Paulo Ricardo Machado Weissbach
Se por um lado o turismo exige a formulação de políticas específicas, por outro, o turismo no espaço rural, em função das novas configurações espaciais que se apresentam na ruralidade brasileira, faz com que estas medidas, além de específicas, sejam emergenciais. As novas atividades, sobretudo as não agrícolas, que surgem no espaço rural, tem possibilitado oportunidades variadas aos pequenos produtores.
Por este motivo é que se prega a formulação de ações que privilegiem as medidas locais, por atores locais, em prol de benefícios locais. Isto objetiva que o desenvolvimento seja voltado para o local e que dimensione, prudente e reflexivamente, a questão econômica, a questão social e a questão ambiental.
A sugestão de subsídios para a elaboração de políticas públicas tem a intenção de evitar, entre outros, que haja a concorrência de atividades econômicas que coabitam o mesmo espaço. De outra forma, é evitar a concorrência da atividade agropecuária com o turismo, de modo que seja criada uma situação de complementaridade das atividades. Pois conforme Santos (1985, p. 68):
Cada produção organiza o espaço segundo uma modalidade própria. Produções associadas associam suas lógicas, sem que forçosamente deixe de haver, entre elas, conflito, inclusive pelo uso do espaço exceto se associação, além de econômica, é também técnico-jurídica. Mas, produções não associadas, operando em uma mesma área, sejam contíguas ou não, supõem conflitos localizados em períodos de tempo ou durando permanentemente.
Além disso, Rochefort (1998, p. 58) enfatiza que:
É ilusório e demagógico dizer que cada região pode dispor de um leque completo de atividades. [...] Uma certa diversidade de atividades em cada lugar é evidentemente necessária, e não é o caso de dar nascimento a uma especialização das regiões num único ramo em detrimento de todos os outros. Mas toda política se traduz por uma escolha. Toda vontade de organizar o espaço há de se manifestar pela escolha de certo número de setores onde se possa concentrar esforços de natureza diferente segundo os lugares. Cada região, cada município não pode ter tudo.
Em sentido contrário aos óbices para o desenvolvimento do turismo, apontam-se as seguintes iniciativas que compõem, por assim dizer, uma consideração relevante e necessária para qualquer ação turística:
● Participação da comunidade: A efetiva participação da comunidade pode dar-se através da organização em associações, entidades ou grupos. A partir destas, várias ponderações, sugestões, reivindicações e exigências poderão ser formuladas, inibindo-se o caráter paternalista com que a população encara as decisões dos administradores públicos. Além disso, a inércia e a passividade serão superadas por uma ação dinâmica e propositiva de mudanças. Por meio da participação e da organização, os poderes públicos constituídos não poderão abusar do autoritarismo, tão característico quando da omissão da população. Há necessidade de uma participação que envolva o maior número de pessoas e entidades com a finalidade de dar legitimidade às pretensões e anseios coletivos. Indo além da participação, como indica Beni (2006, p. 74-75), pode ser buscado o chamado “empoderamento” da população, ou seja, que haja uma participação crítica e ativa da população e que não é confundida com aquiescência ou presença ao longo do processo decisório.
● Envolvimento dos representantes legais da população e das lideranças: Há de se propor e desenvolver uma integração entre os interesses coletivos e os discursos e ações dos representantes legais da população. O engajamento pelas causas locais denota uma preocupação pela população, ou seja, uma contrapartida à confiança depositada e o real propósito de representar uma parcela de pessoas. Os interesses locais devem ser alvo de constante busca pela criação de oportunidades. Um vínculo de complementaridade há de ser gestado entre as pretensões locais e a atuação do representante legal. De modo idêntico, as lideranças devem ser cooptadas no sentido de trabalharem em prol das necessidades locais. Para isto, devem conhecer em profundidade as potencialidades comunitárias. A atuação das lideranças é significativa na medida em que seus atos são respaldados pela coletividade, de quem são os representantes.
