Tesis doctorales de Economía


O SETOR IMOBILIÁRIO INFORMAL E OS DIREITOS DE PROPRIEDADE: O QUE OS IMÓVEIS REGULARIZADOS PODEM FAZER PELAS PESSOAS DE BAIXA RENDA DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO

Krongnon Wailamer de Souza Regueira


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3.2.2 A economia informal no Peru

De Soto observou que a maior parte da economia peruana, sobretudo no setor de serviços, funcionava de forma irregular. Parte deste problema surgiu com a migração desenfreada para os grandes centros urbanos. As pessoas que chegavam não encontravam empregos no setor formal da economia, e enfrentavam dificuldades para conseguir uma moradia. Um outro problema grave era a falta de transporte. Sem poder esperar por medidas governamentais que atendessem a essas demandas, os novos moradores foram se organizando e criando mecanismos para amenizá-las, mesmo que para isso tivessem que agir à margem da lei.

A construção de estradas, os salários mais altos na cidade e a maior taxa de fecundidade das mulheres oriundas da zona rural são alguns dos fatores apontados por DE SOTO (1987) como responsáveis pelo rápido crescimento populacional e inchamento das grandes cidades, principalmente Lima. Para barrar o crescimento da população de imigrantes rurais, alguns políticos peruanos tentaram mecanismos diversos, como a proibição de construção de apartamentos mais simples e baratos e estímulo à imigração de habitantes de países da Escandinávia como uma tentativa de “melhoramento da raça”. Havia uma clara rejeição das elites políticas e até um flagrante preconceito contra a vinda desses novos moradores, a maioria de população indígena.

De Soto dá grande importância à migração como fator que desencadeou uma mudança no comportamento da população em relação à lei formal, tanto no Peru como nos Estados Unidos, país que toma sempre como base dos seus exemplos. Nos Estados Unidos, as leis implantadas pela Inglaterra não atendiam as necessidades dos imigrantes que ajudaram a colonizar o país. Desta forma, estas leis eram constantemente desrespeitadas, pois impediam o desenvolvimento de atividades produtivas. Para contornar o problema da inadequação das leis inglesas às necessidades dos colonizadores, surgiram arranjos entre os proprietários de terras de cada região, o que permitia o desenvolvimento sem grandes conflitos.

Segundo DE SOTO (1987), entre 1940 e 1981 a população do Peru passou de 7 milhões para quase 18 milhões de habitantes. Neste ínterim houve uma inversão na proporção entre a população rural e a urbana. Se em 1940 a população rural representava 65% da população total enquanto a população urbana respondia pelos restantes 35%, em 1981 essa relação se inverteu.

O problema da falta de moradia foi resolvido através da invasão de áreas urbanas, onde foram constituídas favelas. Essas habitações ilegais, apesar das conseqüências negativas que criavam, solucionavam parcialmente a questão. As pessoas, mesmo vivendo em condições precárias, podiam trabalhar nas cidades e planejar melhor o futuro, apesar da incerteza quanto à permanência naquela localidade no longo prazo.

Resolvida parcialmente a questão habitacional, as pessoas necessitavam buscar alguma fonte de renda. A maior dificuldade para conseguir um emprego no setor formal estava diretamente relacionada à baixa qualificação da mão-de-obra oriunda das áreas rurais, pessoas que sempre estiveram envolvidas com o setor primário. Ao chegar às cidades esses imigrantes não encontravam colocação no mercado de trabalho formal. Para contornar o problema da falta de emprego, as pessoas se engajavam em atividades informais, que cresciam de maneira avassaladora. O agravamento da crise econômica diminuía as possibilidades desses migrantes conseguirem empregos no setor formal. Por atividade informal entende-se, no contexto deste trabalho, aquelas que estão à margem da legalidade, sem constituírem atividades criminosas. Muitas das atividades ilegais estão ligadas a atos criminosos, como exploração da prostituição, contrabando, tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, entre outros. De Soto não nega a existência dessas atividades, porém o foco do seu trabalho reside naquelas atividades que possam vir a ser legalizadas, o que evidentemente exclui as atividades citadas anteriormente. Alguns dos comerciantes informais vendem mercadorias contrabandeadas, roubadas ou falsificadas, além de não pagarem impostos e desrespeitarem leis trabalhistas e outras regulamentações. Aderindo ao mundo formal, esses comerciantes não poderiam vender mercadorias com aquelas características e teriam que se adequar à lei. Neste trabalho estudar-se-á somente atividades à margem da economia formal, mas que possuam um paralelo com outras que sejam legais, sendo excluídas quaisquer outras que apresentem caráter criminoso.

