Júlio Fernando Seara Sequeira da Mota Lobão
Os testes de alteração da correlação dos preços tentam captar o contágio segundo a acepção de que este se traduz num aumento significativo do comovimento entre os mercados, aferido através do coeficiente de correlação, dada a ocorrência de um choque relevante num mercado ou grupo de mercados (terceira definição de contágio na secção 2.1).
Os testes de alteração de correlação apresentam duas importantes vantagens. Por um lado, constituem um teste muito intuitivo à presença de contágio. O contágio terá ocorrido se se tiver verificado um aumento significativo na correlação entre os mercados durante o período de vigência de um choque. Por esse motivo, este tipo de testes tem constituído a base do estudo empírico do fenómeno. Por outro lado, os testes ao contágio definidos desta forma têm a vantagem de permitir extrair, de forma directa, ilações acerca da eficácia das estratégias de diversificação internacional na redução do risco da carteira durante os períodos de turbulência.
Os testes de alteração da correlação apresentam, no entanto, a desvantagem de poderem ser afectados por problemas relacionados com a heterocedasticidade dos dados e com a endogeneidade do modelo de teste. Vários autores têm avançado com propostas de melhoria dos testes convencionais de alteração da correlação no sentido de corrigir estes problemas. O teste de Forbes e Rigobon (2002) é baseado no teste das correlações não condicionais entre pares de rendibilidades dos activos relativos aos períodos de crise e de não-crise. O teste prevê a correcção da potencial heterocedasticidade dos dados e assume que não existem problemas de endogeneidade. O ajustamento proposto por Forbes e Rigobon (2002), apesar de largamente difundido na literatura, não está isento de críticas. Por exemplo, Baig e Goldfajn (2001) questionam o procedimento da correcção do aumento da variância na medida em que consideram que os factores subjacentes ao aumento da volatilidade (mercados com menor liquidez, episódios de pânico, factores institucionais, etc.) podem ser precisamente os que provocam o contágio pelo que o controlo destes factores pode fazer diminuir o poder dos testes de contágio.
Corsetti, Pericoli e Sbracia (2002) propõem uma alternativa ao teste de Forbes e Rigobon (2002). As principais alterações relacionam-se com o facto de que, para Corsetti, Pericoli e Sbracia (2002), ao contrário do que sucedia em Forbes e Rigobon (2002), um choque específico proveniente de um dado país não actua necessariamente como um choque global. Nesse sentido, introduzem-se outros pressupostos acerca do rácio entre a variância do choque específico ao país e a variância dos factores globais.
Estudos Empíricos
A análise empírica do contágio através de testes de alteração de correlação tem-se centrado, em larga medida, na medição dos comovimentos nos preços dos activos principalmente taxas de juro, cotações de acções, divisas e spreads da dívida.
King e Wadhwani (1990) recorreram pela primeira vez a testes de alteração da correlação para estudar a propagação de choques económicos tendo examinado as modificações ocorridas em diferentes mercados no seguimento da queda das cotações dos mercados accionistas em Outubro de 1987. Procuraram investigar por que razão praticamente todos os mercados de acções sofreram fortes perdas, apesar das circunstâncias económicas variarem de forma significativa de país para país. Concluíram que a transmissão dos choques entre os mercados de acções dos EUA, Japão e Reino Unido ocorreu em consequência das tentativas, por parte dos agentes de mercado, de inferir informação a partir das variações de preços. O modelo utilizado assume o pressuposto de que existem dois tipos de informações, informação idiossincrática e informação sistemática. A primeira é específica de um determinado país enquanto que a informação sistemática se refere a todos os mercados. Uma vez que, nesta acepção, a informação tem duas dimensões, o equilíbrio correspondente às expectativas racionais é tal que as cotações das acções não permitem revelar totalmente a informação privada dos agentes. As estimativas realizadas mostraram que a volatilidade no mercado de acções do Reino Unido tendia a ser superior quando a bolsa de Nova Iorque se encontrava a transaccionar e que os coeficientes de correlação entre os EUA, Japão e Reino Unido aumentaram significativamente após a queda das cotações em 1987.
Lee e Kim (1993), estendendo a análise de King e Wadhwani (1990) a 12 dos mais importantes mercados de acções, concluíram pela existência de contágio: as correlações de frequência mensal entre os mercados passaram, em média, de 0,23 para 0,39 depois da queda das cotações nos EUA.
