Júlio Fernando Seara Sequeira da Mota Lobão
O impacto da crise da Rússia na economia brasileira fez-se sentir principalmente no mercado cambial. Só nos meses de Agosto e de Setembro de 1998, o acréscimo de procura de dólares no mercado cambial cifrou-se em 11,8 e 18,9 mil milhões de dólares, respectivamente. A fuga de capitais do mercado cambial que se tinha verificado aquando da crise da Ásia, em cerca de 3 mil milhões de dólares por mês entre Setembro e Novembro de 1997, foi muito superior nos meses em que durou a crise russa. Neste período, a perda de reservas foi substancial reflectindo a perda da confiança dos investidores internacionais na moeda brasileira na sequência do colapso do rublo. Enquanto que, na crise da Ásia, a perda de reservas externas tinha atingido o seu máximo em Outubro de 1997 com um valor superior a 8 mil milhões de dólares, só em Setembro de 1998 as autoridades monetárias brasileiras viram sair dos seus cofres cerca de 21,5 mil milhões de dólares.
A 13 de Janeiro de 1999 demite-se o governador do banco central do Brasil e as autoridades reagem anunciando a desvalorização da moeda nesse mesmo dia e a transição para um regime de flutuação cambial no dia 1 de Fevereiro de 1999. Em face deste novo enquadramento, os investidores institucionais estrangeiros reduziram substancialmente a sua exposição ao país à medida que a dívida atingia o momento do vencimento. A taxa de rollover dos empréstimos bancários situou-se nos 60 por cento no último trimestre do ano de 1999 o que equivale a uma redução do montante dos empréstimos de cerca de 2,6 mil milhões de dólares.
Embora as dificuldades da economia brasileira se tenham prolongado de Outubro de 1998 a Março de 1999, os mercados de capitais foram especialmente penalizados no início do ano de 1999 pelo que tomamos como período de crise do Brasil o período que se inicia a 4 de Janeiro de 1999 e termina a 15 de Março do mesmo ano. Continuamos a considerar como período de controlo o ano de 1996 dado que, neste ano, os efeitos da crise do México tinham-se já desvanecido e ainda não se vislumbrava nenhuma das crises financeiras que se seguiriam.
Durante o período tranquilo, a maioria dos mercados apresentou níveis de dependência linear bastante elevados em relação aos restantes mercados devendo ser evidenciados os valores dos coeficientes de correlação entre o Reino Unido e os mercados de Irlanda (0,5), Alemanha (0,51) e França (0,66) (ver tabelas 4.41-4.43, a seguir). Os valores dos indicadores são, na generalidade, estatisticamente significativos: dos 36 indicadores, 26 são significativos a 5% de significância ou menos. O valor do rácio de verosimilhança é também significativo a 1%. No período da crise do Brasil os valores dos coeficientes de correlação registaram algum crescimento em todos os países com excepção dos EUA e Japão. Os aumentos, apesar de serem, em alguns casos, bastante expressivos, não apresentam níveis muito elevados de significado estatístico: dos 36 casos possíveis há apenas 8 casos em que o aumento na correlação é estatisticamente significativo e, ainda assim, a 10% de significância. Desses 8 casos, 6 respeitam às relações de dependência linear entre o mercado de Portugal e os restantes mercados.
Os valores observados no indicador de Erb et al. (1998) são consistentes com a evolução do coeficiente de correlação. Da evolução do indicador, ou mais concretamente da sua média móvel, não se pode entender que tenha ocorrido um aumento significativo da correlação entre os mercados (ver gráfico 4.1, apresentado anteriormente).
Desta forma, podemos entender que, globalmente, os dados relativos à comparação da correlação verificada entre os mercados desenvolvidos no período tranquilo e no período de crise constituem evidência limitada da existência de contágio entre os ditos mercados.
A crise do Brasil teve efeitos moderados de contágio quando se consideram as alterações nas características estatísticas das variáveis (tabela 4.44, abaixo). Se é verdade que, na comparação com o período tranquilo, se evidenciam alterações significativas em quase todos os mercados da amostra (os EUA e o Japão são a excepção), é importante notar que os efeitos da crise são muito menos notórios quando se atende às alterações verificadas face ao período total da amostra (1993-2004). Neste último caso, com a excepção da Grécia, nenhum dos mercados evidencia alterações significativas.
