Krongnon Wailamer de Souza Regueira
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A execução da dívida pode esbarrar em aspectos legais, sobretudo em países como o Brasil, onde cada processo é analisado como se fosse único, não havendo ainda uma súmula vinculante que dê resolução rápida para casos onde já existe uma decisão consolidada em última instância. Destarte, cada processo tem que percorrer diversas instâncias, caso a parte perdedora insista sempre em recorrer, o que eleva os custos e o tempo de espera para que se chegue a uma decisão de um tribunal superior onde não seja mais possível recorrer.
Qual o reflexo de tal característica do sistema judiciário? Se nos ativermos apenas às idéias preconizadas por Hernando de Soto, este modus operandi do judiciário reduziria as possibilidades dos mais pobres terem acesso ao crédito. Para ARIDA et al. (2005), o judiciário tende a favorecer a parte economicamente mais fraca em uma disputa, deixando de seguir o que está escrito na lei para promover a justiça social. Diversos autores têm demonstrado como as dificuldades em obter um ativo dado como garantia, quando do não pagamento de uma dívida, têm como efeito final o aumento das taxas de juros e uma redução na oferta de crédito. Isso ocorreria porque a justiça tem um viés pró-devedor (PINHEIRO, 2003; ARIDA et al., 2005; LAEVEN; MAJNONI, 2003). Para SILVA (2007, p.30): “... um poder discricionário excessivamente grande do Estado pode levar à instabilidade institucional e à falta de credibilidade com relação aos contratos”.
Segundo VELJANOVSKI (2006), os economistas vêem as leis como um sistema que modifica os incentivos, enquanto os juízes e advogados as percebem como um conjunto de procedimentos e regras.
PINHEIRO (2003) elaborou um estudo onde foram entrevistados magistrados brasileiros de diversas instâncias e tribunais. A pergunta central era: Em uma decisão os juízes deveriam observar estritamente as cláusulas contratuais ou poderiam ignorá-las com o intuito de promover maior justiça social? A maior parte dos juízes respondeu que é seu papel produzir o direito, e não somente aplicar o direito produzido pelos legisladores. LAMOUNIER e SOUZA (2002), encontraram resultados semelhantes, assim como SADEK (1995). Conforme destacam PINHEIRO e GIAMBIAGI (2006):
Nem sempre ao fazer – no lugar de aplicar – o direito, o juiz gera imprevisibilidade. Se, como ocorre no Brasil, uma ampla maioria dos magistrados se vê como instrumento de mudança social, o resultado é uma interpretação da lei que tende a favorecer sistematicamente grupos específicos – trabalhadores, consumidores, devedores, inquilinos, etc. A esse comportamento junta-se outro que também é freqüente, ainda que não majoritário: o de que o juiz decida com base nas suas visões políticas, em lugar de uma leitura rigorosa da lei. A esses tipos de comportamento se costuma chamar de “politização do Judiciário”.
ARIDA et al. (2005, p.274), enfatizando os efeitos perniciosos do viés anti-credor, argumentam como a incerteza jurisdicional afeta os contratos de longo prazo e inibe a realização de investimentos, sobretudo quando envolvem empresas estrangeiras:
Jurisdictional uncertainty affects all types of long-term mercantile activities in the country. But it should not be confused with the risk of doing business in Brazil, where the difficulties faced by firms include logistic problems of transport and ports, complex legal and labor legislation, and high crime rate. Jurisdictional uncertainty results from an anti-creditor bias, and not an anti-business bias. This is evident in the willingness of foreign firms to make long-term private direct investment in the country but not to extend local long-term credit even to associated firms. It is also shown by the fact that business firms are often benefited as debtors by the materialization of the jurisdictional uncertainty in its anti-creditor bias.
Uma recorrente discussão nos contratos diz respeito à taxa de juros a ser cobrada. O devedor, após assinar o contrato, entra na justiça para querer modificar a taxa de juros estabelecida inicialmente. Apesar de o Supremo Tribunal Federal ter consolidado a questão dos juros compostos, em alguns tribunais, como no Rio Grande do Sul, os juízes ainda aceitam a tese da “Lei da Usura” de 1933 (PINHEIRO; GIAMBIAGI, 2006). Como resultado, os bancos do Rio Grande do Sul cobram, em média, taxas mais elevadas para o mesmo perfil de risco que outros estados brasileiros, onde tal interpretação subjetiva da lei não é aplicada.
