Tesis doctorales de Economía


CONTÁGIO ENTRE MERCADOS DE ACÇÕES DE PAÍSES DESENVOLVIDOS: UM ESTUDO DE PROCESSOS DE TRANSMISSÃO DE CHOQUES DE RENDIBILIDADE NUM CONTEXTO DE EPISÓDIOS DE CRISES FINANCEIRAS

Júlio Fernando Seara Sequeira da Mota Lobão



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2.3.5 Testes de Valor Extremo

Os testes de valor extremo surgem associados à quinta noção de contágio referida na secção 2.1 e segundo a qual o fenómeno se manifesta pela ocorrência de rendibilidades extremas em diversos mercados em simultâneo. Alguns autores sugerem que o estudo do contágio não deve estar baseado em medidas lineares de associação de rendibilidades (como acontece, por exemplo, no cálculo das correlações convencionais), na medida em que estas atendem a uma noção particularmente limitada de interdependência podendo proporcionar, por conseguinte, informação parcial e, com frequência, enganadora acerca das verdadeiras dependências subjacentes às variáveis (Embrechts et al., 2002). Os coeficientes de correlação usualmente utilizados para medir o contágio atribuem igual importância às rendibilidades elevadas e “moderadas” pelo que, nesta perspectiva, podem, ainda segundo os mesmos autores, não constituir o método mais apropriado para aferir do impacto de rendibilidades extremas. Pode, por isso, dar-se o caso de que os efeitos dos choques de maior magnitude, porque excedem determinado limite, sejam ocultados pelas medidas de correlação convencionais, em resultado do elevado número de observações consideradas, a maior parte das quais se refere a eventos de impacto mais reduzido.

Os testes de valor extremo partem do pressuposto de que os eventos que se localizam nas abas das distribuições de probabilidade podem ser mais relevantes na explicação do contágio do que as restantes observações. Neste sentido, defende-se que as rendibilidades extremas são qualitativamente diferentes das rendibilidades de menor expressão como causa de efeitos de contágio podendo inclusivamente levar ao surgimento de comportamentos irracionais nos investidores e de volatilidade excessiva nos mercados, fenómenos muitas vezes associados ao contágio.

A análise da interdependência apenas nas abas das distribuições de rendibilidades permite aferir das não linearidades dos comovimentos bem como da verificação do pressuposto da normalidade das rendibilidades o qual, no caso dos dados provenientes dos mercados financeiros com “abas largas”, tende tipicamente a não ser cumprido.

Os testes de contágio de Favero e Giavazzi (2002), de Baur (2003) e de Baur e Schulze (2003) baseiam-se na modelização dos aumentos da volatilidade, ocorridos num dado mercado, durante os períodos de vigência do contágio em consequência de movimentos extremos nas rendibilidades dos activos dos restantes mercados. Nesta medida, distinguem-se dos testes de contágio apresentados nas secções anteriores por considerarem apenas os valores extremos na rendibilidade dos activos e não toda a informação como acontecia, por exemplo, na generalidade dos testes de alteração de volatilidade ou correlação.

Boyer et al. (2002) utilizam na análise do contágio um método proposto por Ledford e Tawn (1997) e Longin e Solnik (2001) que se baseia na análise das abas da distribuição conjunta e não implica a assumpção de pressupostos quanto às funções de distribuição dos dados.

Outros autores têm desenvolvido modelos de detecção de contágio que têm em conta os efeitos decorrentes da ocorrência de rendibilidades extremas e de carácter assimétrico. Por exemplo, Straetmans (1998), Starica (1999), Longin e Solnik (2001) e Hartmann et al. (2004) propõem teorias de valor extremo num contexto multivariado.

Estudos Empíricos

Os testes de valor extremo podem ser utilizados para aferir o contágio através do estudo do comportamento conjunto das realizações extremas das cotações ou rendibilidades, entre diferentes mercados, em que as realizações extremas são definidas como as que excedem determinado valor limite.

Chan-Lau et al. (2002) utilizaram este tipo de técnicas para examinar a evolução do contágio entre 16 mercados emergentes e desenvolvidos entre os anos de 1988 e 2001. Concluíram que o contágio foi assimétrico, no sentido em que afectou mais fortemente mercados com tendências de descida e que as crises da Rússia e Brasil tiveram efeitos duradouros ao provocarem o aumento da propensão para o surgimento de novos episódios de contágio, particularmente entre mercados financeiros desenvolvidos, entre os mercados desenvolvidos e os da América Latina e entre os mercados da América Latina.

Fukuhara e Saruwatari (2003) aplicaram testes de valor extremo aos comportamentos dos investidores nos mercados cambiais das economias emergentes. Mostraram que existem evidências de contágio quando se utilizam dados com frequência elevada, nomeadamente dados com frequência horária.

