Paulo Ricardo Machado Weissbach
A revalorização do rural, contida nas práticas de excursões ao campo, de veraneios e das atividades de lazer bem como outras diversas formas de sua utilização e consumo, tem se fundado na grande expressão planetária que tomou o ambientalismo nas últimas décadas. As apelações de reencontro com a natureza, a harmonia, a qualidade de vida e o respeito com o meio ambiente, que se apresentam nos discursos ressignificadores do rural, tem evidenciado a crise da idéia de progresso contínuo e sem limites que acalentou o projeto modernizador via industrialismo e urbanização dos últimos 200 anos. [...]. (FROEHLICH, 2000, p. 183).
“O espaço rural não é mais o mesmo”. Não somente nos meios acadêmicos, esta afirmação tem sido proclamada amiúde. O senso comum já incorporou a noção de que “algo” mudou no espaço rural. Autores como Silva apud Sauer (1998, p.102) apontam para uma urbanização do espaço rural, sobretudo em decorrência do “[...] processo de industrialização da agricultura e da penetração do mundo urbano-industrial naquilo que tradicionalmente era definido como rural”.
A agroindústria e o agronegócio incorporaram tecnologias e procedimentos que aproximaram e turvaram ainda mais as linhas que separavam o rural do urbano. O homem rural está interagindo mais com o resto do mundo em função das tecnologias de comunicação que chegaram ao espaço rural, adoção e práticas de novas formas de transformar a realidade estão presentes em seu dia-a-dia.
Sobre a transformação do espaço rural, Sauer (1998, p. 102) se expressa da seguinte forma:
[...] hoje já não se pode identificar o mundo rural exclusivamente com a agricultura, portanto, o mundo rural se tornou uma extensão do urbano, tanto do ponto de vista espacial como das relações produtivas. Em relação às atividades produtivas, além do processo de mecanização e tecnificação, está ocorrendo uma transformação nas formas de organização, contratação e gerenciamento do trabalho e crescimento de atividades não-agrícolas no meio rural.
O Projeto Rurbano, de caracterização do novo rural brasileiro, do Núcleo de Estudos Agrícolas do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp) tem verificado isto no Brasil e empreendido estudos que demonstram esta tendência. É de Graziano da Silva a seguinte observação:
Está cada vez mais difícil delimitar o que é rural e o que é urbano. Mas o tema que aparentemente poderia ser relevante, não o é: a diferença entre o rural e o urbano é cada vez menos importante. Pode-se dizer que o rural hoje só pode ser entendido como um continuum do urbano, do ponto de vista espacial; e do ponto de vista da organização da atividade econômica, as cidades não podem mais ser identificadas apenas com a atividade industrial, nem os campos com a agricultura e a pecuária (GRAZIANO DA SILVA, 2002, p. 1).
Isto implica dizer que o espaço rural brasileiro se urbanizou como conseqüência do processo de industrialização da agricultura e do “transbordamento” do mundo urbano para o rural (GRAZIANO DA SILVA, 2002, p .1). O espaço rural, hoje em dia, oferece mais do que a água, ar e lazer. Ele fornece uma possibilidade
de postos de trabalho em pequenas e médias propriedades, distantes das tradicionais atividades reinantes no espaço rural. O fato de haver indústrias no espaço rural resulta na constatação de que, além da afluência de novas tecnologias para este espaço, novas formas de organização do trabalho são incorporadas (GRAZIANO DA SILVA, 2002, p. 3).
A idéia que se fazia do rural era a de que, funcionalmente, servia apenas para produzir alimentos e matérias-primas. Dentro de uma visão conservadora, o rural ainda é apresentado como uma antítese do urbano, do metropolitano. Esta abordagem está centrada no fato de considerar o rural exclusivamente como um mundo que evoluiu a partir da atividade agrária. Ao contrário, a cidade seria o locus da indústria e dos serviços. Entretanto, em razão do continuum representado pelos espaços urbano e rural, este último passa a ser multifuncional.
