Júlio Fernando Seara Sequeira da Mota Lobão
Os investidores internacionais podem estar sujeitos a restrições impostas por regras quanto à composição das suas carteiras. Essas regras podem referir-se, por exemplo, à estrutura da carteira quanto ao tipo dos activos a investir (acções, obrigações, fundos de investimento, etc.), às zonas geográficas de investimento (mercados da Europa, dos EUA, da Ásia, etc.) ou a níveis de desenvolvimento dos mercados receptores do investimento (mercados desenvolvidos, mercados emergentes). O cumprimento das restrições por parte dos agentes de mercado pode contribuir para a propagação internacional de choques.
Por exemplo, um choque negativo específico a um mercado emergente pode fazer com que os investidores liquidem os activos que detêm não apenas nesse mercado mas noutros mercados enquadráveis na mesma categoria, uma vez que se pode pretender manter a proporções dos activos cotados nesse país no conjunto da carteira ou a proporção dos activos desse país no conjunto dos mercados da região a que pertence. Em consequência deste comportamento, os mercados de activos de outros países podem vir a ser afectados pelo choque inicial.
Muitos dos estudos de contágio que procuram modelizar o comportamento dos investidores quando estão sujeitos ao cumprimento de regras como as referidas acima recorre à assumpção de imperfeições de mercado. No entanto, Schinasi e Smith (2001) mostram que a transmissão internacional de choques pode ser explicada através dos princípios básicos da teoria de gestão de carteiras sem ser necessário, portanto, o recurso a imperfeições de mercado. Schinasi e Smith (2001) demonstram que os modelos comuns de gestão de carteiras explicam por que razão os investidores podem encarar como sendo óptimo o comportamento de venda de parte significativa dos activos financeiros que detêm quando ocorre um choque que afecta especificamente apenas um desses activos. A maioria das regras de gestão analisadas conduz à escolha de carteiras não óptimas.
Calvo e Mendoza (2001) estendem a análise de Schinasi e Smith (2001) concluindo que o contágio pode prevalecer como solução de equilíbrio se se cumprirem regras de diversificação das carteiras à medida que os mercados financeiros crescem.
Para Folkerts-Landau e Garber (1998), as técnicas de gestão de risco podem ditar a redução da exposição em mercados mais arriscados ou a redução do crédito em mercados historicamente correlacionados. Buckberg (1995) defende que, na medida em que os investidores afectam percentagens fixas dos seus activos a mercados emergentes individualmente considerados, alterações na ponderação atribuída à categoria dos mercados emergentes como um todo poderão afectar todos os países por igual.
Merece ainda referência um conjunto de outros estudos relacionados com o impacto da adopção de regras por parte dos investidores internacionais. Kodres e Pritsker (2002) mostram que a adopção de regras de transacção baseadas no momentum dos preços dos activos financeiros pode constituir uma causa de contágio nos mercados financeiros internacionais.
Wolf (1998) discute a importância das regras ditadas pelo enquadramento institucional dos fundos de investimento e as suas implicações no fenómeno do contágio internacional.
Por último, Choueiri (2002) modeliza o contágio financeiro a partir dos ajustamentos das carteiras relacionados com a gestão do risco decorrente da aplicação da teoria de gestão de carteiras convencional. Um investidor internacional representativo detém obrigações do tesouro emitidas por dois países emergentes que mantêm um acordo de paridade face a uma dada divisa forte. Mostra-se que, se a covariância entre as rendibilidades das duas divisas for suficientemente elevada, a quebra da paridade por parte de uma divisa e subsequente desvalorização levarão o investidor a liquidar os investimentos na outra divisa pondo, desta forma, em risco a manutenção da paridade da segunda moeda.
Estudos Empíricos
Muitos trabalhos empíricos têm analisado o canal financeiro de contágio entre as economias. No entanto, o consenso no que diz respeito à importância dos agentes de mercado internacionais na explicação do fenómeno ainda está longe de ser atingido. Apesar da actuação desses agentes poder ter potencialmente consequências muito significativas no que diz respeito à transmissão de choques, a explicação das motivações subjacentes ao seu comportamento e a magnitude dos seus efeitos constituem questões ainda não totalmente esclarecidas na literatura.
