Júlio Fernando Seara Sequeira da Mota Lobão
Os modelos em que o contágio ocorre em consequência de imperfeições de mercado associados a problemas de informação foram primeiramente aplicados ao sector bancário.
Agenor e Aizenman (1998) apresentam um modelo estático em que existem imperfeições tanto no mercado de capitais mundial como nos mercados de capitais de cada país. Mais concretamente, os autores assumem a existência de uma intermediação financeira a dois níveis com credores indiferentes ao risco: os bancos domésticos financiam-se a prémio no mercado de capitais mundial e os produtores da economia de cada país financiam-se também a prémio recorrendo aos bancos domésticos. Destas condições resultam, por um lado, um aumento nos spreads das taxas de juro que compensa as perdas esperadas em estados adversos da natureza e por outro lado, mais importante, um fenómeno de contágio que se traduz num aumento da volatilidade dos choques agregados que afectam a economia. Agenor e Aizenman (1998) mostram que uma maior volatilidade nos choques significa maiores custos sociais em economias caracterizadas por uma maior integração nos mercados de capitais internacionais.
Agenor et al. (2004) mostram de que forma um choque exógeno como um aumento no prémio de risco exigido para o financiamento externo da economia pode contagiar o sistema bancário, as taxas de juro e a produção em resultado da alteração dos custos de monitorização dos credores.
Caballero e Krishnamurty (2001) mostram que, se existirem imperfeições nos mercados de capitais internos, um pequeno choque negativo relacionado com os colaterais internacionais da economia pode ser amplificado ao ponto de poder ter consequências significativas na actividade económica. Este efeito pode ser ainda mais grave se a actuação das instituições bancárias amplificarem, por via do crédito, o choque negativo inicial. Edison et al. (2000) corroboram as conclusões de Caballero e Krishnamurty (2001).
A maior parte dos modelos que recorre a imperfeições do mercado para explicar o contágio pressupõe a existência de problemas de extracção do sinal informativo ou de assimetrias de informação entre os investidores.
King e Wadhwani (1990) e Connolly e Wang (2002, 2003) põem em evidência os problemas relacionados com a interpretação dos sinais informativos. Partindo do pressuposto de que os preços de mercado dependem de um factor idiossincrático e de um factor comum, os autores mostram que as características dos processos de extracção do sinal informativo podem fazer com que um choque no factor idiossincrático num dado mercado desencadeie um ajustamento nas posições detidas noutros mercados devido à incerteza quanto à natureza do choque ocorrido. Quando os investidores observam variações no preço dos activos cotados no mercado A, podem racionalmente inferir alterações nos fundamentais dos activos cotados no mercado B se os fundamentais dos dois mercados estiverem correlacionados. Consequentemente, o preço dos activos de B poderão evidenciar comovimento face às cotações de A, apesar da variação inicial nos preços de A poder não ter tido origem em factores fundamentais comuns. O processo de interpretação da informação pode causar comovimento nas rendibilidades observadas entre mercados de acções nacionais embora, no quadro do modelo, a natureza desse comovimento dependa da informação definida de forma exógena que se supõe transmitida pelos preços. Connolly e Wang (2002, 2003) encontram nos problemas de interpretação dos sinais informativos constituídos pelos dados relativos ao decorrer das sessões de mercado dos mercados internacionais a justificação principal para o comovimento das rendibilidades e para o contágio entre mercados. Os problemas de extracção dos sinais informativos serão tanto mais graves quando menor for a qualidade da informação, ou seja, no caso em concreto, quando mais elevadas forem as volatilidades observadas nos mercados financeiros internacionais.
Allsopp (2003) mostra que a apreensão imperfeita de informação referente aos fundamentais das economias conjugada com a adopção de comportamentos especulativos estratégicos por parte dos investidores aumenta a incidência de contágio, de episódios de crise cambial e de incapacidade de pagamento das dívidas por parte das economias.
As assimetrias de informação nos mercados financeiros podem traduzir-se na introdução de “ruído” nos preços de tal forma que estes podem não conseguir reflectir de forma perfeita os fundamentais conduzindo assim a uma afectação incorrecta de recursos. Se existirem assimetrias de informação significativas entre os participantes nos mercados financeiros então o fluxo de ordens dos agentes não informados pode ser interpretado erradamente como tendo sendo baseado em informação fundamental. Esta assumpção errónea pode provocar reacções exageradas às transacções efectuadas pelos investidores não informados na medida em que lhes é atribuída maior importância do que a que de facto têm.
