Tesis doctorales de Economía


O SETOR IMOBILIÁRIO INFORMAL E OS DIREITOS DE PROPRIEDADE: O QUE OS IMÓVEIS REGULARIZADOS PODEM FAZER PELAS PESSOAS DE BAIXA RENDA DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO

Krongnon Wailamer de Souza Regueira


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2.4.4 Os direitos de propriedade e os recursos naturais: um paralelo com a questão urbana

Os maiores problemas resultantes da indefinição dos direitos de propriedade existem nos chamados bens públicos. Na definição da teoria econômica, que diverge bastante do conceito utilizado no direito , o bem público (VARIAN, 1992; MAS COLLEL, WHINSTON; GREEN, 1995) apresenta duas características obrigatórias: não-rivalidade e não-exclusividade. Entende-se por não-rivalidade o fato de o consumo de um agente não reduzir o consumo de outro, pois o custo marginal para ofertar uma unidade adicional do bem é igual a zero. Para MAS COLELL, WHINSTON e GREEN (1995, p.359-360): “A public good is a commodity for which use of a unit of the good by one agent does not preclude its use by other agents. […] A distinction can made according to whether exclusion [itálico do autor] of an individual from the benefits of a public good is possible.” Tal conceito difere em muito dos bens privados, que possuem custos marginais de produção positivos. A não-exclusividade surge pelo fato de não existirem possibilidade economicamente viáveis de excluir algum consumidor que não queira pagar pelos pela utilização de um bem. Alguns bens possuem a primeira característica, mas não a segunda, e vice-versa. Apenas quando essas duas condições estiverem presentes em um bem, poder-se-á classificá-lo como um bem público puro.

Muitas das falhas de mercado estão relacionadas ao uso de recursos que não requerem pagamento. Os recursos de propriedade comum são classificados como aqueles aos quais qualquer pessoa tem livre acesso. Ao analisar os recursos de livre acesso, ANUATTI NETO (2004, p.229) analisa que estes surgem “quando o estado é incapaz de assegurar ou se recusa a garantir contratos entre agentes econômicos que disputam a utilização destes mesmos recursos”.

Quando não é possível impedir que algum consumidor, que não tenha contribuído para o fornecimento de um bem ou serviço, acesse e usufrua o mesmo, surge o problema do carona, também conhecido na literatura econômica como free rider. Para resolver parcialmente tal problema, os bens públicos são, na maioria das vezes, fornecidos pelo governo, que os financia através da cobrança de impostos de todos os contribuintes. A taxação independe do fato de cada contribuinte utilizar ou não o bem público. Um exemplo clássico é a defesa nacional, que protege todo um país, sem se preocupar com o valor que cada indivíduo atribui à mesma. Ninguém pode ser excluído da proteção fornecida pela defesa nacional e o custo marginal de um consumidor adicional é zero. Esta característica de tal atividade não pode ser solucionada satisfatoriamente pelas leis de mercado, exigindo a intervenção governamental para que o serviço possa ser ofertado em quantidade que maximize o bem-estar social.

Em virtude das dificuldades de obter receita com a administração ou venda de bens públicos, estes acabam, na maioria das vezes, sendo ofertados pelo governo. Não seria possível o mercado determinar preços e quantidades que garantissem uma quantidade socialmente satisfatória para atender as necessidades dos consumidores.

Outro problema importante que não consegue solução exclusivamente pelo mecanismo de mercado são as externalidades. O estudo das externalidades ganhou destaque com os economistas que desenvolveram o que ficou conhecido na literatura econômica como economia do bem-estar, e que teve Pigou como um dos seus destacados estudiosos. Pigou mostrou que custos e benefícios marginais sociais e privados divergem em algumas situações, porém, em uma situação de conflito entre dois agentes sobre uma externalidade negativa, aquele que a provocasse deveria encerrar o fato causador da mesma. Pigou via como prejudicada no processo apenas a parte que suportava a externalidade negativa, desconsiderando o impacto suportado pelo agente que encerrou suas atividades.

