Paulo Ricardo Machado Weissbach
Qualquer tentativa de proposição de instrumentos ou medidas para o desenvolvimento turístico deve levar em consideração a viabilidade da atividade. Estudos vêm sendo realizados no sentido de desmistificar a aura de redenção pelo turismo. Pressupõe-se que o turismo pode atuar como indutor do crescimento econômico a partir de condições pré-existentes e de políticas específicas para o setor . Entretanto, conceber o turismo exclusivamente como promotor do desenvolvimento econômico é, de certa maneira, ser leviano. Sabendo desta situação, e à luz do estudo descritivo até o momento realizado, é que neste título se estuda as políticas públicas de turismo, a atuação do poder público no setor e sugerem-se direções para as políticas públicas para o turismo no espaço rural da área da Rota das Terras.
4.1 Políticas públicas de turismo
Em um significado amplo, a política abrange toda a sorte de relações e ações que implicam a consecução de um estado de bem-estar para a coletividade. Morin (1995, p. 143) assim se pronuncia acerca da política:
[...] a política deve tratar da multidimensionalidade dos problemas humanos. Ao mesmo tempo, como o desenvolvimento se tornou um objetivo político maior e a palavra desenvolvimento significa (certamente de forma pouco consciente e mutilada) a incumbência política do devir humano, a política se incumbe, também de forma pouco consciente e mutilada, do devir dos homens no mundo. E o devir do homem no mundo traz em si o problema filosófico, doravante politizado, do sentido da vida, das finalidades humanas, do destino humano.
Então, o significado deturpado e preconceituoso da política como um instrumento de favorecimento pessoal ou de um grupo restrito, não faz sentido. Ao contrário, a política denota um relacionamento estreito com o coletivo, ao qual está intrinsecamente vinculada e do qual faz parte como elemento e conteúdo.
Cruz, P.M. (2001, p. 56) afirma que política é: “Toda a atividade humana que tende a orientar ações que significam a solução de problemas sociais, através de atos imperativos expressos, prevendo benefícios e sanções e resolvendo conflitos é uma atividade política”.
Neste sentido, para o autor, a política é um instrumento necessário na vida social humana para a concretização de uma ordenação que privilegie as questões intrínsecas de direitos e deveres sociais. Como agente regulador, normatizador e mediador da vida social, o Estado é a síntese da ação política no âmbito de um espaço nacional. Assim o Estado se apresenta como um elemento de diálogo entre as possibilidades e as necessidades sociais. Assim, Ferreira (1986, p. 1358) diz que a política é o “[...] conjunto de objetivos que enformam determinado programa de ação governamental e condicionam a sua execução.” Montejano (1991, p. 25) considera a política como: “[...] ciencia del Estado que trata sobre la actividad relacionada con el bien público de la sociedad basada en el conjunto de operaciones realizadas por individuos, grupos o poderes estatales [...]”.
Bobbio (1987, p. 26) garante:
A vida de um Estado moderno, no qual a sociedade civil é constituída por grupos organizados cada vez mais fortes, está atravessada por conflitos grupais que se renovam continuamente, diante dos quais o Estado, como conjunto de organismos de decisão (parlamento e governo) e de execução (o aparato burocrático), desenvolve a função de mediador e garante mais do que a de detentor do poder de império segundo a representação clássica da soberania.
A mediação empreendida pelo Estado objetiva a resolução de conflitos que conduzam para um sentimento geral de melhoria da vida coletiva. Eis porque o Estado tem a sua razão de ser em função do que é coletivo.
Outro conceito que merece ser verificado é o do significado de público. No senso comum, público representa o que é de todos. Conforme Ferreira (1986, p. 1414), público significa: “Do, ou relativo, ou pertencente ou destinado ao povo, à coletividade; relativo ou pertencente ao governo de um país; que é de uso de todos; comum.” Verifica-se, pela definição, não um duplo significado, mas uma dupla interpretação do que vem a ser público. No mesmo tempo que público encontra a significância do senso comum (que é de todos), ele diz respeito ao que pertence ao governo. Se estender a busca conceitual, pode-se ver que governo é sinônimo de direção, condução, administração, domínio e controle. Em um sistema democrático, o governo resulta de uma delegação feita por parte da coletividade. Retornando ao punctun saliens, tem-se que o que é público, embora pertencente diretamente ao governo, pertence, em verdade e indiretamente, a coletividade. Deste modo, os significados permanecem iguais.
