Tesis doctorales de Economía


CONTÁGIO ENTRE MERCADOS DE ACÇÕES DE PAÍSES DESENVOLVIDOS: UM ESTUDO DE PROCESSOS DE TRANSMISSÃO DE CHOQUES DE RENDIBILIDADE NUM CONTEXTO DE EPISÓDIOS DE CRISES FINANCEIRAS

Júlio Fernando Seara Sequeira da Mota Lobão



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2.3 Testes de Detecção de Contágio

Apresentaremos e discutiremos nas seguintes secções os principais métodos e testes de detecção do fenómeno de contágio: testes de probabilidade condicional, de alteração de volatilidade, de alteração aos mecanismos de transmissão e geração de dados, de valor extremo, de causalidade e, por último, aqueles que se podem enquadrar no domínio da Economia Experimental.

Abordaremos cada uma das metodologias de detecção do contágio referindo os estudos empíricos que delas fizeram uso.

2.3.1 Testes de Probabilidade Condicional

Os testes de probabilidade condicional consideram como válida a primeira definição de contágio anteriormente apresentada, que atende à probabilidade de surgimento de uma crise numa determinada economia dada a ocorrência de uma crise noutra economia.

Os testes de probabilidade condicional tomam, normalmente, como equivalente de crise um ataque especulativo (bem sucedido ou não) sobre a taxa de câmbio. Assim, para cada país da amostra, estuda-se, em geral, o comportamento de um indicador de crise calculado a partir de uma ponderação de variáveis que se admite que captem os efeitos do ataque especulativo sobre a taxa de câmbio e o mercado monetário, normalmente: alterações na taxa de câmbio, variações nas taxas de juro e variações nas reservas internacionais. Pode-se então definir uma crise numa economia como um valor extremo deste indicador - por exemplo, dois desvios-padrão acima da média da mostra – e, utilizando um conjunto apropriado de variáveis de controlo, testar se a crise em determinada economia levará a um aumento significativo na probabilidade de ocorrência de uma crise idêntica numa outra economia.

Os testes de probabilidade condicional, ao examinarem se a probabilidade de uma crise é maior numa determinada economia, quando outras economias estão também em crise, permitem efectuar previsões para uma só economia.

Os mais recentes desenvolvimentos nesta corrente da literatura têm-se preocupado em conceber indicadores de vulnerabilidade ao contágio que permitam aos decisores políticos actuar com antecedência evitando o contágio ou, pelo menos, minorar os efeitos mais nefastos da propagação de choques adversos.

Estudos Empíricos

Eichengreen et al. (1996) foram pioneiros na abordagem à análise empírica do contágio. Construíram um índice de pressão sobre a taxa de câmbio (IPTC) recorrendo a uma média ponderada das alterações da taxa de câmbio, taxas de juro de curto prazo e reservas internacionais. Como variável dependente definiram uma variável binária destinada a captar a ocorrência de crises que toma o valor da unidade para valores extremos do IPTC e o valor de zero nos casos restantes. De seguida, estimaram um modelo probit com um conjunto de fundamentais macroeconómicos e políticos como variáveis independentes. As suas estimativas, para um painel de 20 países industrializados entre os anos de 1959 e 1993, mostraram que, na eventualidade de ocorrência de uma crise cambial num país, aumenta a possibilidade de um ataque especulativo nos restantes países em 8 pontos percentuais, valor este estatisticamente significativo. Os autores tentaram ainda aferir da importância de duas causas possíveis para a transmissão internacional dos efeitos que se verificaram: relações comerciais e similaridades macroeconómicas. Concluem que apenas o primeiro factor é estatisticamente significativo.

Outros autores têm, desde então, utilizado as mesmas técnicas. Por exemplo, Glick e Rose (1999) estudaram os efeitos de cinco episódios de crises cambiais ocorridos entre os anos de 1971 e de 1998 sobre 161 países. Encontram evidências significativas de que as relações comerciais são o factor mais importante na propagação das crises quando comparado com as restantes características macroeconómicas e financeiras consideradas. A relevância do canal comercial justificou, segundo os autores, uma maior incidência regional do contágio na medida em que o comércio tende a ser mais intra-regional do que inter-regional.

De Gregorio e Valdés (2001) levaram a cabo um teste comparativo da propagação de efeitos da crise de dívida de 1982 na América Latina, da crise do México de 1994 e da crise Asiática de 1997 utilizando: índices de pressão sobre a taxa de câmbio num horizonte de três e doze meses, movimentos da taxa de câmbio e alterações nos ratings de crédito. Concluíram que a crise do México foi a menos contagiosa enquanto que a crise Asiática foi tão contagiosa como a crise de 1982. Dos resultados obtidos, deduz-se ainda que factores como a composição da dívida e a flexibilidade da taxa de câmbio são relevantes na explicação dos efeitos do contágio enquanto que o controlo de capitais não parece influenciar a intensidade do fenómeno.

Kumar et al. (2002) acrescentaram variáveis financeiras e macroeconómicas desfasadas ao modelo anterior, tendo evidenciado empiricamente que se teria conseguido prever correctamente as crises do México em 1994 e do Sudeste Asiático em 1997 com a aplicação deste modelo estendido.

Caramazza et al. (2000) estimaram igualmente um modelo probit, a partir de um conjunto de dados referentes a 61 economias industrializadas e emergentes para os mesmos episódios de crise. Concluíram que as crises não foram muito diferentes entre si e que os fundamentais, incluindo os efeitos das relações comerciais, dos credores comuns e das fragilidades financeiras (captadas pelo rácio entre a dívida de curto prazo e as reservas internacionais), constituem factores altamente significativos na explicação das crises. Ao contrário, o regime de taxas de câmbio adoptado e o controlo de capitais parecem não ser relevantes na explicação da transmissão internacional do contágio.

