Júlio Fernando Seara Sequeira da Mota Lobão
Até agora descrevemos as causas fundamentais de contágio em que incluímos os choques de natureza local que sobrevêm das relações comerciais e financeiras internacionais.
Alguns estudos têm demonstrado, no entanto, que os fundamentais podem não conseguir explicar totalmente o fenómeno do contágio. Por exemplo, King et al. (1994), Karolyi e Stulz (1996), Eichengreen e Mody (2000), Connolly e Wang (2002, 2003) e Forbes (2002) mostram que as variáveis económicas observáveis não justificam, por si só, o comovimento entre os mercados financeiros, particularmente nos períodos de maior turbulência.
De igual forma, os episódios de crises sentidos ao longo da década de 90 desafiaram a perspectiva de que o contágio advém unicamente de inconsistências nas variáveis económicas que constituem os chamados fundamentais. Com efeito, muitos dos países afectados por crises cambiais, por exemplo no caso da crise do METC em 1992-93, não tinham adoptado políticas expansionistas susceptíveis de porem em causa a paridade e dispunham até de importantes reservas internacionais. Na crise Asiática de 1997, o contágio, depois de atingir o Sudeste Asiático, transmitiu-se a economias pouco relacionadas com essa região o que sugere que, também neste caso, os canais fundamentais podem não ser os únicos a dever ser tidos em conta na explicação do fenómeno.
Por estes motivos, considera-se que é necessário atender a todo um outro conjunto de causas de contágio agrupadas usualmente na literatura sob a designação de contágio puro e que abrangem os mecanismos de transmissão internacional de choques não relacionados com os fundamentais.
O contágio puro está normalmente associado ao comportamento dos investidores nos mercados financeiros internacionais, particularmente em situações caracterizadas por incentivos à imitação entre os agentes ou por problemas de informação resultantes de imperfeições de mercado.
Apresentaremos nas secções seguintes os principais factores de contágio puro. Começaremos por abordar os modelos de imitação entre os investidores a que se seguirão os modelos que recorrem à assumpção de imperfeições de mercado para explicar o contágio. Por fim, serão abordadas as implicações no contágio internacional dos chamados efeitos de demonstração.
2.2.2.1 Contágio via Herding entre Investidores
Se os investidores internacionais encontrarem motivo para se imitarem entre si nas suas decisões de investimento, podem contribuir para que os choques económicos se propaguem entre os diversos mercados.
Apesar da importância dos comportamentos de imitação entre os investidores para a compreensão do fenómeno de contágio ser reconhecida por numerosos autores , os esforços de modelização desses comportamentos têm-se centrado no seu impacto no próprio mercado onde têm lugar. Embora os efeitos no próprio mercado se possam revelar muito importantes, os resultados obtidos dizem-nos muito pouco acerca da relação entre a imitação entre os investidores e o fenómeno do contágio internacional.
Os comportamentos de imitação, designados comummente na literatura por herding behavior, podem resultar da assumpção de determinados pressupostos quanto à capacidade de recepção e tratamento da informação. Em determinados contextos, existem incentivos para que os investidores deixem de atender à sua própria informação privada que lhes permite distinguir o potencial de risco e rendibilidade de cada mercado ou economia e convirjam na assumpção de comportamentos de investimento uniformes.
Em seguida faremos referência às principais correntes explicativas do comportamento de herding entre os investidores: as cascatas de informação, os problemas de agência e ineficiências informacionais. Embora estes modelos não tenham sido, na generalidade dos casos, especificamente concebidos para explicar os comportamentos de imitação entre investidores que actuam em diversos mercados, julgamos que as suas implicações no contágio são proveitosas para o entendimento do fenómeno em apreço. Por este motivo, partiremos de uma abordagem mais genérica dos mecanismos subjacentes ao herding procurando subsequentemente uma aplicação tão próxima quanto possível desses mecanismos ao contágio internacional.
a) Cascatas de Informação
A tarefa de escolha da melhor alternativa de investimento pode ser bastante custosa - basta pensar nos custos de pesquisa e de avaliação da precisão da informação - pelo que é plausível supôr que, se os indivíduos forem capazes de comunicar entre si e observar as acções uns dos outros (ou as consequências dessas acções), possam confiar na informação prestada pelos restantes indivíduos. É essa informação derivada do processamento racional de dados obtidos pela observação dos restantes agentes que dá origem às chamadas cascatas de informação.