Verificando o significado de política pública, pode-se dizer, preliminarmente, tratar-se da coordenação no sentido de apontar metas para os órgãos que atuam em determinada atividade, com a finalidade de que estes possam atingir objetivos, através de estratégias claras e definidas. Estes objetivos tendem, a “[...] encontrar soluções conciliatórias para resolver demandas de assuntos públicos incluídos na agenda do governo.” (BOVO; 2006, p. 16). Neste sentido, os objetivos devem ser traçados em razão de prioridades definidas pelas populações envolvidas e por todos os agentes com participação na atividade, dentro de um plano coordenado entre os vários organismos reguladores do empreendimento desejável. Belloni et al. (2001, p. 44) dizem que política pública “[...] é a ação intencional do Estado junto à sociedade.” Desta forma ela é voltada para a sociedade e envolve recursos sociais, conforme a autora. Já para Frischeisen (2000, p. 76) política pública sugere “[...] a idéia de [...] objetivos, previamente definidos, relacionados com os meios racionalmente possíveis e adequados para atingi-los.” Segue a autora enfatizando que também relacionada “[...] está a noção de estratégia de agrupamentos humanos para a consecução de determinadas finalidades.”
Bovo (2006, p. 17), garante que a política, sem propostas de políticas públicas, “[...] corre o risco de tão somente concentrar-se na distribuição de poder entre os agentes políticos e sociais e deixar de resolver as necessidades apresentadas pela demanda da sociedade e pela vontade coletiva [...].”
Belloni et al. (2001, p. 50) apontam os sujeitos envolvidos na política pública, destacando os formuladores (dirigentes nacionais, estaduais e municipais agindo diretamente na definição dos objetivos, prioridades, estratégias e respectivos projetos e programas); os executores da atividade (instituições públicas e privadas que implementam as atividades e que também podem formular e implementar políticas no âmbito de suas responsabilidades); e os beneficiários das atividades.
Hall (2001, p. 26) diz que a elaboração de políticas públicas é “[...] uma atividade política e essas são influenciadas por características econômicas, sociais e culturais da sociedade, assim como pelas estruturas formais dos governos [...].” Desta forma as políticas públicas dizem respeito ao que o governo decide fazer ou não. Disto depreende-se que a política pública é resultado da ação do governo ou de sua omissão, isto é, depende de uma escolha deliberada.
Segundo Belloni et al. (2001, p. 77) as políticas públicas são melhor elaboradas e efetivadas quando se considera o princípio da descentralização, ou seja, “[...] a transferência, no todo ou em parte, das ações de planejamento, execução e controle para as instâncias de governo mais próximas do usuário, tais como municípios e distritos ou regiões administrativas de planejamento.” Em vista disso, a atuação do setor público municipal é fundamental. Além dele, outros setores organizados da comunidade também podem fazer parte nas tarefas de planejamento. Neste ponto convém destacar o papel que os conselhos regionais de desenvolvimento podem exercer no auxílio da elaboração de políticas públicas voltadas para o turismo regional, no caso deste estudo, o Conselho Regional de Desenvolvimento do Alto Jacuí (CONDAJ), que abrange a maior parte dos municípios que integram o roteiro estudado. Os conselhos regionais de desenvolvimento são fóruns onde, em tese, a participação da comunidade em geral é possível. Diz-se em tese porque é sabido o fraco incentivo que é dado para que a população, seja individualmente ou organizada, participe de fóruns que deliberem sobre o planejamento público, seja no âmbito da decisão do que fazer, seja no âmbito da destinação dos recursos públicos.
Demo (1996, p. 22) acerca da urgência da organização e da participação da sociedade na tomada de decisões argumenta que é “[...] politicamente pobre aquela sociedade tão debilmente organizada, que não passa de massa de manobra nas mãos do Estado” ou que “[...] aceita um Estado avassalador e prepotente”, justificando o processo de participação de toda a população na elaboração das normas que regerão a vida em sociedade. Caso contrário há o risco de, segundo o mesmo autor, “as regras do jogo” camuflarem a ironia de um “jogo sem regras”. Eis porque a participação da comunidade no arranjo turístico local torna-se primordial nas considerações que pretendam empreender na atividade. Hall (2001, p. 193) argumenta no mesmo sentido:
A questão do governo como defensor do interesse público ou comum encontra-se no centro das questões que cercam o papel que ele desempenha no planejamento turístico. Isso também nos faz questionar a natureza democrática do planejamento e da elaboração de políticas – até que ponto as decisões referentes a planejamento e política estão abertas ao escrutínio e debate público e, assim, dão condições para que tais condições sejam vistas como legítimas na esfera pública.
