Tesis doctorales de Economía


EVOLUÇÃO E PERSPECTIVAS DO COMÉRCIO INTERNACIONAL DE AÇÚCAR E ÁLCOOL

Eduardo Fernandes Pestana Moreira




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1.1 Perspectivas do Sistema Econômico Global

O sistema de poder mundial passa por um momento de indefinição em função da perda progressiva da hegemonia econômica dos Estados Unidos e da estabilidade que o sistema bipolar da Guerra Fria criava pela definição mais clara de espaços de atuação das duas potências, garantindo ao poder americano a hegemonia política sobre as áreas mais dinâmicas da economia mundial.

Para Wallerstein vivemos o fim do consenso liberal que marcou a economia capitalista mundial nos 200 anos que se seguiram à Revolução Francesa, e que tanto nos países ditos “liberais” quanto nos estados socialistas se baseava na crença no desenvolvimento nacional como corolário do princípio da autodeterminação dos povos. A doutrina wilsoniana, ao estender os princípios liberais dos indivíduos dentro de um país para as Nações-Estado ou para os povos no campo internacional, reproduziu a promessa de acesso do conjunto das nações aos frutos do desenvolvimento pelo esforço individual, escondendo a característica básica da acumulação capitalista, que é a produção da exclusão.

O liberalismo, pensado como categoria histórica, representou a ideologia dominante do sistema mundial. Paradoxalmente, entretanto, a expansão do sistema capitalista mundial produziu um sistema de relações internacionais ainda marcado pela idéia do estado de natureza de Hobbes, em que “... o direito das gentes é o mesmo que a lei da natureza, pois o soberano, na busca da segurança de seu povo deve fazer o mesmo que qualquer homem faria para a segurança e satisfação de seu próprio corpo”. A proteção dos mercados e dos capitais nacionais se manteve como um dos pilares básicos de quase todas as políticas de desenvolvimento ao longo de todo este período, inclusive na Inglaterra do século XIX, onde as políticas comerciais alternaram ciclos de liberalização com ciclos de protecionismo.

A crise do consenso liberal não é conseqüência de um retorno a formas de regulação mais protecionistas, mas da explicitação, a partir dos anos 1990, após o fim do bloco socialista e do fracasso das promessas de desenvolvimento a partir de reformas econômicas liberalizantes, de que “... o processo de acumulação capitalista necessita de um sistema hierárquico no qual o excedente é distribuído de maneira desigual, tanto em termos espaciais como de classe” , e que, portanto, é impossível que todos os países (e segmentos dentro dos países) possam atingir o desenvolvimento.

A construção de cenários possíveis para o complexo sucroalcooleiro do Brasil nas próximas décadas demanda que sejam construídas hipóteses, ainda que gerais, sobre as evoluções possíveis do sistema de regulação internacional e, particularmente, se a hegemonia americana sobre tal sistema pode ser mantida e/ou reconstruída. Por outro lado, o espaço dos Estados Nacionais em um novo sistema, em especial daqueles não hegemônicos, também vai contribuir de forma importante para os caminhos possíveis que aquele setor, e a agroindústria de maneira geral, podem vir a percorrer. Assumindo-se a hipótese de que vivemos em uma crise sistêmica do sistema de regulação internacional desde o fim da Guerra Fria, é necessário perceber qual o sentido das mudanças possíveis, apesar das enormes dificuldades em se vislumbrar um caminho em um momento de transição. “Uma nova hegemonia só pode surgir se a crescente desorganização sistêmica for acompanhada pelo surgimento de um novo complexo de órgãos governamentais e empresariais dotados de maior capacidade organizacional em nível sistêmico do que os do complexo hegemônico anterior.”

M. Hardt e A. Negri entendem que o mercado e produção globais apontam para uma nova ordem em que “... a soberania tomou nova forma, composta de uma série de organismos nacionais e supranacionais unidos por uma lógica ou regra única” , e com os Estados Nacionais, mesmos os mais fortes, possuindo cada vez menos possibilidades de intervenção e controle sobre os fluxos de mercadorias e de capitais. A proposta do conceito de Império para caracterizar esta nova fase do sistema capitalista implica a quebra de um centro territorial de poder, eliminando totalmente as perspectivas de um “desenvolvimento nacional”, uma vez que os Estados Nacionais deixam de ser um espaço relevante na disputa dos atores.