Estaremos perante o início de uma cascata de informação sempre que um indivíduo chamado a efectuar uma escolha, depois de observar as acções daqueles que o antecederam na tomada de decisão, tem por opção óptima imitar o comportamento desses outros indivíduos sem atender à sua informação própria (informação privada). Num contexto em que um conjunto de agentes deve decidir, um de cada vez e em sequência, entre adoptar e rejeitar um determinado comportamento, a partir do momento em que um desses indivíduos ignora a sua informação privada e actua apenas em função da informação obtida a partir da observação dos comportamentos dos indivíduos que antes dele decidiram, imitando-os, a sua decisão deixa de ser informativa para todos os que se lhe seguem na cadeia de decisões. Isso acontece porque nessa decisão não foi tomado em consideração o conhecimento novo que constitui a informação privada detida por cada um dos indivíduos. Assim, o indivíduo seguinte, se tiver acesso a um sinal informativo independente, ao tomar a decisão considerando todas as decisões antecedentes, também ignorará a sua própria informação adoptando a mesma actuação daqueles que o precederam. Na ausência de distúrbios externos, assim o farão todos os subsequentes indivíduos da cadeia de decisão constituindo-se, deste modo, a chamada cascata de informação. As cascatas de informação podem ser positivas – quando, a partir de um determinado momento, todos os indivíduos adoptam um determinado comportamento – ou negativas – quando todos o rejeitam.
O que é interessante notar é que, muito embora a situação a que conduz a cascata de informação possa não ser socialmente desejável, o processo que a origina assenta em decisões inteiramente racionais dos agentes. É na defesa dos seus próprios interesses – ao ponderar os custos subjacentes à escolha da melhor alternativa - que cada um dos indivíduos que constitui a cascata ignora a sua própria informação e imita o comportamento dos agentes que observa.
Considera-se frequentemente que os movimentos nos mercados financeiros são causados por tendências no sentimento dos investidores. O modelo das cascatas de informação avançado inicialmente por Banerjee (1992) e Bikhchandani et al. (1992) é especialmente apelativo na compreensão do contágio entre mercados através do herding dos investidores ao permitir explicar as razões pelas quais os indivíduos apresentam um comportamento uniforme.
Num estudo pioneiro, Cipriani e Guarino (2003) apresentam um outro modelo de preços flexíveis em que os investidores se imitam entre si e em que esse tipo de comportamento se difunde a outros mercados configurando uma situação de contágio. As vantagens que os investidores retiram da transacção superam a vantagem informacional de que eventualmente possam dispor sobre o market maker pelo que decidem transaccionar independentemente da própria informação privada. As cascatas informacionais assim geradas num mercado propagam-se a outros mercados impedindo a agregação da informação, afastando os preços dos fundamentais e tornando a correlação entre os preços superior à correlação entre os fundamentais. Esta correlação excessiva não resulta de comportamentos irracionais dos agentes, mas sim do seu próprio processo de aprendizagem.
Alguns autores, como Chari e Kehoe (2004) por exemplo, sugerem que as cascatas de informação podem estar na origem do contágio se, por exemplo, os investidores, em vez de avaliarem as economias uma a uma considerando separadamente os seus fundamentais, tiverem incentivos para classificar as economias em determinadas categorias (por exemplo, economias desenvolvidas, economias emergentes, etc.). Se assim for e se os investidores decidirem liquidar os seus investimentos em certos mercados por efeito de um choque específico, o surgimento de cascatas de informação poderia acarretar desinvestimentos noutros mercados da mesma categoria. Desta forma, o conceito de cascatas de informação mostra que, mesmo que os participantes de mercado actuem de forma racional, os mercados financeiros de um país com bons fundamentais podem sofrer os efeitos nefastos do contágio.