Não é descartado o papel da agricultura na fixação do homem na terra, o que permite a manutenção da população local, porém, outros usos do espaço rural têm desempenhado um papel fundamental na diversificação de produções e de ocupações rurais, traduzindo-se por um espaço plural (SILVA; ALMEIDA, 2002, p. 166). Tulik (2003, p. 14) argumenta que:
Tradicionalmente, zonas rurais e urbanas vêm sendo delimitadas pelas atividades e funções que as caracterizam e, neste sentido, as cidades concentram determinadas funções como indústrias, serviços, residências, centro político-administrativo, centro financeiro, etc. Áreas rurais caracterizam-se por atividades de produção primárias, agricultura e pecuária, principalmente. Mesmo nessa concepção, os limites entre urbano e rural não são absolutos nem mesmo rígidos.
Conforme Alentejano (2005, p. 9), a visão do rural como exclusivamente agrícola e do urbano como moderno, já foi plenamente desmentida por antropólogos, economistas, geógrafos e outros profissionais, pois a modernização de algumas áreas rurais foi superior a outras áreas urbanas, a utilização da técnica moderna não é exclusiva do espaço rural e a indústria não é uma atividade típica das cidades.
Existem áreas em que não é possível afirmar se são urbanas ou rurais em virtude de se situarem em uma faixa de transição entre ambas. Isto ocorre, sobretudo, nos locais onde a cidade avança em direção ao espaço rural, denominado peri-urbano . Contemporaneamente, esta distinção entre urbano e rural fica cada vez mais difícil, pois certas funções urbanas foram incorporadas pelo espaço rural, tais como a transformação da matéria-prima, o lazer e o turismo. Bricalli (2003, p. 51) diz que definir o urbano e o rural está cada vez mais difícil, complexo, devido à dinamicidade entre ambos. Continua o autor:
Talvez isso aconteça porque, simplesmente, não exista um limite geográfico indicando onde começa e termina o espaço rural. E mesmo se as fronteiras fossem claras, delimitando o que é rural e o que é urbano, mais tarde essa delimitação não faria sentido, em função da mobilidade desses territórios.
Esta dinâmica não é exclusiva dos espaços do chamado mundo desenvolvido, senão uma realidade que se avizinha em países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil.
Solla (2002, p. 116), falando sobre o espaço francês, diz que as “[...] elevadas concentrações humanas e as boas vias de comunicação permitem alta mobilidade e constantes intercâmbios entre o rural e o urbano [...]”, o que tornaria difícil a distinção entre estes dois domínios. Sobre o Brasil, o autor manifesta-se dizendo que a amplidão territorial e a dificuldade de acesso a algumas regiões permitem que esses locais mantenham a singularidade, podendo-se, ainda, distinguir o rural do urbano. Prossegue Solla (2002, p. 116):
Em qualquer caso, tampouco se pode dizer que as diferenças entre o rural e o urbano se diluam por completo em alguns territórios. Por mais que exista contra-urbanização ou penetração de modos de vida e atividades próprias da cidade, o rural manterá certos sinais de identidade que permitirão sua caracterização.
Ou seja, para o autor supracitado, independente das mútuas influências que possam sofrer os ambientes, – se bem que a influência exercida pelo espaço urbano sobre o espaço rural, é mais marcante – o rural manterá a sua peculiaridade, o que denotará a sua identidade em alguns lugares.
No Brasil os critérios para a definição do que é urbano e rural são contraditórios ou pouco elucidativos. No entanto, conforme asseguram Corrêa J.; Corrêa W.; e Gerardi (2001, p. 48) este continuum só pode ser entendido sob o ponto de vista espacial e do ponto de vista da organização da atividade econômica, concluindo que: “[...] não se pode caracterizar o meio rural brasileiro somente como agrário.” Na Europa, em alguns países, o rural é definido por oposição ao urbano, ou seja, características típicas das cidades são levadas em consideração, tais como a aglomeração de casas ou quantitativo populacional. Em outros países, o rural é definido pela atividade econômica predominante, ou seja, a agropecuária, independente do número de pessoas que nele habitam. Outros critérios são utilizados em diversos países, tais como a repartição da PEA (população economicamente ativa) ou a densidade demográfica, assim como as atividades desempenhadas pelos moradores (TULIK, 2003, p. 18).