A economia dos direitos de propriedade teve início com COASE (1960), que forneceu a perspectiva dos direitos de propriedade para a questão das externalidades ou, como ele preferiu denominar, do custo social. Anteriormente a Coase, os economistas viam o problema das externalidades como oriundos das falhas de mercado, que demandavam intervenção governamental, onde a parte causadora de uma externalidade negativa deveria cessar a atividade causadora do dano. Coase criticou a abordagem pigouviana sobre as externalidades não por considerá-la errada, mas sim incompleta (LUECK; MICELI, 2006).

O conceito de externalidades foi abordado no trabalho pioneiro de Coase, contudo com uma conclusão diversa da proposta por Pigou. COASE (1990) descreveu os conflitos entre um médico, que necessitava de silêncio para examinar seus pacientes, e um estabelecimento localizado próximo ao consultório, onde havia uma máquina usada na produção de doces. Para produzir os doces é necessário ligar a máquina, produzindo um barulho que prejudicará o atendimento ao paciente. O dono da fábrica não faz barulho para incomodar o médico, mas sim para produzir e vender os doces. Seria impossível manter ambos os estabelecimentos em funcionamento sem os problemas anteriormente relatados. A visão tradicional, que vigorava antes dos escritos de Coase, consistia em acusar o dono da fábrica por todo o inconveniente da situação, obrigando-o a cerrar as portas. Porém, como relata COASE (1990), o fato de deixar de produzir o bem e abandonar seu empreendimento seria uma forma de perda que o mercado até então pouco considerava. A resolução do problema viria através da negociação entre as partes envolvidas, independente de o proprietário da fábrica ser responsabilizado ou não pela poluição sonora. Neste exemplo, as economias externas surgem porque não é possível definir os direitos de propriedade sobre o meio onde o som se propaga, ou seja, o ar.

Na presença de economias externas, terceiros são afetados pelas ações de um agente, como define VARIAN (1992, p.423): “... the actions of one agent directly affect the environment of another agent, we will say that there is an externality. In a consumption externality the utility of one consumer is directly affected by the actions of another consumer”.

Ao ofertar o bem público, o agente governamental procura maximizar o benefício marginal social, medido pelo somatório do valor que todos os usuários de determinado bem ou serviço atribuem a uma unidade extra do mesmo (MAS-COLELL; WHINSTON; GREEN, 1995). O nível de eficiência do bem público é alcançado quando a soma dos benefícios marginais é equiparada ao seu custo marginal de produção. A decisão do nível ótimo de oferta é dificultada pelo fato de o agente governamental não saber qual o valor que cada consumidor atribui a determinado bem.

Enquanto existem em quantidades abundantes em relação às possibilidades de uso disponíveis, os bens podem ser classificados como livres, não existindo um valor econômico para os mesmos. RICARDO (1996) analisou a questão da renda da terra observando que não havia nenhuma cobrança enquanto houvesse terra produtiva disponível, em grandes quantidades, para todos os agricultores. Com a expansão da área cultivada, terras marginais passam a ser cultivadas, e pelo fato de apresentarem menor produtividade, estimulam os proprietários das melhores terras a cobrar uma renda pelo seu uso. Tal renda é medida pelo diferencial de produtividade existente entre as terras mais férteis e as menos férteis. Com os direitos de propriedade claramente definidos sobre as terras, sejam as mais produtivas ou não, os proprietários poderiam cultivá-las, arrendá-las parcial ou integralmente, vendê-las ou fazer qualquer outro uso alternativo das mesmas, desde que não infringissem nenhuma legislação em vigor na época.

LUECK e MICELI (2006, p.1-2) ressaltam a relação entre o surgimento dos direitos de propriedade e o uso dos recursos naturais: “…the economics of property rights originated with a focus on rights to land and associated natural resources (e.g. fisheries, pastures, water) the link between ‘property law’ and ‘property rights’ is established”.