Como a maior parte das áreas invadidas localizava-se ao redor das cidades mais populosas, havia a necessidade de criação de um sistema de transporte, porém o setor formal não estava interessado ou não possuía o capital necessário para a realização de investimentos necessários para a ampliação da oferta de novas rotas. Tal lacuna só poderia ser preenchida pelos transportadores informais que, de acordo com DE SOTO (1987), representavam por volta de 95% de todo o setor de transportes da capital peruana na década de oitenta.

Como presidente do ILD, Hernando de Soto utilizou os resultados das pesquisas realizadas sobre a economia informal no Peru para escrever o seu primeiro livro. De acordo com DE SOTO (1987), o setor informal respondia por 60% da riqueza peruana na época da pesquisa. Os impactos da expansão da informalidade na economia peruana, a sua origem, consolidação e desdobramentos são analisadas pelo autor, que defende idéias que misturam o liberalismo radical com a nova economia institucional. Tais idéias repercutiram nos meios políticos e acadêmicos, tendo recebido um apoio majoritariamente favorável em ambos os segmentos.

Sendo assim, De Soto organizou seu primeiro livro em torno dos setores em que os informais tinham maior representatividade: habitação, transporte e comércio. Onde o mercado encontrava dificuldades para atender às demandas da sociedade, surgiam atividades paralelas, distantes da legalidade, mas de fundamental importância no processo de geração de emprego e renda. Os serviços eram prestados, mesmo que de forma insatisfatória, empregos eram criados e a renda gerada criava um efeito multiplicador, que por outro lado aumentava a informalidade, fosse através de novos investimentos em atividades ilegais ou da expansão dos negócios existentes.

Destarte, DE SOTO (1987, p.191) define os custos suportados pelos empreendedores para tornarem-se formais e, depois, para permanecerem operando dentro da legalidade: “o conjunto de requisitos a serem satisfeitos pelos cidadãos para obterem o direito de realizar legalmente determinada atividade econômica e, posteriormente, o conjunto de requisitos para conservar essa legalidade”. Estes custos foram denominados de custos de acesso e custos de permanência respectivamente. Tais custos influenciam as decisões dos empresários e, se não forem incorporados, isso significa que estes optaram pelo caminho da informalidade. Conforme DE SOTO (1997, p.191), “as decisões dos peruanos de realizarem suas atividades informalmente respondem em boa parte a uma avaliação racional dos custos da formalidade”.

Para mostrar a ineficiência da burocracia peruana, os pesquisadores do ILD tentaram legalizar uma oficina fictícia de confecção, percorrendo diversas repartições públicas, sem recorrer ao pagamento de subornos, com exceção daquelas situações onde o não pagamento interromperia definitivamente o processo. Em dez ocasiões os funcionários públicos pediram algum pagamento extraordinário, mas em apenas duas situações o pagamento de propina se fez necessário.

A tarefa de legalização desta suposta empresa foi árdua. Os pesquisadores do ILD se dedicaram quase que integralmente ao projeto, e tiveram que aguardar 289 dias para que o processo de regularização chegasse ao final. Foram gastos 1231 dólares, o que na época representava o equivalente a 32 salários mínimos, correspondentes aos gastos incorridos e o custo de oportunidade dos pesquisadores envolvidos na pesquisa. Como afirma DE SOTO (1987), pessoas com poucos recursos dificilmente conseguiriam legalizar um modesto empreendimento fabril devido aos gastos e a lentidão da burocracia, fazendo com que a maior parte das pequenas atividades empresariais já começasse de forma irregular.