Calvo (2002) defende que, se os investidores informados liquidarem um número significativo de posições em simultâneo por razões outras que não a informação privada de que dispõem, os investidores não informados poderão encontrar razões para os imitar mesmo que, em termos ex post, se demonstrar que não foi revelada qualquer informação fundamental.
Calvo e Mendoza (2001) recorrem a um modelo convencional de risco e rendibilidade com informação imperfeita para mostrar que a solução de equilíbrio que se traduz no contágio é cada vez mais forte à medida que a progressiva integração dos mercados reduz os incentivos para a recolha e tratamento da informação específica de cada país. Calvo e Mendoza (2001) isolam as duas características da informação imperfeita susceptíveis de ocasionar equilíbrios em que o contágio aumenta à medida que crescem os mercados de capitais: em primeiro lugar, se existirem custos fixos associados à recolha e tratamento da informação específica dos mercados e restrições às vendas a descoberto, os ganhos em termos de utilidade esperada que resultam do pagamento desses custos diminuem à medida que aumenta o número de mercados onde se pode investir. Para um número suficientemente elevado de mercados, a utilidade esperada da informação acerca de um determinado mercado é de tal forma diminuta que os investidores preferem adoptar comportamentos de imitação face aos restantes investidores nesse mercado. Em segundo lugar, se a remuneração dos investidores depender do desempenho relativo das suas carteiras face ao desempenho do mercado (tipicamente, o caso dos gestores de fundos de investimento) e se a estrutura de incentivos for tal que o custo marginal de ter uma rendibilidade inferior à do mercado é superior ao ganho marginal de apresentar um desempenho superior ao do mercado, então poderão existem situações de equilíbrio caracterizadas pelo contágio.
Kodres e Pritsker (2002) apresentam um modelo de arbitragem com assimetrias de informação que se tornou uma referência nos estudos de contágio relacionados com problemas informacionais.
Se se considerar um único factor de risco, a existência desse factor de risco comum determina a transmissão dos choques. Concretamente, os autores consideram um choque específico representado pelo impacto de nova informação na rendibilidade esperada de um determinado activo. Esse choque de informação afectará todos os preços dos activos cujos fundamentais apresentem algum grau de comovimento com o factor de risco comum.
Os investidores, em reacção a informações relativas a um activo que faz parte das suas carteiras, alteram as mesmas reequacionando o risco assumido o que pode envolver a transacção de activos que, embora pertencendo a outras economias, partilham o mesmo factor de risco. O contágio pode ocorrer na medida em que o fluxo de ordens em vários mercados resultante da readequação do risco da carteira em consequência de uma alteração do factor comum pode ser interpretado erradamente como estando relacionado, pelo menos em parte, com informação específica acerca dos activos cotados no país.
Prova-se então, admitindo a existência de assimetrias de informação entre os investidores e a possibilidade de se prosseguirem estratégias de readequação das carteiras entre países na sequência de um choque, que (i) a magnitude da reacção do preço noutros mercados em resposta ao choque será superior se o choque tiver tido origem num mercado cujos activos apresentam uma maior covariância em relação ao factor de risco comum e que (ii) a magnitude da reacção do preço em todos os mercados aumenta se as assimetrias de informação também aumentarem.
Kodres e Pritsker (2002) justificam o contágio através de práticas de arbitragem entre mercados: mesmo se as rendibilidades de alguns activos forem independentes, um choque adverso num mercado pode provocar vendas noutros mercados se os investidores transmitirem choques idiossincráticos de um mercado para outros através do ajustamento da exposição das suas carteiras a riscos macroeconómicos comuns.
Pasquariello (2002), recorrendo a um modelo caracterizado por concorrência imperfeita entre os agentes, mostra que o impacto das transacções nos preços de equilíbrio de uma economia com vários activos pode provocar efeitos de contágio entre activos e mercados não relacionados mesmo quando os agentes são indiferentes ao risco e não estão sujeitos a restrições financeiras. O efeito de contágio ocorre por motivo das estratégias de especulação adoptadas pelos agentes a partir de informação heterogénea acerca do valor dos activos. A heterogeneidade da informação, definida como diferenças significativas e persistentes na dotação de informação privada entre os participantes do mercado, impede os agentes de elaborarem estimativas precisas pelo que tendem a atribuir relevância a estratégias de inferência da relação entre os preços de equilíbrio de activos não relacionados.
