EVOLUÇÃO E PERSPECTIVAS DO COMÉRCIO INTERNACIONAL DE AÇÚCAR E ÁLCOOL
Eduardo Fernandes Pestana Moreira
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Produzido em bebidas desde os primórdios da civilização, seja a partir do açúcar de frutas, seja do amido de cereais, o álcool ou etanol é produzido, hoje, em praticamente todo o globo, já que não exige tecnologia inacessível e pode ser derivado de uma grande variedade de matérias primas. Sua produção e consumo como bem intermediário iniciou-se na indústria farmacêutica e de cosméticos, passando em seguida a ser usado em larga escala como solvente na indústria química, entre outros usos. O etanol chamado de sintético é produzido a partir do petróleo, do gás natural ou do carvão, e sua composição é quimicamente idêntica à do etanol de origem agrícola, obtido pela fermentação da sacarose extraída diretamente (caso da cana e da beterraba) de culturas agrícolas ou obtida indiretamente de outras matérias primas (caso do milho, da mandioca, da celulose e de outras frutas e grãos). Em 2003, menos de 5% da produção mundial de etanol era sintético, enquanto que o restante era derivado de matérias primas agrícolas .
A produção mundial de etanol para uso combustível teve dois eventos marcantes, ambos no continente americano. A partir de 1975, o Brasil iniciou um programa em larga escala para produção de álcool anidro para misturar à gasolina, ampliando o programa em 1979 com a produção de álcool hidratado, fazendo com que, já na década de 1980, o uso do produto como combustível superasse todos seus demais usos. Como já vimos no capítulo 2, a superprodução de açúcar aliada a problemas no balanço de pagamentos em razão dos aumentos no preço do petróleo foram as razões que desencadearam esta produção. O outro evento foi, na esteira do Clean Air Act de 1990, a criação de um mercado cativo para substâncias oxigenadas no mercado dos USA, já que este dispositivo legal determinou o fim da adição de chumbo à gasolina automotiva. A mistura de álcool à gasolina, uma das alternativas para o fim do chumbo, começou a impulsionar a produção americana que, diferentemente da brasileira, usa o milho como matéria-prima básica. Entretanto, este consumo não cresceu no mesmo ritmo que o verificado no Brasil, não porque o programa americano fosse menos ambicioso, mas em virtude da preferência por outro oxigenado mais barato, o MTBE derivado do petróleo, que então apresentava o mesmo efeito nas emissões e no desempenho dos veículos. No início deste século, a comprovação de que resíduos do MTBE estavam poluindo os mananciais fez com que vários estados americanos, entre eles a Califórnia, que é o maior consumidor de combustíveis automotivos, banissem este produto, fazendo a demanda de álcool disparar. Incentivos fiscais federais e de alguns estados levaram a produção e o consumo atuais dos USA para níveis superiores aos verificados no Brasil e representando 90% do consumo mundial de álcool combustível. Conforme podemos observar no Gráfico 3.12, a produção americana ultrapassou aquela do Brasil já a partir de 2006, por causa do aumento no consumo interno pela maior difusão do uso da mistura obrigatória e do aumento na produção de automóveis flex-fuel na economia americana.
Os USA tinham, no início do ano de 2006, um parque industrial instalado de 95 destilarias com uma capacidade total de produzir 16,2 bilhões de litros de álcool por ano, quase todo ele utilizando o milho como matéria-prima. Neste mesmo período, encontrava-se em construção (em novas unidades e ampliação das existentes) uma capacidade adicional de 6,9 bilhões de litros (equivalente a 42% de aumento), o que reflete o otimismo dos produtores com o mercado e com a continuidade da política de proteção à produção interna.
Embora o debate atual em torno da ampliação da substituição do petróleo por biocombustíveis, proposto no início do ano de 2007 pela Administração Bush, esteja pautado em expectativas de utilização de fibras celulósicas e de outras matérias primas para a produção de álcool, ainda é o milho a alternativa real que se apresenta para os USA. Desta forma, a evolução tão acelerada da produção interna deverá esbarrar nos preços desta matéria-prima ao longo do horizonte que estamos estudando, o que sugere que devemos ser conservadores nas projeções de aumento do consumo no capítulo 4.
O Brasil possuía em 2005 um parque produtor de 393 unidades voltadas à produção de açúcar e álcool e cerca de 70.000 produtores de cana-de-açúcar . Durante a safra 2005/6 produziu 15,8 bilhões de litros álcool, quase igualmente divididos entre álcool hidratado para consumo direto e álcool anidro para mistura com a gasolina. Assistimos nestes últimos anos a um grande movimento de reorganização do setor, com a entrada de capital estrangeiro na produção, a formação de grupos de comercialização de açúcar e de álcool, fusões e diversificação de produtos. Estes movimentos tornaram o setor mais capacitado para enfrentar a concorrência internacional e para desempenhar um papel relevante no desenho de mercado internacional ampliado para o álcool combustível, caso ele venha a concretizar-se.
