Júlio Fernando Seara Sequeira da Mota Lobão
Os ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001 abalaram de forma significativa a confiança dos investidores. Apesar dos efeitos nos mercados financeiros dos EUA não se terem feito sentir no próprio dia 11 de Setembro em virtude do encerramento dos principais mercados de acções, o impacto afectou as cotações na reabertura das bolsas na semana seguinte aos acontecimentos. Os índices de acções principais sofreram perdas, nessa semana, entre os 15% e os 18% passando por um período de grande volatilidade e de queda nas cotações reflectindo as alterações nas expectativas quanto ao risco e rendibilidade no futuro. O provável aumento na aversão ao risco dos investidores provocou aumentos nos spreads das obrigações com yields mais elevadas que fizeram aumentar os custos de financiamentos dos devedores com maior risco. Na sequência dos ataques, registaram-se aumentos na correlação entre os spreads das principais economias emergentes reflectindo uma tendência generalizada de venda. Os efeitos nefastos dos ataques foram contrariados pela actuação dos principais bancos centrais. No próprio dia da reabertura dos mercados dos EUA, a Reserva Federal anunciou uma descida nas suas taxas directoras em 50 pontos base. Nas semanas que se seguiram ao 11 de Setembro as taxas directoras desceriam ainda mais em 1,25 pontos percentuais até atingirem o mínimo dos últimos 40 anos. Esta actuação foi acompanhada de medidas destinadas a garantir as condições adequadas de liquidez no sistema bancário de forma a prevenir episódios de “corrida aos depósitos”.
Na escolha do período de crise referente aos atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001 em Nova Iorque e Washington seguiu-se o critério adoptado por Mishkin e White (2002). Assim, definimos o período de crise com o seu início no dia 14 de Setembro de 2001 e o seu término no dia 31 de Outubro do mesmo ano. No dia 31 de Outubro a generalidade dos índices accionistas dos mercados desenvolvidos tinham já recuperado para os valores anteriores aos ataques de 11 de Setembro. Por forma a não sofrer influências provenientes do desenvolvimento da crise da Argentina, seleccionou-se como período tranquilo o intervalo de tempo que medeia entre os dias 10 de Julho de 2000 e o dia 29 de Junho de 2001.
No período que tomamos como referência (período tranquilo), o nível de dependência linear entre os mercados foi muito elevado: o rácio de verosimilhança atingiu um valor elevado e todos os valores apresentaram-se positivos e estatisticamente significativos, pelo menos a 10%, sendo de destacar os valores excepcionalmente elevados da correlação observada entre o Reino Unido e a generalidade dos mercados e da correlação entre Portugal e Espanha, bem como entre estes países e os mercados da Alemanha e França (ver tabelas 4.49-4.51, a seguir). Mesmo as correlações em relação ao mercado de acções dos EUA, tradicionalmente mais ténues (consultar a tabela 4.2 em que constam as correlações respeitantes ao período completo da amostra), atingem valores mais elevados.
Apesar desta intensa dependência linear no período de referência, o período de crise de 11 de Setembro caracterizou-se por valores de correlação substancialmente mais elevados. Praticamente todos os valores do indicador atingem máximos no conjunto de todos os sub-períodos analisados: o valor mais baixo na correlação é de 0,37, dos 36 coeficientes calculados apenas 3 são menores do que 0,5 e, com excepção de um, todos são estatisticamente significativos pelo menos a 1%. As correlações excepcionalmente elevadas verificaram-se em praticamente todos os mercados sendo de destacar os 0,93 entre Espanha e França. No período de 11 de Setembro, como facilmente se conclui, os investidores não atribuíram importância significativa aos factores específicos dos mercados da amostra considerando-os antes, em grande medida, como um único grande mercado.
