Júlio Fernando Seara Sequeira da Mota Lobão
As crises financeiras ocorridas ao longo dos anos 90, nomeadamente no Mecanismo Europeu de Taxas de Câmbio (1992), no México (1994-1995), no Sudeste Asiático (1997-1998), na Rússia (1998) e no Brasil (1999), tiveram significativas repercussões a nível internacional e fizeram surgir um novo interesse no estudo do fenómeno do contágio.
Em consequência, muitos estudos se têm debruçado nos últimos anos sobre a transmissão de choques de rendibilidade principalmente entre os mercados financeiros das economias emergentes.
O presente trabalho propôs-se contribuir neste campo de investigação avaliando os efeitos de contágio entre os mercados de acções dos países desenvolvidos durante o período de 1993-2004 e, em particular, durante seis episódios seleccionados de crises financeiras.
No capítulo 2, apresentámos e sistematizámos as principais teorias explicativas do contágio. A investigação teórica do tema divide as causas do contágio entre causas fundamentais e um outro conjunto de explicações que se agrupam sob a designação de contágio puro.
As causas fundamentais do contágio podem ser de natureza comercial ou financeira. O canal comercial do contágio abrange a transmissão internacional de choques através das relações comerciais e de desvalorizações cambiais. O contágio entre economias através do canal comercial ocorre sempre que a desvalorização da moeda de um país, na sequência de um choque específico a esse país, afecte os fundamentais de outros países, quer por meio dos efeitos de preço, quer através dos efeitos de rendimento. O canal financeiro de contágio atende à actuação dos investidores internacionais que, através do processo de afectação de recursos entre os vários mercados, podem contribuir para a propagação de choques em resultado do cumprimento de determinadas normas de actuação definidas a priori e que se podem referir a questões como a composição das carteiras ou critérios de liquidez, rendibilidade ou risco a cumprir.
O chamado contágio puro abrange os mecanismos de transmissão internacional de choques não relacionados com os fundamentais e que se referem, particularmente, a problemas de informação resultantes de imperfeições de mercado, de efeitos de demonstração ou de incentivos à imitação entre os investidores.
Por atenderem, cada um dos estudos empíricos existentes, a uma determinada acepção do fenómeno, aferida em diferentes contextos temporais e em mercados diversos, não foi possível, até ao momento, chegar a um consenso sobre a importância do contágio internacional. Além disso, a literatura tem-se debruçado sobretudo sobre o contágio nos mercados emergentes, ignorando o estudo do fenómeno, quase por completo, nos mercados desenvolvidos.
No sentido de colmatar estas lacunas na investigação existente e de contribuir para o conhecimento do contágio, nas suas diversas acepções, nos mercados desenvolvidos, consideramos, no presente estudo, uma visão multidimensional do fenómeno. Assim, para avaliar a importância da consideração de diferentes noções de contágio nos estudos empíricos, procedemos à aplicação de diversas metodologias conducentes à captação do fenómeno nas suas várias acepções.
A amostra utilizada refere-se às rendibilidades diárias dos mercados de acções de nove países desenvolvidos (Portugal, Espanha, Grécia, Irlanda, Alemanha, França, Reino Unido, EUA e Japão) no período 1994-2003. Dedicou-se atenção particular não só aos episódios de crise mais referidos na literatura – as crises do México (1994-1995), do Sudeste Asiático (1997-1998), da Rússia (1998) e do Brasil (1999) – mas também a episódios de crise mais recentes e menos estudados como a crise associada ao ataque terrorista de 11 de Setembro de 2001 e a crise da Argentina de 2001-2002.
Foram em número de quatro os conceitos de contágio testados no estudo empírico. A primeira noção de contágio sob teste associa o fenómeno a um aumento significativo no comovimento dos preços de diversos mercados. Aplicámos vários testes de alteração da correlação aos dados da amostra para atender a esta noção de contágio.
A segunda noção considerada define o contágio como a situação em que o comovimento dos preços dos mercados financeiros não pode ser explicado pela variação dos fundamentais. Os testes de Kolmogorov-Smirnov, que levámos a cabo, constituem uma aproximação a esta noção de contágio.
A terceira noção de contágio testada relaciona o fenómeno com a ocorrência de rendibilidades extremas em diversos mercados em simultâneo. A presença de contágio nesta acepção foi aferida recorrendo-se a estatísticas de valor extremo.
