Paulo Ricardo Machado Weissbach
Verificou-se, neste estudo, que o espaço rural brasileiro representa um importante local de produção econômica, visto que a agropecuária é a responsável por significativa parcela do Produto Interno Bruto nacional. No entanto, esta pujança econômica, que coloca o país entre os maiores produtores de alguns produtos agropecuários, não garante uma forma igualitária de proporcionar desenvolvimento sócio-econômico para todos os agentes produtivos rurais, excluindo alguns setores, como ocorre com os produtores familiares. Esta exclusão decorre, em parte, da inexistência ou da ineficácia de instrumentos de políticas públicas que favoreçam estes setores.
Viu-se, ainda, que a transformação produtiva no rural brasileiro dotou este espaço de novas alternativas de produção econômica. Em vista da necessidade de se gerar fontes de renda e, aproveitando-se da peculiaridade da conformação estrutural do espaço rural, novas atividades vêm sendo incorporadas, chegando a emprestar a este espaço designações como ”novo rural” ou “neo-rural”. Porém, a abertura de novos postos de trabalho no espaço rural não tem correspondido a uma valorização destas ocupações, como ocorre com as mesmas no espaço urbano, tendo em vista a falta de qualificação da mão-de-obra.
Embora as condições não sejam as desejáveis, os produtores familiares têm resistido, aproveitando as oportunidades que surgem. Um exemplo disto é a modernização da agropecuária que dispensou grande parte de mão-de-obra. Como contraponto, os produtores têm buscado ocupação nas novas atividades surgidas no espaço rural, ocupações estas que representam uma melhoria sócio-econômica local.
Estas novas ocupações são resultado da incorporação de atividades que antes eram exclusivamente urbanas ou, pelo menos, não vinham sendo aproveitadas no espaço rural. Diante disto, a pluriatividade é uma nova realidade no mundo rural, e neste contexto, as atividades de lazer e de turismo vêm se destacando, buscando o aproveitamento de uma série de fatores como: as belezas cênicas, a proximidade com a natureza, a possibilidade de fuga de ambientes deteriorados, a disponibilidade de mão-de-obra, a necessidade de se diversificar a matriz produtiva e a disponibilidade das pessoas para realizar atividades de turismo. Como benefícios, a atividade produz a agregação de renda para a população residente, a valorização da cultura local e o resgate da auto-estima dos residentes, entre muitos outros.
Entre muitas atividades surgidas ou revitalizadas no espaço rural, o turismo é uma que tem apresentado significativa importância, sobretudo em pequenas e médias propriedades, sendo considerado uma forma alternativa de renda. Neste espectro, o aproveitamento da produção local, a melhoria da infra-estrutura e a valorização da população local são fatores marcantes. O turismo tem suscitado, inclusive, que alguns programas oficiais, antes dirigidos exclusivamente à produção agropecuária, se voltem para a atividade, embora não atendam, na totalidade, as necessidades existentes.
O turismo, conforme foi apresentado, é uma das três maiores atividades geradoras de riqueza, influenciando na economia mundial de modo sensível e, além disso, mostra crescimento digno de registro, o que faz com que a consideremos como uma atividade em expansão. No entanto o turismo não se encerra como um fenômeno econômico. Ele é, antes de tudo, um fenômeno social, como pôde ser visto na conceituação do mesmo.
A par disto, o turismo revela um incremento quali-quantitativo para a vida das pessoas, seja na possibilidade de gerar emprego e renda, seja na possibilidade de intercâmbios culturais e visitação de outras realidades paisagísticas. Diante disto, a atividade vem sendo organizada nos vários níveis da administração pública. No Brasil, tanto a esfera federal, quanto as estaduais e as municipais, apresentam organizações que intentam ordenar e regular a atividade. Um desses ordenamentos, em nível estadual, diz respeito à formatação de roteiros ou rotas turísticas. Por sua vez, os municípios, organizados em consórcios ou outras associações, tentam pôr em prática a idéia dos atrativos conjugados em roteiros, embora a intenção do órgão superior de turismo no país, o Ministério do Turismo, seja o da regionalização turística e não o da roteirização.