Na tabela com a variação verificada nos coeficientes constata-se que, com excepção de um caso apenas, todos os indicadores de correlação aumentaram de valor. Os acréscimos são mais significativos no caso do mercado da Grécia, com os aumentos a cifrarem-se entre os 0,31 e os 0,59, o que só pode ser explicado pelos níveis relativamente modestos que o indicador assumia no período tranquilo.
A média móvel do indicador de Erb et al. (1998) corrobora, de forma clara, os resultados a que acabamos de nos referir. O período da crise de 11 de Setembro coincide com o valor máximo da média móvel do indicador assinalando, assim, uma elevada dependência entre as variações nas rendibilidades dos mercados da amostra (ver gráfico 4.1, apresentado anteriormente).
Em resumo, pode-se concluir que os resultados da comparação entre os indicadores de correlação, durante a crise de 11 de Setembro, são consistentes com o fenómeno de contágio entre os mercados desenvolvidos.
Durante a crise de 11 de Setembro, os efeitos de alteração das características estatísticas dos mercados, medidos pela estatística de teste de Kolmogorov-Smirnov, limitaram-se a alguns casos isolados e sem alterações extremas (ver tabela 4.52, a seguir). A respectiva estatística não apresenta qualquer valor com significância inferior a 1%, nem quando se compara o período de crise com o período tranquilo, nem quando se considera todo o período da amostra. Em relação ao período tranquilo, as alterações são menos importantes com os mercados de Portugal, Espanha, Alemanha e Reino Unido a serem os únicos a sofrer alterações significativas. Quando se tem em conta todo o período da amostra, juntam-se ao grupo de países referidos a Irlanda e a França.
Os dados constantes da tabela 4.53 permitem-nos concluir que a crise de 11 de Setembro afectou fortemente todos os mercados da amostra, quer quando se estabelece a comparação com o período tranquilo, quer quando se atende aos valores de referência de todo o período da amostra. De entre os mercados mais afectados merecem ser destacados os da Irlanda, Espanha, Reino Unido e EUA. No caso da Irlanda, quase metade das observações localizaram-se nos extremos da distribuição de probabilidade respectiva. Os efeitos da crise não tiveram um sinal claro na medida em que alguns países evidenciaram uma maior incidência de rendibilidades positivas enquanto que, para outros países, a maioria das rendibilidades pendeu para o lado negativo. Note-se que, durante o período de crise, se observaram em média quase 3 mercados por sessão com rendibilidades extremas negativas (positivas ou negativas) quando se deveria esperar um valor próximo da unidade.
Apesar dos dados indicarem um aumento muito forte da frequência de observações extremas, necessitamos de ter em consideração o grau de coincidência temporal dessas observações para nos pronunciarmos com maior propriedade acerca da possibilidade de existência de contágio.
Os dados da tabela 4.54 mostram que a associação temporal entre as observações extremas foi muito elevada durante a crise de 11 de Setembro. Verifica-se que, em cerca de 12,5% das sessões, existiram pelo menos quatro dos nove mercados da amostra com rendibilidades extremas (em todo o período da amostra esse valor foi de 3,7%). A intensidade da coincidência no tempo é maior quando as rendibilidades são positivas (13,9% das sessões com pelo menos quatro mercados nesta situação) do que negativas (11,1%).
Em resumo, os dados permitem concluir que a crise de 11 de Setembro se traduziu num aumento muito significativo da frequência de observações extremas e do grau de coincidência temporal das mesmas o que pode ser entendido como evidência de contágio segundo a acepção correspondente às teorias de valor extremo.
Durante o período tranquilo seleccionado, verificou-se a existência de relações de cointegração de acordo com o teste de Máxima Verosimilhança de Johansen. Quanto à existência de raízes unitárias, tanto o teste ADF como o teste de Phillips-Perron permitem sustentar que as variáveis são estacionárias.