No Brasil, cabe às prefeituras municipais delimitar o perímetro urbano. Essa delimitação segue, às vezes, o interesse de arrecadar mais impostos, visto que o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) é destinado para o poder público municipal e o ITR (Imposto Territorial Rural) para o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) estipula que a área urbana diz respeito “[...] a área interna ao perímetro urbano de uma cidade ou vila [...]”. Área rural, por sua vez, é nomeada como a “[...] área externa ao perímetro urbano”, incluindo os aglomerados rurais (IBGE, 2005, p. 222). Já a vila, conforme o IBGE, “[...] é a sede do distrito que não abriga a cidade. [...] área urbana do distrito que não seja a sede do município”. (IBGE, 2005, p. 222). Sendo assim, a vila é considerada área urbana.
Na Europa, lembra Portuguez (1999, p. 73), o espaço rural associa-se a pequenos núcleos de população, que se contrapõem à cidade e que apresentam vocação para as atividades primárias. Já no Brasil, o IBGE considera como áreas urbanas as sedes municipais, as sedes distritais e as áreas urbanas isoladas, enquanto as áreas situadas fora desses limites são consideradas rurais.
Partindo da definição pouco exaustiva do IBGE, que inclui tanto povoado, arraial, loteamento e área de distrito industrial como ambiente rural, desde que situados em área fora dos limites urbanos, chega-se à contradição observada por Rodrigues (1998, p. 92.): “Uma sede de distrito – vila – com cem habitantes [...] é considerada urbana, enquanto um distrito industrial, com sua planta e residências de empregados, é considerada rural.” A contradição vista por Rodrigues diz respeito à possibilidade de uma área industrial ser mais populosa que uma vila, e assim mesmo ser considerada rural. Além desta oposição, Tuan (1980, p. 85) indica:
É amplamente aceito que o campo é a antítese da cidade, independente das verdadeiras condições de vida destes dois meios ambientes. [...] No entanto, de outra perspectiva é claro que a natureza virgem ou a selvagem, e não o campo é o pólo oposto da cidade, inteiramente feita pelo homem. O campo é a paisagem intermédia. O ideal mundo intermédio do homem está colocado, no mito agrário, entre as polaridades da cidade e do selvagem.
Desta maneira, se concordarmos com Tuan, o campo não é o oposto da cidade (ou urbano), pois se tem a existência do selvagem. O mesmo raciocínio é seguido por David Goodman apud Izique (2005, p. 2), que desfaz o pensamento reducionista do campo como antítese da cidade.
Graziano da Silva (2002, p. 105) destaca que as diferenças entre o urbano e o rural no Brasil ainda passam pelo acesso de bens e serviços, que são favoráveis ao primeiro. Não se trata de bens ditos “modernos”, mas por serviços essenciais, tais como água e saneamento básico. Vale (2005, p. 21-22) cita algumas características que diferenciam o rural do urbano:
[...] a) baixa densidade de população, residências e outros prédios, contribuindo para a predominância de uma paisagem natural; b) uso econômico predominantemente agropastoril; c) os habitantes possuem um modo de vida que se caracteriza pelo pertencimento a pequenas coletividades bem como relações particulares com o espaço; d) a cultura camponesa identifica e representa especificamente o meio rural (KAYSER, 1990, citado por MOTA: SCHMITZ, 2002); e) os habitantes relacionam-se com a natureza por meio de práticas e representações particulares com relação ao espaço, ao tempo, à família e outros (bem diferentes dos citatinos); f) a vivência coletiva resulta em relações sociais de interconhecimento (WANDERLEY, 1997); g) menor diferenciação social; h) menor mobilidade social e espacial; i) posse da terra como o centro convergente do sistema político-econômico (DICIONÁRIO DE CIÊNCIAS SOCIAIS, FGV, p. 1090, citado por KAGEYAMA, 1998).
No entanto, a autora discute essas características, creditando-as somente aos espaços pouco povoados e onde a influência urbana é pequena.
Santos (1985, p. 69) argumenta que o que distingue a região urbana da região agrícola não é a especialização funcional “[...] mas a quantidade, a densidade e a multidimensão das relações mantidas sobre o espaço respectivo”. Assim, a oposição campo-cidade dá lugar a uma noção de complementaridade.