Outro fator a considerar é a desvinculação dos setores público e privado, como se um não dependesse ou complementasse o outro. Assim, quando conveniente, o setor privado afasta-se do setor público, em geral com temor de que a histórica pecha do público como sinonímia de incompetente, burocrata e deficitário, lhe alcance. É óbvio que esta postura decorre do fato dos ganhos financeiros do setor privado estarem correspondendo às suas expectativas, pois caso contrário, o setor público seria o primeiro a ser lembrado para um eventual socorro ou ser responsabilizado como um dos prováveis culpados do insucesso do investimento.
Já a omissão do setor público em normatizações, serviços ou infra-estrutura, dá-se, pela suposição de que não haverá um retorno financeiro ou político compatível com o investimento. Desta forma cria-se um impasse, que só será resolvido se houver a articulação entre os setores em função de interesses comuns.
Assim se pronuncia Bobbio (1987, p. 27) a este respeito:
Os dois processos, de publicização do privado e de privatização do público, não são de fato incompatíveis, e realmente compenetram-se um no outro. O primeiro reflete o processo de subordinação dos interesses do privado aos interesses da coletividade representada pelo Estado que invade e engloba progressivamente a sociedade civil; o segundo representa a revanche dos interesses privados através da formação dos grandes grupos que se servem dos aparatos públicos para o alcance dos próprios objetivos. O Estado pode ser corretamente representado como o lugar onde se desenvolvem e se compõem, para novamente decompor-se e recompor-se, estes conflitos, através do instrumento jurídico de um acordo continuamente renovado, representação moderna da tradicional figura do contrato social.
Entende-se, então, que não será possível uma atividade lograr um desenvolvimento satisfatório, seja em âmbito social ou econômico, se não ocorrer uma concorrência de objetivos e ações que contemplem ambos os setores. E nesta consideração, cabe a execução de parcerias.
Na atualidade muito se fala em parcerias, no sentido de promover ações conjuntas em prol de objetivos comuns. As Diretrizes para o Desenvolvimento do Turismo Rural no Brasil, inclusive, propõem o seu estabelecimento (MTUR/DIRETRIZES..., 2005). Zapata e Parente (2004, p. 2) sobre as parcerias se pronunciam:
Parece existir um consenso em torno da dimensão institucional do desenvolvimento em três direções: a importância do território local e, conseqüentemente dos governos locais como articuladores e aglutinadores das políticas de desenvolvimento; a importância da participação da sociedade como protagonista do planejamento, da implementação e avaliação das ações de desenvolvimento; e a relevância das parcerias públicas-privadas para a concretização das iniciativas de desenvolvimento.
No entanto, as parcerias em vista, não raro, são tentadas com o intuito de obter vantagens, ou melhor, somente obter vantagens para um dos parceiros. Assim, vê-se o poder público buscar “parcerias” com investidores privados e nesta relação de troca os agentes municipais procuram na verdade desonerar-se de certas responsabilidades, atribuindo aos “parceiros” o ônus do investimento. O suposto ônus para o setor privado na verdade representa uma possibilidade deste setor exagerar em seus ganhos, atribuindo um valor maior ao produto. Em sentido literal tem-se que parceria corresponde ao estado ou condição de quem é sócio ou parceiro, implica em associação, participação, cooperação mútua para a realização de um objetivo comum (SACCONI, 1999, p. 505). Conforme o significado do termo, as ações decorrentes de uma parceria seriam cooperativas. Não se exclui que os parceiros do setor público obtenham alguma vantagem secundária. Aos agentes públicos cabem, como se sabe, o poder de controlar, conduzir e orientar os procedimentos que levem ao desenvolvimento local. A parceria, por seu sentido original, deve ser considerada como um relacionamento e não como um negócio, onde a sua permanência depende da capacidade de criar valor agregado para ambas as partes (ZAPATA; PARENTE, 2004, p. 4).