A última definição de contágio sob teste refere-se à transmissão internacional de choques. Foram, para o efeito, levados a cabo vários testes de causalidade nomeadamente testes de raíz unitária, testes de cointegração, testes de causalidade de Granger e testes calculados a partir de modelos de vectores autoregressivos como os que consideram as funções de resposta a impulsos e a decomposição das variâncias.
A adequação entre os vários processos de transmissão de choques de rendibilidade entre os mercados analisados e as respectivas metodologias de teste foi mostrada no capítulo 2.
Os resultados obtidos no estudo empírico permitem enunciar as seguintes quatro conclusões principais, em maior ou menor importância, contribuições desta tese.
A primeira conclusão é a de que o contágio, entendido nas suas diversas manifestações, nos mercados de acções dos países desenvolvidos foi relevante durante as crises observadas nos anos 90. Este resultado mostra que os processos de diversificação internacional do risco, se não tiverem em consideração os efeitos de contágio, podem não ser suficientes para a atenuação da incerteza inerente aos investimentos de carteira em activos financeiros cotados nos mercados desenvolvidos. Este efeito pode ser mais notório durante os períodos de crise, precisamente a altura em que a diversificação é mais necessária.
A segunda conclusão que se pode retirar diz respeito à ocorrência do contágio, nas suas diferentes acepções, durante as crises analisadas. O contágio, na sua definição restrita que considera o comovimento entre as rendibilidades, esteve presente nas crises da Ásia, Rússia e 11 de Setembro. A noção de contágio que atende ao facto dos movimentos dos preços não serem explicados pelos fundamentais ocorreu apenas durante a crise da Rússia. O contágio, entendido como um aumento sensível na frequência e grau de associação temporal das rendibilidades extremas dos mercados, foi observado nas crises da Ásia, Rússia, Brasil e 11 de Setembro. O conceito mais abrangente de contágio, segundo o qual o fenómeno se traduz numa mera transmissão internacional de choques, encontrou-se presente em todos os episódios estudados ainda que com intensidades distintas.
A terceira conclusão a salientar refere-se à importância relativa das evidências de contágio nos episódios de crise analisados. Os resultados sugerem que se registaram intensidades de contágio bastante diferenciadas, nas várias acepções do fenómeno, nas crises em consideração. Atendendo de forma conjunta aos diferentes testes de contágio realizados podemos concluir que existiram evidências muito fortes de contágio na crise da Ásia, evidências fortes de contágio nas crises da Rússia e de 11 de Setembro, evidências moderadas/limitadas de contágio nas crises do Brasil e da Argentina e muito fracas evidências de contágio na crise do México.
Na verdade, para os vários episódios de crise analisados, observam-se evidências de contágio com diversas intensidades. Assim, na crise da Ásia, todos os testes realizados, com excepção do teste de Kolmogorov-Smirnov, assinalam a presença de contágio. As evidências de contágio nas crises da Rússia e de 11 de Setembro foram mais ténues do que as verificadas na crise da Ásia. Tal classificação deve-se, no primeiro caso, ao facto de, embora o teste de Kolmogorov-Smirnov tenha indicado estar-se na presença de uma alteração sensível na distribuição de probabilidade das rendibilidades durante a crise da Rússia, o teste de cointegração e as funções de resposta a impulsos terem mostrado que não se assistiu a uma quebra nas relações de longo prazo entre os mercados, nem a um aumento na intensidade ou persistência dos choques existentes. Na crise de 11 de Setembro, embora as relações de longo prazo entre os mercados tenham sido postas em causa (teste de cointegração), o teste de Kolmogorov-Smirnov e as funções de resposta a impulsos não permitem afirmar que as evidências de contágio tenham sido significativas. Nos casos das crises do Brasil e da Argentina, as evidências de contágio são limitadas. Na crise do Brasil, nem os efeitos de contágio de curto prazo (teste de correlação) nem os efeitos de contágio de longo prazo (teste de cointegração) se mostraram significativos. Além disso, os testes de Kolmogorov-Smirnov e as funções de resposta a impulsos não permitem sustentar a hipótese de que tenha havido contágio nas respectivas acepções. Na crise da Argentina, os resultados obtidos foram em tudo semelhantes, com excepção das estatísticas de valor extremo que também não permitem confirmar a existência de contágio. Por último, a crise do México é, dos casos abordados, aquele em que as evidências de contágio são mais frágeis na medida em que, de todos os testes realizados, apenas os testes baseados nos modelos de vectores autoregressivos assinalam efeitos de contágio, nomeadamente que o mercado dos EUA passou a exercer maior influência sobre os restantes mercados ao longo desse período.
