal deste modelo, segundo Santos (2002c), é reforçar os patamares territoriais de competitividade, tornando os “meios” mais “inovadores” e as “regiões” mais “inteligentes” – no âmbito do clássico trade-off entre a curiosity e a utility, com o modelo dos sistemas regionais de inovação tendendo nitidamente para a segunda.
O (Quadro 1.1, p. 114) apresenta uma comparação entre as principais características dos modelos de Distrito Industrial, Meio de Inovação / Região Inteligente e Sistema Regional de Inovação.
Distrito Industrial Meio Inovador / Região Inteligente Sistema Regional de Inovação
Surgimento Espontâneo; como sistema produtivo local. Espontâneo / induzido; como entidade cognitiva. Induzido; como entidade organizacional.
Clima predominante Atmosfera industrial. Cultura empresarial. Cultura empresarial e científica.
Sistema produtivo Industrial; especialização produtiva numa ótica de divisão setorial do trabalho; PME; verticalmente desintegrado; autocentrado. Industrial e terciário; diver-sificação produtiva numa ótica de divisão intra-setorial do trabalho; grandes e PME; integração quase-vertical; aberto. Industrial e terciário; diver-sificação produtiva numa ótica de divisão intra-setorial do trabalho; grandes e PME; integração quase-vertical; aberto.
Relações não mercantis entre as empresas Intensidade das relações extra-produção; redes inter-pessoais informais de circulação de informação; forte mobilidade horizontal e vertical da mão-de-obra. Intensidade das relações extra-produção; importância e diversidade das relações não-mercantis formalizadas (redes de cooperação, parcerias estratégicas, etc.). Intensidade das relações extra-produção; importância e diversidade das relações não-mercantis formalizadas (redes de cooperação, parcerias estratégicas, etc.).
Relações das empresas com a envolvente institucional de apoio especializado Baixa intensidade de contatos; casuísticas. Elevada intensidade de contatos; estratégicas. Elevada intensidade de contatos; estratégicas.
Relações com o exterior Abertura ao exterior via fornecedores e clientes. Forte abertura ao exterior; inserção nos circuitos internacionais de transferência de informação e conhecimento. Forte abertura ao exterior; inserção nos circuitos internacionais de transferência de informação e conhecimento.
Estruturas reticulares Compactas; redes sem centro estratégico. Compactas, com empresa-líder ou com empresa-pivot. Com empresa-pivot ou instituição-pivot (universidade, centro tecnológico, etc.).
Lógica Comunitária; de sobrevivência; evitar que as respectivas economias se restrinjam a meros locais de inscrição de movimentos exógenos de interação organizados completamente do exterior. De parceria; criação de mecanismos coletivos de aprendizagem como motor da renovação competitiva da base produtiva; fomento do potencial de inovação. De parceria; arquitetura institucional como alavanca da competitividade empresarial e territorial; fomento do potencial de inovação; afirmação de uma estratégia regional de inovação
Formas dominantes de conhecimento Tácito; contextual. Codificado; global. Codificado; global.
Formas dominantes de aprendizagem By doing, by using, by interacting. By doing,, by interacting,by networking. By searching, by networking.
Modalidades dominantes de inovação Incremental; adaptativa; do produto e do processo. Incremental e radical-first of its kind; do produto,`do processo e organizacionais. Incremental e radical-first of its kind; do produto, do processo e organizacionais.
Dinâmica de crescimento Concorrência-emulação-cooperação; assente numa mobilização social alargada; risco empresarial amparado socialmente. Concorrência-cooperação; induzida pela ativação dos circuitos de difusão de informação e conhecimento; risco empresarial amparado institucionalmente. Fertilização cruzada; fortemente induzida pelo universo institucional de apoio; ajustamento dinâmico entre as esferas empresarial e institucional; risco empresarial amparado institucionalmente.
Riscos potenciais Lock-in sócio-tecnológico; barreiras à entrada e à informação; crescimento dos fenômenos de hierarquização empresarial; comportamentos desviantes. Locks-in relacional e tecnológico; barreiras à saída. Locks-in relacional e tecnológico; barreiras à saída; esclerose institucional; estatização das redes de cooperação.
Quadro 1.1 Comparação Sinótica entre Distrito Industrial, Meio Inovador / Região Inteligente e Sistema Regional de Inovação
Fonte: Santos, in Costa, 2002, p. 312-313.