A crise do Brasil traduziu-se num aumento moderado da frequência das observações extremas afectando todos os países da amostra com excepção do Japão (quando se estabelece a comparação com o nível de referência de todo o período da amostra). O aumento sensível da frequência de observações extremas é comum às observações extremas negativas e positivas, embora o aumento seja mais forte neste último caso (ver tabela 4.45, a seguir). A crise afectou mais fortemente os mercados dos EUA, Reino Unido e Grécia. Este último mercado foi o mais afectado pela crise em todos os parâmetros de valor extremo apresentando uma frequência de observações extremas 2,5 vezes superior ao esperado. Em média, 1,5 mercados por sessão apresentaram rendibilidades extremas quando o esperado é de que esse valor seja de 0,9.
O aumento da incidência de observações extremas a que nos acabamos de referir não significa, só por si, que existe contágio. É necessário verificar o grau de coincidência temporal entre as observações extremas. A tabela 4.46, adiante, apresenta os dados relevantes.
A coincidência no tempo entre as observações extremas durante a crise do Brasil aumentou de forma moderada, quer face ao período tranquilo, quer face a todo o período da amostra. Em mais de 85% das sessões existiu, no máximo, um mercado com rendibilidades extremas. Em 6,9% das sessões pode-se observar quatro ou mais mercados com rendibilidades extremas positivas ou negativas sendo que a associação temporal é mais forte quando as rendibilidades são positivas (7,8% de sessões com pelo menos quatro mercados nesta situação), do que quando as rendibilidades são negativas (5,9%).
Em conclusão, a crise do Brasil teve, como efeito nos mercados de acções dos países da amostra, um aumento moderado na frequência de observações extremas e na associação temporal verificada entre essas mesmas observações. Nesta medida, podemos considerar que o contágio, aferido por esta via, se apresentou como moderado.
Durante o período tranquilo, todos os mercados da amostra evidenciaram ser estacionários. Além disso, verificou-se a existência de relações de cointegração entre todas as variáveis da amostra.
No entanto, os testes de estacionariedade efectuados permitem concluir que se registaram alterações sensíveis durante o período da crise do Brasil. O teste ADF não permite rejeitar a hipótese de existência de raízes unitárias em oito dos nove mercados considerados (o mercado dos EUA é a única excepção). Os testes indicam que os mercados da Grécia e Reino Unido são integrados de primeira ordem, que os mercados do Japão, Irlanda e Portugal são integrados de ordem dois, que o mercado espanhol é integrado de ordem três enquanto que tanto o mercado da Alemanha como o da França são integrados de ordem quatro.
Apesar destas alterações no que à estacionariedade das variáveis diz respeito, verifica-se que as relações de longo prazo entre as variáveis não se alteraram substancialmente. Das 36 relações de cointegração verificadas durante o período tranquilo subsistiram 33. Há apenas três relações bivariadas em relação às quais se pode dizer que não existe cointegração. Os mercados envolvidos são os de Portugal, Espanha, Grécia e Irlanda.
O número de relações de causalidade de Granger significativas, estabelecidas entre os mercados da amostra, aumentou de forma sensível durante o período da crise do Brasil quando comparado com o que se verificou durante o período tranquilo: passou-se de 26 para 46 relações de causalidade significativas a 10% (ver tabelas 4.47 e 4.48, a seguir). Embora todos os países, com excepção dos EUA, tenham visto a sua influência aumentar quando medida pelo número de mercados em que essa influência se exerce, a evolução é especialmente impressionante precisamente no caso dos mercados que menos efeitos internacionais exerciam durante o período tranquilo. Fazemos referência aos mercados de Portugal e Grécia que durante o período tranquilo não “causavam” qualquer mercado da amostra e que, durante o período da crise do Brasil, passaram a explicar, cada um deles, a evolução das rendibilidades de cinco mercados. No sentido contrário, o mercado dos EUA, o mais influente durante o período tranquilo, é o único a ver diminuir o número de mercados sobre os quais exerce efeitos significativos.
