Júlio Fernando Seara Sequeira da Mota Lobão
Na definição do sub-período da amostra referente ao período da crise do México é necessário ter em consideração a evolução dos acontecimentos que deram origem ao episódio.
No dia 20 de Dezembro de 1994 a banda cambial do peso mexicano foi alargada e o peso sofreu uma depreciação acentuada. A paridade foi abandonada e a moeda mexicana pôde transitar para um regime de câmbios flexíveis no dia 22 de Dezembro de 1994. Os mercados financeiros sofreram fortes perdas nos dias que se seguiram ao ataque cambial com os mercados de acções a experimentarem uma volatilidade muito elevada, as taxas de juro internas a aumentar acentuadamente e os bancos a evidenciarem dificuldades de solvabilidade.
O período de crise seleccionado compreende o período que vai desde o dia 19 de Dezembro de 1994 (dia em que o regime cambial foi abandonado) até ao dia 30 de Março do ano seguinte. O final do período de crise coincide com o início de uma época de implementação de reformas no sistema bancário do México e inclui, como um dos episódios mais relevantes, o anúncio de não renovação da dívida de curto prazo no dia 9 de Janeiro de 1995 e o período de incerteza que se lhe seguiu. O período de crise seleccionado coincide com o considerado por Forbes e Rigobon (2002).
Como período tranquilo tomamos o conjunto de sessões imediatamente anteriores à crise mais concretamente desde o dia 11 de Junho de 1994 até ao dia 18 de Dezembro do mesmo ano (vésperas da depreciação cambial). Este período de referência é mais curto do que o assumido por Forbes e Rigobon (2002), por exemplo, porque não é líquido quer a partir da análise dos dados quer da cronologia dos acontecimentos que o ano de 1994 tenha sido menos volátil até o desencadear da crise do que no próprio período de crise. Por exemplo, os mercados financeiros do México mostraram-se bastante voláteis no seguimento do assassinato do candidato presidencial Colosio em 23 de Março de 1994, altura em que o México perdeu cerca de um terço das suas reservas externas em poucas semanas, a divisa se aproximou do limite da banda de intervenção e as taxas de juro internas aumentaram de forma acentuada.
A cronologia dos eventos que se relacionam com a crise do México de 1994 pode ser consultada, por exemplo, em Sachs et al. (1996) e International Monetary Fund (1995a, 1995b).
Apesar da análise dos coeficientes de correlação dos mercados durante todo o período da amostra e calculados ano a ano serem úteis na identificação dos padrões de contágio, nada nos dizem acerca do comportamento dos mercados nos períodos que identificamos como sendo de crise face aos períodos que denominamos de tranquilos. Para atender a esta questão efectuamos o cálculo da matriz de correlações no período tranquilo e no período de crise e estabelecemos a comparação entre os valores observados entre esses dois períodos calculando a diferença e testando se essa diferença é ou não significativa (ver tabelas 4.17-4.19, a seguir).
Nota-se que no período que tomamos como referência (período tranquilo), os valores de dependência linear entre os diversos mercados são bastante elevados e significativos: há 7 valores superiores a 0,5 relacionando os mercados de Espanha, Reino Unido, Alemanha, Irlanda e França. No período de crise propriamente dito, os níveis de correlação não aumentam; pelo contrário, diminuem sensivelmente conforme pode ser atestado pelo valor do rácio de verosimilhança que não deixa de ser significativo a 1% de significância estatística. Em consequência, constata-se que as diferenças entre os valores dos coeficientes de correlação diminuíram no período de crise para a maioria dos pares de países. Os aumentos foram significativos a um nível de 5% de significância em apenas 4 casos dos 36 possíveis.
Notas: RV é o rácio de verosimilhança; os valores das estatísticas assinalados com *, ** e *** são significativos com um grau de significância de 10%, 5% e 1% respectivamente. A negrito indicam-se os valores em que os coeficientes de correlação são iguais ou superiores a 0,5.
Notas: RV é o rácio de verosimilhança; os valores das estatísticas assinalados com *, ** e *** são significativos com um grau de significância de 10%, 5% e 1% respectivamente. A negrito indicam-se os valores em que os coeficientes de correlação são iguais ou superiores a 0,5.
Notas: os valores das estatísticas assinalados com *, ** e *** são significativos com um grau de significância de 10%, 5% e 1% respectivamente. A negrito indicam-se os valores correspondentes a aumentos nos coeficientes de correlação iguais ou superiores a 0,5.
O indicador de Erb et al. (1998) corrobora a análise realizada a partir do coeficiente de correlação convencional. Não se verifica qualquer aumento nos valores do indicador durante a crise do México (ver gráfico 4.1, apresentado anteriormente).
Em suma, podemos afirmar que não se assistiu a uma quebra estrutural nas relações de dependência linear entre os países desenvolvidos em consequência das alterações provocadas pela crise do México.
