EVOLUÇÃO E PERSPECTIVAS DO COMÉRCIO INTERNACIONAL DE AÇÚCAR E ÁLCOOL
Eduardo Fernandes Pestana Moreira
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O consumo americano de adoçantes calóricos apresentou um crescimento importante durante a década de 1990, de cerca de 1,4% ao ano, voltando a crescer de forma lenta no início deste século, conforme podemos observar no Quadro 3.1. Esta evolução do mercado segue paralela ao maior consumo dos adoçantes como matéria-prima industrial, que, a cada ano, desloca o consumo de açúcar direto por parte das famílias. O consumo per capita de HFCS, que está fortemente vinculado a seu uso na indústria de bebidas não-alcoólicas (72% do total consumido) , apresentou um forte crescimento durante a década de 1990 (3,5% ao ano em comparação com a década anterior, segundo a USDA), passando a ter uma redução no seu consumo apenas nos três últimos anos. Já a indústria de doces e confeitos vem apresentando um crescimento médio de 1,9% ao ano em seu consumo per capita, taxa bem superior ao consumo total dos adoçantes calóricos .
A predominância do consumo de HFCS e de outros adoçantes de milho no mercado americano foi conseqüência não apenas da grande produção do grão pelos agricultores americanos, mas também da política agrícola de suporte à produção de açúcar de cana e de beterraba, por meio de programas federais específicos, de 1934 a 74, e do Food Agricultural Act de 1977, que mantém seus efeitos até hoje. A garantia dos preços mínimos de 18 cents para o açúcar de cana e de 22,9 cents para aquele de beterraba tornou competitivo o HFCS para todos os usos em que a substituição era técnica e comercialmente possível .
Diferentemente de outros produtos agrícolas e agroindustriais, a produção americana de açúcar não recebe diretamente subsídios governamentais. Os dois mecanismos básicos da política americana de proteção à produção interna de açúcar são o “price suport loan program” e a TRQ (Tariff Rate Quota), sendo este último a combinação de proteção tarifária com quotas de importação e de produção.
O primeiro mecanismo se estrutura mediante empréstimos feitos às indústrias para a comercialização do açúcar de cana e de beterraba, tomando-se como base os preços mínimos apresentados acima, e que devem ser repassados aos agricultores, no caso do açúcar de cana . Estes empréstimos possuem um prazo de 9 meses, a partir do início da safra, e são garantidos pela produção futura do açúcar. Conforme D. Markheim em artigo sobre os impactos do CAFTA (Central American Free Trade Agreement),
“O programa é desenhado para ajudar a proteger os produtores de cana e refinadores de açúcar dos USA de perdas operacionais. A taxa dos empréstimos do programa age como um preço mínimo garantido para os processadores de açúcar, com o governo funcionando como um comprador garantido. Se o preço de mercado do açúcar excede o valor do empréstimo na época da venda, o processador vende seu açúcar no mercado e paga ao governo o empréstimo mais os juros. Se o preço de mercado é menor que o valor do empréstimo, os processadores de açúcar podem entregar o produto ao governo como pagamento de seus empréstimos, sem nenhuma penalidade adicional. Como esta entrega não é custosa, os processadores têm todo incentivo para quitar [com produto] seus empréstimos se o preço de mercado estiver abaixo do nível necessário para pagar o principal mais os juros. Desta forma, o preço efetivo do açúcar para a indústria não é menor que o preço mínimo estabelecido no empréstimo.”
Como o objetivo do programa do açúcar não implica em subsídios diretos do governo americano aos produtores, o USDA (United States Department of Agriculture) procura controlar os níveis de estoque para que o preço no mercado interno sempre esteja um pouco acima dos preços mínimos, evitando ter de absorver a produção como quitação dos empréstimos. Um sistema de quotas limita a quantidade a ser vendida por cada produtor no ano-safra, garantindo que a oferta esteja de acordo com patamares de preço adequados ao autofinanciamento do programa.
Embora este mecanismo de garantia de preços mínimos não cause grandes distorções no mercado internacional do açúcar, ele tem levado os produtores americanos a elevar sua produção , podendo elevar os custos da intervenção do governo americano e diminuir as importações, conforme podemos observar no Gráfico 3.2 .
O segundo mecanismo de proteção, a TRQ, complementa o controle da oferta interna de açúcar bruto e refinado, limitando o volume importado pelos USA. O USDA determina a cada ano-safra a quantidade de açúcar que poderá ser importado (na sua maior parte açúcar bruto), em função de suas estimativas de produção interna e de consumo, e distribui estes volumes entre 40 países de acordo com sua média de fornecimento no período 1975-81. De acordo com compromisso assumido pelos USA na Rodada Uruguay do GATT, este volume deverá ser no mínimo de 1.256 mil toneladas, e sobre ele incidem tarifas alfandegárias reduzidas . Sobre as importações excedentes ao mínimo estipulado pelo USDA incidem tarifas proibitivas, e faz com que este volume seja um mecanismo importante de controle da oferta interna e, conseqüentemente, dos preços domésticos . Sob o regime da TRQ são controladas, também, outras formas de comercialização do açúcar (tais como melaço e mel rico invertido), e todos os produtos industrializados que contenham determinada quantidade de açúcar.