Yuan (2005) apresenta um modelo com restrições ao financiamento e assimetrias de informação em que apenas alguns investidores informados têm acesso a informação relativa à rendibilidade dos activos. São precisamente alguns dos investidores informados que sofrem restrições ao financiamento. Tal como sucedia no modelo proposto por Calvo (2002), por exemplo, os elevados custos fixos associados à aprendizagem de instrumentos financeiros sofisticados criam assimetrias de informação. Tipicamente, neste modelo, a arbitragem é levada a cabo por um reduzido número de investidores profissionais com acesso privilegiado a informação que utilizam os seus conhecimentos de mercado para gerir recursos de outros agentes (investidores externos) que dispõem de elevada riqueza mas possuem um conhecimento limitado do mercado.
Os investidores informados defrontam-se com as restrições ao financiamento quando mais necessitam desse financiamento. Quando o preço do activo é extremamente baixo os investidores externos tendem a questionar uma estratégia de detenção de activos e a recusar o financiamento mesmo que o sinal informativo dos investidores informados seja muito positivo. Assim, a restrição ao financiamento torna-se activa quando os preços atingem um nível suficientemente baixo. Quando os investidores informados não estão limitados pela restrição de financiamento, o preço é bastante informativo dado que esses investidores podem reflectir no preço todas as informações a que têm acesso. Se um choque negativo nos fundamentais provocar uma diminuição no preço, os investidores informados podem tornar-se incapazes de transmitir a informação para o preço devido à activação da restrição de financiamento. A procura pelo activo torna-se assim menos informativa à medida que o preço diminui. Uma vez que aos investidores não informados não é dado saber se a actuação dos investidores informados é motivada por restrições ao financiamento ou pela qualidade da informação privada de que dispõem, aqueles exigem um prémio para deter activos com risco que os compense dessa desvantagem informativa. Este comportamento traduz-se em quedas nos preços e o contágio entre mercados surge como uma solução endógena de equilíbrio mesmo quando todos os investidores são racionais.
Alguns autores estudam as restrições de riqueza num contexto de assimetria de informação. Se um investidor sofrer um choque na sua riqueza, a sua reacção óptima pode implicar a alteração da carteira. Por exemplo, os investidores com aversão decrescente ao risco tenderão a escolher carteiras com menos risco à medida que a sua riqueza diminui. Este comportamento é susceptível de provocar fenómenos de contágio análogos ao que ocorrem em consequência de choques de liquidez. A principal diferença reside no facto de que, enquanto os investidores que respondem a um choque de liquidez são forçados a liquidar as posições para acorrer a necessidades de liquidez, os investidores que respondem a um choque de riqueza escolhem liquidar parte dos seus investimentos como estratégia de optimização da carteira.
Xiong (2001) desenvolvem um modelo com um único mercado em que o choque de riqueza se pode traduzir num mecanismo de amplificação que aumenta a volatilidade dos preços. Kyle e Xiong (2001) alargam o raciocínio de Xiong (2001) a dois mercados concebendo um modelo em que o contágio pode resultar de choques na riqueza dos agentes. Estes choques adversos provocam um aumento na aversão ao risco dos investidores o que os leva a liquidar posições não apenas no mercado directamente relacionado com o choque mas também no outro mercado cujos fundamentais não estão relacionados. A liquidação dos investimentos amplifica o choque original e transmite-o entre mercados dando origem a uma redução da liquidez, ao aumento da volatilidade dos preços e ao aumento da correlação entre os mercados.
Calvo (2002) e Yuan (2005) mostram que, se os investidores susceptíveis de sofrerem choques de riqueza forem relativamente melhor informados, os efeitos desses choques de riqueza tendem a ser mais relevantes e persistentes mesmo que esses investidores representem apenas uma pequena parcela do universo dos investidores do mercado.
Peng e Xiong (2002) debruçam-se sobre a possibilidade de contágio decorrente das restrições nas capacidades de aprendizagem dos investidores. Essas restrições resultariam naturalmente das limitações dos investidores em termos de tempo e de capacidade de atenção quando são chamados a tomar decisões financeiras. Adoptando a óptica simplificadora do investidor representativo, os autores provam que os investidores tendem a dedicar maior atenção aos factores comuns a vários activos provocando assim um comovimento excessivo entre as rendibilidades dos mesmos. Por um lado, quando o factor comum se torna mais incerto, são afectadas mais capacidades à sua apreensão o que gera um efeito de multiplicador nas correlações entre as rendibilidades. Por outro lado, quando as capacidades de tempo ou de atenção aumentam, uma maior parcela dessas capacidades pode ser dedicada ao estudo dos factores específicos de cada activo pelo que a correlação entre as rendibilidades tenderá, neste caso, a diminuir.