Foi visto, igualmente, que o Consórcio de Desenvolvimento Sustentável da Região Planalto (CONDESUS;Rota das Terras) se apresenta como um dos principais roteiros turísticos do Estado do Rio Grande do Sul, no entanto, ele demonstra uma série de problemas, que vão desde o seu estatuto, que não atende às demandas atuais, até a participação escassa dos seus consorciados. Alheios à participação no consórcio, os municípios integrantes congregam outras associações, deixando a cargo do escritório da Rota das Terras a maioria das iniciativas turísticas. O escritório, por sua vez, dentro das limitações impostas pela precariedade de verbas e do engajamento dos municípios, vem realizando um bom trabalho de planejamento e divulgação do turismo.
A região estudada, e que serviu como base para a proposta de subsídios à elaboração de políticas públicas de turismo no espaço rural, mostra um meio físico peculiar e que serve aos propósitos turísticos, sobretudo no que diz respeito ao aproveitamento da barragem do Passo Real, importante reservatório de água, além de emprestar uma diversidade cultural, transformada em atrativo. Porém, sua dinâmica econômica não é das melhores, visto que há dependência de culturas de exportação e de larga escala, havendo um predomínio das atividades primárias. Assim, atividades ligadas à transformação e aos serviços, são precárias.
Quanto aos aspectos sociais, a Rota das Terras descortina-se como uma área de baixa densidade demográfica, com municípios, em sua maioria, de pequeno porte, guardando, assim, forte relação com o espaço rural. O destaque neste cenário urbano é o município de Cruz Alta, capaz de servir como um polarizador espacial do turismo regional.
Ademais, a região possui uma boa rede viária de transporte terrestre, facilitando o estabelecimento de roteiros turísticos e a circulação no local. As distâncias entre os municípios do consórcio não são consideráveis, e há uma relativa unidade cultural na região, representada pelas suas mais diversas manifestações. Verifica-se que a rede de transporte poderá servir como um fator de desenvolvimento turístico, haja vista que a entrada de turistas estrangeiros, sobretudo de argentinos, se dá por este meio. Mas por outro lado, as deficiências em relação ao estado de conservação, de sinalização e de informação turística podem representar obstáculos para a atividade turística.
Dentro de uma perspectiva que considere os agentes locais em prol do desenvolvimento sócio-econômico, viu-se que os Conselhos Regionais de Desenvolvimento (COREDES), representam fundamental papel no planejamento regional. O COREDE Alto do Jacuí, Alto da Serra do Botucaraí e Produção sinalizam para a articulação entre os vários atores regionais em benefício da formulação de políticas de desenvolvimento. Entretanto, constatou-se que, mesmo entre estes conselhos citados, existe uma diferença acentuada no nível de desenvolvimento econômico, fazendo com que medidas devam ser adotadas para melhorar o nível daqueles que estão defasados em relação aos melhores.
Da análise da situação turística na Rota das Terras, conclui-se que a atividade na região pode ser tomada sob a perspectiva do desenvolvimento endógeno, visto que esta abordagem poderá resultar em ganhos adicionais para os moradores locais. Também, formas alternativas de ordenações podem ser adotadas para um desenvolvimento turístico satisfatório, como é o caso dos arranjos produtivos locais (APLs). Mas o fato marcante na consideração turística da área é que o espaço rural influencia na atividade, configurando atrativos dignos de aproveitamento. Se for levado em consideração o apelo pelos ambientes rurais, tão em voga na atualidade, há a possibilidade de um incremento no turismo da Rota das Terras.
Contudo, verificou-se que muitas iniciativas turísticas já estão sendo adotadas por alguns dos municípios que integram o consórcio. Uns, com maior objetividade e detalhamento, outros, em menor grau, com certa dificuldade. Constatou-se que, dentre estes municípios, Tapera é o que melhor tem conseguido desenvolver o turismo, prova é a existência de um roteiro, a Rota Della Cuccagna, e de ações específicas para a atividade turística. Fundada na hipótese de que a existência de políticas públicas específicas para o turismo no município de Tapera correspondeu a um desenvolvimento turístico diferenciado em relação aos demais municípios da Rota das Terras, que se formulou esta tese. Embora feita esta constatação, falta para Tapera, assim como para os demais municípios da Rota das Terras, instrumentos de políticas públicas formais que organizem e dinamizem o turismo, tais como a existência de financiamentos, banco de dados turísticos, melhor qualificação da mão-de-obra, entre outras necessidades.
Da pesquisa realizada com os agentes turísticos municipais da Rota das Terras, depreendeu-se que existem muitos obstáculos ao desenvolvimento turístico na região, a começar pela falta de engajamento dos próprios dirigentes que delegaram a resposta da entrevistas para outras pessoas, passando pela falta de dados turísticos e a falta de políticas públicas para o setor e até mesmo a falta de verbas para serem aplicadas na atividade, sendo Tapera uma exceção.