O controle sobre as importações inclui os compromissos dos USA com seus parceiros do NAFTA (North America Free Trade Agreement), especialmente o México, cujas exportações de açúcar e derivados para aquele país compõem o limite determinado pelo USDA. As concessões (mínimas) feitas no texto do CAFTA (Central America Free Trade Agreement) também estão contidas nos limites anuais de importação. O controle estrito das importações de açúcar, para garantir a rentabilidade dos produtores internos, não está livre nem mesmo de distorções, já que as quotas de importação de cada país não refletem mais a estrutura de produção e de comércio. O exemplo mais expressivo é o das Filipinas, que continuam a exportar para os USA (vantajoso pelo diferencial de preços entre o mercado doméstico e o internacional), embora não produzam o suficiente para seu próprio abastecimento .
A produção de açúcar de cana nos USA é fortemente concentrada nos estados da Louisiana e da Flórida, representando 87% do total no último qüinqüênio, como pode ser visto no Quadro 3.2. O primeiro é o mais tradicional no plantio de cana e na produção de açúcar, desde o início do século XIX, mas suas unidades são de escala menor que aquelas da Flórida, hoje o principal produtor americano. Embora concentrada nestes dois estados, a indústria de açúcar de cana possui forte atuação em defesa dos mecanismos de intervenção, seja diretamente por intermédio da American Sugar Cane League, seja por intermédio da American Sugar Alliance, a qual representa seus interesses juntamente com os produtores de beterraba e de adoçantes de milho .
A produção de açúcar de beterraba é mais desconcentrada, no que se refere à área agrícola. São cerca de 12 mil produtores espalhados pelas regiões noroeste, ao sul dos grandes lagos e na Califórnia, que processam a matéria-prima em 25 plantas industriais . Da mesma forma que os produtores de cana, eles são representados pela American Sugarbeet Growers Association e, em princípio, possuem maior poder de pressão sobre os policy-makers, já que mobilizam um contingente maior de estados (12 ao todo) e de produtores na defesa de seus interesses, os quais estão manifestados no programa do açúcar.
Embora existam grupos articulados em defesa da liberalização do comércio de açúcar dentro dos USA, principalmente de indústrias consumidoras que pagam por esta matéria-prima preços mais de duas vezes maior que aqueles praticados no mercado internacional, estes interesses não possuem o mesmo poder de pressão do que aquele dos produtores de açúcar. Um levantamento do Center of Responsive Politics sobre as contribuições aos parlamentares do 104º Congresso, que discutiu a “Farm Bill”, mostrou que os 178 parlamentares que votaram a favor do programa do açúcar em 1990 receberam em média US$ 9.538 dos PACs (political action committees) patrocinados pelos interesses dos produtores, enquanto que os 47 parlamentares que votaram contra receberam apenas US$ 653 dos outros grupos de pressão .
Conforme apontado por ALVAREZ em suas conclusões, “... nas atuais condições é quase impossível esperar maiores mudanças no programa do açúcar da United States Farm Bill.” Mesmo nas negociações da Rodada Doha da OMC, a questão do açúcar não figura como principal no que se refere aos USA. A primeira questão em discussão é a eliminação dos subsídios à exportação e de outras práticas distorcivas do comércio internacional, o que não é o caso da política americana do açúcar, uma vez que suas exportações deste produto são insignificantes. Mudanças na política açucareira estariam sobre a rubrica “acesso a mercados”, o que envolve ainda uma longa discussão sobre contrapartidas e está ainda longe de apresentar resultados concretos. A negociação do Tratado de Livre Comércio Austrália-USA sinaliza de forma cristalina as dificuldades da abertura do mercado americano, uma vez que o açúcar figurou entre as exceções, não havendo nem mesmo um aumento da quota de exportação da Austrália dentro da tarifa especial.
No que se refere à produção de adoçantes de milho, as resistências são ainda maiores, dada a importância deste grão na agricultura americana, correspondendo à maior área plantada do país. A produção dos USA corresponde a mais de 40% do total mundial e, embora em sua maior parte esteja concentrada na região do meio-oeste, o cultivo do milho está presente em 41 estados da federação. Os adoçantes de milho representaram nos últimos três anos 30% do total do milho processado, segundo a Corn Refiners Association, o que denota a dimensão que o mercado de adoçantes calóricos possui para estes produtores.
Embora a tarifa específica de proteção ao milho no mercado americano seja de apenas 2,3% , os adoçantes de milho se beneficiam da proteção dada pela política do açúcar, e faz com que estes adoçantes sejam competitivos no mercado interno para todos os usos em que a substituição é possível. Desta forma, os grupos de pressão pela manutenção da proteção ao mercado americano de açúcar possuem um segundo grupo de produtores, maior, mais poderoso, e disseminado por quase todo o território da federação.
As projeções de safra para os próximos 10 anos, feitas pelo USDA, mostram que as autoridades americanas não trabalham com a hipótese de maior acesso a seu mercado interno. As projeções para a produção de açúcar de cana e de beterraba são de 0,7% ao ano, um pouco maior que as importações (0,6% aa), suficientes para dar conta do crescimento vegetativo do consumo. No que se refere ao milho, conforme podemos ver no gráfico 3.3, as perspectivas são ainda menos otimistas, já que são feitas estimativas de processamento industrial (incluída aí a produção de adoçantes), de exportação e de produção de álcool maiores do que a projeção de aumento da produção do grão.