A exemplo de outras atividades o turismo, para ser desenvolvido, depende da implementação de atividades preliminares como: serviços urbanos básicos, comércio, serviços de hospedagem, de alimentação, etc., as quais se entendem por infra-estrutura, mas que por si só não bastam, pois devem considerar também a potencialidade turística do local e as ordenações que conduzam para o seu pleno aproveitamento. Assim, o desenvolvimento da atividade carece de iniciativas integradas e coordenadas que conjuguem esforços, gerando atitudes pensadas das quais emergem as ações governamentais reguladoras da atividade denominadas de políticas públicas.
De acordo com Cruz (2000, p. 40) uma política pública de turismo “[...] pode ser entendida como um conjunto de intenções, diretrizes e estratégias estabelecidas e/ou ações deliberadas, no âmbito do poder público, em virtude do objetivo geral de alcançar e/ou dar continuidade ao pleno desenvolvimento da atividade turística num dado território.”
Segundo Castelli (2001, p. 63), a política de turismo decorre de todas as iniciativas ligadas ao turismo, sejam elas advindas do setor público quanto do privado, isoladas ou coordenadas entre si, estando intimamente ligadas à política econômica geral. Barretto; Burgos e Frenkel (2003, p. 33), de forma genérica, entendem por política pública a ação do Estado orientada pelo interesse geral da sociedade, argumentando que no turismo essas políticas deveriam ser formuladas no sentido de projetar o desenvolvimento harmônico da atividade. Destarte, seriam ações do Estado, além da construção de infra-estrutura básica, da criação de uma “[...] superestrutura jurídico administrativa, cujo papel é planejar e controlar que os investimentos que o estado realiza [...] retornem na forma de benefícios para toda a sociedade.” (BARRETO; BURGOS; FRENKEL, 2003, p. 33).
A Organização Mundial de Turismo considera que a política de turismo deve ser uma parte da política econômica geral de um país e que elas é concretizada em declarações formais, tais como leis e documentos ou falas oficiais, mas que também podem ser “[...] informais e não declaradas, sendo identificadas a partir de padrões ou tendências da ação governamental.” (OMT, 2003, p. 193). De outro modo, Beni (2006, p. 91) diz que:
A política é um curso de ação calculado para alcançar objetivos, ou seja, direções gerais para o planejamento e a gestão do turismo baseadas em necessidades identificadas dentro de restrições de mercado e de recursos. Políticas são orientações específicas para a gestão diária do turismo, abrangendo muitos aspectos operacionais da atividade. Numa visão bem simplista, elas procuram maximizar os benefícios e minimizar possíveis efeitos adversos e, como tal, fazem parte do desenvolvimento planejado de uma região ou país, em que é necessário criar, desenvolver, conservar e proteger recursos turísticos (grifo do autor).
Montejano (1991, p. 25) admite que a política apresenta duas vertentes: uma como sendo a macropolítica ou política geral do Estado e a outra como sendo uma micropolítica ou política especializada. Nesta última é que está encerrada, segundo o autor, a política turística. Esta política estabelece as diretrizes de ordenação, planejamento, promoção e controle da atividade turística.
Campanhola; Graziano da Silva (2005, p. 2), ao proporem diretrizes de políticas públicas para o novo rural brasileiro, argumentam para a necessidade de políticas públicas específicas para as atividades não-agrícolas no meio rural.
No mesmo sentido escreve Fennel (2002, p. 131):
As políticas de turismo [...] englobam um amplo espectro de preocupações ligadas à implementação de programas de turismo em todo o mundo, incluindo-se os relacionamentos sociais, ecológicos e econômicos [...]. Além disso, muitas discussões têm envolvido a idéia da regulamentação como um meio de se obter um elemento mais forte de controle na formatação e na implementação dos produtos [...].
A inexistência de planejamento turístico pode ser apontada como o causador do crescimento desordenado da atividade, fazendo com que os benefícios, sejam eclipsados pelos efeitos nocivos. Deste modo, para que haja um ordenamento racional do turismo, as políticas públicas devem ser resultado de um planejamento minucioso que origine planos, programas ou projetos turísticos .
Lickorish e Jenkins (2000, p. 224) afirmam que se política é “[...] uma consideração sensata de alternativas”, a política de turismo deve verificar a melhor maneira de alocar os recursos em favor da atividade, sabendo que estes recursos não são infinitamente inesgotáveis ou disponíveis.
A responsabilidade da autoridade pública, portanto, é grande e fundamental. Em primeiro lugar porque ela é “[...] reguladora e guardiã do benefício público” (se encarregando de questões básicas, tais como a saúde, segurança, etc) e também porque ela deve “liderar a tarefa de atrair e receber visitantes”, como operador direto do turismo. Assim, cumpre ao poder público duplo papel no desenvolvimento turístico (LICKORISH; JENKINS, 2000, p. 249).
