Krongnon Wailamer de Souza Regueira
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DE SOTO (1987) afirma que muitos autores atribuem o atraso econômico dos países latino-americanos às suas características constitutivas, como a defasagem cultural ou a dependência econômica em relação às potências industriais. Com isso, de nada adiantaria a adoção de medidas que visassem o desenvolvimento dos países, pois a população, por suas características particulares, não estaria preparada para adaptar-se a essas medidas. Em seu livro De Soto contesta essa assertiva ao afirmar que não existem diferenças entre os povos latino-americanos e os de países ricos no que diz respeito à disposição para trabalhar e ao espírito empreendedor.
Essa afirmação de De Soto remete à idéia, discutida posteriormente no seu livro, do Homo economicus racional e maximizador. DE SOTO (1987) toma como modelo um vendedor ambulante que realiza cálculos, possui perfeita informação e, após diversas simulações, decide instalar o seu ponto de venda e definir que produtos irá comercializar. Após todas essas operações este vendedor consegue maximizar os seus lucros:
A primeira atitude do ambulante que invade a via pública é avaliar o local. Para isso tem de estimar o número de fregueses potenciais que o favoreceriam ali diariamente, com o objetivo de determinar a oportunidade de explorar economicamente a localização. Dessa maneira a avaliação do ambulante reflete as preferências dos clientes quanto a comprar mais neste ou naquele lugar. Isso lhe permite estimar, ademais, em quanto o rendimento esperado superará o salário que tenha atribuído a si ou a seu ajudante, ou a utilidade que tenha acordado com seu sócio. Assim, os rendimentos resultantes refletem o preço que os fregueses estão dispostos a pagar para adquirir mercadorias naquela localização que o ambulante está estudando. (DE SOTO: 1987, p. 106)
Todo o raciocínio de De Soto é feito em cima da maximização dos lucros das atividades informais. Em um trabalho que realça a importância das instituições, o pressuposto da racionalidade limitada seria mais bem adequado. Este é um ponto que marca a diferença entre as obras de North e De Soto. Enquanto North abre mão do princípio da rational choice, preferindo introduzir a noção de incerteza, De Soto prefere fazer a sua abordagem fundamentando-se na teoria neoclássica, apesar de não fazer esta afirmação explicitamente.
Corroborando com as idéias de De Soto, SCHAEFER (2004, p.36) argumenta que:
[…] the poor are enormously accomplished entrepreneurs, and living on the edge, they have a keen sense of profit and loss. Given access to capital (their savings), they will tend to make investments in things they know and markets in which they can function. Most likely, these investments will be in their own homes and businesses.
O processo de tomada de decisão por parte dos agentes econômicos é ponto controverso entre os economistas. Se todos os agentes são racionais e conhecem perfeitamente todas as variáveis econômicas, esperar-se-ia que não houvesse dúvidas quanto aos resultados esperados, pois o processo de decisão seria único e facilmente previsível. De acordo com FURUBOTN e RICHTER (2000, p.2), um dos pontos nos quais a Nova Economia Institucional (NIE) difere dos princípios neoclássicos diz respeito ao individualismo metodológico, abordado por estes autores como:
Methodological individualism emphasizes that people are different and have different and varied tastes, goals, purposes and ideas. Hence, the implication is that “society”, “the state”, “the firm”, “political parties”, and so on are not to be understood as collective entities that behave as though they were individual agents.
Como definir De Soto, um economista não vinculado ao meio acadêmico, mas que escreveu dois livros amplamente lidos por políticos e acadêmicos? Se por um lado é possível definir claramente De Soto como um economista liberal, por outro é possível vislumbrar aspectos de seus trabalhos que levariam a enquadrá-lo na corrente novo institucionalista. A defesa dos direitos de propriedade como fator preponderante para a redução dos custos de transação e a estabilidade institucional criada quando regras bem claras são estabelecidas poderiam defini-lo como um economista mais próximo dos integrantes da Law & Economics.
Para KRUECKEBERG (2004, p.5-6), os argumentos de De Soto guardam muito semelhança com as idéias de Locke: “He [Locke] earned his reputation as the leading philosopher of liberalism by developing, like de Soto, a liberation theory of the individual property, and the state.” Em outra parte, KRUECKEBERG (2004, p.8) traça um paralelo entre as idéias de Locke e De Soto em prol das pessoas mais pobres:
Locke’s enemy is the idleness and waste of the landed gentry of England, whose land was enclosed to keep the commoners out. De Soto’s enemy is the idleness of “dead” assets, the illegal property of those who live and maintain assets outside the formal legal and economic systems of the world. De Soto’s poor are denied the cultivation and productivity of their earned assets; Locke’s poor are denied the cultivation of their natural rights.
Segundo MARCUSE (2004, p.43), os conceitos de Locke sobre a propriedade privada são diferentes em alguns aspectos das idéias desenvolvidas por De Soto:
It is central to Locke that property, that which can “owned”, be limited to that which its owner can use, as in the case of housing for shelter; whereas for the Soto’s concept, it is central that property be seen as an asset, something that can be bought, sold, mortgaged, and exchanged.