Vários estudos sugerem que a crise mexicana de 1994 foi contagiosa. Calvo e Reinhart (1996) concluem que o comovimento nas rendibilidades semanais das acções e obrigações nos mercados emergentes da Ásia e América Latina foi mais elevado depois da crise do México do que antes. Este estudo apresenta a desvantagem de não se ter testado a significância estatística das correlações e da alteração das correlações estimadas. Frankel e Schmukler (1998) evidenciaram que os preços dos fundos de investimento abertos nacionais da América Latina e Sudeste Asiático exibiram maior comovimento com os fundos do mesmo tipo do México depois da crise neste país. Para Valdés (1997), os movimentos das cotações da dívida no mercado secundário e nos ratings de crédito, por não serem inteiramente justificados pelos fundamentais, sugerem que a crise do México foi contagiosa para a América Latina. O contágio mostra-se assimétrico e não explicável pela existência de notícias importantes. Agenor et al. (2004) notam que a crise do México teve um efeito sensível nos movimentos dos spreads das taxas de juro internas e no PIB da Argentina.
Baig e Goldfajn (1999) realizaram uma das análises mais completas no âmbito dos testes de correlação. Atenderam à rendibilidade dos índices de acções, taxas de juro, spreads da dívida e taxas de câmbio de cinco países asiáticos (Indonésia, Coreia, Malásia, Filipinas e Tailândia) com o objectivo de verificar a ocorrência de comovimentos excessivos nessas variáveis durante a crise de 1997. Os autores concluíram que, para cada variável, a maioria dos coeficientes de correlação entre os países aumentou significativamente no período de turbulência, entre Julho de 1997 e Maio de 1998, quando comparada com a verificada no período considerado tranquilo, entre Janeiro de 1995 e Dezembro de 1996. Estes efeitos foram mais notórios nas divisas e nos spreads da dívida do que nas rendibilidades das acções. As correlações encontradas entre os spreads da dívida mostraram-se extremamente elevadas o que foi interpretado como um sinal de que os investidores, durante a crise, não distinguiram entre os cinco países da amostra exigindo, por esse motivo, um prémio de risco elevado a todos eles.
Park e Song (2000) apresentaram em que comparam os coeficientes de correlação dos resíduos do modelo autoregressivo entre o período de crise de um largo número de países asiáticos (em 1997) e o respectivo período considerado tranquilo. Park e Song (2000) mostraram que a crise no Sudeste Asiático não desencadeou directamente a crise na Coreia, mas que a sua propagação para Taiwan desempenhou um papel importante na crise daquele país.
Ainda no âmbito dos testes de correlação, Borio e McCauley (1998) estudaram os efeitos de contágio nos mercados de obrigações durante os períodos mais voláteis. Analisando os dados semanais das volatilidades implícitas nos preços dos contratos de opções sobre Obrigações do Tesouro, com maturidade de 10 anos, de 13 países desenvolvidos desde Agosto de 1992 até Maio de 1995, os autores testaram se a volatilidade desfasada nos mercados externos acrescenta poder explicativo ao processo implícito de volatilidade no mercado doméstico. Os efeitos de contágio parecem irradiar do mercado de obrigações dos EUA. Quando se introduzem variáveis binárias para as 20 observações com maior volatilidade conjunta para cada par de países, os períodos de elevada volatilidade são caracterizados por uma correlação internacional significativamente superior.
Wolf (2000) levou a cabo uma estimativa em painel de 400 a 1300 rendibilidades de acções, com frequência mensal, entre 16 a 24 mercados desenvolvidos e emergentes durante os anos de 1988 e 1995. O autor assumiu que os efeitos permanentes representavam os efeitos do país e do sector. Wolf (2000) defende que apenas a correlação entre os efeitos de país é relevante para a medição do contágio pelo que quaisquer comovimentos das rendibilidades que resultam dos choques relacionados com o sector devem ser eliminados. Depois de tomado esse procedimento, mostrou que a correlação média, no efeito país, é 3 a 4 vezes superior à média da correlação entre os índices accionistas desses países.
A maioria dos estudos encontra evidências de fortes comovimentos em vários tipos de rendibilidades de activos, embora exista menos acordo no facto de que esses comovimentos aumentam na sequência de uma crise.