E. Hobsbawn , por outro lado, acredita que o processo de globalização econômica não suprimiu (e nem suprimirá necessariamente) o papel dos Estados-Nação, inclusive porque as organizações internacionais derivam seu poder de sua existência. Se, para o capital, a existência de fronteira e de controles que dificultem o processo de acumulação e de centralização são empecilhos que devem ser derrubados, esta não é necessariamente a prioridade dos governos e dos povos organizados em sociedade que, efetivamente, exercem hoje seu controle sobre os fluxos de capitais e de mercadorias. Um exemplo marcante desta intervenção é sobre a livre movimentação dos fatores de produção, uma vez que hoje a mobilidade da força de trabalho é muito menor do que havia antes de 1914 para as Américas do Norte e do Sul.

S. Sassen também defende que os Estados Nacionais desempenham um papel importante na economia globalizada, inclusive como agente regulador, ainda que em nível e forma diferentes daquele que vigorou antes dos anos 1990. A proliferação de mecanismos privados de auto-regulação (tais como câmaras de arbitragem), bem como de legislação produzida por organismos internacionais (tais como acordos comerciais e sobre direitos de propriedade na OMC), mostram que o sistema econômico global necessita de governança para funcionar. Entretanto, estas mudanças nas formas de regulação do sistema não implicam necessariamente perda da soberania dos Estados Nacionais, mas sim uma mudança na sua forma de operar e no desenho de seus espaços institucionais, bem como nas relações de força entre os vários atores internos. De um lado, a adaptação a instrumentos legais e privados de regulação significa perda de soberania e capacidade de regulação do Estado Nacional ; de outro lado, o espaço nacional, como locus onde o processo de acumulação se realiza e como base a partir da qual partem os fluxos globais, produz novas áreas de autoridade e de ação a estes mesmos Estados.

Para esta autora, este processo de mudança no escopo do poder do Estado Nacional deverá não só manter um papel para as nações na regulação do sistema internacional, mas acentuar ainda mais a assimetria entre elas.

“As the national becomes a more complex site for the global, the specific and deep histories of a country become more, rather than less, significant and hence produce distinctive negotiations with the new endogenous and external global forces. This will then exacerbate the differences between weak and strong states, as well as the differences among various institutional domains inside a given state.”

J.L. Fiori analisa a situação atual e prospectiva do sistema mundial com base na contradição entre o movimento em direção a um poder global e o fortalecimento do poder territorial dos Estados e dos capitais nacionais que, segundo ele, não caminharia para o primeiro cenário, dado que o fim da competição interestatal destruiria o habitat do capital financeiro, que se alimenta desta competição. Desta forma, o sistema mundial não deve caminhar para um “império” mas para uma contestação da hegemonia americana por uma Europa estendida ou pela Ásia a partir da China, o que não significa que os Estados Unidos não continuem ocupando um dos pólos de poder.

O cenário que se desenha para o longo prazo é de uma mudança lenta, mas profunda, do eixo geopolítico do sistema mundial, com dois eixos mais ou menos definidos : de um lado, uma aproximação da União Européia (em especial da Alemanha) com a Rússia, unindo o poder econômico de uma Europa expandida com o poder militar do segundo ; de outro lado, o aprofundamento da complementaridade econômica entre as economias americana e asiática, hoje o principal pólo de dinamismo do sistema capitalista mundial, mas em permanente competição político-militar com a China.

Um aspecto interessante nas perspectivas de rearranjos no sistema de poder mundial é que a disputa pelo controle do fornecimento de matérias-primas, especialmente petróleo e gás, aparece novamente como uma das variáveis importantes nas estratégias dos atores, principalmente pelo crescimento explosivo da demanda asiática (da China e em menor grau da Índia), gerando um aumento na competição entre os velhos e os novos consumidores destes produtos pelas fontes de fornecimento disponíveis. Trata-se de uma mudança geoeconômica profunda no capitalismo mundial, que pressupõe não só um aumento na produção de energia, mas também uma redistribuição das fontes de produção.