WOODRUFF (2001, p.1215-1216) mostra que, apesar da falta de rigor acadêmico, as idéias de Hernando de Soto exerceram um considerável impacto nos estudos da economia do desenvolvimento:
Thorough he has scarcely published an article in an academic journal, De Soto´s work has had a major impact on development economics […] The Mystery of Capital has much in common with The Other Path. It is colorfully written and entertaining. It focuses on an important issue. Its lack of empirical rigor is compensated for by a wealth of ideas.
Contudo, apesar das críticas fortes de diversos estudiosos do problema do subdesenvolvimento, De Soto lança insights importantes sobre alguns fatores que obstaculizam o processo de crescimento econômico dos países mais atrasados ao enfatizar a importância dos direitos de propriedade e da desburocratização dos serviços de registro e regulamentação dos ativos.
Para NORTH (1990), em sua definição mais clássica, instituições são as regras do jogo em uma sociedade. Todavia, em seus dois livros De Soto não destaca o papel importante a ser desempenhado pelos integrantes do jogo, ou seja, aqueles que deverão entender, cumprir e fiscalizar as regras. Em um depoimento, GIANETTI (1997) discute a importância das regras e dos jogadores para o bom funcionamento da economia:
Penso que todo o sistema econômico é, na essência, uma combinação de duas coisas: regras do jogo e qualidade dos jogadores (itálicos do autor). São as duas variáveis básicas, e tudo mais, no final das contas, pode ser reduzido a essas duas categorias. Os países que estabelecerem regras do jogo que promovem a criação de riqueza e que fizeram um esforço consistente de formação do capital humano, de melhoria da qualidade dos jogadores, são os países que prosperam e que lideram a economia mundial. Nenhuma nação com bom estoque de capital e com liberdade de iniciativa dentro da lei é pobre; nenhum povo carente de educação ou liberdade econômica pode escapar da condição de pobreza. (GIANETTI, 1997, p.385)
DE SOTO (1987, 2001) atribui um peso importante às instituições. Para ele, o direito de propriedade por si só de nada adianta se não houver instituições que o garantam. Ao reconhecer a importância de regras claras que garantam a estabilidade das transações, ele não cita autores institucionalistas, apesar de Douglass North ser rapidamente mencionado no seu primeiro livro. No segundo livro, mais elaborado do ponto de vista metodológico, outros autores são citados.
Cria-se alguma confusão com conceitos utilizados por De Soto, pois cada agente informal agindo isoladamente não será bem sucedido caso não haja alguma forma de coordenação dentro do grupo. Será necessário que todos concordem e aceitem algumas regras, especialmente aquelas que não existem nos códigos jurídicos, mas somente no convívio informal. Se cada agente informal agir de forma independente, sem considerar os efeitos gerados por suas ações, no longo prazo esse comportamento pode ser prejudicial a todos. Uma vez definidos os direitos de propriedades e, ainda que não reconhecidos pelo Estado, mas apenas dentro do grupo, os informais devem organizar-se para alcançar seus objetivos.
O lado empreendedor dos informais esbarra em limites, pois além de gerenciar o próprio negócio, estes deverão designar lideranças para defenderem os seus interesses. Para maximizar o bem-estar do grupo, o comportamento de cada um sofrerá restrições.
Como afirma GIANETTI (1997), as regras, sejam no mundo formal ou informal, devem existir em consonância com as punições. Para que isso ocorra, é necessário que exista uma infra-estrutura ética, bem como os agentes devem internalizar e se identificar com as regras, para que a adesão às mesmas seja consistente.
DE SOTO (1987, 2001) explica como os informais mantêm fortes vínculos de amizade e parentesco no meio em que atuam, e com isso, não apenas as transações, mas também as punições adquirem um caráter pessoal.
Hernando de Soto ignora as especificidades da população dos países em desenvolvimento e a relação que esta possui com o cumprimento de certas leis. Observa-se que em países como o Brasil, mesmo leis federais mais simples, como a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança, tem a sua adesão contestada em algumas regiões e, mesmo ensejando punição, não é seguida por todos. Os órgãos responsáveis pela fiscalização terminam por sancionar o hábito do não uso do cinto de segurança que persiste em algumas regiões, relaxando na aplicação da lei. O uso de campanhas informativas juntamente com o rigor da fiscalização, tendem, no longo prazo, a elevar a adesão ao cinto de segurança, apesar de que algumas pessoas mostrar-se-ão reticentes a aderir.
É possível perceber o quanto é difícil impor novas regras aos agentes econômicos, principalmente quando estas buscam modificar costumes arraigados. Em muitos casos as novas regras formais chocam-se diretamente com as regras informais. Se imaginarmos o conjunto de leis e instituições que necessitam de mudanças nos países em desenvolvimento e a resistência realizada pelos grupos que se beneficiam com as regras vigentes, pode-se perceber que o processo está longe do que De Soto imagina. Soma-se a isso as dificuldades para fazer com que os agentes cumpram a legislação e o tempo necessário para que a adesão às novas regras possa ser maciça.
O simples transplante de instituições bem sucedidas em países desenvolvidos para o corpo fragilizado de países que experimentam o atraso econômico há décadas não garantirá os resultados almejados por De Soto. Copiar as leis de outros países, principalmente dos Estados Unidos, não assegura o sucesso da definição dos direitos de propriedade para as pessoas mais pobres. O paciente poderá melhorar, mas não terá a cura total, como tanto espera De Soto.