Alguns autores consideram, no entanto, que um aumento significativo nas correlações entre mercados de diferentes países pode não ser uma condição suficiente para que se possa falar de contágio. Corsetti, Pericoli e Sbracia (2001), Dungey e Zhumabekova (2001) e Forbes e Rigobon (2001, 2002) mostram que, quando duas variáveis aleatórias são positivamente correlacionadas, o coeficiente de correlação é uma função que varia positivamente com a variância de cada uma delas. Por esse motivo, quando se comparam coeficientes de correlação referentes a sub-amostras específicas, é necessário corrigir o enviesamento gerado pelos diferentes valores da variância que as variáveis assumem na sub-amostra.
Na prática, é impossível fazer as correcções dos efeitos de aumentos na volatilidade, da endogeneidade e da existência de variáveis omissas no modelo sem se assumirem pressupostos restritivos. É o caso de Forbes e Rigobon (2002) que propuseram um teste que tem em conta o enviesamento resultante da alteração da volatilidade. A ideia central é a de utilizar a heterocedasticidade para identificar os diferentes regimes de volatilidade. Para classificar as observações, propõem a utilização de uma variável instrumental mostrando, em seguida, que o teste ao contágio é equivalente ao teste à validade da variável instrumental. Estes autores estimaram, em seguida, um modelo recorrendo às rendibilidades diárias do mercado de acções e de taxas de juro de curto prazo para 28 economias desenvolvidas e emergentes, tendo como referência três períodos de crise: a queda nas cotações das acções nos EUA em Outubro de 1987, a crise do México em 1994 e a crise Asiática de 1997. Mostra-se que, se os coeficientes de correlação forem ajustados para ter em conta o acréscimo de volatilidade, a hipótese de alteração estrutural da correlação é rejeitada na maioria dos casos. De forma similar, Rigobon (2003a) construiu uma variável instrumental que permitiu testar a hipótese de alteração estrutural nas correlações entre os mercados de obrigações da Argentina, Brasil e México, entre os anos de 1994 e 2001 confirmando que a hipótese de contágio é quase sempre rejeitada.
Thanyalakpark e Filson (2002) e Wang (2004) constatam a inexistência de contágio generalizado na crise Asiática depois de efectuado o ajustamento da heterocedasticidade dos dados.
Serwa e Bohl (2003) aplicaram a estatística de teste de Forbes e Rigobon (2002), a 17 mercados desenvolvidos e emergentes, durante o período 1997-2002. Não foram encontradas evidências significativas de contágio nos principais episódios de crise verificados nesse período.
Lopes e Migon (2002) quantificam o contágio, corrigido das variações na volatilidade em períodos de crise, admitindo que a estrutura do modelo adoptado, nomeadamente no que diz respeito à volatilidade, possa variar ao longo do tempo. O estudo, que incidiu sobre a transmissão de choques entre alguns mercados de acções da América Latina e o dos EUA entre os anos de 1994 e 2001, não conduziu a resultados conclusivos.
Assumindo uma perspectiva de longo prazo, Bordo e Murshid (2001b) examinaram o registo de crises financeiras ao longo dos últimos 120 anos e os sinais de contágio num grande número de variáveis macroeconómicas. Os autores concluem que os Estados Unidos e o Reino Unido têm desempenhado um papel importante na disseminação de choques pelo resto do mundo e que tal efeito, curiosamente, parece ser mais fraco em períodos de crise. Bordo e Murshid (2001a) e Goetzmann et al. (2005) desenvolveram trabalhos semelhantes acerca da relação de longo prazo entre o contágio e as alterações na correlação entre variáveis económicas e financeiras. Na generalidade, os testes realizados não permitem encontrar evidências seguras de que o contágio tem aumentado ao longo do tempo.
Desde que Forbes e Rigobon (2002) propuseram o teste de correlação corrigido, a maioria dos trabalhos empíricos tem tentado melhorar o teste e encontrar alternativas.
Por exemplo, Loretan e English (2000) aperfeiçoaram a metodologia de King e Wadhwani (1990) calculando coeficientes de correlação corrigidos da volatilidade entre as rendibilidades diárias das obrigações cotadas na Alemanha e no Reino Unido e entre as rendibilidades diárias entre os câmbios dólar/iene e dólar/marco. As estimativas mostram que a relação entre a volatilidade e a correlação durante a crise do México é muito próxima daquela sugerida pela teoria não se evidenciando, portanto, sinais significativos de contágio.