Em relação à riqueza em imóveis como colateral, FERMAN (2003, p.12) observa como pouca vantajosa em comparação à riqueza em ativos financeiros devido ao viés pró-devedor: “Para o Brasil, acreditamos que a riqueza em ativos financeiros é mais importante do que a riqueza em imóveis, devido à legislação brasileira, que se mostra bastante a favor de quem toma emprestado em caso de inadimplência”.
Segundo KUMAR et al. (2004), as leis substantivas relativas à proteção legal e judicial dos direitos do credor no Brasil são fundamentadas no direito civil francês, sendo muito similares a de outros países que adotam este mesmo princípio jurídico. Em geral, os credores consideram tais leis bem adequadas. Entretanto, como KUMAR et al. (2004, p.30) enfatizam, na prática, a justiça não aplica a lei strictu sensu:
[...] os procedimentos legislativos são retardados, com recurso a sucessivas apelações e liminares, o que diminui o valor da proteção legal. Além disso, as decisões judiciais sobre questões de crédito são percebidas como sendo pró-devedor [grifo do autor], refletindo o ativismo social judicial, às vezes desconsiderando o que está previsto na lei ou no contrato. Conseqüentemente, a jurisprudência e os padrões de comportamento judicial desempenham um papel tão ou mais importante que a própria lei na regulamentação das questões de crédito.
Percebe-se claramente que a taxa de juros brasileira é naturalmente mais alta que a de outros países com características similares, e é agravada pela insegurança jurisdicional. Conforme ARIDA et al. (2005), mesmo com as políticas econômicas adequadas, o Brasil ainda é visto com desconfiança pelos credores, o que se reflete na taxa de juros. Instabilidade macroeconômica, fatores exógenos que independem da ação das políticas econômicas e incerteza jurisdicional fazem com que não apenas os juros sejam proibitivos, mas restringem consideravelmente o crédito de longo prazo.
Na opinião de GIANETTI (1999, p.47-48), os agentes devem ter confiança para realizar os investimentos desejados e, conseqüentemente, colher os frutos dos mesmos:
O problema é que tanto um Estado fraco e inoperante, como um Estado excessivamente forte e voraz minam a confiança do setor privado no mínimo legal do mercado. O primeiro porque ele se mostra incapaz de garantir a justiça e proteger os agentes dos avanços predatórios dos demais; e o segundo porque ele próprio acaba se tornando a grande ameaça de invasão predatória, colhendo para si, por meio de impostos, interferências nas regras dos jogos e confiscos, o resultado das atividades produtivas do setor privado.
De acordo com CARNEIRO e VALPASSOS (2003, p.93), a lei criada para regulamentar o financiamento de imóveis é clara, mas ainda assim podem surgir decisões resultantes da discricionariedade dos juízes:
A clareza da lei 9514/97 que, entre outras medidas, instituiu a alienação fiduciária do bem que está sendo financiado, dá esperanças ao setor de que o problema judiciário está, pelo menos em grande parte, resolvido. O texto foi escrito de tal forma que somente com uma ação deliberadamente fora da lei é possível que um juiz não dê uma sentença favorável ao financiador em caso de inadimplência. Porém, dada a instabilidade da legislação, que reflete a pouca convicção política no arcabouço legal que rege os contratos, sempre existe a suspeita de que haja mudança da lei em função da alteração de rumo político.
Além do viés anti-credor, ocorre também o viés anti-poupador. Este viés não se manifesta como um ato contra a poupança em si, mas por meio da incerteza quanto ao retorno dos recursos aplicados em decorrência de mudanças nas regras. Considerando-se que a poupança de alguma maneira transformar-se-á em créditos para investidores, o retorno da poupança dependerá, além da performance da economia, de um conjunto de regras estáveis que assegurem os direitos dos poupadores. Existe uma conotação social negativa quando são mencionados termos como capital financeiro e banqueiro em contraposição a capital produtivo e empresário respectivamente. Este viés ocorre com maior ou menor intensidade em quase todos os lugares, mas é muito forte no Brasil, onde devedor é visto como alguém que gera empregos e riqueza. Em contrapartida, banqueiros são vistos como responsáveis pelo aumento das desigualdades sociais e concentração de renda. Aspectos culturais e históricos também contribuem para disseminar o viés anti-credor (ARIDA et al., 2003).