Muitas espécies de animais foram extintas ou ameaçadas de extinção por terem sido caçadas impiedosamente. Uma vez que não havia proprietários para cada animal solto nos campos ou florestas, aquele que conseguisse abatê-lo primeiro ficaria com os benefícios da caça, porém toda a sociedade teria o prejuízo provocado pela redução de um animal na fauna. Em determinadas situações de relativa abundância, alguns bens podem ser considerados como públicos, e desta forma, o benefício do seu uso é privado, mas os custos são repartidos por toda a sociedade. Destarte, os custos sociais superam consideravelmente os benefícios privados, e o problema das externalidades negativas só pode ser resolvido com intervenção governamental.

No caso dos chamados bens livres, existe uma tendência a utilizá-los em excesso, de forma arbitrária, haja vista as dificuldades em celebrar um acordo entre os usuários para tentar preservá-los, pois sempre haverá a possibilidade de alguém se dispor a rompê-lo e obter os benefícios para si próprio.

Como demonstra HOLCOMBE (1999, p. 47-48), quando os direitos de propriedade são fracamente definidos, ocorrem problemas de superutilização dos recursos:

The key […] is to establish clear property rights. If the ownership of the air or the water were clearly defined, and if these rights could be bought and sold in a market, as are the rights to land, labor, and other scarce resources, then there would be an incentive for the rights to the resource to be traded to the individuals who valued them most highly. But no market exists because the property rights to air, and often to water and to animals in the wild, are not clearly defined, so every individual has an incentive to use the resources without regard to the cost. Resources should be used up to the point where the marginal benefit from use equals the marginal cost, but poorly defined property rights mean that the resource will be used as long as the marginal benefits are greater than zero. Ultimately the resource is overused because there is no incentive to conserve on the use of a resource that can be obtained at no cost. This type of problem will arise any time rights for a scarce resource are not clearly defined.

A região oeste dos Estados Unidos experimentou conflitos quanto ao uso das pastagens para o rebanho bovino. Quando a colonização teve início e os rebanhos eram relativamente pequenos em relação à área disponível para pasto, a colocação de uma cabeça de gado adicional não reduziria a quantidade de alimentos para o restante do rebanho. A inexistência de direitos de propriedade sobre os campos levava cada fazendeiro a colocar a maior quantidade de rebanho para pastar, fazendo com que as reses ganhassem peso e pudessem enfrentar o rigor do inverno, quando a área de pastagem diminuía consideravelmente. ANDERSON e LEAL (1992, p.28-29) descrevem como a demarcação das terras e a utilização do arame farpado contribuíram para o estabelecimento da propriedade privada no Oeste dos Estados Unidos:

Embora as leis e restrições sobre o uso da terra da terra tenham levado os fazendeiros um passo à frente na direção da exclusividade da propriedade privada, ainda assim não impediam o gado de traspassar os limites de pastagem. Somente barreiras físicas poderiam conseguir isto, mas cercas de arame comum não eram eficazes para conter o gado, e era difícil plantar e manter cercas vivas. O custo em tempo e dinheiro era simplesmente muito elevado. Mas quando o arame farpado foi introduzido no Oeste na década de 1870, o custo para cercar terras ficou drasticamente reduzido. Para os proprietários rurais envolvidos em agricultura, que tinham suas terras invadidas por vaqueiros e rebanhos que pisoteavam as plantações, o arame farpado ‘definiu a propriedade dos agricultores das planícies.

Em trabalho publicado por GOODMAN et al. (1992, p.40), discute-se a importância dos direitos de propriedade para a preservação do meio ambiente, dentro de uma ótica liberal, mostrando como é possível resolver o conflito existente entre o uso de recursos comuns e o aproveitamento econômico dos mesmos:

Muitas pessoas consideram os direitos de propriedade uma restrição à liberdade porque os donos dos direitos podem impedir a utilização dos recursos, de que são beneficiários, por terceiros que podem utilizá-los “gratuitamente”. Na verdade, os direitos de propriedade ampliam a liberdade de ação dando às pessoas oportunidades que elas não teriam de outra forma. Os direitos de propriedade dão poderes aos proprietários para proteger e defender seus recursos. Mas os direitos de propriedade criam oportunidades para todos. Todos aqueles que não são proprietários são, na verdade, proprietários em potencial, e a existência de direitos de propriedade faz com que todas as outras pessoas sejam compradores em potencial desses direitos.