Bae et al. (2003) analisaram a coincidência temporal entre movimentos extremos das rendibilidades dos mercados, considerando-a como proxys do contágio. Centraram a sua atenção nas rendibilidades diárias em termos absolutos, entre os anos de 1992 e de 2000, em 17 mercados emergentes, mostrando que os modelos lineares se revelavam inadequados para explicar as rendibilidades extremas observadas. Os autores mostraram que o predomínio do contágio diferiu consoante a área geográfica atingida: ocorreu mais na América Latina, através das rendibilidades extremas (tanto positivas como negativas), do que na Ásia, continente em que apenas as rendibilidades negativas mostraram ter efeitos de contágio.

Minderhoud (2003) desenvolveu um estudo similar acerca da coincidência temporal de rendibilidades extremas das acções das maiores empresas dos sectores bancário e segurador nos mercados dos EUA, Alemanha e Reino Unido entre os anos de 1990 e 2003. O autor encontrou fortes sinais de interdependência nos eventos extremos entre os bancos e seguradoras dos três países que, por não poderem ser totalmente justificados pelos fundamentais, são atribuídos ao contágio.

Favero e Giavazzi (1999, 2002), a partir de um modelo estrutural de interdependência entre economias, efectuaram um teste à significância estatística dos coeficientes que representam o efeito dos choques provenientes de um dado país nos mercados monetários dos restantes países. Favero e Giavazzi (2002) aplicaram este método à crise do METC, concretamente ao comportamento dos spreads de taxas de juro de sete países europeus entre 1988 e 1992, concluindo pela rejeição da hipótese de estabilidade dos mecanismos de propagação internacional de choques depois de se efectuar o controlo da interdependência normal entre as variáveis.

Walti (2003b), aplicando o método proposto por Favero e Giavazzi (2002) aos dados referentes à crise Asiática em cinco países (Filipinas, Coreia, Malásia, Tailândia e Indonésia), concluiu que a hipótese de interdependência normal é rejeitada por larga margem a favor da hipótese de contágio. A transmissão realiza-se de forma não linear e assimétrica: os choques positivos podem ter um impacto negativo ou positivo enquanto que os choques negativos têm um efeito sistematicamente negativo. Estes resultados são interpretados como evidência de que os investidores distinguem normalmente os mercados de acções, mas tendem a desinvestir de todos os mercados quando existe maior turbulência. Ainda utilizando o mesmo método, Walti (2003a) evidencia que o mecanismo de transmissão de choques entre as economias da Europa Central se alterou significativamente na presença de acontecimentos que provocaram volatilidades elevadas.

Straetmans (1998), Starica (1999), Longin e Solnik (2001), Hartmann et al. (2004) e Poon et al. (2003, 2004) apresentaram outras contribuições que evidenciam definições de contágio que recorrem às teorias de valor extremo. Straetmans (1998) calculou a probabilidade condicional assimptótica de dois mercados financeiros sofrerem rendibilidades extremamente negativas (designadas comummente na literatura por crashes ). Para as rendibilidades diárias dos mercados de acções dos países do G-7, o autor conclui que, com excepção das relações entre os mercados dos EUA e Canadá e entre a França e Alemanha, as relações extremas parecem ser ténues.

Starica (1999) propôs um método de medida espectral para estimar as probabilidades de ocorrência de rendibilidades extremas conjuntas em dados gerados por modelos com correlação condicional constante. A aplicação deste método a dados de elevada frequência relativos às divisas pré-euro revelou um elevado nível de dependência entre realizações extremas.

Longin e Solnik (2001), utilizando dados mensais para o período 1959-1996, mostraram que a correlação entre as rendibilidades extremas entre os EUA, o Reino Unido, França, Alemanha e Japão aumentaram em mercados com tendência de descida das cotações, mas não em mercados com tendência de subida.

Hartmann et al. (2004) estudaram a relação entre as rendibilidades dos activos financeiros (entre acções, entre obrigações e entre acções e obrigações) em períodos de turbulência nos EUA, Alemanha, França, Reino Unido e Japão. Os autores sugerem que o contágio pode ser melhor entendido na perspectiva da probabilidade de ocorrência simultânea de crashes. Concluíram que os crashes ocorrem muito raramente mas que, uma vez que se verifique um episódio deste tipo num dado mercado, a probabilidade condicional de um crash noutro mercado é de cerca de vinte por cento.

Finalmente, Poon et al. (2003, 2004) notaram que os estudos referidos acima pressupõem dependência assimptótica, ou seja, nesta situação, as realizações conjuntas extremas de, por exemplo, duas séries de dados, ocorrem, no limite, sempre. Se as séries analisadas forem assimptóticamente independentes, a utilização de métodos convencionais de valor extremo conduzirá à sobrestimação do grau de dependência extrema. Um método de análise dos valores extremos foi aplicado às rendibilidades diárias dos mercados de acções dos EUA, Reino Unido, Alemanha, França e Japão tendo-se concluído que a independência assimptótica caracterizou a maioria das combinações de rendibilidade das acções e que a dependência extrema se mostrou muito superior em mercados com tendência de descida das cotações.


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