Por uma questão de individualização dos espaços com a finalidade de estudo, separa-se o rural ou o urbano de acordo com algumas particularidades que ainda os caracterizam. Essas “fronteiras” têm demonstrado a prática, se não desaparecem, pelo menos se tornam menos rigorosas. Disso decorre que, mais do que em outras ocasiões, a verificação do rural não pode se alienar da verificação do urbano e, acima de tudo, das inter-relações e interdependências entre ambos. Entretanto, a área rural não deve ser conceituada, simploriamente, como o que não é urbano, já que representa uma realidade e um espaço socialmente construído (VERBOLE, 2002, p. 119).
O rural e urbano apresentam-se, na prática, cada vez mais associados e de difícil separação. Os modos de vida e os comportamentos sócio-culturais diferenciam cada vez menos os habitantes desses dois espaços, de forma que as diferenças do passado, hoje, não passam mais por uma oposição radical entre cidade e campo. As novas tecnologias motivaram a exploração dos recursos da terra mediante o uso de novos e modernos instrumentos, no mesmo tempo que propiciaram uma diversificação das atividades. A multiplicação de indústrias, atividades de turismo, lazer, residências de campo, desfaz a tradicional dicotomia entre o rural e o urbano e impõe novas maneiras de consumir o espaço.
Vale (2005, p. 24) diz que a diferenciação urbano/rural está muito mais no conteúdo das relações sociais contidas nesses elementos do que propriamente na sua delimitação física. Corrêa J.; Corrêa W. e Gerardi (2001, p. 49), encerram a discussão da problemática da definição e da delimitação do espaço rural e urbano do seguinte modo:
Em que pese o avanço do conhecimento científico, que dá referência e suporte a pesquisas e trabalhos acadêmicos, seu distanciamento do direito positivo resulta em distorções acentuadas. Diante deste panorama, pouco adianta comprovar e teorizar sobre a eliminação da dicotomia rural-urbano ou considera-lo como um continuum, se a terminologia agrega valores: direitos sociais, culturais, econômicos, geográficos, ignorados pelo administrador público que, para tomar decisões, pauta-se na orientação legal.
Flores e Macedo (2005, p. 3), em uma afirmação que contradiz o que prega o IBGE, dizem que “[...] o conceito de rural passa a abranger todo o território dos municípios pequenos, de pequenas cidades e vilas, onde é mais ampla e significativa a integração das atividades de quem vive no campo com os que vivem no perímetro urbano.” Considerada de modo simples, a afirmação até faz um sentido, visto que muitas áreas povoadas adjacentes ao espaço rural guardam mais relação com este espaço do que com o urbano, entretanto, dizer que esses locais são estritamente rurais pode conduzir a uma discussão profunda.
Sobretudo na década de 1990, abandona-se a idéia do rural como exclusivamente um mundo agrícola. O espaço rural amplia a sua possibilidade de emprego e geração de renda. Assim, há uma valorização de bens não-tangíveis como a paisagem e o lazer, oportunizando novas formas de ocupação e obtenção de rendimentos ao trabalhador rural.
Mesmo prevalecendo uma tendência de urbanização do campo, ou simplesmente, a revitalização do espaço rural, as pessoas ainda vêem o rural como um espaço que se contrapõe ao urbano, onde existe a possibilidade de desfrutar de um lazer com suposta qualidade ambiental. Dessa maneira, surgem várias ofertas de atividades de lazer no espaço rural, entre elas o turismo.
O crescimento de atividades não-agrícolas no meio rural fez surgir novos atores, como o agricultor em tempo parcial (part-time farming) , que exerce outras atividades dentro e/ou fora de seu estabelecimento, ligadas ou não a agropecuária. Também se chama de agricultor pluriativo aquele que combina atividades agrícolas com não agrícolas como forma de complementar a renda familiar.
Na mesma direção, Mattei (1998, p. 17) aponta:
[...] as transformações em curso provocam também um aumento da informalização das relações de trabalho no meio rural. Isto pode ser observado pelo aumento não só do número de pessoas da família de agricultores que possuem emprego fora da propriedade como a combinação de diferentes atividades em cada propriedade – atividades nem sempre ligadas exclusivamente à produção agrícola.