Constatou-se, ao analisar as pesquisas feitas junto aos empreendedores da Rota das Terras e de Tapera, que há percepção de que este município apresenta um diferencial no desenvolvimento turístico. A mesma percepção foi observada junto às comunidades que compõem o roteiro, ficando evidente um destaque para Tapera na consecução turística.
Em conseqüência do que foi exposto anteriormente, e como resultado da análise da situação dominante, partiu-se para a proposição de subsídios para a formulação de políticas públicas para o turismo no espaço rural na Rota das Terras, sendo que estas políticas, devido ao seu caráter generalizante, podem ser estendidas para outros roteiros, desde que guardem pertinência. Em outros termos, a área de estudo foi um mote (estudo de caso) a partir do qual foi embasado o trabalho.
Com a finalidade de que as propostas de subsídios à formulação de políticas públicas para o turismo no espaço rural fossem articuladas a uma série de conteúdos e elementos pertinentes, estudou-se a participação da população local na determinação dos destinos locais. Concluiu-se acerca da necessidade de que os atores envolvidos na atividade turística, como é o caso da comunidade local, participe das esferas decisórias que intentem desenvolver o turismo, sob o risco de se alijar uma componente fundamental do ordenamento e arranjo turístico. No mesmo sentido, deduziu-se da necessidade de articulação de grupos de interesse comum em turismo, apontando-se o associativismo, a parceria e as redes de cooperação como alternativas para isso.
Inserido no contexto de elementos pertinentes à formulação de políticas públicas, verificou-se a participação do poder público na coordenação, orientação, gestão, planejamento e execução turística, sendo que, conforme a sua atitude, pode resultar em acréscimos positivos para a localidade em que se desenvolve o turismo, assim como, sendo a prefeitura municipal a instância de poder público mais próxima do cidadão, pode ele ter suas aspirações atendidas. Viu-se, neste caso, que há um fortalecimento do poder decisório do poder público municipal, reforçado pelo Programa Nacional de Municipalização do Turismo (PNMT), que outorgou poderes para que o turismo ocorra em nível municipal.
Neste rumo, constatou-se que o desenvolvimento local, ou seja, a busca comunitária da eficiência na produção baseada no uso racional dos recursos, é plenamente factível em se considerando o turismo, pois a alocação dos recursos, a utilização de sua potencialidade, os retornos sociais e econômicos e os agentes envolvidos, estão localmente situados, traduzindo-se no que é chamado de desenvolvimento endógeno.
Finalmente, como elemento crucial da pesquisa, se propôs uma série de subsídios à elaboração de políticas públicas para o turismo no espaço rural da Rota Terras. Estas sugestões, em vista do objetivo da pesquisa e das hipóteses formuladas, foram divididas em tópicos, conforme as premências de ações de políticas públicas para a área estudada. Desta maneira, sugeriu-se que sejam executados empreendimentos e iniciativas: no setor da organização dos empreendedores, tendo em vista a deficiência que estes agentes têm encontrado em se estabelecer e gerir o negócio turístico, seja por falta de qualificação técnica, capital, orientação especializada ou coordenação do setor público; na obtenção de recursos financeiros, seja por parte da iniciativa privada quanto da pública, tendo em vista a precariedade de recursos existentes para a atividade turística, sobretudo se considerarmos que as linhas de crédito e os orçamentos municipais são reduzidos; na organização da produção agropecuária, em razão de que a matriz produtiva da região se baseia neste setor e, havendo um incremento do setor produtivo das pequenas propriedades, os agricultores terão valorizado a sua produção, contribuindo para a agregação de renda e a exploração de outras atividades econômicas, tais como o turismo. Neste aspecto, enfatiza-se a produção em pequena escala, adaptada às peculiaridades locais e sob a ótica sustentável; em relação aos aspectos culturais da região, em virtude de que o turismo se nutre dos fazeres cotidianos dos lugares, é importante que sejam adotadas medidas que visem resgatar, manter e valorizar a cultura local, incluindo, aí, as danças, a música, a gastronomia, a produção material, entre outros; proposição de ações para os aspectos naturais vislumbrando a conservação e manutenção dos meios bióticos e abióticos, não somente com vistas ao turismo, mas, sobretudo, em relação à melhoria das formas de produzir e de viver; na qualificação da mão-de-obra, pois, notadamente, o turismo carece de profissionais especializados, sendo