Krongnon Wailamer de Souza Regueira
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Este segundo livro guarda grande similaridade com o primeiro, mudando apenas o foco da discussão. Se no primeiro livro o debate girava em torno da informalidade de alguns setores da economia, agravada pelos altos custos da burocracia que impediam e legalização dos empreendimentos, neste último o foco está na propriedade de imóveis não regularizados e nas dificuldades para torná-los legais.
A obra de De Soto é permeada por uma questão: Será que os pobres dos países em desenvolvimento são tão pobres assim como sugerem as estatísticas oficiais? Para DE SOTO (1987, 2001, 2002) os ativos dos informais não são contabilizados nas estatísticas governamentais, fazendo com que esta riqueza permaneça invisível aos olhos das autoridades. Destarte, os pobres dos países do Terceiro Mundo não são tão pobres quanto se imagina, pois estes ativos ilegais geram renda, sendo responsáveis pelo sustento de inúmeras famílias e pela prestação de uma série de serviços. Ainda que não tenham acesso ao crédito bancário e aos financiamentos governamentais, o que os impede de expandir os negócios, os informais estão presentes em inúmeros setores da economia, não podendo mais ser ignorados por governos e institutos de pesquisa e estatística. Os pobres, na visão de DE SOTO (2001), não representam um problema, mas sim a solução para os países em desenvolvimento.
Como os imóveis fariam parte desta expansão dos pequenos e médios empreendimentos? Fortemente influenciado pelos estudos sobre legalização das propriedades fundiárias nos Estados Unidos, DE SOTO (2001, p.21) afirma que a “mais importante fonte de fundos das empresas iniciantes norte-americanas é a hipoteca da casa do empresário”. A partir daí, ele discorre estatísticas encontradas por seu grupo de pesquisadores nos diversos países analisados. Os pobres são capazes de poupar e, desde 1945, a sua poupança supera em quarenta vezes o valor recebido na forma de ajuda estrangeira. Para o Egito, esta poupança corresponderia a cinqüenta e cinco vezes toda a ajuda estrangeira, incluídos o Canal de Suez e a Represa de Assuã. Em relação ao Haiti, a nação mais pobre da América Latina, a riqueza acumulada pelos pobres equivale a mais de cinqüenta vezes todo o investimento realizado pelos estrangeiros desde a independência do país, em 1804 (DE SOTO, 2001). Essas estatísticas e a forma como foram obtidas são questionadas por alguns autores (WOODRUFF, 2001; OLIVEIRA, 2006).
A origem de toda esta riqueza, segundo DE SOTO (2001, p.21), estaria na posse de imóveis, porém, devido às restrições para transformá-los em capital, os pobres não conseguiam melhorar suas condições de vida e estes países encontravam dificuldades para superar o atraso:
Os habitantes pobres dessas nações – a grande maioria – possuem bens, mas falta-lhes o processo de representar suas propriedades e gerar capital. Possuem casas, mas não suas escrituras; colheitas, mas não os documentos de posse da terra; empresas, mas não os estatutos de incorporação. É a indisponibilidade dessas representações essenciais que explica por que esses povos que adaptaram todas as outras invenções ocidentais, do clipe de papel ao reator nuclear, não foram capazes de produzir o capital suficiente para fazer funcionar seu capitalismo doméstico.
Enquanto a maioria dos economistas se preocupa com ativos tangíveis, DE SOTO (2001, p.22) centra sua análise no que denomina “mistério do capital”, ou seja, na forma como os ocidentais representam seus ativos através de títulos e, a partir deste ato, são capazes de visualizar e obter capital a partir dos mesmos. Os títulos de propriedade se constituem em representações mentais, tais quais ondas de televisão, que não podem ser vistas, mas com o uso de um aparelho de televisão, podem ser decodificadas, e com isso gerar som e imagem. A representação dos ativos através de títulos de propriedade amplificaria sua capacidade de se converter em capital, tendo efeito similar à televisão em relação às ondas invisíveis (DE SOTO, 2001).
Acontecimentos como invasão de terras, criminalidade e leis sendo desrespeitadas acintosamente, que ocorrem atualmente nos países em desenvolvimento e antigos países do bloco comunista, na opinião de DE SOTO (2001), ocorriam nos Estados Unidos há um século atrás. Desta forma, tal qual os Estados Unidos fizeram no passado, De Soto defende a adoção de medidas que possam incorporar os informais à economia, por meio da legalização dos seus ativos mais valiosos: propriedades fundiárias e imóveis.
Os informais criaram seus próprios arranjos contratuais para sobreviver à margem da lei. DE SOTO (2001) propõe que os informais sejam incorporados ao sistema legal, porém suas regras não devem ser abandonadas e substituídas por leis adaptadas do ocidente. Ele também critica os advogados dos países em desenvolvimento que, apesar de fazerem ressalvas ao sistema de lei vigente, terminam por se opor às mudanças no mesmo. A imposição de leis que violam os acordos utilizados tradicionalmente pelos informais faz com que muitas das tentativas de incorporá-los ao mundo da legalidade não tenham sido bem sucedidas. DE SOTO (2001, p.39) explica por que é tão difícil sair da informalidade e ingressar no mundo da legalidade:
Uma vez fora do sistema, esses recém-chegados tornam-se “extralegais”. Só lhes resta a alternativa de viver e trabalhar fora da lei oficial, utilizando seus próprios acordos informais de compromisso na proteção e mobilização de seus ativos. Esses acordos são o resultado de uma combinação de regras seletivamente emprestadas do sistema legal oficial, improvisações e costumes trazidos ad hoc de seus locais de origem ou localmente elaborados. São mantidos por um contrato social apoiado pela comunidade como um todo e reforçado por autoridades escolhidas pela comunidade. Esses contratos sociais extralegais criaram um setor vibrante, mas subcapitalizado: o centro do mundo dos pobres.