● Participação pró-ativa do poder público: Ao poder público, como função delegada pela população, cabe o estabelecimento de medidas que visem o diálogo, o debate e a abertura de espaços para a participação da comunidade em geral. Neste sentido, a participação em fóruns e a criação de canais de diálogo são de suma importância. De outro modo, as políticas públicas formuladas pelos poderes executivo e legislativo devem ser alvo de obstinada preocupação no que diz respeito as suas execuções. Formulações sensatas, nascidas dos interesses coletivos, tendo por parâmetro as potencialidades e cientes das restrições impostas pelas limitações, são exeqüíveis e não se constituem em medidas eleitoreiras de resposta imediata.
● Há de se considerar que, independentemente dos projetos a serem desenvolvidos, dos recursos disponíveis, da configuração territorial, dos produtos existentes e possíveis e dos serviços a serem oferecidos, a participação dos agentes turísticos é fundamental. O poder público, a comunidade local e os empreendedores são peças essenciais no arranjo turístico. O planejamento turístico, e a sua conseqüente execução, somente poderão ocorrer de modo satisfatório se tiverem a participação ativa destes três atores.
Assim, é necessário admitir a importância do Estado (em suas várias esferas) no papel de incentivar e subsidiar projetos e de legislar sobre assuntos de interesse turístico (RODRIGUES; 1999, p.55-56), ou de considerar que “[...] na ausência da política e da vontade política, a ação pode ser descoordenada e reativa, havendo problemas em conseqüência dessa atenção hesitante.” (LICKORISH; JENKINS; 2000, p. 251).
É prudente lembrar, ainda, que as medidas adotadas não negligenciem alguns aspectos significativos do turismo no espaço rural, ou seja, de que ele “[...] deve ser concebido como uma atividade de pequena escala, artesanal, que, mais ainda que benefícios econômicos [...], deve propiciar um incremento na qualidade de vida dos moradores locais.” (SOLLA; 2002, p. 127). Por assim ser, e querendo-se que a atividade traga rentabilidade sócio-econômica, deve-se atentar, dentro de um princípio que privilegie a complementaridade, que o turismo no espaço rural poderá ser viável no formato de roteiros turísticos. Várias propriedades, cada qual com seu atrativo diferenciado, componham um conjunto complementar. Desta forma, uma propriedade pode oferecer hospedagem, outra pode oferecer refeições típicas, em outra se visita a produção de gêneros da horticultura, em outro a confecção de queijos, ou vinho, ou cachaça, e assim por diante, de tal forma que um atrativo não seja concorrente com o outro, mas ao contrário. Estabelecido no formato de roteiros, um servirá de suporte ao outro, oferecendo o que falta para um determinado atrativo. Além disso, a variedade possibilita que o turista não tenha o seu passeio preenchido por atrativos repetitivos ou que guardem estreita semelhança. Neste raciocínio, a maior variedade de atrativos servirá como um ponto positivo para aumentar a demanda de turistas e, com ela, o maior fluxo financeiro no município e na região.
Há de levar em conta, ainda, as considerações de Solera (2005), presidente da ABRATURR (Associação Brasileira de Turismo Rural) em 2003, sobre as vantagens positivas das atividades turísticas no espaço rural:
Desenvolver novos destinos turísticos; diversificar a base da economia regional; possibilitar a verticalização da produ-ção;•possibilitar a agregação de valor a produtos rurais em pequena escala;•gerar novas oportunidades de trabalho;•estimular o melhoramento da infra–estrutura de transporte, comunicação, saneamento;•valorizar o patrimônio natural e cultural; promover maior integração entre campo e cidade;•reduzir o êxodo rural; contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população rural;•valorizar as práticas rurais, tanto sociais quanto de trabalho; entre outros.
Na elaboração de políticas públicas para o turismo no espaço rural, deve haver a preocupação com o pequeno produtor na intenção de que o desenvolvimento se dê dentro de um caráter local (endógeno). Também, por considerar que as unidades familiares, por disporem dos meios para o investimento em turismo (atrativos) e a mão-de-obra familiar, tenderão a tomar decisões que terão repercussões locais, sem os condicionantes externos comuns à dinâmica produtiva predominante.
