Júlio Fernando Seara Sequeira da Mota Lobão
Os testes de alteração dos processos de transmissão e de geração de dados são utilizados para aferir da existência do contágio entendido como constituindo comovimentos de preços que não podem ser justificados pelos fundamentais (quarta definição de contágio na secção 2.1). Nesta acepção, o contágio ocorre quando o mecanismo de transmissão se altera de tal forma que, na sequência de um choque, os fundamentais deixam de justificar, por si só, o comovimento observado nas variáveis.
O recurso a métodos de análise das características estatísticas dos dados – através de testes à alteração das funções de distribuição de probabilidade das rendibilidades – e no processo de geração destas – tendo frequentemente por base modelos de Markov – constituem formas alternativas de teste à existência de contágio.
Kole et al. (2005) defendem a utilização de testes à alteração das funções de distribuição de probabilidade das rendibilidades com recurso a testes estatísticos como o teste de Kolmogorov-Smirnov ou o teste de Anderson-Darling, por exemplo, como método de quantificação do grau de dependência entre mercados financeiros.
Os testes aos processos de geração de dados partem, geralmente, da especificação de um número de regimes para as variáveis económicas relevantes e da estimativa das probabilidades (descritas por uma matriz de transição de Markov) de se mudar de um regime para outro.
A presente abordagem tem a vantagem inerente ao facto das alterações das características estatísticas das rendibilidades poderem ser directamente atribuídas a mudanças súbitas entre equilíbrios múltiplos que não podem ser justificadas pelos fundamentais económicos.
Estudos Empíricos
Nos últimos anos, a partir das propostas de Hamilton (1989, 1990, 1994), têm vindo a ser desenvolvidas metodologias baseadas nos modelos de mudança de Markov capazes de testar a existência de alterações nos processos de geração dos dados.
Jeanne (1997) considerou um modelo de segunda geração de crises cambiais em que, para um determinado conjunto de fundamentais, se obtém um resultado que admite a existência de equilíbrios múltiplos e permite calcular três diferentes probabilidades de desvalorização. Neste cenário, as mudanças entre equilíbrios múltiplos corresponderão a mudanças entre probabilidades de desvalorização. O autor mostra que, quando os fundamentais assumem valores que tornam possível a existência de equilíbrios múltiplos, as mudanças podem ocorrer em resultado de uma variável sunspot e sem que ocorra qualquer outra alteração na economia. Jeanne (1997) aplicou o modelo ao estudo da taxa de câmbio entre o franco francês e o marco alemão desde Janeiro de 1991 a Julho de 1993. Considerou-se um conjunto de fundamentais, que incluem a taxa de desemprego, o rácio entre a balança comercial e o produto, e a taxa de câmbio real. Em seguida, estimou-se um modelo de mudança de Markov que permitiu concluir que: (i) a seguir a Agosto de 1992, os valores assumidos pelos fundamentais da economia francesa justificaram a existência de equilíbrios múltiplos; (ii) este facto foi determinado, principalmente, por um aumento da taxa de desemprego e por uma apreciação da taxa de câmbio real; (iii) uma vez que se tornaram possíveis múltiplos equilíbrios, era de esperar que a economia mudasse para uma situação de maior probabilidade de desvalorização; e (iv) o modelo apresenta um desempenho substancialmente superior ao obtido com modelos de regressão linear simples.
Jeanne e Masson (2000) estenderam a análise teórica e empírica ao incluir não linearidades e situações de caos (outras dinâmicas). Em concreto, estimaram um modelo em que, nos fundamentais, se incluiu uma tendência temporal destinada a captar os efeitos de reputação relacionados com os processos de aprendizagem dos especuladores. As estimativas realizadas, para o período entre Fevereiro de 1987 e Julho de 1993, confirmaram, essencialmente, os resultados obtidos anteriormente por Jeanne (1997).