Uma das razões da carência de políticas públicas voltadas para o turismo é a crença dos governos que o assunto deva ser pauta do setor privado. E mesmo que governantes ligados à atividade façam propostas no sentido de ordená-la, essas atitudes são desiguais e divergentes quando se trata de se integrar as demais políticas públicas, como as voltadas para o meio ambiente, transporte, indústria, agricultura, entre outras. Por outro lado, deve-se manter cautela quanto à burocracia pública que por vezes é exagerada e até totalitária, atribuindo-se prerrogativas e funções e ignorando a comunidade para a qual deveriam ser a razão.
Há uma crença generalizada de que o turismo possa ser a “tábua de salvação” da economia de uma localidade. Embora apresente um caráter dinâmico e uma tendência contemporânea de crescimento deve-se relativizar os ganhos exagerados em função das prováveis perdas, como as degradações ambientais e sociais, justificando a necessidade de medidas que orientem o arranjo turístico das localidades.
Fennel (2002, p. 135) declara que a “[...] a tendência de traçar políticas para o século XXI vai além das discussões convencionais relacionadas ao marketing, à promoção, aos incentivos fiscais, às acomodações e ao transporte [...]”, mas há de se considerar questões mais gerais e abrangentes. Entretanto, continua o autor, a classe política e as populações têm dado provas de que há um amadurecimento na formatação de decisões que envolvam as discussões turísticas, indo além da mera atração de turistas e da implementação da infra-estrutura necessária (FENNEL, 2002, p.135).
No Brasil, apenas após 1990 o turismo passou a contar com políticas públicas setoriais. A Política Nacional de Turismo, como instrumento de promoção e desenvolvimento social e econômico do turismo, acha-se regulada através da Lei 8.181, de 28 de março de 1991, sendo que o Decreto nº 448/92 determina que o poder público dê apoio técnico e financeiro para que o turismo se firme como fator de desenvolvimento regional, amenizando os desequilíbrios regionais existentes no país (MAMEDE, 2002, p. 28-29).
Cruz (2001, p. 9) explica:
Uma digressão histórica sobre políticas nacionais de turismo no país mostra que nem sempre essas políticas foram claramente explicitadas, além de terem se reduzido a aspectos parciais da atividade. Isto repercutiu, negativamente, sobre as políticas públicas para o setor [...] pois sem a referência de uma política nacional, políticas e planos de turismo [...] ignoraram a possibilidade de concatenação entre si e com outras políticas setoriais.
Beni (2006, p. 18) assegura, igualmente, que:
As políticas públicas de turismo no Brasil sempre tiveram impacto sobre o setor propriamente dito e sobre Estados e municípios, o que poderia justificar, em parte, desacertos acerca da ausência constante de uma orientação maior que indicasse explicitamente objetivos, metas, prioridades e metodologia na elaboração de projetos e programas. Tais políticas também sofreram com a ausência de uma integração com outras políticas setoriais.
Na atualidade a política de turismo nacional acha-se explicitada no Plano Nacional de Turismo editado pelo Ministério do Turismo e cujas formulações destinam-se para o período de 2003-2007 . Neste documento a atividade é concebida como um instrumento de crescimento social e econômico que busca a desconcentração de renda por intermédio da regionalização, interiorização e segmentação (MTUR/PNT, 2005). É intenção deste documento que o turismo seja uma fonte geradora de empregos e ocupações, aproveitando os produtos turísticos regionais baseados na genuinidade e identidade cultural do povo brasileiro. A gestão turística nacional no que se refere às políticas de turismo é gerida pela Secretaria Nacional de Políticas de Turismo, órgão do Ministério do Turismo, e cujo é objetivo é elaborar, analisar e avaliar a execução da política nacional de turismo (MTUR/ORGANOGRAMA, 2006).
No que diz respeito às políticas públicas para o turismo no espaço rural no país, o Ministério do Turismo editou, em 2003, as Diretrizes para o Desenvolvimento do Turismo Rural no Brasil. Este instrumento, que está inserido no PNT, pretende que o produto turístico no Brasil seja diversificado, além de interiorizar a atividade, valorizar as diferenças regionais e aumentar os postos de trabalho e de renda no espaço rural. A regulamentação existente em nível nacional implica na existência de regularizações regionais que atendam, especificamente, às realidades locais.