Os testes de Kolmogorov-Smirnov indicam que a distribuição de probabilidade da generalidade dos mercados analisados não se alterou significativamente (tabela 4.20, abaixo). Quando se estabelece a comparação com o período tranquilo, é de notar que os mercados europeus não foram atingidos e que apenas os EUA e o Japão registaram alterações mas ainda assim com um nível de significância superior a 5% em qualquer dos casos. Em relação à distribuição de probabilidade dos mercados durante o período 1993-2004, notam-se alterações não só nos dois mercados referidos como também em Portugal, na Grécia e na Alemanha.
A análise dos valores extremos das rendibilidades durante a crise do México revela que a crise não afectou significativamente a volatilidade dos mercados. A percentagem de observações extremas não foi muito elevada quer quando se compara com o período tranquilo nem quando se tem em conta a referência de todo o período (tabela 4.21, a seguir). O Japão foi o país que, a longa distância dos restantes, mais foi afectado pela crise do México registando valores bastante superiores aos obtidos para os outros mercados da amostra em ambos os percentis extremos. É curioso notar que este comportamento se verifica tanto nas observações extremas negativas como nas positivas embora com maior predominância naquelas. O Japão é ainda o único país em que a percentagem de observações extremas total supera o nível de referência de todo o período da amostra, embora Espanha e Grécia também apresentem valores superiores aos verificados no período tranquilo. Em suma, a crise não parece provocar uma maior incidência de observações extremas.
Notas: Os valores dos percentis de 5% e 95% foram calculados para cada mercado e para todo o período. Por esse motivo, a percentagem de observações que aí se localizam é constante. Consideram-se como observações extremas as menores do que o valor do percentil de 5% e as maiores do que o percentil de 95%. A negrito indica-se o mercado que registou a maior percentagem das observações nos extremos da distribuição de probabilidade no período tranquilo e no período de crise.
Esta conclusão não basta, no entanto, para se extraírem conclusões quanto à prevalência do contágio se este for entendido como um aumento na coincidência temporal das observações extremas. Assim, alargamos a nossa análise de forma a ter em conta este factor. A tabela 4.22 mostra que as coincidências temporais de observações extremas durante a crise do México foram em reduzido número especialmente quando se tem em conta o comportamento dos mercados em período longo e no período tranquilo seleccionado. Durante a grande maioria das sessões (mais precisamente em 88,6%), nenhum mercado apresenta valores nos percentis extremos e em apenas 2,1% das sessões existe mais do que um mercado nessa situação. Este comportamento verifica-se tanto no caso das observações extremas positivas como nas negativas.
Em resumo, a crise do México não provocou níveis significativos de contágio quando este é aferido pela coincidência temporal das observações extremas.
Notas: Considerou-se como extremo negativo o valor do percentil de 5% e como extremo positivo o valor do percentil de 95%. Apresentam-se na tabela a percentagem de observações que são menores do que o extremo negativo e que são maiores do que o extremo positivo e desagregam-se as observações de acordo com o número de mercados que registaram observações extremas (negativas e positivas) na mesma sessão. Por exemplo, o valor de 2,9% na terceira linha e primeira coluna de resultados indica que, em 2,9% das sessões do período tranquilo (PC) considerado, se observou que dois mercados apresentaram, em simultâneo, rendibilidades que se situam à esquerda do extremo negativo.
Durante o período tranquilo considerado para análise da crise do México, os testes de estacionariedade não permitem rejeitar a hipótese de existência de uma raíz unitária em quatro dos nove mercados da amostra: Portugal, Reino Unido, Estados Unidos e Japão. Apesar disso, as relações de cointegração existem entre todos os mercados o que pode ser interpretado como evidência a favor da existência de uma relação de equilíbrio de longo prazo entre todos os mercados.
Durante o período de crise, tanto no que diz respeito à estacionariedade como no que concerne às relações de cointegração entre os mercados, não se verificam alterações substanciais. Subsistem mercados não estacionários nomeadamente integrados de primeira ordem (Espanha, França e Reino Unido) e das 36 relações de cointegração subsistem 35. Apenas no caso da relação entre os mercados da Espanha e da Alemanha parece estar em causa a relação de comovimento de longo prazo.
As relações de causalidade entre os mercados da amostra aferidas pelos resultados dos testes de causalidade de Granger não se alteraram substancialmente quando se compara o período tranquilo com o período da crise do México (ver tabelas 4.23 e 4.24, a seguir). Em termos globais assistiu-se a um aumento ligeiro do número de causalidades estatisticamente significativas, de 24 relações de causalidade no período tranquilo para 27 no período de crise. França e EUA são os mercados cujas rendibilidades “causam” um maior número de outros mercados tanto no período tranquilo como no período de crise. Portugal, Grécia e França viram crescer a sua importância com o desencadear da crise na medida em que aumentou o número de mercados sobre os quais passam a possuir algum poder explicativo. Os mercados de Espanha, Reino Unido e EUA passaram a “causar” um menor número de mercados durante a crise do México apesar de manterem, ainda assim, uma influência importante. O número de mercados explicados pela Alemanha e Japão não sofreu alteração.