É também do autor a afirmação de que atividades tipicamente urbanas se instalaram no espaço rural, tais como a instalação de indústrias processadoras, serviços de transporte, ampliação de infra-estrutura, lazer, entre outras (MATTEI, 1998, p. 28). Verifica-se, desta forma, que há um duplo processo de urbanização do campo brasileiro: uma expansão da produção tipicamente urbana nos setores modernizados da agricultura e uma expansão das atividades tipicamente urbanas para as áreas onde a agricultura moderna não foi implantada (ALENTEJANO, 2005, p. 7). Também Corrêa J.; Corrêa W. e Gerardi (2001, p. 46) atestam que:
Na seqüência do processo de modernização, desenvolvem-se no meio rural diversas modalidades de atividades agropecuárias intensivas (olericultura, fruticultura, psicultura, dentre outras) combinadas, cada vez mais, com atividades não-agrícolas tais como: comércio, indústria, turismo, lazer, preservação ambiental e prestação de serviços. Estas novas atividades respondem crescentemente pela nova dinâmica do emprego no meio rural. Estes indicadores, atestam a urbanização ou seja, a incorporação de valores e hábitos urbanos e a conseqüente alteração do conteúdo sócio econômico e cultural do espaço rural.
O surgimento no espaço rural de novas atividades não ligadas à agropecuária pode ser verificado na observação da evolução da PEA (População Economicamente Ativa) rural. A Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (PNAD), de 1990, já revelava que o aumento da PEA rural era maior que a PEA agrícola. Em 1990, mais de 40% da PEA rural era ocupada em atividades não agrícolas na região Sudeste (PEREIRA, 2005, p. 4). Isto não representa que a agricultura tenha perdido importância no espaço rural, mas que novas atividades têm apresentado crescimento (SCHNEIDER; FIALHO, 2000, p. 21).
Santos (1985, p. 69) já apontava a mudança de conteúdo das regiões agrárias nos seguintes termos:
A penetração, no campo, das formas mais modernas do capitalismo conduz a dois resultados complementares. De um lado, novos objetos geográficos se criam, fundando uma nova estrutura técnica; de outro, a própria estrutura do espaço muda.
O significado do espaço agrícola tem se alterado em razão do trabalho nele empreendido. Assim, as técnicas são fundamentais na consideração de que o rural segue, ainda que tradicionalmente, sua função primordial para a vida humana. Mas, também há de se considerar que esta função está impregnada de novos significados resultantes da mudança do conteúdo eminentemente preconceituoso e excludente do rural como um espaço subordinado e complementar do espaço urbano. Graziano da Silva; Del Grossi; Campanhola (2002, p. 108) dizem que sua “[...] valorização ocorre com as atividades rurais não-agrícolas derivadas da crescente urbanização do meio rural (moradia, turismo, lazer e prestação de serviços) e com as atividades da preservação do meio ambiente [...]”.
Se, antes, o espaço rural era considerado apenas como o provedor de alimentos e matérias-primas para os moradores da cidade, hoje ele representa, entre outras, uma alternativa para se vivenciar situações de lazer, ocupando o tempo livre com recreação. A oposição ao urbano faz do rural sinônimo de vida saudável, proximidade da natureza e, quem sabe, o contato com o paraíso perdido ou com o ideal idílico. Mas, se as relações campo-cidade mudaram nas últimas décadas, diminuindo os contrastes entre ambos, são justamente as diferenças e peculiaridades do rural que atraem as pessoas para este ambiente. Assim, o rural consta no imaginário dos cidadãos urbanos como algo oposto ao artificialismo das cidades.
Publicações e encontros científicos que tratam do turismo, tais como o Congresso Internacional de Turismo Rural (CITURDES) e o Congresso Brasileiro de Turismo Rural (CBTR), entre muitos, têm destacado a presença da atividade no espaço rural e de sua rentabilidade financeira. A proliferação de sítios de lazer, restaurantes, hotéis-fazendas, fazendas-hotéis, pousadas não necessita de estudos acadêmicos para ser percebida empiricamente. Em certos casos, essas atividades têm se revelado mais rentáveis que as atividades agropecuárias. As festas de rodeio (ou de peão) tem sido outro segmento turístico com grande crescimento em áreas rurais (mas também em áreas urbanas). Denominado por alguns, como Turismo Rural de Eventos, a atividade mostra pujança econômica na medida em que movimenta grande volume de recursos financeiros, empregando uma quantidade considerável de pessoas, embora a maioria sejam ocupações temporárias.