A legalização de uma oficina era algo complicado e custoso no Peru dos anos 80, mas não se compara ao custo de obter a regularização de uma moradia. A tentativa de um grupo de famílias de regularizar a ocupação de um terreno baldio consumiu seis anos e onze meses de muitas idas aos ministérios e prefeituras. Adiciona-se a isso o gasto, por pessoa, de um valor aproximado de 2156 dólares, ou seja, por volta de 56 vezes o salário mínimo da época. Ainda que o objetivo fosse apenas obter a autorização para legalmente abrir uma loja de tamanho pequeno ou quiosque, seriam necessários 45 dias de trâmites e um dispêndio de 590,56 dólares, o correspondente a 15 vezes o salário mínimo.

As pesquisas do ILD para este primeiro livro concluíram que apenas em Lima 439.000 pessoas trabalhavam no comércio informal. Na cidade havia 331 mercados, sendo que 274 (83%) foram construídos pelos informais. DE SOTO (1987) concluiu que sem o transporte informal a capital peruana iria parar, pois segundo os dados levantados pelos pesquisadores do ILD, 95% do transporte público de Lima era administrado pelos informais. O transporte urbano sempre foi alvo de disputas políticas e as tarifas sempre foram administradas politicamente, não refletindo os custos da atividade. Desta forma, como ressalta DE SOTO (1987), todas as tentativas que transformaram transportadores informais em formais trouxeram muito mais prejuízos para estes do que benefícios. A formalização implicava em seguir regras, nem sempre claras, que eram modificadas de acordo com as relações entre políticos e sindicatos dos transportadores. Enquanto isso, uma parte dos transportadores continuava atuando à margem da lei, não seguindo nenhuma regulamentação e estabelecendo suas próprias tarifas. Os trabalhadores que aderiram à formalidade enfrentavam custos mais elevados e tinham que aplicar a tarifa determinada pelo órgão público responsável. Por outro lado, os informais operavam com custos mais baixos e não estavam presos às políticas de reajustes estabelecidas pelas autoridades. Todos os custos citados anteriormente se constituem em custos de acesso. Sem estes os empreendedores não conseguem fazer marte do mundo formal.

Com base na pesquisa, De Soto buscou compreender o porquê da dificuldade em formalizar as atividades citadas acima. Tanto formais quanto informais incorrem em gastos consideráveis para operar no mercado. A falta de regras claras, como relata DE SOTO (1987, p.189), causa sérios problemas para o dia-a-dia da sociedade:

Assim, vimos como são produzidas as invasões, o congestionamento do tráfego, como se multiplicam os acidentes de trânsito, como existe uma instabilidade jurídica permanente que desvia uma quantidade enorme de recursos da produção, como o esforço e engenho são usados mais para uma ação política que permita evitar as sanções legais e obter o reconhecimento dos direitos extralegais adquiridos.

Se os custos de acesso permitem a entrada no mundo legal, os custos de permanência se prolongam durante as operações dos empreendimentos uma vez que estes estejam legalizados. Segundo DE SOTO (1987, p.212), os custos de permanência estão relacionados a:

[...] custos diretamente impostos pela legislação - a cobrança de impostos, a realização de trâmites, a obrigação de administrar de uma certa forma o pessoal e o pagamento de tarifas mais altas pelos serviços públicos, entre outros – e também a custos impostos indiretamente pelas instituições legais em seu conjunto – a instabilidade do sistema legal, a insegurança dos direitos de propriedade, a ineficiência do Poder Judiciário para resolver conflitos e cobrar dívidas, entre outros.

Ao não aderir à formalização, o empreendedor escapa de todos esses custos, ganhando uma competitividade artificial. Os custos de permanência uma pequena empresa industrial na formalidade foram estimados em 347,7% de seus rendimentos após os impostos e 11,3% dos seus custos de produção. Conforme DE SOTO (1987, p.212), “se os custos de permanência não existissem, as receitas e as possibilidades de poupança e investimentos seriam mais do que quadruplicadas”.

