Krongnon Wailamer de Souza Regueira
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Além de WOODRUFF (2001), que teceu críticas à metodologia adotada por De Soto para estimar o total do capital morto existente em alguns países em desenvolvimento, outros autores se referem de forma muito crítica aos métodos e resultados alcançados por ele. Para MARCUSE (2004), De Soto só pode estimar um valor para os imóveis quando os estes forem regularizados. Enquanto isto não acontece, não existe a possibilidade de contrair empréstimos utilizando tais ativos como garantias, e por isso fica difícil estimar o valor dos mesmos.
GILBERT (2002, p.1-2) considera De Soto como um autor que se apropriou das idéias de outros sem dar o devido crédito “Hernando de Soto seems to have the knack of convincing decision-makers that he has invented something new. The novelty of ‘his’ message is exaggerated by his less than honest habit of failing to cite virtually any of his sources”.
Por outro lado, é inegável a influência de De Soto no Peru, bem como nos Estados Unidos, onde seu trabalho é bastante conhecido e elogiado. Para GILBERT (2002), o sucesso alcançado pela obra de De Soto entre o presidente George Bush e os norte-americanos se deve ao seu discurso em favor de um importante valor para o país: a propriedade.
Uma das críticas feitas ao trabalho de De Soto reside no fato de em muitos em desenvolvimento as terras ou foram compradas ou distribuídas pelos governos para estimular a colonização. Como exemplo, GILBERT (2002) cita o caso da região sul do Brasil. Além disso, o título de propriedade vai perdendo a importância quando os invasores percebem que a possibilidade de serem expulsos do local e terem sua casa destruída é bastante reduzida. Mesmo durante as ditaduras militares na América Latina havia uma certa relutância em desalojar os pobres de suas casas construídas em terrenos invadidos. Era muito mais provável que esses governos fornecessem serviços públicos para esses assentamentos do que os destruíssem (GILBERT, 2002).
SACHS (2005, p.321) também critica esta crença em um único fator para explicar os fracassos na trajetória de desenvolvimento dos países mais pobres, e enumera suas observações a partir do título do segundo livro de De Soto:
The subtitle to The Mystery of Capital claims that the book will explain “Why capitalism triumphs in the West and fails everywhere else.” The problem is that capitalism is not failing everywhere else. Many developing countries are growing rapidly, but others are stuck. Many that are growing especially fast, such as China and Vietnam, have certainly not solved the problem of titles and deeds! Many non-Western countries now at high-income levels, such as Japan, Korea, and Taiwan, followed distinctive pathways of legal development.
Mais adiante, SACHS (2005) afirma que todos os fatores únicos apontados como causa do subdesenvolvimento falharam quando submetidos a testes científicos. Isto ocorre porque as diferentes taxas de crescimento dos países dependem de uma série de fatores, como renda inicial, nível de educação, taxa de fertilidade, clima, política comercial, doenças, proximidade dos mercados. Contudo, existe um fator principal citado por este autor: a qualidade das instituições econômicas: “... the quality of economic institutions, just to name a few of the relevant variables” (SACHS, 2005, p. 322). O maior desafio é compreender quais dessas muitas variáveis impõem obstáculos particulares em circunstâncias específicas.
Existe um viés da propriedade na política e cultura dos Estados Unidos que estabelece uma grande divisão entre a propriedade do imóvel e o arrendamento do mesmo. Esta divisão concede privilégios aos direitos do proprietário de terras em relação aos direitos dos trabalhadores (KRUECKEBERG, 2004).
Ter o imóvel com o objetivo de utilizá-lo como garantia para a aquisição de financiamento pode ser perigoso. Nos Estados Unidos, a taxa de proprietários de imóveis em relação à população o país é de 67%. Aproximadamente 75% de todos os proprietários de imóveis possuem uma hipoteca. Isto seria muito diferente do aluguel? A resposta mais provável é não, pois aqueles que deixam de quitar a hipoteca sofrem penalidades similares àquelas pessoas que deixam de pagar o aluguel. Desta forma, mesmo que este percentual de 75% de pessoas endividadas não possa ser classificado no sentido strictu como sendo de proprietários, isto não significa que estas pessoas sejam oprimidas pelo fato de possuírem uma hipoteca. Estudos demonstram que quanto maior a renda e o nível educacional, maior é a probabilidade de utilizar o imóvel para contrair empréstimos (KRUECKBERG, 2004).
Na visão de MARCUSE (2004, p.42), nada assegura que as pessoas de baixa renda, caso obtenham empréstimos utilizando seus imóveis como garantia, venham a utilizar tais recursos para investir: “... the poor mortgagor who had suddenly acquired $500 is much more likely to spend it on shoes for the children or to fix the roof instead of investing it in financing na enterprise.”
Em consonância com as idéias de Marcuse, ARBACHE (2003, p.37) destaca a importância do crédito informal para outras utilizações que não o investimento em uma atividade empresarial:
Do ponto de vista da demanda, o segmento de baixa renda excluído do sistema financeiro formal tem necessidades financeiras diversas que não se limitam ao crédito produtivo, as quais variam em função da renda, dos eventos do ciclo de vida (morte, casamento, festas), emergências (doenças) e oportunidade (iniciar negócio, ampliar negócio, reforma da casa, educação). Essas necessidades têm sido atendidas por intermédio de mecanismos informais, onde se destacam o crédito de fornecedores, crediário das lojas, fiado, crediário de terceiros, empréstimos de parentes e amigos, empréstimos do patrão, agiotas e caixinhas de empresa.
MARCUSE (2004, p.46-47) ainda critica o fato de pessoas de baixa renda arriscarem suas residências em troca de financiamento:
Without radical changes in our legal system, the ability to pay is going to be a critical component of security of tenure, and for those with low or insecure incomes, that means support from somewhere else. […] Homeownership that leaves shelter at risk, that comes at the sacrifice of other necessities or other possibilities, or that is put forward as the only way of protecting a tenant with an opportunity for decent housing is an illusion.
As pessoas devem ser capazes de conseguir empregos, ainda que na economia informal, que lhes permitam pagar tanto os aluguéis como os financiamentos obtidos por meio da hipoteca da residência. Sem essa condição, tanto o mercado de locação de imóveis como o de financiamento para as pessoas de baixa renda não funcionará de forma eficiente, o que permitiria disponibilizar crédito em maior volume e com taxas mais baixas.
MC KECHNIE (2006) afirma que as reformas propostas por De Soto são um importante passo na direção correta, mas que estas não representam a solução completa para o problema do atraso econômico. Ao dar como exemplo o setor agrícola, ela argumenta que os recursos obtidos são de pequeno valor. Estes recursos são utilizados, de modo geral, com propósito de subsistência da atividade, como a compra de sementes ou o aluguel de um trator, quando na realidade deveriam ser maior em termos de valor para poderem ser usados para adquirir equipamentos que permitissem um aumento na produção e na renda.