Tesis doctorales de Economía


O SETOR IMOBILIÁRIO INFORMAL E OS DIREITOS DE PROPRIEDADE: O QUE OS IMÓVEIS REGULARIZADOS PODEM FAZER PELAS PESSOAS DE BAIXA RENDA DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO

Krongnon Wailamer de Souza Regueira


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4.3 O IMÓVEL COMO COLATERAL

Os países em desenvolvimento encontram dificuldades para alcançar maiores taxas de crescimento e, com isso, reduzir o fosso que os separa das nações mais prósperas. São apontadas as mais diversas causas para esta escassez de crescimento: baixo estoque de capital físico, mão-de-obra pouco qualificada, tecnologia defasada tanto na agricultura como na indústria, corrupção, ineficiência dos gastos públicos, deficiências na infra-estrutura, conflitos tribais ou religiosos, problemas climáticos, entre outros. DE SOTO (1987, 2001), não nega a importância da influência destes fatores no atraso econômico dos países em desenvolvimento, porém aponta que o problema dos mais pobres não é apenas a dificuldade em conseguir empregos de melhor remuneração na economia formal. A falta de qualificação profissional dificulta a colocação no mercado de trabalho, sobretudo naquelas funções que exigem maior nível de escolaridade e determinadas aptidões que dependem de treinamento específico.

O que De Soto enxergou de diferente em relação ao atraso da economia peruana em sua primeira obra, mas que, como ele relata, valia para os outros países da América Latina assim como nações subdesenvolvidas de outros continentes? De Soto não nega que os fatores citados anteriormente se constituem em um entrave para o progresso econômico, porém atribui à escassez dos direitos de propriedade a causa primordial da persistência do subdesenvolvimento. Para DE SOTO (1987, 2001), os pobres possuem ativos, porém seus ativos mais valiosos, ou seja, suas moradias, não são registrados, o que dificulta a obtenção de financiamento, uma vez que estes não podem ser oferecidos como colaterais. Isso não significa que os pobres não possuam outros ativos, contudo o ativo que apresenta melhores condições de ser usado como colateral seriam os imóveis.

De acordo com NERI e GIOVANNI (2005, p.645): “Instrumentos de crédito não criam oportunidades, mas permitem que as boas oportunidades existentes na economia sejam aproveitadas. Uma sociedade sem crédito é uma sociedade de oportunidades limitadas, onde projetos lucrativos não saem do papel”. Em outras palavras, as oportunidades de bons negócios não surgirão porque direitos de propriedade foram estabelecidos e as pessoas passaram a dispor de seus imóveis como fonte de financiamento. Entretanto, uma vez que o acesso ao crédito seja facilitado, as pessoas poderão empreender novos negócios e aproveitar as boas oportunidades que surjam.

Se o mercado de crédito funcionasse de forma perfeita, a riqueza em imóveis não seria relevante para a decisão de investimento. Por outro lado, na inexistência de um mercado de crédito, a impossibilidade de utilizar o imóvel como colateral faz com que, também nesta situação, tal forma de riqueza seja de reduzida importância, desempenhando apenas o papel de local de moradia. Em casos intermediários, a relação entre a importância da riqueza em imóveis e o grau de perfeição no mercado de crédito apresenta o comportamento de um U invertido. Isto acontece porque na hipótese de o mercado ser muito imperfeito, os termos do contrato tornar-se-ão inacessíveis. Desta forma, ainda que o demandante do crédito possa oferecer o imóvel como colateral, os custos para obter o empréstimo serão muito altos. Em contrapartida, se o mercado de crédito se aproximar da perfeição, a importância do imóvel como colateral sofre considerável redução (FERMAN, 2003).

A propriedade do imóvel pode possibilitar uma elevação da renda das pessoas mais pobres, conforme afirma ANDRADE (2006, p.26):

[...] os direitos de propriedade são também determinantes importantes da renda pessoal; ou seja, quanto bem atribuídos, definidos e garantidos estiverem os direitos de propriedade dos imóveis nas comunidades de baixa renda, maiores serão o valor desses respectivos imóveis e a renda dos proprietários.

Como sugere BALBINOTTO (2004), apesar de a garantia imobiliária ser uma forma de minimizar consideravelmente os riscos de não pagamento de um financiamento, na prática não existe tal modalidade de crédito no Brasil. O cinema norte-americano retrata o sofrimento de famílias que perderam seus imóveis por não conseguir honrar com o pagamento da hipoteca. Nos Estados Unidos este fato ocorre regularmente quando as famílias conseguem empréstimos fornecendo suas residências como colateral.