Atualmente os informais falsificam mercadorias de quase todas as grifes famosas, além de produtos de informática e audiovisual como CDs e DVDs. Uma adequação à lei exigiria o fim de tais atividades, pois as patentes e os direitos de propriedade intelectual têm de ser respeitados.
O desrespeito às leis prossegue em relação ao principal ativo analisado por De Soto neste segundo, como no caso da cidade de Cairo, onde “os moradores dos antigos projetos públicos de habitação de quatro andares constroem três andares ilegais no alto de seus prédios e vendem os apartamentos a parentes e outros clientes” (DE SOTO, 2001, p.44). Como ele ressalta, é comum observar que nestes países, quando ocorrem catástrofes naturais, como terremotos e inundações, o número de vítimas é muito mais elevado do que nos países onde as leis de construção de imóveis são respeitadas . Além de desafiarem as leis estabelecidas pelos códigos jurídicos, normas de engenharia também são completamente desrespeitadas durante a construção desses imóveis, e De Soto não fornece uma explicação da forma adequada para legalizá-los quando na realidade estes deveriam ser demolidos.
Ao analisar a obra de Adam Smith, DE SOTO (2001, p.55) tenta apresentar um conceito mais abrangente para a palavra capital: “O que apreendo dele [Adam Smith], no entanto, é que o capital não é o estoque acumulado de ativos, mas o potencial (itálico do autor) que estes tem de desdobrarem-se em nova produção”. A inclusão dos informais no mundo da legalidade retiraria a energia potencial contida nos ativos de propriedade destes, graças ao processo de conversão, que transformaria o capital morto em capital vivo. Mais do que um ativo fixo que possa servir para a realização de determinada tarefa, o capital é algo abstrato, que necessita “receber uma dada forma física para ser útil” (DE SOTO, 2001, p.55).
De Soto utiliza muitas metáforas em suas duas obras para tornar mais acessíveis suas idéias para os leitores. Para mostrar como funciona a energia potencial dos ativos, De Soto utiliza o exemplo de um lago no alto de uma montanha. A primeira idéia que as pessoas poderiam ter seria utilizar o lago para pesca, canoagem e outras atividades de lazer. Um engenheiro iria mais além, tentando agregar um novo valor, através da geração de energia por meio da construção de uma central hidrelétrica. A visão humana permite criar, nas palavras de DE SOTO (2001, p.58), uma “mais-valia” graças à produção de energia elétrica. Da mesma fora como o lago precisa da central hidrelétrica para gerar energia que possa ser utilizada pelas pessoas, os ativos necessitam de um sistema formal para que uma maior quantidade de mais-valia possa ser criada.
Desta maneira, nos países desenvolvidos a propriedade legalmente registrada cumpre outras funções que não apenas o seu valor de uso, garantindo os interesses de outras pessoas e promovendo a responsabilidade. Como aponta DE SOTO (2001, p.64):
No Ocidente, por exemplo, boa parte da propriedade formal pode ser utilizada com facilidade como garantia de empréstimos; como ação ordinária negociada em investimentos; como endereço de cobrança de dívidas, impostos e taxas; como localização que identifica os indivíduos para motivos comerciais, judiciais ou cívicos; como terminal responsável para recebimento de serviços públicos tais como energia, água, esgoto, telefone ou TV. Enquanto as casas nos países desenvolvidos funcionam como abrigos ou locais de trabalho, suas representações estão levando uma vida paralela, cumprindo uma variedade de funções adicionais para assegurar o interesse de terceiros.
Os outrora informais, agora agindo dentro da lei, poderiam expandir a legitimidade dos seus direitos de propriedade para além das regiões onde vivem, conforme relata DE SOTO (2001, p.69): “As pessoas não mais tinham de depender das relações de vizinhança ou fazer acordos locais para proteger seus direitos a ativos”. Com isso, após a regularização dos ativos, o contexto politizado das comunidades locais seria substituído pelo contexto impessoal da lei.
Ao comparar o Ocidente com os países em desenvolvimento e os antigos países comunistas, DE SOTO (2001, p.69) enfatiza os efeitos da unificação das regras informais, que sempre foram utilizadas pelos informais, em uma lei codificada, que se pretende que seja seguida por toda a população:
A opção do anonimato praticamente desapareceu no Ocidente, ao passo que a responsabilidade individual foi bastante reforçada. Pessoas que não pagam por serviços e bens que consumiram podem ser identificadas, cobradas com juros, multadas e ter suas taxas de crédito aumentadas. As autoridades são capazes de descobrir as infrações legais e contratos desonestos; podem suspender serviços, reter a propriedade e retirar alguns ou todos os privilégios de propriedade legal.
A propriedade formal funciona como um estímulo para que as pessoas respeitem títulos, honrem contratos e respeitem as leis. Além disso, a propriedade formal não protege apenas a posse, mas também a segurança das transações. A dificuldade em comprovar a posse legal de um ativo dificulta a realização de contratos fora dos círculos familiares ou de amizades nos países em desenvolvimento. DE SOTO (2001, p.70) reitera que: “Grande parte do valor potencial da propriedade legal é derivada da possibilidade de confisco dos direitos”. A formalização facilitaria a punição para aquelas agentes que insistissem em quebrar regras e desrespeitar contratos, tornando as transações mais ágeis e seguras.