que existem instituições capazes de formar estes profissionais e inseri-los no circuito produtivo; na divulgação do produto turístico regional, pois esta é uma das deficiências mais marcantes verificada no estudo, sugerindo-se, para tanto, que sejam diversificadas as formas de divulgação e mantidos contatos permanentes com outros agentes, capazes de promover esta divulgação; considerando a questão da infra-estrutura e serviços fundamental na consecução turística, sugeriu-se várias medidas práticas que vão desde a sinalização turística, a manutenção das vias de acesso, saneamento básico, serviços públicos, urbanismo, saúde pública e serviços turísticos; no tocante à legislação, verificou-se uma deficiência na ordenação legal da atividade turística na Rota das Terras, motivo pelo qual propõe-se a inclusão de dispositivos nas leis orgânicas, códigos de posturas e plano diretor dos municípios, além da criação de outros instrumentos legais. Também se sugere a reformulação do estatuto da Rota das Terras em vista do mesmo deixar a desejar em vários aspectos, sobretudo no que diz respeito à promoção, planejamento e desenvolvimento turístico; nas ações turísticas de caráter geral dispõe-se sobre aspectos diversos que versam sobre o estabelecimento de parcerias e convênios com outras entidades, promoção e organização de roteiros turísticos regionais, apoio a iniciativas locais, elaboração de projetos turísticos, apoio a empreendedores, criação de uma identidade turística regional, sugestão de atividades e empreendimentos turísticos, proposta de ações turísticas para o poder público e a iniciativa privada e a reestruturação do atual escritório da Rota das Terras.
Ao fim, conclui-se que políticas públicas para o turismo são necessárias no Brasil, mas tanto elas quanto a gestão turística precisam ser repensadas em virtude da dinâmica da atividade que caminha, cada vez mais, para a regionalização do turismo.
Sabe-se da escassez de recursos humanos qualificados para entender, compreender e executar os preceitos turísticos em voga no país, assim como compatibilizar esta filosofia turística com os arranjos específicos dos locais. Igualmente sabe-se da falta de recursos para fomentar o turismo, no entanto, nada impede que estes novos tempos exijam consciência, planejamento, ação e inovação e uma idéia válida, pode ser um sistema de parcerias público/privado que inclui a responsabilidade consciente de ambas as partes e a inserção, com a urgência necessária, nos documentos legais existentes de regulamentação turística e articulação entre os atores sociais.
Desta forma, políticas públicas específicas para o turismo no espaço rural são primordiais para o estabelecimento de um raciocínio que privilegie a consideração do lazer no ambiente pluriativo rural. E ao empreender-se na elaboração destas políticas, tornou-se necessário verificar a questão da especificidade local. De nada adiantaria a formulação de preceitos que não encontrassem respaldo em uma realidade. Uma grande parte dos problemas vividos por várias comunidades diz respeito à não identificação dos planos públicos com a realidade local.
Convém destacar que o turismo não deve se constituir em uma panacéia para a solução dos problemas enfrentados no espaço rural. Pode haver, sim, uma demanda significativa para os empreendimentos rurais turísticos, mas há de se ter em mente que o turismo não deve ocorrer exclusivamente em uma propriedade ou merecer toda uma expectativa de tirar, “magicamente”, o espaço rural de uma crise estrutural. Em sentido contrário, o desenvolvimento do espaço rural deve estar assentado em várias atividades que dêem suporte às possibilidades existentes sem o abandono das atividades agropecuárias, esteio econômico até o presente.
Por fim, cumpre lembrar o que diz Bovo (2006, p. 18): “A conquista de resultados mais significativos na implantação de políticas públicas, tanto do ponto de vista qualitativo como quantitativo, deve considerar a possibilidade de integração do poder público, da iniciativa privada e da comunidade.” Sugerir subsídios à elaboração de políticas públicas para o turismo no espaço rural da Rota das Terras e, estas ficarem limitadas ao conhecimento de apenas um dos agentes turísticos, sem que os demais participem na sua efetivação, é desejar que todo este trabalho de pesquisa se torne estéril. Julga-se que o desenvolvimento turístico em Tapera (já diferenciado), assim como na Rota das Terras, se tornará mais efetivo a partir do momento em que políticas públicas turísticas sejam adotadas. Estas políticas, na medida do possível, devem ser claramente expostas nos planos dos governos municipais, e constar de sua regulamentação.