EVOLUÇÃO E PERSPECTIVAS DO COMÉRCIO INTERNACIONAL DE AÇÚCAR E ÁLCOOL
Eduardo Fernandes Pestana Moreira
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A década de 1990 representou o estancamento do processo de crescimento da produção e do comércio líquido da Europa Ocidental e a redução dos dois agregados nos países da Europa Oriental. Conforme podemos observar no Gráfico 3.4 , a produção européia começa a perder participação na produção mundial, tanto pela estagnação do consumo per capita de suas populações quanto pela dificuldade da Europa Ocidental continuar aumentando sua participação no comércio internacional, como vinha acontecendo nas duas décadas anteriores.
Por outro lado, o patamar elevado de exportações do continente europeu, principalmente da sua parte ocidental, continuou deprimindo os preços do mercado internacional. À manutenção das cláusulas do acordo ACP-CEE, que garante uma quota de 1,3 milhões de toneladas sem tarifas àqueles países para exportação ao mercado europeu, foram agregadas novas quotas preferenciais : a) em 2001, foi assinado o acordo “Everything But Arms” entre a UE e os 50 países de menor desenvolvimento econômico, o que representou, no caso específico, uma quota de 75 mil toneladas em 2001, subindo para 197 mil toneladas em 2008, nas mesmas condições já oferecidas para os países da ACP ; b) com a entrada da Finlândia na UE, foi criada uma quota de 85 mil toneladas de açúcar de cana para refino naquele país, 23 mil das quais couberam ao Brasil ; c) durante o processo de pacificação dos Bálcãs, produtos importados da antiga Federação Iugoslava (com exceção da Eslovênia, membro da UE) passaram a ter isenção tarifária sobre suas exportações à UE, gerando em 2002 uma exportação de 300 mil toneladas adicionais. Estes acordos preferenciais somaram-se à política agrícola de forte incentivo à atividade de plantio de beterraba e processamento de açúcar, via altos preços de intervenção, política que manteve a produção em níveis elevados. No ano safra de 2004/5 foram produzidas 2,5 milhões de toneladas (12,5% do total) acima das quotas A e B, que pela PAC deveriam necessariamente ser exportados.
A beterraba açucareira é cultivada em 2,25 milhões de hectares na EU-25 , representando 1,4% do total da área agrícola e 325.000 propriedades, das quais menos de 4% são especializadas nesta produção. Em geral, a beterraba é cultivada em rotação com outras culturas, representando pouco mais de um décimo da área total de cada propriedade. Desta forma, embora esta cultura seja bastante disseminada no continente europeu, são poucas as unidades que dependem exclusivamente deste produto para sua sobrevivência.
Por outro lado, a cultura da beterraba açucareira é bastante rentável para os agricultores europeus, seja em termos de margem bruta, seja em termos de margem sobre insumos por hectare. Sua rentabilidade é 1,7 vezes maior do que a média das culturas européias, incluindo aquelas que recebem subsídios diretos. Esta rentabilidade está calcada nos elevados preços de intervenção da UE, de € 632 por tonelada para o açúcar refinado e de € 524, para o açúcar bruto, representando um patamar de duas a três vezes o preço do mercado internacional. Este é, a nosso ver, o motivo central do atraso na reforma da política açucareira européia em relação ao conjunto da PAC, uma vez que quaisquer mudanças tendem a significar reduções importantes da renda total dos agricultores.
No início de 2005, a UE foi derrotada em painel da OMC sobre o açúcar movido pela Austrália, Brasil e Tailândia, no qual ela se obrigaria a eliminar todos os subsídios à exportação de açúcar, principalmente aqueles que compensavam as importações preferenciais dos países da ACP. Esta derrota acelerou as discussões sobre a reforma do regime açucareiro dentro da UE e, em novembro de 2005, foi fechado um acordo entre os ministros da agricultura, aproximando este setor das reformas da PAC de 2003 e 2004, fixando um novo regime a ser seguido até 2014. Os principais pontos deste acordo são os seguintes :
“Corte de 36% do preço, num período de quatro anos, com início em 2006/2007, para assegurar um equilíbrio sustentável do mercado: 20% no primeiro ano, 27,5% no segundo ano, 35% no terceiro ano e 36% no quarto ano.