São vários os estudos empíricos que evidenciam o papel dos problemas relacionados com a presença de credores comuns no desenvolvimento dos episódios de contágio ocorridos ao longo das décadas de 80 e 90. Corsetti, Pesenti e Roubini (2002) e Kaminsky, Lyons e Schmukler (2004) atribuem as crises que tiveram lugar na América Latina e Sudeste Asiático desde os anos 80 ao comportamento das entidades bancárias dos EUA, Europa e Japão responsáveis pela concessão de elevados empréstimos às regiões.
Kaminsky e Reinhart (2000, 2001), Caramazza et al. (1999, 2000), Van Rijckeghem e Weder (2001b) e Hernández e Valdés (2001) testaram igualmente a importância dos efeitos indirectos do canal financeiro através do endividamento bancário.
Kaminsky e Reinhart (2000) analisaram o comportamento dos mercados de acções em 20 países emergentes e desenvolvidos entre os anos de 1970 e 1998. Os autores isolaram dois conjuntos de países, um composto por países que recorrem a empréstimos de bancos japoneses e outro composto por países que preferem os bancos dos EUA. Prova-se que a probabilidade de ocorrência de uma crise nos países da amostra condicionada à verificação de uma crise num dos países de cada um dos conjuntos é superior à probabilidade não condicional de ocorrência de uma crise o que indicia que o contágio através dos credores comuns tem um efeito significativo. Kaminsky e Reinhart (2001) mostram ainda, num estudo posterior, que o efeito de credor comum se reveste de elevado poder explicativo na propagação da turbulência cambial da Tailândia para a Indonésia, Malásia e Coreia do Sul nos anos de 1997-1998.
Caramazza et al. (1999, 2000) e Van Rijckeghem e Weder (2001b) encontraram evidências a favor da presença de efeitos indirectos do canal financeiro por via de credores comuns nos casos das crises do México, Sudeste Asiático e Rússia. Caramazza et al. (1999, 2000) constatam que, em média, os países que sofreram crises cambiais durante os anos 90 apresentavam, em média, mais cinco pontos percentuais da sua dívida relativamente ao principal credor comum do que os países da amostra que se mostraram imunes às crises.
Hernández e Valdés (2001) constataram que o efeito de credor comum esteve na base dos episódios de contágio do Sudeste Asiático, Brasil e Rússia quando se considera a propagação de choques através do mercado de obrigações.
Kim et al. (2001) apresentaram uma análise descritiva dos efeitos da crise Asiática sobre cinco economias da região (Coreia, Indonésia, Malásia, Filipinas e Tailândia) procurando distinguir entre os efeitos atribuíveis ao comportamento dos investidores e a problemas de natureza fundamental. Concluíram que o canal comercial de contágio permite explicar apenas parte do sucedido e que o canal financeiro desempenha um papel mais relevante no entendimento do fenómeno.
Kaminsky e Reinhart (2003) estudaram os principais episódios de contágio em 35 países entre 1997 e 1999 concluindo que os choques económicos só se propagam internacionalmente quando atingem pelo menos um dos principais centros financeiros internacionais (EUA, Alemanha e Japão). Se assim não acontecer, o contágio atinge apenas os países da região onde teve origem. Arestis et al. (2003) confirmam os resultados de Kaminsky e Reinhart (2003) para o caso da crise Asiática: o contágio das economias asiáticas para as economias desenvolvidas é modesto (apenas o Japão é afectado) enquanto que no sentido contrário os países desenvolvidos (Japão, EUA e Reino Unido) contagiam todas as economias da amostra (Tailândia, Indonésia, Coreia e Malásia). Os resultados obtidos por Arestis et al. (2003) e por Kaminsky e Reinhart (2001) permitem atribuir o contágio intra-regional (particularmente entre a Tailândia, Indonésia e Coreia) e a ausência de contágio das economias emergentes para os países desenvolvidos à diminuição do financiamento por parte dos bancos japoneses e dos bancos ocidentais aos países asiáticos logo que se tornou evidente a crise.