Num outro estudo, Fratzscher (1999) concebeu um modelo em que a pressão sobre a taxa de câmbio de um país depende de um conjunto de fundamentais desse mesmo país, de algumas medidas de integração comercial e financeira com outros espaços económicos e da probabilidade de mudança de regime. Estimou um regime de Markov, com duas fases e com três fases, a partir de dados entre os anos de 1986 e de 1998, referentes a 25 economias emergentes. Concluiu que, embora os modelos de mudança de Markov, sem integração comercial e financeira, apresentem um bom desempenho para a maioria dos países, é eliminada qualquer possibilidade de mudança de regime quando se incluem na análise os factores de integração comercial e financeira. Mais concretamente, o modelo indica que as variáveis de interdependência financeira desempenharam um papel essencial na transmissão das crises na América Latina durante os anos de 1994 e de 1995 e no Sudeste Asiático em 1997. Fratzscher (1999) utilizou ainda as suas estimativas para obter, para vários países, uma previsão da pressão sobre a taxa de câmbio durante a crise do México e a crise Asiática. Uma comparação com previsões análogas, de alguns modelos de indicadores de antecipação, mostrou que o modelo de Fratzscher (1999), considerando os fundamentais e a possibilidade de mudança de regime, não apresenta um desempenho significativamente superior. No entanto, quando se incluem os factores de integração, o modelo permite obter previsões com um grau de acerto significativamente maior.
Num estudo posterior, Fratzscher (2003) desenvolveu um modelo de Markov de mudança não linear de regime que permitiu comparar três hipóteses alternativas de explicação do contágio das crises cambiais: debilidade nos fundamentais, contágio e alterações não observadas nas expectativas dos consumidores em resultado de variáveis do tipo sunspot. Admite-se que o contágio possa advir dos canais comercial e financeiro, neste último caso, tanto através dos efeitos de credor comum como por efeito de investidores com carteiras comuns a vários mercados. O autor prova que o contágio, principalmente através do canal financeiro, é a principal explicação para as crises mais recentes nos mercados emergentes, evidenciando uma assinalável capacidade de previsão para a crise Asiática de 1997.
Cerra e Saxena (2002) aplicaram um modelo ao estudo do contágio cambial que afectou a Indonésia, durante a crise do Sudeste Asiático em 1997 caracterizado pelo facto da probabilidade de transição entre diferentes processos de geração de dados variar ao longo do tempo. Mostrou-se que se verificaram efeitos importantes de contágio provenientes da Tailândia e da Coreia e que esses efeitos se fizeram sentir tanto no mercado de câmbios como no mercado de acções.
Boyer et al. (2002), na sequência dos contributos de Ang e Chen (2002) e Gibson e Boyer (1998), recorreram a um modelo dinâmico que considera alterações no processo de geração de dados segundo Markov. Estimou-se um modelo paramétrico que prevê a possibilidade de quebras estruturais do processo de geração de dados. Verificou-se, em seguida, se a distribuição conjunta variou ao longo do tempo entre regimes tendo-se concluído que a propagação das crises do México, do Sudeste Asiático e da Rússia teve origem nos efeitos do chamado contágio puro.
No quadro dos testes às alterações das características estatísticas das funções de distribuição de probabilidade das rendibilidades, Ciccarelli e Rebucci (2004) utilizam o teste de Kolmogorov-Smirnov num estudo às consequências no mercado cambial do Chile da crise ocorrida na Argentina durante o ano de 2001.
Chollete et al. (2005), numa aplicação de diversas metodologias incluindo testes de Kolmogorov-Smirnov e testes de Anderson-Darling, concluíram que os mercados de acções da Argentina, Brasil, Chile e México se apresentaram mais relacionados entre si, entre os anos de 1990 e de 2002, nos momentos caracterizados pela subida das cotações.
Patton (2005) estudou a interdependência entre as taxas de câmbio do marco, do iene e do dólar entre os anos de 1999 e de 2001 concluindo que a função de distribuição de probabilidade condicional de todas as divisas se alterou na sequência do surgimento do euro.
Por último, Malevergne e Sornette (2003) e Chollete (2005) utilizaram diversas medidas de interdependência para aferir a existência de contágio entre mercados de acções, de mercadorias e de taxas de câmbio.