Os cenários que se apresentam para as próximas décadas incorporam uma grande dose de instabilidade, embora acreditemos que o sistema capitalista deva manter seu dinamismo, incorporando novas áreas e aumentando simultaneamente as disputas por mercados e pela liderança político-militar. Dentro deste processo, os Estados Nacionais mantêm um papel relevante na construção das instituições que garantem o funcionamento dos mercados e demais condições para que o capital financeiro e produtivo possa continuar a se reproduzir, o que pressupõe inclusive um certo grau de estabilidade política e social dentro dos espaços em que atua. H. J. Chang aponta, a nosso ver de forma precisa, que

“... the market is a fundamentally political construction. A market cannot be defined except with the reference to the specific rights/obligations structure that underpins it. And since these rights and obligations are determined through a political process, and not by any scientific or natural law as neoclassical (and other neoliberal) commentators want us to believe, all markets have a fundamentally political origin.”

Esta construção não é produto de uma “instituição universal de coordenação” mas de acordos e disputas entre vários atores, dentre os quais os Estados Nacionais jogam papel relevante (ainda que não o único) quando da configuração do espaço global de acumulação.

Os mercados internacionais relevantes para o nosso trabalho, o de produtos agroindustriais e o de combustíveis líquidos, se comportam segundo as premissas apresentadas acima : forte regulação de seu funcionamento por instituições privadas (bolsas de mercadorias, acordos de fornecimento etc.), por acordos e instituições internacionais e, principalmente, por legislação e órgãos dos vários Estados Nacionais (sejam eles dominantes ou não) .

O mercado internacional de produtos agrícolas, como veremos mais detidamente no capítulo 2, está subordinado a um complexo conjunto de regulamentações nacionais e regionais fruto de arranjos políticos internos às nações que quase sempre cerceiam a livre circulação de bens (mediante mecanismos tarifários e extratarifários) e de capitais (principalmente pelas restrições à propriedade fundiária). Durante o triênio 2000-02, os países da OCDE despenderam US$ 228 bilhões em suporte a suas produções agrícolas nacionais (2/3 mediante proteção tarifária e 1/3 mediante subsídios diretos aos produtores), o que representou quase a metade do total produzido pelo setor nestas economias. Este nível de proteção é função de um complexo conjunto de acordos políticos nacionais e regionais, envolvendo sindicatos, associações de produtores rurais, associações de consumidores, empresas industriais e comerciais, partidos políticos e outros atores, criando uma teia de relações e de instituições que se contrapõe a uma (pretensa) mobilidade de bens e capitais que estaria mais de acordo com as estratégias do capital financeiro internacional.

O mercado de energia, por tratar com reservas de recursos mais localizadas espacialmente, produz relações ainda mais complexas e disputas político-militares agudas. E. T. Torres Fº desenvolve uma tipologia para o mercado de petróleo desde o fim da Segunda Guerra, na qual, em cada fase (1945-73, 1973-85, 1985-2002), ficam definidos os papéis que empresas, instituições de suporte ao funcionamento do mercado, os países da OPEP (e a Arábia Saudita em particular) e a Inglaterra e os Estados Unidos desempenham para garantir a oferta e o nível de preços, dentro do que é definido pela potência hegemônica como “normalidade de mercado”. Rupturas em um sistema de ordenamento engendram um novo arranjo em que são redefinidos os papéis de cada ator.

O sistema de formação de preços com uma banda de flutuação administrada pela OPEP sob o comando saudita, que vigorou na última fase, deixou de funcionar a partir de 2004 quando os preços do petróleo começam a subir expressivamente. Embora a principal causa deste aumento tenha sido a diminuta capacidade ociosa de produção diante do crescimento da demanda asiática, a persistente contestação ao papel dos Estados Unidos na segurança do Golfo Pérsico também contribuiu para a instabilidade do mercado, visto que este é um papel atribuído exclusivamente a este país desde meados da década de 1980 no sistema de ordenamento do mercado de petróleo.

O mercado de álcool combustível, que hoje ainda se encontra nas franjas do mercado petrolífero, enfrenta (e enfrentará ainda mais no futuro) uma dupla regulação : de um lado, como combustível complementar ou substituto de derivados do petróleo, vai colocar-se no centro de um mercado estratégico, em que a disputa político-militar é quase que o cotidiano da concorrência econômica ; de outro lado, como produto agroindustrial, vai enfrentar toda um rede de arranjos políticos (diferenciada em cada país ou região) que se consubstancia em políticas protecionistas de vários espectros.


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