Compensação dos agricultores em relação a uma média de 64,2%, com base no corte final de 36% dos preços. Inclusão desta ajuda no pagamento único por exploração e subordinação dos pagamentos ao respeito de normas de gestão ambiental e agrária.
Nos países que desistirem de, pelo menos, metade da sua quota, possibilidade de um pagamento suplementar não-dissociado de 30% da perda de rendimentos por um período máximo de 5 anos, mais a possibilidade de auxílio nacional complementar.
Validade do novo regime, incluindo a prorrogação do regime de quotas de açúcar, até 20014/2015, sem cláusula de revisão.
Fusão das quotas 'A' e 'B' numa quota de produção única.
Abolição progressiva do regime de intervenção, ao longo de um período de quatro anos, e substituição do preço de intervenção por um preço de referência.
Introdução de um regime de armazenagem privada como rede de segurança, para o caso de o preço de mercado cair abaixo do preço de referência.
Regime de reestruturação voluntário, com a duração de quatro anos, destinado às refinarias de açúcar e aos produtores de isoglicose e de xarope de inulina da União Européia; consiste num pagamento que visa encorajar o fecho de refinarias e a renúncia a quotas, bem como fazer face aos efeitos sociais e ambientais do processo de reestruturação. Esse pagamento será de 730 euros por tonelada no primeiro e segundo anos, 625 no terceiro ano e 520 no último ano.
Possibilidade de utilizar parte deste fundo para compensar os produtores de beterraba sacarina afectados pelo encerramento de refinarias. Fundo adicional de diversificação para os Estados-Membros em que a quota é diminuída de um montante mínimo; tanto mais elevado quanto mais importante a renúncia de quota. Ambos os pagamentos serão financiados pela cobrança de uma imposição, durante três anos, aos detentores de quotas.
A beterraba sacarina poderá beneficiar dos pagamentos pela retirada de terras, quando cultivada como cultura não-alimentar, e também será elegível para a ajuda às culturas energéticas de 45 euros por hectare.
Para manter uma certa produção nos países actualmente produtores de açúcar “C”, é prevista uma quantidade adicional de 1,1 milhões de toneladas, contra um pagamento único - correspondente ao montante da ajuda à reestruturação, por tonelada, no primeiro ano.
O açúcar destinado às indústrias química e farmacêutica ou à produção de bioetanol será excluído das quotas de produção.
Aumento da quota de isoglicose em 300.000 toneladas, a favor das empresas produtoras actuais, faseado em três aumentos anuais de 100.000 toneladas.”
Embora os compromissos da União Européia nas negociações de Doha estendam para o ano de 2013 o fim dos subsídios que causam distorções ao comércio internacional, a aplicação da reforma deverá trazer impactos num prazo mais curto, na medida em que os rendimentos da produção de açúcar de beterraba na Europa são bastante diferentes, conforme podemos notar no Quadro 3.3 .
Pelo menos dois grandes produtores, Polônia e Itália, apresentaram na última safra rendimentos bastante inferiores à média da UE-25 (de 9,14 toneladas por hectare, com um desvio-padrão de 2,09 ton.), o que sugere que os cortes nos preços de referência da tonelada de açúcar irão deslocar deste mercado um número importante de produtores. Dificilmente esta produção deverá ser compensada pelo aumento do cultivo de beterraba por aqueles produtores mais eficientes, visto que a rentabilidade desta cultura irá diminuir, além da possível atratividade que o uso de biocombustíveis deverá trazer para a agricultura européia, como veremos mais adiante.
Embora os objetivos da reforma em curso tenham em seus objetivos declarados a orientação de mercado e a competitividade da indústria açucareira européia, os cortes propostos nos preços evidenciam que não devem ser esperados avanços no acesso dos produtores mais eficientes, Brasil entre eles, ao mercado consumidor e industrial europeu. Com os cortes propostos, o preço de referência de uma tonelada de açúcar bruto ficará em € 335 , bem acima da média dos preços do mercado internacional nas últimas décadas . Este patamar de preços só é compatível com um mercado protegido e não competitivo, diferentemente das declarações de intenções. Concretamente, a reforma visa a diminuir o custo da atual produção para o consumidor europeu a custa de um reordenamento da produção e diminuição da participação da Europa no mercado internacional de açúcar, algo que será gradual e não tão explícito, já que o novo regime de quotas acaba com a diferenciação entre o açúcar “A”, para consumo interno, do açúcar “B”, para exportação.