No período de crise, no entanto, assistem-se a alterações sensíveis no comportamento das variáveis. No que diz respeito à estacionariedade, verifica-se que não se pode excluir a existência de raízes unitárias na maioria das variáveis (a única excepção é o mercado de Portugal). Os testes sugerem que os mercados de Espanha, Irlanda, França, Reino Unido e Japão são integrados de primeira ordem, que Alemanha e Japão são variáveis integradas de ordem dois e que a Grécia é integrada de ordem quatro.
Quanto às relações de cointegração, existem também alterações significativas: das 36 relações de cointegração entre os nove mercados sob análise, existem nove relações bivariadas entre variáveis não cointegradas. Nesta medida, pode-se sustentar que o período de crise conduziu à quebra de algumas das relações verificadas entre as variáveis no período tranquilo. Os factores individuais, ou seja, específicos a cada mercado, parecem ter ganho importância na evolução das rendibilidades. Esta alteração atingiu, sobretudo, os mercados da Grécia e Alemanha uma vez que, em cada um destes países, metade das relações bivariadas deixou de se apresentar como cointegrada.
O número de relações de causalidade de Granger significativas, entre os mercados da amostra, aumentou de forma substancial durante o período da crise de 11 de Setembro quando se efectua a comparação com o período tranquilo (ver tabelas 4.55 e 4.56, abaixo). As influências sistemáticas passaram de 26 para 56 entre os dois períodos referidos. Durante o período tranquilo, a situação era bastante diferenciada: enquanto que Grécia e Portugal eram os mercados menos influentes, não explicando nenhum mercado no primeiro caso e apenas um mercado no segundo caso, o mercado dos EUA exercia uma influência significativa nos restantes oito países da amostra. A evolução entre o período tranquilo e o período de crise foi também heterogénea: embora a generalidade dos mercados tenha visto aumentar o número de países sobre os quais exerce efeitos significativos, é de referir os casos dos EUA e Reino Unido, precisamente os países mais influentes durante o período tranquilo (“causam” 8 e 5 mercados, respectivamente), porque foram os únicos cuja influência, medida pelo número de mercados que “causam”, diminuiu durante a crise de 11 de Setembro para 7 e 4 mercados, respectivamente. Ao contrário, foi nos países que “causavam” menos mercados que os aumentos foram mais expressivos: atente-se nos casos de Portugal e Japão, por exemplo, que passaram de uma situação em que “causavam” um e dois mercados, respectivamente, para uma outra em que exercem uma influência significativa sobre as rendibilidades de 7 e 8 mercados, respectivamente.
O padrão da evolução das relações de causalidade repete-se quando se analisa o número de países que exercem influência significativa sobre os mercados da amostra. No período tranquilo, destacaram-se os mercados do Reino Unido e EUA pelo reduzido número de países que os influenciavam (um único mercado, sendo que apenas o Reino Unido influencia os EUA e vice-versa) e, no pólo oposto, os mercados da Irlanda e do Japão que sofriam os efeitos da evolução das rendibilidades de 5 e 7 mercados, respectivamente. Embora o número de mercados que “causa” cada um dos mercados da amostra tenha aumentado na maioria dos casos (sete aumentos em nove possíveis), verifica-se que a diminuição nesse número se dá precisamente nos países mais influenciáveis no período tranquilo a que fizemos referência, ou seja, Irlanda e Japão. Ao contrário, o maior aumento do número de mercados verifica-se no caso da Grécia e Reino Unido que passam a ser “causados” por mais 6 mercados durante o período da crise de 11 de Setembro quando comparado com o período tranquilo, de dois mercados para oito mercados no primeiro caso e de um único mercado para sete mercados no segundo caso. Assim, no período de crise de 11 de Setembro, constata-se que os mercados da Grécia e França são os mais influenciados pelos restantes mercados (mais concretamente por todos os restantes mercados da amostra) enquanto que Japão e Irlanda se destacam, já não como os países mais influenciados como acontecia no período tranquilo, mas como os mercados que sofrem menos efeitos externos.