Quanto ao número de mercados que “causam” cada um dos mercados da amostra, é de notar que se assiste a um aumento do número de influências externas na generalidade dos casos. Com excepção do mercado da Irlanda que passou, durante o período de crise, a ser “causado” por apenas 3 mercados quando era no período tranquilo explicado por 4 mercados e do mercado da Grécia que vê inalterado o número de mercados que sobre ele exercem efeitos significativos (3), todos os outros mercados passam a sofrer um maior número de influências externas. Neste campo, é particularmente significativa a alteração verificada nos casos dos mercados de Espanha, França e Japão que viram aumentar em 4 o número de mercados de que recebem uma influência sistemática significativa. Em resultados destas alterações, o mercado de Espanha passou a ser “causado” por todos os países da amostra enquanto que Portugal e Grécia são os mercados sobre os quais se exerce um menor número de influências externas durante a crise do Brasil (3 mercados).
Pode-se concluir, da comparação dos padrões de causalidade durante o período tranquilo e a crise do Brasil, que se assistiu a alterações significativas nas relações de causalidade entre os mercados traduzidas num aumento da interdependência entre a generalidade dos países da amostra.
Durante o período tranquilo, as funções de resposta a impulsos registaram 18 casos significativos de reacção a choques externos em 72 casos possíveis (tabelas VII.5 e VII.6 no anexo VII). Todos os choques persistiram com significado por apenas um período tendendo a desaparecer por completo depois de 4 sessões. O mercado dos EUA é, neste período, aquele que mais influenciou os restantes mercados enquanto que os resultados indicam que o mercado da Alemanha foi o mais vulnerável às variações internacionais. A crise do Brasil traduziu-se numa alteração muito significativa das funções de resposta a impulsos. Durante o período da crise do Brasil observam-se apenas dois casos em que as interacções entre os mercados são significativas. A interpretação para este facto radica nos mesmos factores a que fizemos referência aquando da discussão das alterações verificadas nas funções de resposta a impulsos no caso da crise da Rússia. Também no presente caso em análise, apesar dos efeitos dos choques provenientes dos mercados da amostra serem, em geral, de magnitude sensivelmente semelhante aos observados no período tranquilo, a elevada volatilidade inerente ao período de crise afecta de tal forma os intervalos de variação considerados que muitos dos resultados deixam de se poder considerar estatisticamente significativos. Mais uma vez, para se perceber até que ponto a escolha do critério de significado estatístico adoptado no presente estudo condiciona os resultados observados, é importante ter em atenção que, se tivéssemos adoptado, em substituição do critério de dois desvios-padrão, o critério menos exigente de um desvio-padrão apenas, teríamos em vez das actuais 2 funções significativas um total de 22 reacções significativas. A título de exemplo, nos gráficos 4.8 e 4.9 representam-se as funções de resposta a impulsos da Grécia a choques provenientes do mercado de Espanha que ilustram a alteração do padrão de evolução das funções de resposta a impulsos do período tranquilo para o período de crise na generalidade dos mercados da amostra.
A decomposição da variância do modelo VAR permite perceber que a relação entre os mercados se alterou de forma significativa durante o período de crise (ver tabelas VI.37-VI.45 no anexo VI). Todos os mercados viram diminuir o seu grau de independência em relação aos restantes mercados da amostra durante o período de crise e esse efeito tende a agravar-se à medida que aumenta o número de períodos considerado. Embora esta tendência seja comum a todos os mercados, torna-se necessário referir o caso específico do mercado dos EUA pela singularidade desse mesmo mercado ter perdido praticamente a totalidade da capacidade explicativa da própria variância durante o período de crise, situação que contrasta fortemente com a que se verificava no período tranquilo. Sendo este um caso extremo da tendência referida, importa ainda realçar que o grau de autonomia atinge os valores mais elevados nos mercados de Portugal e Grécia.
Da análise conjunta dos dados provenientes do modelo VAR, as funções de resposta a impulsos e a decomposição da variância, podemos concluir que, embora a autonomia dos mercados tenha diminuído durante o período de crise, não é possível discernir, a partir dos dados, com um nível razoável de certeza, quais os padrões de interacção prevalecentes entre os mercados da amostra.