De acordo com CARVALHO (2005, p.17), os bancos privados são mal vistos pelo público em geral:
É observação freqüentemente ouvida de que apenas o BNDES oferece recursos de longo prazo à indústria, assim como apenas o Banco do Brasil apoiaria o investimento agrícola. As instituições financeiras (IFs) privadas são vistas pelo público em geral como parasitárias , derivando seus ganhos seja da exploração dos favores do Estado (por exemplo, pelos lucros com aplicações em títulos da dívida pública), seja da exploração monopolística dos mercados de serviços financeiros privados, pela imposição de spreads de juros excessivos ou imposição de tarifas exorbitantes por serviços.
Desta forma, existe um viés de opinião contra os bancos, ainda mais em momentos em que estes batem recordes de lucros, o que é visto pela maior parte da população, bem como pelo poder Judiciário, como uma forma de exploração dos clientes.
Para RIBEIRO (2006), todas as pesquisas baseadas em entrevistas sobre o quê os magistrados pensam apresentam um certo viés, pois as mesmas perguntam o que os juízes fariam e não o que realmente fazem nos processos. Ainda segundo o mesmo autor, tais pesquisas fariam mais sentido e trariam uma maior contribuição se fossem baseadas em casos reais, e não apenas em pesquisas opinativas. Para tentar superar tais limitações, RIBEIRO (2006) realizou uma abordagem empírica, buscando medir se existe efetivamente a tendência apontada pelos autores que apontam a questão da insegurança jurisdicional como uma limitante para a questão do desenvolvimento econômico.
Os resultados encontrados no trabalho de RIBEIRO (2006, p.140) apontam para três conclusões bem diferentes das apontadas por Arida,Pinheiro e Lamounier e Souza:
a) Os juízes favorecem a parte mais poderosa. Uma parte com poder econômico ou político tem entre 34% e 41% mais chances de que um contrato que lhe é favorável seja mantido do que uma parte sem poder;
b) Uma parte com poder apenas local tem cerca de 38% mais chances de que uma cláusula contratual que lhe é favorável seja mantida e entre 26% e 38% mais chances de ser favorecido pela Justiça do que uma grande empresa nacional ou multinacional, um efeito aqui batizado de subversão paroquial da justiça.
c) Nos Estados Brasileiros onde existe maior desigualdade social há também uma maior probabilidade de que uma cláusula contratual não seja mantida pelo judiciário. Passando-se, por exemplo, do grau de desigualdade de Alagoas (GINI de 0,691) para o de Santa Catarina (0,56) tem-se uma chance 210% maior de que o contrato seja mantido.
A desigualdade, além dos problemas que causa aos mais pobres, também é prejudicial à proteção dos direitos de propriedade e, portanto, ao crescimento da economia. Isto ocorre em grande parte pela possibilidade de subversão da justiça. Se houver uma assimetria de riqueza e/ou poder entre duas partes em uma disputa judicial e o sistema jurídico se deixa corromper, os mais ricos e poderosos sempre serão favorecidos, e não os que realmente têm razão. Como resultado, aqueles que mais chances têm de serem expropriados evitarão fechar contratos com pessoas de maior poder econômico e político, reduzindo assim as possibilidades de investimentos e crescimento econômico.
Os estudos de GLAESER et al. (2003) ressaltam não somente o poder econômico, mas atribuem também grande importância ao poder político, o que significa que o juiz pode vir a ser punido quando venha a decidir contra os interesse da parte mais forte. Esta punição pode ocorrer na fora de uma transferência indesejada para uma cidade longínqua ou as dificuldades para alcançar cargos melhores na carreira. Uma parte local tem maior capacidade de punir o juiz da causa, seja em decorrência das relações sociais com este ou com pessoas em posição de puni-lo. Assim como Ribeiro, GLAESER et al. (2003) também defendem a idéia de que em sociedades mais desiguais, a parte com grande poder político terá chances maiores de impor estas sanções.