Em conclusão, pode-se afirmar que a crise de 11 de Setembro se traduziu numa alteração substancial das relações de causalidade entre os mercados sendo que essa alteração foi no sentido de um aumento sensível nos níveis de interdependência entre a generalidade dos mercados.
Durante o período tranquilo é possível observar 18 reacções significativas a choques internacionais, medidas pelas funções de resposta a impulsos calculadas a partir do modelo VAR (tabela VII.7 no anexo VII). As reacções são de curto prazo, com uma duração com significado durante um período apenas, com excepção dos efeitos do choque de uma variação no mercado dos EUA sobre o mercado de Portugal que se manifesta por dois períodos. No final de 4 sessões, os efeitos decorrentes de inovações noutros mercados desaparecem por completo. Podem ser observadas ainda mais algumas regularidades empíricas: o mercado dos EUA é o mais influente da amostra (as variações deste mercado repercutem-se com significado em todos os restantes países) e o que apresenta maior grau de autonomia (não reage significativamente às variações nos restantes mercados); as alterações nas rendibilidades dos mercados da Grécia, Irlanda e França não produzem efeitos significativos em nenhum dos restantes mercados. As funções de resposta a impulsos, calculadas para o período da crise de 11 de Setembro, não permitem distinguir nenhuma reacção significativa entre os nove países da amostra. Apesar deste resultado ser semelhante ao verificado nos períodos de crise da Rússia e Brasil, uma análise mais atenta das funções de resposta a impulsos leva-nos a concluir que este caso, da crise de 11 de Setembro, se afigura bastante diverso. Enquanto que nos casos já analisados, das crises da Rússia e do Brasil, as funções de resposta a impulsos apresentavam valores consideráveis, cujo significado estatístico era diminuído pelo elevado nível de volatilidade, observa-se agora que as mesmas funções de resposta a impulsos, para a crise de 11 de Setembro, revelam valores muito baixos, próximos de zero, em praticamente todos os casos sob análise. É nosso entendimento que a técnica das funções de resposta a impulsos, por considerar efeitos desfasados ao longo do tempo, não é particularmente adequada à captação de efeitos diacrónicos em períodos relativamente curtos como o da crise de 11 de Setembro, a crise com menor duração sob análise no presente trabalho. Para evidenciar as diferenças em relação aos casos anteriores, é de notar que, ainda que se alterasse o critério de significado estatístico dos intervalos de variação de dois desvios-padrão para apenas um desvio-padrão, continuariam a não existir relações de interacção significativa entre os mercados da amostra no decorrer da crise de 11 de Setembro. A título de ilustração das relações entre os mercados que acabamos de caracterizar, apresentam-se, a seguir, nos gráficos 4.10 e 4.11, as funções de resposta a impulsos da Irlanda em reacção a uma variação na rendibilidade do mercado de Espanha.
Durante a crise de 11 de Setembro, os mercados desenvolvidos perderam autonomia a julgar pela decomposição da variância do modelo VAR (ver tabelas VI.46-VI.54 no anexo VI). A importância relativa das inovações aleatórias na explicação da variância do modelo autoregressivo diminuiu para generalidade dos países da amostra, tanto quando a comparação é estabelecida com o que se verificava no período tranquilo, como quando se considera a decomposição da variância ao longo do tempo. Apesar desta ser a tendência geral, é de notar que alguns mercados se destacam pelo facto de apresentarem um grau de independência superior à média como é o caso dos mercados de Portugal, Grécia e Japão durante o período tranquilo e Portugal, Espanha e Irlanda durante o período de crise. Os mercados de acções da França e do Reino Unido merecem ser referidos pelo facto de, entre todos os países da amostra, a sua independência ter sido a menor no período tranquilo e no período de crise, respectivamente.
Pode-se concluir, a partir dos dados provenientes do modelo VAR, que a autonomia entre os mercados diminuiu no decorrer da crise de 11 de Setembro, embora a curta duração do período de crise não permita definir, com fiabilidade, o sentido das interacções existentes entre os mercados da amostra.