Júlio Fernando Seara Sequeira da Mota Lobão
A desregulamentação dos movimentos de capitais e o forte crescimento nos fluxos de capitais internacionais (especialmente significativo quando comparado com a evolução dos fluxos comerciais) que se têm feito sentir desde os anos 80 são susceptíveis de ter contribuído para aumentar a importância dos canais financeiros nos processos de transmissão de choques entre países.
Parece óbvio que a propagação dos choques depende, entre outros factores, do grau de integração dos mercados financeiros. Se um país estiver fortemente integrado nos mercados financeiros mundiais ou se os mercados financeiros de uma região estiverem fortemente integrados entre si, os preços dos activos financeiros e de outras variáveis económicas tenderão a influenciar-se mutuamente. Quanto maior for o grau de integração, mais extensos podem ser os efeitos do contágio. Pelo contrário, países que não estão integrados financeiramente devido à implementação de políticas de controlo dos capitais ou por falta de acesso aos canais de financiamento internacionais estão, por definição, imunes ao contágio de origem financeira.
O canal financeiro de contágio atende à actuação dos investidores internacionais que, no processo de afectação de recursos entre vários mercados financeiros e em resultado do cumprimento de determinadas normas de actuação estabelecidas a priori, podem contribuir para a propagação de choques. As normas a que nos referimos podem dizer respeito a questões tão diversas como a composição das carteiras ou critérios de liquidez, rendibilidade ou risco a cumprir.
Quando uma dada economia é afectada por um choque local, os agentes de mercado reavaliam as posições detidas nas suas carteiras em países com a mesma categoria de risco podendo, na sequência dessa reavaliação, retirar fundos destes países para assim restabelecer os rácios de risco ou liquidez ou satisfazer chamadas na margem , por exemplo. Se isto acontecer, o choque inicial de natureza local poder-se-á propagar a outros países configurando, portanto, uma situação de contágio.
Tal como sucedia no caso do contágio através do canal comercial, também no contágio financeiro é possível distinguir entre efeitos directos e efeitos indirectos. O contágio directo corresponderá aos efeitos de propagação de um choque provocados pela reafectação dos investimentos ou financiamentos existentes entre os países directamente envolvidos.
O contágio financeiro indirecto ocorrerá se os investidores ou financiadores internacionais, isto é, agentes de um terceiro país não envolvido directamente no choque, que detiverem investimentos ou tiverem concedido financiamento aos países afectados, em reacção as perdas num país provocadas por um choque de natureza local, desencadearem desinvestimentos ou impuserem restrições ao crédito noutros países considerados na mesma categoria de risco e de rendibilidade.
A literatura tem considerado principalmente dois efeitos no âmbito do contágio financeiro: em primeiro lugar, realça-se o papel de um credor comum a várias economias na propagação internacional dos choques. Um choque num determinado país pode fazer com que o credor comum, para readequar o risco da sua carteira, por exemplo, anule empréstimos e recuse a concessão de novos créditos não apenas para a economia que sofreu directamente o choque mas também para outras economias contribuindo, desta forma, para disseminar o choque entre países (Kaminsky e Reinhart, 2000; Caramazza et al., 2000; Van Rijckeghem e Weder, 2001b). Em segundo lugar, atende-se aos efeitos da actuação dos investidores institucionais que, para responder a chamadas na margem e reajustar as suas carteiras, podem liquidar investimentos não apenas no país onde o choque inicial se fez sentir mas também noutros mercados considerados dentro da mesma categoria de risco e rendibilidade (Goldfajn e Valdés, 1997; Kodres e Pritsker, 2002).
Kaminsky, Reinhart e Végh (2003a, 2003b) consideram que os efeitos supracitados constituem condições prévias à verificação de episódios de contágio. Os investimentos ou financiamentos, quando de curto prazo, permitem que as decisões quanto à permanência dos agentes nas economias que sofrem um choque, tenham efeitos imediatos (Rodrik e Velasco, 2000). Além disso, e por um lado, se os investidores e as instituições financeiras estiverem fortemente alavancados e, portanto, mais expostos ao choque que afecta o país, poderão ter maiores incentivos para não renovar as suas posições de investimento ou de financiamento. Por outro lado, o facto de poderem estar ainda sujeitos ao risco de variação da taça de câmbio em resultado dos investimentos ou financiamentos realizados serem denominados em moeda estrangeira acrescenta ainda um outro factor de risco o que pode aumentar a susceptibilidade dos agentes a alterações das condições nos países receptores de capital.
Calvo (1998a) mostra que os desequilíbrios nas contas externas fazer aumentar a gravidade das consequências de alterações súbitas nos fluxos internacionais de capitais.
Kaminsky, Reinhart e Végh (2003a) consideram que é fundamental que o choque que desencadeia o contágio não seja antecipado para que este se verifique. Esta distinção assume particular importância no caso dos credores comuns. Se o credor comum for surpreendido por um choque numa determinada economia, poderá não dispor de tempo para reajustar a sua carteira e desinvestir do país atingido tendo o contágio, desta forma, efeitos mais limitados. Pelo contrário, se o choque tiver sido suficientemente antecipado, os investidores poderão ter tempo para limitar as perdas diminuindo assim a sua exposição no mercado em causa e em mercados considerados semelhantes.
Dada a importância teórica do canal financeiro na transmissão internacional de choques, importa conhecer os motivos subjacentes à actuação dos agentes de mercado internacionais nomeadamente no que diz respeito aos critérios adoptados quanto à composição das carteiras em termos de liquidez, risco e rendibilidade nas suas decisões de afectação internacional de recursos. Estes serão os assuntos abordados nas próximas secções.