Bricalli (2003, p. 47) indica a necessidade de políticas públicas para o rural nos seguintes termos:
A presença das atividades não necessariamente vinculadas com a produção agropecuária em si, abre oportunidade para que o meio rural ofereça à sociedade, outras funções além da produção de alimentos. Neste contexto, a paisagem rural, a cultura local e as inter-relações sociais que eram elementos até então tidos como secundários e sem importância em termos de desenvolvimento, começam a ser valorizados e entram definitivamente na pauta de discussões sobre as políticas públicas para as áreas rurais.
Como medida de regulamentação, fomento e ordenação, as políticas públicas para o turismo no espaço rural vêm preencher um espaço, em que as ações se acham difusas ou, inexistentes. A título de exemplificação, Mattei (2005, p. 5) argumenta que as ocupações criadas em razão do turismo, na atualidade, são preenchidas por pessoas de fora da localidade rural onde ocorre o turismo. Isto ocorre, em parte, pela falta de políticas públicas que viabilizem a ocupação da mão-de-obra local.
Assim como as políticas públicas são necessárias para que se busque um estado de desenvolvimento positivo, elas também são importantes para corrigir ou evitar prováveis pontos negativos tais como: demanda turística aquém do esperado (seja em termos quantitativos globais quanto em termos quantitativos sazonais), geração de renda e de emprego que não justifica o investimento, priorização do turismo em detrimento da agropecuária. Mattei (2005, p. 6) alerta para o fato de o turismo rural não ter muita importância na agricultura familiar no que tange a geração de renda e de emprego, mas apresenta relevância na “dimensão sócio-cultural”, que valoriza a cultura e os hábitos locais. Afirma o autor que a potencialização do turismo no espaço rural pode se dar através da organização de circuitos turísticos.
Como aponta Santos (2005, p. 4), as “[...] políticas de apoio à agricultura familiar devem, inclusive, contemplar aquelas atividades não-agrícolas, como por exemplo, a industrialização, a produção artesanal e o turismo rural, atividades com grande potencial de geração de renda e ocupação.” Ou seja, embora se proponham políticas públicas para o turismo, elas não devem estar desvinculadas de outras formas de produção, como também as políticas voltadas aos produtores familiares não podem ser unicamente agrícolas.
Graziano da Silva (2002, p. 122) argumenta que em face do novo rural, um novo conjunto de políticas deve ser criado para este meio. O autor sugere, para o caso brasileiro, a criação das seguintes políticas:
- Políticas de “desprivatização” do espaço rural (voltadas para a criação de moradias e áreas de lazer);
- Políticas de urbanização do meio rural (criação de infra-estrutura urbana básica no meio rural);
- Políticas de geração de renda e ocupações não-agrícolas;
- Políticas sociais compensatórias ativas (programas de aposentadorias e de renda mínima);
- Re-ordenamento político-institucional (voltadas para as novas formas e arranjos do rural).
Torna-se relevante, na consideração da elaboração de políticas públicas para o turismo no espaço rural, a participação da população local, anteriormente focada de modo superficial. Um desenvolvimento rural que não seja restrito ao aspecto econômico deve considerar os anseios e necessidades locais. Santos (2004, p. 36) sentencia:
Um desenvolvimento local rural economicamente viável deve ser socialmente justo e culturalmente adaptado ao contexto local. [...] Na sua maioria, os planos de desenvolvimento local rural traçam seus estudos principalmente tomando em conta aspectos socioeconômicos. A participação tanto do proprietário rural e da população local rural na realização e análise dos dados, bem como de sua avaliação dos resultados, propiciam o nascimento de um conceito atual de um planejamento participativo rural local e turístico único.
Além disso, levando em conta que o ordenamento turístico ocorre no espaço rural, há de se considerar a questão da participação dos produtores rurais no sentido de ver seus anseios atendidos. Schneider (2003, p. 95) explica:
A reprodução social, econômica, cultural e simbólica das formas familiares dependerá de um intricado e complexo jogo através do qual as unidades familiares relacionam-se com o ambiente e o espaço no qual estão inseridas. Nele os indivíduos e a família devem levar em conta o bem-estar e o progresso de sua unidade de trabalho e moradia e as possibilidades materiais de alcançar determinados objetivos.