Uma quarta conclusão a que o presente estudo permite aceder, por ser possível estabelecer comparações entre os resultados obtidos para os distintos testes, correspondentes a diversas noções de contágio, em consequência daqueles terem sido aplicados aos dados de uma mesma amostra referente a mercados e períodos temporais similares, é a de que a escolha da noção de contágio a testar é crítica nos resultados dos estudos empíricos levados a cabo. De facto, notam-se diferenças sensíveis nos resultados dos vários testes efectuados consoante o teste e o conceito de contágio considerados. Por exemplo, as inferências quanto à existência do fenómeno quando se tem em conta a decomposição da variância, obtida a partir do modelo autoregressivo, tendem a ser, em função dos resultados do estudo empírico, no sentido da verificação do contágio. Ao contrário, se se partir dos testes de Kolmogorov-Smirnov, por exemplo, constata-se que a prevalência de contágio nos episódios de crise é bastante mais reduzida. Assim, os resultados sugerem que as conclusões acerca da presença do contágio podem depender, em grande medida, da definição prévia do conceito deste sob teste. Por este motivo, poder-se-ia concluir com maior propriedade, a partir dos estudos empíricos sobre contágio, da existência ou não deste fenómeno, se este fosse considerado, não apenas em uma, mas antes em várias das suas dimensões. Esta é, em nossa opinião, uma das mais importantes contribuições desta tese.
Uma das principais limitações dos estudos empíricos realizados nesta tese, tendo em atenção as múltiplas dimensões do contágio, resulta da separação verificada entre os argumentos teóricos e os testes empíricos. Estes limitam-se a tentar detectar o fenómeno através de medidas que captam a interacção existente entre os mercados, sem cuidar das causas subjacentes a tais factos. Em face destes procedimentos, os estudos empíricos evidenciam algumas dificuldades em passar da verificação (ou não) de efeitos de contágio para uma análise dos rationales do fenómeno.
Além disso, os efeitos de contágio podem não estar limitados à variável rendibilidade dos mercados. Nesta medida, poder-se-ia obter uma visão ainda mais abrangente do fenómeno em apreço se se tivesse em consideração a possibilidade de efeitos noutras variáveis como o volume de transacções, por exemplo.
Os próximos caminhos a percorrer na investigação nesta área poderão, neste contexto, insistir numa maior ligação entre as teorias explicativas do contágio e os testes a aplicar. Um dos principais desafios no futuro poderá passar pela identificação dos efeitos preconizados por cada uma das teorias explicativas do contágio e pelo teste em separado de cada um desses efeitos.
Para além disso, encontram-se ainda por investigar outras áreas relacionadas com o contágio. Referimo-nos, antes de mais, à necessidade de se desenvolverem estratégias de investimento que permitam responder à transmissão de choques entre mercados e que serão, certamente, de grande utilidade para os investidores internacionais. Depois, o estudo dos efeitos de contágio, não só entre mercados, mas também entre diversas categorias de activos, pode constituir-se como uma importante direcção de investigação futura. E também, é provável que o estudo do fenómeno com o recurso a dados com elevada frequência, a nível intra-day, permita lançar alguma luz sobre as relações entre o contágio e a microestrutura de mercado, nomeadamente entre o processo de descoberta dos preços e a transmissão de choques de rendibilidade nos mercados financeiros.
Finalmente, o presente estudo permite evidenciar a importância da adopção de medidas de política económica e financeira, em face da prevalência do fenómeno de contágio nos países desenvolvidos. A observação do contágio, entendido de forma abrangente, significa que existem razões para uma coordenação das acções multilaterais em ordem a limitar a propagação de choques de rendibilidade. Nesse sentido, é de considerar a prossecução de políticas adequadas de supervisão que melhorem a gestão do risco do sector financeiro e reforcem a transparência e estabilidade dos mercados financeiros.