Para RAJAN e ZINAGALEL (2004), a exigência de garantias afasta pessoas com intenções desonestas, que só queiram obter os recursos e escapar, pois agindo assim perderão os ativos que foram dados como colateral. Sendo assim, apenas aqueles candidatos de boa fé, dispostos a devolver o valor financiado, buscarão tais recursos utilizando seus bens imóveis como colateral.

Conforme SANTOS (2007, p.5), existe uma correlação inversa entre a exigência de garantias e o conjunto de informações disponíveis sobre o futuro credor e o projeto que o mesmo deseja empreender:

“A exigência de colateral e a disponibilidade de informação sobre o futuro credor e o projeto a ser financiado estão em uma correlação inversa. Quanto mais e melhores informações, melhor a avaliação do risco e maior a possibilidade de prevê-lo, menores as exigências de colaterais e vice-versa”.

Segundo VÁSQUEZ (2006), a pobreza em massa somente será eliminada se forem adotadas políticas que incentivem o crescimento econômico. Corroborando com as idéias de De Soto acerca da importância dos direitos de propriedade, VÁSQUEZ (2006, p.24) afirma:

Estender o sistema de proteção aos direitos de propriedade para que inclua a propriedade dos pobres é a reforma social mais importante que os países em desenvolvimento podem atingir. Trata-se de uma reforma que foi quase completamente ignorada em todo o mundo, ainda que afetasse diretamente os pobres e produzisse resultados dramáticos para literalmente bilhões de pessoas.

A própria legislação dificulta a utilização dos imóveis possuídos pelos mais pobres como colaterais para a obtenção de financiamento, como destaca SATTERTHWAITE (2006, p. 39):

[...] uma multiplicidade de leis, normas e regulamentações sobre o uso da terra, empresas, construções e produtos muitas vezes tornam ilegal a maior parte das formas como os pobres urbanos encontram e constroem suas casas e ganham sua renda. Uma lei pode criminalizar os únicos meios através dos quais metade da população de uma cidade ganha a vida ou encontra uma casa.

Os pobres burlam as leis para morar e exercer determinadas atividades, porém se estas mesmas leis forem cumpridas poderiam implicar em um despejo em larga escala e limitações para o trabalho dos vendedores de rua (SATTERTHWAITE, 2006). Os imóveis dos pobres deveriam se adequar à legislação, sendo que esta, por sua vez, deveria tornar-se mais ágil e menos confusa, de forma que tais ativos pudessem ser regularizados e passassem a ter o título de propriedade.

MILES e SCOTT (2005, p.498), ao analisarem os ciclos de crédito e a caução explicam porque os imóveis são boas garantias:

Os imóveis são boas cauções; eles não podem fugir à noite e, por isso, as pessoas que emprestam dinheiro normalmente ficam mais satisfeitas de fazê-los contra o valor de um imóvel do que contra carros, computadores ou a promessa do valor de uma boa idéia na cabeça de alguém. A maior parte do dinheiro que as famílias tomam emprestado é garantida pelo valor do imóvel. E grande parte dos empréstimos tomados pelas firmas é segurada pelo valor de seus imóveis.

O uso de um colateral para lastrear o financiamento de um projeto demonstra a disposição do empreendedor em correr riscos, o que pode ser interpretado como uma tentativa de averiguar a qualidade do projeto. Além da perda do ativo fornecido como colateral em caso de insucesso do projeto a ser financiado, o empreendedor ainda ficará com a reputação prejudicada e provavelmente será excluído de acessar o sistema de crédito futuramente (SANTOS, 2007).

Como mostra KOTOLLI (2007), mais da metade da população de Mumbai, na Índia, reside em favelas, porém o mais chocante é que tal condição as mantêm na pobreza. Ele ressalta que, apesar de viverem em habitações pobres, muitas destas casas possuem ar condicionado, situam-se próximas a hotéis de luxo e escritórios de grandes corporações. Por outro lado, muito raramente todos os membros de uma residência podem se afastar simultaneamente da mesma, tendo que ficar pelo menos uma pessoa para proteger a posse daquela, pois existe o risco de o imóvel vir a ser invadido e ocupado por outra família. Este tipo de procedimento é adotado porque as pessoas, mesmo residindo há anos em seus imóveis, não possuem um título formal de propriedade que lhes garantam os direitos para buscar reivindicações judiciais.