O fato de não haver um preço para a utilização dos bens de uso comum faz com que estes sejam superutilizados até que, caso tal trajetória não seja interrompida, venham a se exaurir. Na maioria das vezes, com a exaustão dos recursos comuns passa a existir um preço mais elevado e políticas para evitar a completa extinção destes. O mercado não pode resolver completamente o problema da escassez, pois se por um lado existe a idéia de preservação do recurso para evitar que o mesmo desapareça, por outro o preço mais elevado estimula a busca, fazendo com que agentes que atuem à margem da lei tentem auferir grandes lucros, mesmo com os riscos legais.

Com a extinção de diversas espécies animais e vegetais, este mercado ilegal mostrou-se mais evidente. Existem diversos projetos para preservar fauna e flora, alguns em parques públicos, outros em reservas particulares, mas os contrabandistas, apesar da existência de direitos de propriedade e punições para os que infringirem a lei, continuam a agir, pois sabem dos altos ganhos que podem auferir vendendo animais ilegalmente capturados. O tráfico de animais, em termos de movimentação financeira, só é superado pelo contrabando de drogas e de armas . A existência de direitos de propriedade e punições não impede os agentes econômicos, que atuam clandestinamente, de ignorar os primeiros e não se importar com estes últimos.

Os recursos não-renováveis, como os recursos minerais, apresentam problemas mais graves. A decisão passa a ser intertemporal, ou seja, os proprietários desses recursos devem decidir se irão extrair os recursos no presente ou, tomando como base na taxa de juros de longo prazo (ANDERSON; LEAL, 1992), alocar parte da extração no futuro. Se existe a expectativa de que a valorização do recurso seja maior do que a taxa de juros de longo prazo, os gestores devem decidir por alocar parte da extração para o futuro. Em contrapartida, caso a expectativa de retorno esteja abaixo da taxa de juros de longo prazo, o recurso deverá ser extraído no presente momento, até ser levado à exaustão, ou as fontes tornarem-se, apesar da existência do recurso natural, inviáveis em termos econômicos . No caso do retorno elevado no longo prazo, que permitiria que um recurso natural não fosse explorado completamente no período inicial, o direito de propriedade deve ser bem explicitado, pois caso exista alguma ameaça ao mesmo, os proprietários, apesar da expectativa de um ganho mais elevado no futuro, podem preferir não correr riscos e maximizar os seus ganhos pensando apenas no presente. Deve haver uma segurança jurídica que permita ao proprietário do recurso natural realizar um processo de extração diferida.

Quando o recurso natural está no subsolo, na forma de lençóis subterrâneos, e estende-se por grandes áreas que possuem diferentes proprietários, os conflitos são mais evidentes. Se um proprietário explora um poço de petróleo, diminui a quantidade disponível deste mineral na reserva à disposição dos outros produtores que compartilham o mesmo lençol. Caso não seja estabelecida nenhuma regulamentação, cada produtor tentará extrair o maior volume possível que a sua infra-estrutura produtiva permita. Se todos os produtores adotarem este comportamento, num curto horizonte temporal, o recurso tenderá a se esgotar. Mesmo que um acordo de quotas fosse tentado, haveria a possibilidade de algum dos participantes tentar burlá-lo, extraindo uma quantidade de petróleo maior do que o estabelecido na quota. Para resolver este conflito, poderia ser criado um sistema de monitoramento, que provocaria custos que deveriam ser repartidos entre todos os integrantes do acordo.

Ressalta-se que todos os problemas citados anteriormente se agravam conforme cresce o número de agentes envolvidos na negociação. HOLCOMBE (1999, p.52) deixa claro o papel exercido pela quantidade de participantes de uma negociação: “with small numbers of people involved, transactions costs are surely lower than when large numbers would be required to agree for a trade to take place.”


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