Ocorre, desta maneira, uma diversificação das atividades no espaço rural. Por um lado, como uma forma de empreender em novas atividades produtivas e, por outro, como a possibilidade de aproveitamento positivo dos recursos existentes. Reis Jr. e Vale (2002, p. 146) fazem referência ao turismo como modo alternativo de produção no espaço rural do seguinte modo:
E é o turismo que tem mais freqüentemente chamado a atenção de empresários, entidades organizadas, governos e pequenos grupos de agricultores bem informados, podendo ser considerado como um exemplo de ‘pluriatividade’, que é uma forma de urbanização do meio rural. [...] Assim, o meio rural é transformado em espaço de refúgio para a prática de atividades de comércio e de prestação de serviços (pousadas, restaurantes, lojas de artesanato, etc).
É necessário, também, que a questão ambiental seja lembrada na formulação de políticas públicas para o turismo. Entende-se que, no caso específico do turismo no espaço rural, a atividade deva ser desenvolvida de modo a manter o sistema agrário sócio-ambientalmente produtivo ao longo do tempo, muito embora a medida temporal exata desta manutenção seja relativa em razão de múltiplos fatores, tais como a necessidade da comunidade rural, assim como a capacidade do meio responder à exploração econômica.
Sugere-se que, os subsídios à elaboração de políticas públicas constantes deste trabalho, sejam incluídos em planos de desenvolvimento da atividade turística (que não deixam de ser formas intervencionistas do poder público em prol de um ordenamento). Tal sugestão tem por objetivo evitar que o ciclo eleitoral faça com que muitas medidas sejam desprezadas pelas sucessivas administrações, que nem sempre têm a preocupação de dar continuidade às iniciativas de governos anteriores. A existência de um plano de desenvolvimento turístico estimula a iniciativa privada, que verá condições para investir sem os riscos de não ter o apoio do poder público.
Conforme pôde ser visto neste trabalho, a demanda turística da Rota das Terras pode apresentar um incremento se forem valorizados alguns aspectos, tais como: a riqueza cultural, a potencialidade turística resultante da oferta existente e a disponibilidade de um meio físico propício para a exploração turística. Dib (2002, p. 233), ao falar sobre a possibilidade turística no Rio Grande do Sul, diz que:
[...] inúmeras são as regiões onde podem ser identificadas características comuns aos habitantes de seus diversos municípios. Essas características vêm da etnia predominante, da topografia ou mesmo de seus hábitos e costumes devido às atividades mais significativas. São essas características fortes que servem de ponto de união entre as comunidades.
Afirma-se, então, que a Rota das Terras pode explorar turisticamente os seus aspectos culturais e fazer deles uma marca referencial do produto oferecido, sobretudo se considerarmos que a peculiaridade é um dos quesitos levados em consideração pelo turista quando da sua escolha pela destinação turística, razão pela qual há de se ter uma preocupação na adoção de medidas que privilegiem este aspecto.
Por fim, é importante que as medidas efetivas para o desenvolvimento turístico, via políticas públicas, vislumbrem a possibilidade da melhoria da qualidade de vida dos empreendedores, de um modo particular, e da população envolvida, como um todo. Bovo (2006, p. 30) lembra que:
A política pública de turismo [...] deve ser entendida como investimento na qualidade de vida do cidadão, seja ele residente ou temporário [...]. Isto significa que as ações do poder público [...] devem ser direcionadas e priorizadas para a saúde, educação, cultura, meio ambiente, segurança, saneamento básico e outros setores que garantam a qualidade de vida da comunidade e do ambiente, pois o turismo só existe e se mantém em razão de uma situação favorável das outras áreas.
Desta forma, questões como a saúde, a educação, o lazer, entre outros, sejam tomados como parâmetros para a verificação de uma vida melhor, pois de nada justificam medidas que não tragam um substancial acréscimo positivo para a vivência das pessoas. Além do que o desenvolvimento, em termos atuais, só pode ser entendido como um processo que esteja focado nas pessoas e, assim, perpasse a instância do viver cotidiano e da valorização de tudo aquilo que é necessário para uma vida de satisfação individual e coletiva.