Os resultados encontrados pelo ILD mostram que 40% do tempo total dos empregados administrativos são destinados a cumprir as exigências impostas pelo Estado. Mais dos que os impostos, o núcleo do problema reside nos custos legais não-tributários. Muitos destes custos de permanência estão relacionados ao uso intensivo do fator trabalho, levando aqueles empresários que possuem capital a utilizá-lo de forma mais intensiva. Por outro lado, os empresários que não dispõem de tanto capital e necessitam utilizar mais intensivamente o fator trabalho, não podendo arcar com os elevados custos de permanência, terminam optando pela informalidade. Em um país onde o trabalho é o fator abundante, o uso intensivo de capital promove uma má alocação de recursos que trazia prejuízos para a sociedade peruana. O segredo do sucesso empresarial no Peru dependia não apenas da realização de um bom trabalho, mas principalmente de uma boa relação com o Estado e seu aparato burocrático (DE SOTO, 1987).

Por último, os empresários optam pela ilegalidade porque esperam obter uma série de benefícios, como não arcar com os supracitados custos de acesso e permanência, contudo, continuar na informalidade implicará em custos extras. Para DE SOTO (1987), um empreendedor age racionalmente, fazendo os cálculos e ponderando os custos e riscos de cada opção. Se os custos, ponderados pelos riscos, de permanecer na informalidade superarem os custos de legalização, um agente racional optará por regularizar sua atividade. De Soto adota o pressuposto de que os agentes são capazes de considerar as diversas variáveis e fazer simulações que lhes permitirá decidir entre ser ou não informal.

Funcionando sem estar regulamentado, o empresário informal passa a depender da ineficiência ou da suscetibilidade dos funcionários do governo responsáveis pela fiscalização à corrupção. Uma fiscalização ineficiente implica em uma menor probabilidade de ser descoberto, o que estimula operar à margem da lei. Por outro lado, ainda que a fiscalização possa sem muitas dificuldades localizar os informais, estes podem negociar propinas para manter o funcionamento do empreendimento, caso os funcionários do governo sejam corrompidos. DE SOTO (1997) mostra que enquanto um empresário formal paga por volta de 1% do seu faturamento em propinas, os informais despendem em torno de 10% a 15% para a mesma finalidade.

A corrupção era uma prática corriqueira no período descrito por DE SOTO (1987) nesta primeira obra, onde 61% das horas-homem trabalhadas no Peru eram informais. É difícil imaginar que tamanho grau de informalidade pudesse passar despercebido aos olhos das autoridades. Soma-se a isso o fato de os funcionários públicos receberem baixos salários, o que aumentava a possibilidade de serem corrompidos. Se alguns preferem, como relata DE SOTO (1987, p.218), comparar a cobrança de propinas com os impostos que deixam de ser pagos, ele pensa de forma diferente, defendendo a idéia de que a propina se assemelha a um seguro, onde o informal troca “a segurança de não ser perseguido por um montante fixo em dinheiro”.

Neste contexto, impregnado por fragilidade política, econômica e social, a incerteza era muito elevada, o que aumentava os riscos dos investimentos. As inversões produtivas estavam aquém das reais necessidades da economia. Os possuidores de capital sentiam-se inseguros em empreender negócios em um ambiente tão tumultuado, optando pelos ganhos de curto prazo proporcionados pelo mercado financeiro. Sem investimentos, as economias dos países mais pobres cresciam pouco, e a saída para os desempregados era o mercado informal, fosse atuando como empresários ou trabalhadores (DE SOTO, 1987).

Como ressalta SCHAEFER (2004), um colaborador de De Soto no ILD, a ausência de títulos de propriedade é um sintoma, e não a causa da pobreza. A informalidade no mercado de trabalho e no setor imobiliário estava intimamente interligada (DE SOTO, 1987). A correlação entre ambas é grande, pois é de se esperar que pessoas de menor renda buscarão moradias de baixo custo, e estas estão mais acessíveis nas favelas e assentamentos irregulares. Em seu segundo livro, De Soto toma como ponto central o setor imobiliário informal, mostrando os possíveis benefícios que as pessoas pobres podem obter a partir de um processo de regularização em massa dos imóveis irregulares.


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