O estudo dos fluxos de capitais pode proporcionar informações muito importantes para a compreensão do fenómeno de contágio através do canal financeiro. Apesar disso, poucos trabalhos empíricos nesta área têm sido levados a cabo. Van Rijckeghem e Weder (2001a) testaram o papel dos empréstimos bancários e os efeitos de credor comum através da análise dos fluxos de capitais entre 30 economias emergentes. Para os casos das crises do México e do Sudeste Asiático, concluíram que o grau de obtenção de fundos a partir de bancos que desempenham o papel de credores comuns constitui um indicador robusto da incidência de crises cambiais.
Hernández et al. (2001) levaram a cabo um estudo pioneiro dos determinantes dos fluxos de capitais que se deslocaram das economias desenvolvidas para as economias emergentes entre os anos 70 e os anos 90. Verificaram que os fluxos de capitais se concentraram em poucos países por efeitos de um fenómeno de contágio transmitido através do efeito de credor comum.
Fiess (2003) constatou que os fluxos de capitais com destino ao Brasil, México e Venezuela durante os anos 90 podem ser explicados por efeitos sistemáticos atribuíveis ao contágio ou a factores globais comuns.
Peek e Rosengren (1997) mostraram que os bancos japoneses seguiram estratégias de contágio (redução na concessão de empréstimos internacionais em reacção à descida das cotações no mercado de acções japonês) inclusivamente em relação a economias desenvolvidas entre os anos de 1988 e 1995.
São vários os estudos que se debruçam sobre o contágio decorrente da actuação de investidores institucionais.
Por exemplo, Kaminsky, Lyons e Schmukler (2004) mostram evidências que sustentam a noção de que os fundos de investimento dos EUA desempenharam um papel importante na propagação de choques na América Latina em 1994 vendendo activos num mercado (no caso, nos mercados financeiros da Argentina e do Brasil) quando os preços diminuíam noutro mercado (México).
Froot et al. (2001) estudaram o comportamento dos fluxos de capitais associados a investimentos de carteira em 44 países entre 1994 e 1998. Encontraram provas significativas de que os preços e os fluxos de investimento evoluíram no mesmo sentido.
Num estudo sobre fundos fechados, Frankel e Schmukler (1998) procuraram determinar se os choques adversos que resultaram da crise do México em 1994 foram transmitidos internacionalmente através dos mercados financeiros norte-americanos. Concluíram que os mercados financeiros ajudaram a propagar a crise mexicana às economias do Sudeste Asiático, mas não desempenharam qualquer papel na sua transmissão a outros países da América Latina. Mody e Taylor (2003) realçam igualmente o papel dos mercados financeiros dos EUA, nomeadamente do mercado de obrigações, na propagação do contágio.
Em estudos relacionados, McKinnon e Pill (1997) e Pesenti e Tille (2000) consideram que a crise Asiática resultou da conjugação de factores tais como o fácil acesso a fundos internacionais a baixo custo, as debilidades estruturais das economias (com défices graves nas contas externas e um sistema bancário excessivamente endividado e sujeito a deficiente supervisão) e a volatilidade exacerbada dos mercados de capitais internacionais.
Alguns estudos preocupam-se em tentar isolar as consequências da adopção de determinadas práticas ou regras de transacção por parte dos investidores internacionais.
Numa análise das carteiras de fundos de investimento, Kaminsky, Lyons e Schmukler (2003) mostraram que os fundos de mercados emergentes exibem estratégias de momentum positivo (ou seja, ao mesmo tempo que compram de forma sistemática títulos que se valorizaram vendem os títulos que sofreram maiores perdas num passado recente) em momentos de crise o que indica que a actuação dos investidores internacionais pode favorecer a propagação de choques negativos.
Choe et al. (1999), Stulz (1999) e Kim e Wei (2002) levaram a cabo outros estudos empíricos relacionados com a problemática dos comportamentos dos investidores internacionais e seu impacto nos mercados financeiros.