Kaminsky e Reinhart (2000) introduziram uma inovação relevante no campo da investigação empírica do fenómeno ao atenderem a outras causas que não apenas às directamente relacionadas com os ataques especulativos cambiais. Além dos efeitos directos do canal comercial, testaram os efeitos do comércio com países terceiros (os chamados efeitos indirectos do canal comercial) e os efeitos do credor comum e de cobertura de risco entre mercados (canal financeiro), na disseminação das crises cambiais. O estudo incidiu sobre 80 episódios de crises cambiais, ocorridos entre os anos de 1970 e de 1998 em vinte economias desenvolvidas e emergentes. Mostraram que a informação relativa à ocorrência de crises noutros países aumenta a capacidade de previsão de crises mesmo depois de se efectuar o controlo dos fundamentais: estimaram-se, em quase 70 por cento, a probabilidade de ocorrência de uma crise em países da Ásia ou da América Latina quando mais de metade dos países da mesma zona se encontra nessa situação. Apesar de lhes ter sido difícil distinguir, em termos empíricos, os efeitos do canal comercial e do canal financeiro porque a maioria dos países na amostra por eles estudada que se relacionam pelo comércio têm também relações financeiras, o efeito de credor comum pareceu ter grande poder explicativo na predição dos episódios de crise. A probabilidade de uma crise atingiu os 83,5% quando foram afectados mais de metade dos países que partilhavam um mesmo país credor. Ao contrário, os efeitos directos do canal comercial não conseguiram explicar, por si só, a grande maioria dos episódios de turbulência. Conclui-se ainda que a susceptibilidade de contágio é altamente não linear: um país que é vítima isolada de uma crise não constitui um indicador particularmente fiável da possibilidade de existência de uma crise noutro país, seja da mesma região seja noutra região do Mundo, mas se a crise afectar vários países, então essa probabilidade aumenta mais do que proporcionalmente. Este resultado contraria as conclusões de Eichengreen et al. (1996) para os quais, um único país em crise constituía um indicador de aumento significativo da possibilidade de crise noutra economia. Kaminsky e Reinhart (2000) atribuem esta diferença ao facto da amostra de Eichengreen et al. (1996) não ser representativa, nomeadamente por estarem sobrerepresentados os países europeus.

Num estudo posterior, incidindo sobre a mesma amostra, Kaminsky e Reinhart (2001) aplicaram vários indicadores de vulnerabilidade a diversos factores de contágio para evidenciar que o canal financeiro, nomeadamente o efeito de credor comum, permitiria antecipar com razoável fiabilidade quais os países afectados pelos episódios de contágio analisados (crises do México em 1994, da Ásia em 1997 e do Brasil em 1999).

Kumar e Persaud (2001), inspirados em Kaminsky e Reinhart (2000, 2001), construíram um modelo logit, com base em 17 países e com dez anos de observações, para demonstrar que as alterações na aversão ao risco dos investidores desencadearam crises cambiais.

Outros estudos, como por exemplo, Kaminsky et al. (1998), pretendem identificar os indicadores apropriados a fim de prever o surgimento de episódios de crise de natureza cambial. Neste contexto, isolaram 12 indicadores de natureza financeira e macroeconómica susceptíveis de ajudar a prever a ocorrência de um episódio de contágio, sendo que o fenómeno continuava a ser definido pela observação de um valor extremo no IPTC.

Num estudo posterior, Kaminsky (1999) calculou um único indicador dado pela média ponderada dos indicadores referidos em Kaminsky et al. (1998).

Bussière e Mulder (1999) e Borensztein et al. (2004) propuseram também outras melhorias nos indicadores propostos por Kaminsky et al. (1998) e testaram o modelo de antecipação de contágio cambial desenvolvido pelo Fundo Monetário Internacional.

Num outro artigo, Berg e Pattillo (1999) mostraram que o conjunto original de indicadores desenvolvido por Kaminsky et al. (1998) teria um mau desempenho na previsão da crise do Sudeste Asiático de 1997. Na grande maioria dos meses de crise (cerca de 91 por cento), o indicador não proporcionaria qualquer sinal enquanto que seriam incorrectos 44 por cento dos sinais observados durante o período de crise.

Berg e Pattillo (1999) revêem a literatura de testes de probabilidade condicional.

Em resumo e em geral, os testes de probabilidade condicional, apesar de alguns resultados contraditórios, permitem isolar algumas condições geralmente presentes quando se assiste à disseminação internacional de choques, em particular de ataques especulativos sobre a taxa de câmbio. Entre essas condições incluem-se a sobreavaliação da taxa de câmbio real, alterações no crescimento do produto e das exportações, aumentos súbitos nos preços das acções e o crescimento do rácio entre a massa monetária e as reservas internacionais da economia.

No entanto, apesar dos resultados sugerirem que o papel dos fundamentais é muito importante, estes não proporcionam uma explicação completa para a incidência e propagação das crises. De facto, como demonstraram Furman e Stiglitz (1998), o poder de previsão ex ante dos indicadores de vulnerabilidade ao contágio construídos a partir das variáveis supracitadas é substancialmente inferior ao seu poder explicativo em termos ex post. Por um lado, este resultado poderá ficar a dever-se ao facto dos modelos não incorporarem todas as variáveis fundamentais relevantes. A inclusão, nos modelos, de variáveis relativas aos vários canais de contágio, como acontece, por exemplo, em Kaminsky e Reinhart (2000), aumenta significativamente o poder explicativo das estimativas (Sbracia e Zaghini, 2001). Por outro lado, certos autores defendem que a ausência de uma relação entre os valores críticos dos indicadores de vulnerabilidade ao contágio e a incidência do fenómeno é consistente com a existência de equilíbrios múltiplos.


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