O mercado interno brasileiro ainda deve crescer mais rápido que o crescimento médio da economia nos próximos anos, conforme será visto no capítulo 4, pelo crescimento da participação dos veículos flex-fuel na frota total. Entretanto, a possibilidade de um aquecimento sem antecedente na história do mercado internacional do álcool poderá fazer (e deverá fazer, em nossa opinião) que os preços ao consumidor flutuem, podendo, em determinadas fases, deslocar o consumo de álcool para o de gasolina naquele tipo de veículo. Essa não é uma situação necessariamente negativa, visto que a tecnologia atual dos motores não permite mais uma crise como a de inícios dos anos 1980, quando muitos consumidores ficaram sem opção de abastecimento para seus veículos. Nas previsões futuras de consumo, levamos esse fator em consideração, não imaginando um consumo de álcool superior a 50% do consumo de combustíveis leves (ajustado pelo poder calorífico dos dois combustíveis).
O álcool ainda é produzido por um grande número de países, em geral para outros usos que não combustível, por uma ampla variedade de matérias primas, e pode facilmente ser produzido mesmo por aqueles que ainda não o produzam hoje. Todos os grandes exportadores de açúcar que vimos na seção anterior são candidatos a ampliar agressivamente suas produções no caso da existência de um mercado firme para o produto, seja interno, seja externo. Alguns deles podem inclusive produzir, em um curto espaço de tempo, a um custo de produção competitivo com os atuais preços da gasolina. Essa não é, entretanto, a situação da maior parte dos produtores, inclusive dos americanos, que são hoje o maior produtor mundial.
Pelos dados do Quadro 3.7, o álcool combustível possui um custo de produção acima daquele da gasolina (estimado com base nos preços médios de 2005) nos principais mercados, com exceção do Brasil. Isto significa que sua utilização ainda está condicionada à diferenciação no tratamento fiscal em razão de objetivos de política ambiental, agrícola, de comércio exterior ou de segurança energética.
O movimento dos preços do petróleo nas últimas décadas já levou o preço do barril a um patamar no qual o álcool para fins combustíveis seria competitivo em todos os casos analisados ; isto aconteceu logo após a revolução iraniana, conforme podemos observar no Gráfico 3.13 . Entretanto, a maior parte dos analistas não acredita que o mercado possa voltar a estes patamares no futuro próximo, mantendo a não competitividade do álcool como substituto do petróleo sem mecanismos diretos de suporte. O mercado do petróleo, a despeito de seu caráter estratégico para a economia mundial, possui uma dinâmica de preços semelhante a outras commodities : uma elevação de preços é respondida com medidas de racionalização do consumo, substituição por fontes alternativas e com aumento dos investimentos em pesquisa e produção, uma vez que reservas marginais passam a ter viabilidade econômica e se somam às reservas provadas. De 1970 a 2000, as reservas comerciais de petróleo, segundo a maioria das estimativas, aumentaram entre 10 e 20% (para um total de pouco mais de 2 trilhões de barris) a despeito do aumento no consumo de derivados e de todos os cenários catastrofistas do fim da era do petróleo. Como já apontamos no capítulo 1, as reservas de sand oil e heavy oil do Canadá e da Venezuela, respectivamente, representam um potencial maior que aquelas do Oriente Médio e começam a ser viáveis economicamente com preços médios do petróleo a partir de U$ 50,00.
Desta forma, podemos supor que o álcool combustível, da mesma forma que os demais biocombustíveis, deve manter um papel complementar na matriz energética e de combustíveis líquidos das principais regiões do globo nas próximas décadas, com sua demanda sendo gerada principalmente por razões ambientais e de política de apoio à produção rural. No Brasil, que é o país do mundo que mais avançou em matéria de utilização de biocombustíveis, com mais de 30 anos de uso intensivo, o álcool representou 13,2% do consumo de energia do setor de transporte rodoviário no ano de 2003.
Até poucos anos atrás o comércio internacional de álcool foi dominado por suas aplicações industriais, dado que eram poucos os países que utilizavam este produto como combustível e que os dois maiores consumidores (Brasil e Estados Unidos) produziam para suas necessidades, importando eventualmente para suprir faltas temporárias de oferta interna. Este panorama mudou a partir de 2003, iniciando-se um crescimento expressivo deste mercado ainda que muito longe de seu potencial diante da quantidade de países e regiões que vêm implementando ou discutindo incentivos e/ou normas legais para o uso do álcool na mistura com a gasolina. O quadro abaixo apresenta um resumo destas políticas.
Dentre estes países, apenas a Venezuela e o Japão adotam políticas cuja implementação visa exclusivamente ao uso do etanol, que deverá assim ser importado de outros países produtores. Todos os demais aliam o incentivo ou a obrigatoriedade de utilização do produto a uma política de incentivo e/ou suporte da produção local, seja na fase agrícola, seja na fase industrial. Na União Européia em particular, a produção de biocombustíveis vem cobrir o vácuo deixado pela mudança na política agrícola européia (PAC), significando a mudança do eixo dos subsídios de produtos alimentícios (açúcar em particular), contestados nas atuais negociações internacionais, para culturas energéticas.
Quaisquer que sejam as razões explicitadas ou não para o incentivo à utilização do álcool como combustível - redução nas emissões de CO2, redução estratégica na dependência do petróleo ou garantia de alternativas à produção agrícola interna - a expansão em larga escala do mercado dependerá da assunção de novos subsídios e de barreiras comerciais, algumas transferidas de mecanismos hoje incidentes sobre o açúcar e outros produtos, o que nos faz supor que novas disputas surgirão no futuro sobre este mercado que agora está se formando.