O turismo no espaço rural tem sido apontado como uma forma alternativa de renda nas propriedades rurais, sobretudo nas pequenas e médias. Além disso, a atividade permite que os proprietários rurais tenham a chance de manter as propriedades produtivas, gerando empregos à população local, resgatando, valorizando e mantendo a cultura local, criando consciência acerca da conservação ambiental (FARIA, 2003, p. 31-39).
A viabilidade do turismo no espaço rural é assinalada por Tulik (2002, p. 140), em razão da reserva de elementos naturais, das atividades tipicamente rurais, do esgotamento dos refúgios litorâneos, das oportunidades de repouso e tranqüilidade. A fixação da população no campo, a melhoria da situação econômica, sem a necessidade de incrementar a produção agrária e o cuidado com os valores patrimoniais, são vantagens apontadas por Solla (2002, p. 119), em relação ao turismo no espaço rural.
Com o desenvolvimento do turismo no espaço rural, produtos locais (tais como artesanato, produção agrícola e pecuária, in natura ou beneficiada) podem ser comercializados diretamente ao consumidor, agregando renda. O fato de o produtor comercializar diretamente com o consumidor, possibilita a eliminação do intermediário que, muitas vezes sem agregar nada ao produto original, tem uma lucratividade maior que o próprio produtor. A comercialização direta proporciona vantagem para ambos os agentes: tanto para aquele que vende, que o faz por um preço melhor que o negociado com o intermediário, quanto para o comprador que o faz a um preço menor. A compra direta tem por vantagem a aquisição de um produto fresco (recém-colhido ou produzido).
O turismo ajuda em melhorias infra-estruturais no espaço rural, tais como estradas, acessos, telecomunicações, saneamento, etc., que, em última análise, resultam em melhoria nas condições de vida das pessoas.
Uma das imposições que o pequeno produtor coloca sempre que se fala em diversificar a produção ou em adotar novas atividades é a questão do tamanho da propriedade, relacionando-a ao ultrapassado conceito de que quanto maior a propriedade, maior será o ganho financeiro. Em visão oposta, Veiga (1991, p. 187) diz que os fatores que viabilizam a pequena propriedade são: a inovação tecnológica, a localização e a qualidade do solo. Se reportado ao caso específico do turismo no espaço rural, se terá que a atividade depende mais dos atrativos que a propriedade dispõe, das técnicas utilizadas para explorá-las e a disposição dos proprietários em obter amparo do poder público para o investimento, do que propriamente a dimensão do estabelecimento.
Outra consideração que deve ser levada em conta quanto se pensa no desenvolvimento do turismo no espaço rural é a questão da geração de postos de trabalho ou, mais especificamente, na geração de emprego. Quando o desenvolvimento é pensado para uma determinada localidade, obviamente que vários fatores ou parâmetros são priorizados, tais como o fator econômico, o social ou o ambiental, que, via de regra, devem estar integrados. No entanto, quando a questão econômica é premente, sobretudo no que diz respeito à falta de emprego, há a necessidade de se otimizar ações neste sentido, tais como a formulação de políticas públicas que favoreçam a criação de novas ocupações. Veiga (1991, p. 103) comenta: “[...] no Brasil, qualquer esforço sério de desenvolvimento rural passa pela maximização dos postos de trabalho. Isso pode garantir a redução da pobreza e a segurança alimentar, dois excelentes indicadores do desenvolvimento”.
Constituindo-se como uma atividade extra-agrícola, o turismo no espaço rural pode gerar empregos em diversos segmentos. Dentre essas ocupações citam-se as atividades domésticas (cozinheiras, arrumadeiras, camareiras, jardineiros), serviços (tratadores de animais, pedreiros, motoristas, mecânicos, garçons, porteiros, guias, caseiros, vigilantes, adestradores, carregadores, marceneiros, guardas florestais, agrônomos, biólogos, geógrafos, arquitetos, engenheiros florestais, médicos, turismólogos, enfermeiros, zootecnistas), administração (contabilistas, administradores, advogados), comércio (vendedores), produção artesanal, etc. O turismo, além do complemento de renda para as famílias rurais, representa uma possibilidade de revalorização do espaço rural.