GONZÁLEZ (2003) cita exemplos de situações onde os direitos de propriedade sobre imóveis não estavam bem definidos, o que causou perdas para os compradores. A embaixada espanhola em Moscou tentou comprar um prédio bonito e espaçoso para organizar o Instituto Cervantes, porém não encontrou alguém que pudesse comprovar a propriedade do ativo e, com isso, finalizar a operação. Por ultimo, um prédio foi comprado em Moçambique para que fosse construída a embaixada dos Estados Unidos, contudo, passados seis meses, provou-se que o vendedor inicial não era o verdadeiro proprietário, e desta forma a embaixada norte-americana teve que procurar outra sede. Esses exemplos confirmam como é arriscado e custoso negociar imóveis em países subdesenvolvidos. Como afirma GONZÁLEZ (2003, p.13):

Se a situação de uma propriedade é informal, está-se dilapidando a riqueza do país, uma vez que a propriedade nessas condições não pode ser utilizada como garantia para atrair investimentos nem para obter crédito. O custo é enorme. No limite, a propriedade informal não é propriedade.

Conforme destaca PAIVA (2003, p.80), o Brasil atravessa uma grande crise econômica que reflete nos direitos de propriedade, haja vista o elevado número de imóveis fora do registro, o que prejudica o mercado e os negócios: “Estima-se que entre 45% dos imóveis brasileiros estejam em situação irregular – domínio, posse, título, clandestinidade, etc. –, diferentemente da Espanha, onde não chega a 5% o número de imóveis irregulares, concentrados na área rural”. MOREIRA (2003, p.89) aborda fatores relacionados ao bem-estar dos moradores:

A regularização visa também oferecer condições de habitabilidade em lugares como favelas e cortiços, porque loteamentos clandestinos são feitos sem a mínima infra-estrutura e depois o poder público é instado a suprir essa deficiência. Além disso, a regularização serve para dar ao morador segurança dominial.

Como afirma CONSTANCE (2007, p.1), as pessoas que moram em bairros mais pobres dos países em desenvolvimento, em geral, não possuem títulos de propriedade e, por conseguinte, não têm acesso à infra-estrutura mínima adequada:

Você gasta muito mais comprando água de caminhões-tanque ou vendedores ambulantes do que gastaria se tivesse uma conexão doméstica (em algumas cidades da América Central, até 30 vezes mais por litro). Você falta ao trabalho com mais freqüência devido a doenças evitáveis causadas por saneamento deficiente. Perde mais horas em deslocamentos por causa de transportes públicos inadequados.

De modo geral, os assentamentos informais carecem de infra-estrutura, haja vista os poucos recursos governamentais para investimento. Ademais, se o governo considera o assentamento como sendo informal, não parece coerente investir somas vultosas para resolver as carências da população.

Além dos problemas citados, este mesmo autor relata que as pessoas têm que recorrer aos agiotas nos países pobres pelo fato de não poderem comprovar legalmente a posse de seus ativos imobiliários. Agiotas geralmente cobram taxas muito acima daquelas praticadas pelo mercado financeiro, o que inviabiliza a realização de uma série de empreendimentos. Em casos emergenciais o agiota pode ser a única saída. Esses custos extras enfrentados pelos mais pobres são denominados “multa da pobreza” (CONSTANCE, 2007).

O que faz uma garantia real ser boa? BALBINOTTO (2006) responde a essa pergunta enfatizando atributos como o valor do ativo em relação ao tamanho da dívida, uma baixa taxa de depreciação física e tecnológica, bons registros de propriedade, possibilidade de rápida retomada em caso de não quitação da dívida e um mercado secundário no qual haja liquidez. Nesta última característica, como será discutido adiante, existe um dos pontos fracos da teoria proposta por De Soto.

A literatura sobre o tema demonstra que possuir direitos de propriedade traz diversos benefícios que não podem ser medidos somente em termos de maior acesso ao crédito.Tal qual a liberdade, ter mais direitos de propriedade é sempre melhor do que tê-los em menor quantidade. No caso dos pobres dos países em desenvolvimento, onde os direitos de propriedade sobre os imóveis praticamente inexistem, algumas medidas que facilitem o registro e a regularização destes ativos seriam extremamente benéficas para seus detentores. Da mesma forma que a liberdade, os direitos de propriedade também não podem ser ilimitados, devendo ficar explicitado que uso pode ser feito de um ativo imobiliário para acessar o mercado de crédito.


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