Quanto aos mercados cuja rendibilidade permite ser antecipada pela evolução dos restantes mercados da amostra, é possível constatar que se passa de uma situação, durante o período tranquilo, em que o Japão e os EUA são os mercados que sofrem sistematicamente mais influências (5 mercados cada) para um período de crise onde os mercados mais influenciados passam a ser os da França e Reino Unido (5 e 6 mercados, respectivamente). Quanto aos países com maior grau de independência, verifica-se que, durante o período tranquilo, a rendibilidade do mercado de acções da Grécia não era antecipada, de forma sistemática, pela evolução de qualquer um dos restantes mercados enquanto que, durante a crise do México, esta situação passa a verificar-se com o mercado de acções da Irlanda. A maior alteração deu-se no mercado dos EUA cuja evolução, no período tranquilo, podia ser antecipada por 5 outros mercados e que passa a ser explicado, durante o período de crise, apenas pelas rendibilidades do mercado da França.
Em resumo, a partir dos resultados dos testes de causalidade, não é possível distinguir alterações significativas nos padrões de transmissão de rendibilidades entre os mercados da amostra.
A análise das funções de resposta a impulsos calculadas a partir do modelo VAR revela que, durante o período tranquilo, são em número reduzido (13 em 72 possíveis) as relações significativas entre os mercados da amostra (tabelas VII.2 e VII.3 no anexo VII). São de realçar, no entanto, alguns casos mais notáveis. O mercado dos EUA é o que influencia significativamente a maioria dos mercados da amostra (Portugal e Grécia são as excepções) e, por sua vez, é também dos poucos mercados (conjuntamente com a Grécia) que não sofre nenhum choque significativo proveniente dos restantes países. É ainda de salientar o caso da Grécia que se apresenta no período em questão como um mercado isolado dos restantes na medida em que não influencia nem é influenciado pelos mercados da amostra. Os choques são, regra geral, significativos por apenas um período desvanecendo-se por completo ao fim de cerca de seis sessões. Durante o período de crise, o perfil das funções de resposta a impulsos altera-se significativamente. Aumenta o número de impactos significativos para quase o dobro (24) bem como a persistência dos choques: enquanto que no período tranquilo existia apenas um caso em que o choque era ainda significativo ao final de duas sessões observam-se agora 7 casos em que os choques persistem por esse período e um caso em que o choque se mostrou significativo ao fim de três sessões. A análise das funções de resposta a impulsos permite concluir ainda que o impacto das variações do mercado dos EUA sobre os restantes mercados da amostra se reforçou durante a crise do México mais no que respeita à persistência dos choques do que propriamente em relação à magnitude dos mesmos. Os efeitos dos choques tendem a prolongar-se durante bastante mais tempo, regra geral durante os dez períodos adoptados. A comparação das funções calculadas para o período tranquilo e para o período de crise torna evidentes as diferenças: enquanto que a configuração das curvas no período tranquilo sugere que a interacção entre os mercados é de curta duração e se desvanece de forma consistente num período relativamente curto, a resposta aos choques no período de crise propriamente dito é bastante mais volátil e prolongada no tempo. A título de exemplo das alterações a que nos acabamos de referir apresentam-se nos gráficos 4.2 e 4.3 as funções de resposta a impulsos do mercado de acções da França a variações nos EUA no período tranquilo e no período da crise do México.
A decomposição da variância (tabelas VI.10-VI.18 no anexo VI) mostra que as variações ocorridas no período de crise tendem a ser explicadas em maior medida pelas inovações ocorridas nos restantes mercados. De facto, a tendência geral é de uma diminuição na autonomia dos mercados no período de crise acompanhado de um decréscimo ao longo dos dez períodos na proporção da variância explicada pelas próprias inovações. Os mercados de Portugal, da Grécia (particularmente antes da crise) e Irlanda (no período de crise) tenderam a apresentar um grau de autonomia mais elevado em relação aos restantes mercados enquanto que os mercados da França, Reino Unido e Alemanha (em particular antes do período de crise) viram a respectiva variância explicada em maior proporção pelas inovações ocorridas nos restantes mercados da amostra. De realçar ainda que nestes três últimos países e também no Japão as variâncias no período de crise chegam a ser explicadas em maior proporção pelas inovações de outro país ou de outros países considerados isoladamente, em alguns casos imediatamente a partir do primeiro período de análise.
Em resumo, pode-se concluir que as relações entre os mercados se alteraram significativamente durante o período da crise do México face ao período de referência no sentido dos mercados perderem autonomia entre si.