Corsetti, Pericoli e Sbracia (2001, 2002) reúnem os testes anteriores num único quadro teórico capaz de resolver os problemas da heterocedasticidade e da endogeneidade dos dados, propondo uma abordagem à análise empírica de alterações estruturais através de um modelo de factores. Corsetti, Pesenti e Roubini (2002) aplicaram o teste de Corsetti, Pericoli e Sbracia.(2002) à crise de Outubro de 1997, no mercado accionista de Hong-Kong, mostrando que a hipótese de interdependência deveria ser rejeitada a favor da hipótese de contágio para os mercados de Singapura, Filipinas, França, Itália e Reino Unido. Estes resultados contrariam fortemente os obtidos por Forbes e Rigobon (2002).
Caporale et al. (2002) encontraram sinais de contágio na crise Asiática mesmo depois da correcção da heterocedasticidade, endogeneidade e omissão de variáveis relevantes.
Connolly e Wang (2002) resolveram os problemas associados ao método de teste de alteração de correlação, recorrendo ao cálculo de rendibilidades não contemporâneas nos diversos mercados de acções analisados: EUA, Reino Unido e Japão. O estudo cobriu o período entre os anos de 1985 e de 1996. Os autores constatam a existência de um elevado comovimento entre as rendibilidades dos mercados e concluem que, para cada um dos países, o mercado externo mais próximo exerce maior influência na rendibilidade do mercado doméstico do que o mercado mais distante. Além disso, mostram que o contágio é o maior determinante desse comovimento e que os seus efeitos tendem a ser assimétricos, isto é, o comovimento entre as rendibilidades dos mercados tende a ser superior na descida face ao que se verifica nos momentos de subida das cotações. Num artigo posterior, Connolly e Wang (2003) confirmam a rendibilidade dos mercados externos como fonte de comovimento nas rendibilidades dos três mercados supracitados, mesmo quando se estabelece a comparação com os efeitos da informação pública disponível.
Bekaert e Harvey (1995) testaram a significância das alterações nas correlações entre 30 países recorrendo a um modelo multivariado que admite alterações na volatilidade e mudanças de regime de geração de dados. Concluiram que as correlações não se alteraram de forma significativa. Num estudo mais desenvolvido, Bekaert e Harvey (2003) encontraram aumentos significativos em apenas 9 dos 17 mercados emergentes estudados.
Bayoumi et al. (2003) utilizaram uma medida de contágio que relaciona as correlações observadas entre os mercados de acções e medidas que atendem à distância geográfica entre países. Desta forma, pretende-se distinguir movimentos de capitais que resultam da diferenciação levada a cabo pelos investidores entre os fundamentais dos vários mercados, daqueles outros movimentos de capitais caracterizados por comportamentos de imitação entre os investidores e que dão origem a fenómenos de contágio. Bayoumi et al. (2003) previram os principais episódios de contágio a partir da análise da correlação entre os índices accionistas e taxas de câmbio de 16 países, entre os anos de 1991 e de 2001, recorrendo a uma nova metodologia concebida a partir do cálculo da correlação entre variações dos índices accionistas e de taxas de câmbio. Mostraram ainda que o contágio tende a ser antecedido por um período em que se assiste a entradas massivas de capitais na economia em resultado de comportamentos de imitação entre os investidores.
Kleimeier et al. (2003) efectuaram a correcção da heterocedasticidade proposta por Forbes e Rigobon (2002), corrigindo os enviesamentos decorrentes da utilização de rendibilidades calculadas a partir das cotações de fecho das sessões quando os mercados analisados têm diferentes horários de transacção. Ao contrário de Forbes e Rigobon (2002), Kleimeier et al. (2003) encontram sinais significativos de contágio do mercado de acções de Hong-Kong para a maioria (8 em 14) dos restantes mercados da amostra.
Podemos concluir, a partir dos resultados dos estudos empíricos agora apresentados, que não existe um consenso na literatura acerca da prevalência dos efeitos de contágio quando aferidos através dos testes de alteração da correlação.