O turismo no espaço rural, se explorado de modo correto, tende a ser mais rentável que as outras atividades agropecuárias (SANTOS, 2004, p. 29). No entanto, é prudente que o proprietário rural não abandone suas atividades tradicionais sob o risco de depender exclusivamente do turismo. Cavaco (2001, p. 19) também ameniza a questão do turismo como um substituto às atividades agrícolas nos seguintes termos:
Não deixemos, todavia, de relativizar a idéia, tão em voga, de que estas atividades são alternativas fáceis às agriculturas em crise ou letárgicas. Na verdade, elas são em si atividades difíceis e muito exigentes [...]. Não nos fixemos na hipótese de que se trata de complementos que permitem salvar a pequena agricultura familiar tradicional em meios marginais e pobres em oportunidades.
Estudiosos do turismo no espaço rural, tais como Graziano da Silva; Vilarinho; Dale (1998), Tropia (2000) e Talavera (2002) destacam que, quanto mais autêntico o rural, mais atratividade ele apresenta. Nas propriedades são oferecidas atividades típicas da produção agropecuária, tais como ordenha, trato de aves, passeio em carros de boi, dentre muitas outras. A atividade turística deve ser considerada como um complemento à atividade agropecuária, tendo em vista que proprietários e investidores que superdimensionam o aspecto financeiro do turismo têm as suas expectativas frustradas (PRUDENTE, 2004, p. 73).
Várias entidades e organizações têm visualizado o turismo como uma atividade viável e, desta forma, têm possibilitado linhas de crédito, programas e serviços direcionados para a atividade. O SEBRAE – Serviço de apoio às pequenas e micro empresas - por meio das chamadas Cadeias Produtivas, tem atuado nos níveis federal, estadual e municipal em favor da organização da atividade turística, sendo que a atividade é a segunda prioridade deste organismo, numa lista de dez (SEBRAE, 2006). Além disso, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) dispõe do Programa de Turismo Rural na Agricultura Familiar, que considera a consolidação de outras atividades produtivas no espaço rural e a apropriação da proposta turística por parte de agricultores familiares. Nesse documento, o turismo é colocado como um instrumento de valorização da agricultura familiar, uma vez que a cultura local se torna atrativo turístico. O programa expõe os benefícios sociais advindos da implementação da atividade turística na agricultura familiar, tais como a manutenção da identidade e autenticidade, o resgate de valores, costumes e códigos. Também os aspectos ambientais são lembrados, na medida em que são previstas a preservação, conservação e recuperação ambiental através da utilização turística do espaço produtivo da agricultura familiar (MTUR/PROGRAMA DE TURISMO RURAL..., 2005).
Considere-se, ainda, que o MDA conta com o apoio da Rede de Turismo Rural na Agricultura Familiar (Rede TRAF), que abriga instituições governamentais e não-governamentais, técnicos e agricultores familiares, com o objetivo de atuar na atividade do turismo no espaço rural, de forma a fortalecer a agricultura familiar e promover o desenvolvimento rural.
A transformação econômica positiva é, sem dúvida, um dos diferenciais e um dos atrativos do turismo no espaço rural. A geração de renda, a diversificação da
economia, o efeito multiplicador , o incentivo à produção em outros setores da economia, o aumento da receita municipal e o desenvolvimento da infra-estrutura local são boas alternativas que muitos agentes públicos e privados têm enxergado. Mas, há também transformações positivas ambientais e sócio-culturais, tais como: preservação do patrimônio natural, criação de áreas protegidas, melhoria do saneamento básico e aumento da conscientização ambiental, o incentivo à participação da comunidade, o intercâmbio cultural, a preservação do patrimônio histórico e a valorização da cultura local.
Assim, diante de uma realidade espacial em transformação, o mundo rural brasileiro mostra uma dinâmica passível de muitos olhares. Dentre estas ocorrências, o turismo emerge como uma provável atividade que pode ser incorporada à vida dos produtores familiares rurais.