A participação é fundamental em um processo que vislumbre a coletividade. Nenhuma ação, que intente ações que terão repercussão em uma comunidade, deverá ser tomada de modo individual e sem a consulta da população envolvida. Castrogiovanni (2003, p. 45) diz que mesmo existindo o processo de planejamento turístico, é necessária a participação da comunidade receptora para que a mesma seja co-autora na gestão local. A participação implica na gestão local do território.
A participação da população serve como articuladora entre a realidade local e as ações e planejamento. Desta maneira Bovo (2006, p. 57) enfatiza que: “A participação se refere à possibilidade que os indivíduos ou grupos têm para influir, se fazerem presentes na determinação da agenda pública e também na formulação, execução e avaliação das políticas públicas.” A participação serve como um instrumento de mediação entre os interesses, revelando uma preocupação com os destinos da localidade. Neste sentido, “[...] o espaço ideal para o exercício da democracia participativa é o município onde, de fato, as demandas e as aspirações do ser humano se estabelecem.” (BOVO, 2006, p. 58).
Atkinson e Barrow (1994, p. 40) propõem cinco ações para incentivar a participação da população em atividades turísticas, propondo as seguintes metas:
● Realzar el valor de su patrimonio local, aumentando su orgullo de vivir en ese lugar.
● Ayudar a las comunidades locales a interpretar y presentar su patrimonio, basándose en su propia percepción de su significado.
● Complementar la regeneración económica, mejoras medioambientales e iniciativas turísticas.
● Ayudar a constituir o asistir a organizaciones voluntarias a iniciar y desarrollar sus propios proyectos.
● Aprovechar el entusiasmo y conocimiento local.
Convém pensar que nenhuma proposta será válida se não for assentada em propósitos realistas e em fundamentos concretos de viabilidade, exeqüibilidade e de compensação assegurada de uma vida melhor para a população, pois como afirma Talavera (2002, p. 45-46):
La mejora de la calidad de vida, la educación, la formación profesional, la rehabilitación y conservación son loables, en tanto que dejen de ser manifestaciones de política-ficción y pasen a ser metas preferentes de la planificación turística rural. Es en este ámbito en que se puede favorecer conjuntamente la cultura, la interacción social y las pequenãs/medianas economías. Fuera de ello, estamos creando, conscientemente, estéticamente bellas utopías y falsas ilusiones de futuro.
Quiçá iniciativas pioneiras sejam conjugadas no sentido de dar corpo a uma série de atitudes que culminem em um desenvolvimento pleno das comunidades rurais. Neste aspecto, lembre-se iniciativa européia do LEADER (Ligação entre Acções de Desenvolvimento da Economia Rural), cujos objetivos de promover o desenvolvimento rural em face de iniciativas inovadoras, troca de experiências exitosas e intercâmbio internacional, têm surtido um efeito benéfico na economia rural daquele continente.
Outro aspecto a considerar na elaboração de políticas públicas é a possibilidade de serem articulados grupos com interesse em comum, no chamado associativismo ou redes de cooperação. O associativismo tem se mostrado positivo no desenvolvimento e na organização de vários setores da economia. Ele permite que as transações comerciais sejam feitas com uma vantagem maior para o associado, na medida em que permite a obtenção de um preço menor de compra (em virtude da quantidade maior de produtos negociados), a capitalização do grupo associado, redução da burocracia, redução de custos de transporte, armazenagem e distribuição.
O sistema de “Redes de Cooperação” tem sido definido como um agrupamento de pequenas e médias empresas independentes que se organizam tendo por fundamento a proximidade física de suas instalações e a relativa similaridade de objetivos e produtos negociados, tendo em vista aumentar o grau de competitividade e de cooperação no mercado (SEBEN; SILVA, 2005, p. 1-4). Os mesmos autores enfatizam que as redes de cooperação representam “[...] uma nova possibilidade de organização empresarial, superior às fundamentadas sobre o mercado puro e sobre as hierarquias verticalizadas das empresas.” (SEBEN; SILVA, 2005, p. 6). Ainda estes autores afirmam que as redes de cooperação apresentam viabilidade no setor turístico tendo em vista que a maioria das empresas que atua no setor é caracterizada como de médio e pequeno porte.
É importante lembrar, por fim, que o Programa de Turismo Rural na Agricultura Familiar do MDA/SAF/PRONAF, coloca como princípio básico para o empreendimento em turismo no espaço rural a prática do associativismo, sugerindo que as atitudes isoladas tendem a ser menos proveitosas do que aquelas feitas em conjunto.