EVOLUÇÃO E PERSPECTIVAS DO COMÉRCIO INTERNACIONAL DE AÇÚCAR E ÁLCOOL
Eduardo Fernandes Pestana Moreira
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A Índia é o maior consumidor mundial de açúcar e de outros adoçantes de cana , e seu consumo per capita está próximo da média mundial. Considerando-se a baixa renda média da população indiana, este consumo é bastante elevado, mostrando a importância da cana-de-açúcar dentro de sua dieta. Cresceu 18% durante a década de 1980 e 10% na década seguinte (FAOSTAT), e as projeções são de que este aumento continue neste nível durante a corrente década, tendo em vista as altas taxas de crescimento que a economia indiana vem apresentando .
A produção de açúcar é fortemente regulamentada na Índia desde 1955 ; essa regulamentação diminuiu em 1998 com a liberalização da instalação de novas unidades industriais. O mercado interno é protegido com tarifas da ordem de 60%, além da existência de estoques reguladores governamentais, subsídios à exportação, limites à circulação do açúcar dentro de território, garantia de preço da matéria-prima para o agricultor, dentre outros mecanismos . Embora a Índia seja hoje uma das nações com forte intervenção nas negociações da Rodada Doha, não se podem prever mudanças radicais nos instrumentos de proteção da produção e do mercado dada a importância que o setor possui em sua economia.
O cultivo de cana-de-açúcar envolve 45 milhões de pessoas, entre agricultores e familiares, e ocupa 3 % da área agricultável. Como existe a fixação de preço mínimo para a matéria-prima, a cana é uma cultura bastante rentável, representando entre 65 e 70 % do custo total do açúcar. Mesmo assim, o custo de produção indiano é mais baixo que a média mundial, ficando atrás apenas dos principais exportadores (Brasil, Austrália e Tailândia) e bem abaixo do custo do açúcar europeu, para cujo mercado a Índia exporta a parcela de sua quota dentro do acordo ACP-Índia. No ano de 2004, havia 461 usinas de açúcar em funcionamento na Índia, além de um grande número de pequenos engenhos produtores de outros adoçantes de cana.
Até o início desta década, a Índia era o maior produtor mundial de açúcar e de adoçantes calóricos, perdendo recentemente esta posição para o Brasil. Como seu consumo também é elevado, em nenhum momento nas últimas décadas suas exportações ou importações representaram mais do que 10% de sua produção. Sua inserção no comércio internacional é fortuita, ora exportando excedentes, ora importando para atender ao mercado interno quando sua produção é insuficiente. A única participação regular é no atendimento de sua quota (pequena) para o mercado europeu. Entretanto, dado o volume da produção indiana, suas intervenções podem atingir volumes expressivos, chegando, às vezes, a impactar os preços do mercado internacional. Só nesta década, a Índia exportou em média 1,3 milhões de toneladas entre 2000 e 2002, passando a importar 1,2 milhões de toneladas nos três anos seguintes para suplementar sua produção que recuou, conforme podemos ver no Gráfico 3.7.
A redução na produção dos últimos anos deveu-se fundamentalmente a fatores climáticos, que reduziram a disponibilidade de cana, não significando redução da área cultivada nem diminuição da capacidade industrial. A expectativa para os próximos dois anos é de regularização da oferta interna, o que eliminaria a necessidade de importação e geraria um pequeno excedente exportável em 2007 . O excedente, entretanto, está associado, hoje, aos preços muito favoráveis do açúcar hoje no mercado internacional, o que tem dificultado o controle dos preços internos e como conseqüência deve arrefecer o crescimento do consumo a curto prazo.
Se olharmos para a perspectiva a longo prazo, com os preços retomando um patamar mais baixo, o consumo interno deve continuar a crescer, pois são muito favoráveis as condições de crescimento da economia indiana. Desta forma, podemos dizer que a Índia dificilmente se tornará um fornecedor importante do mercado internacional, devendo no máximo continuar suprindo suas necessidades internas crescentes. Mesmo assim, a expansão da cultura da cana encontra dificuldades em algumas regiões do país pela insuficiência de água para irrigação , podendo gerar necessidades recorrentes de importações no futuro.
Outro grande consumidor mundial é a China, mais pelo tamanho de sua população e de sua economia do que pela participação do açúcar em sua dieta. Embora o consumo per capita de adoçantes, e de açúcar em particular, venha crescendo a um ritmo duas vezes mais rápido do que a média mundial, ele ainda representa pouco mais de um terço dessa média (9,5 kg/habitante contra 25,5 kg/hab) . Quase todo açúcar é consumido indiretamente em bebidas e alimentos processados, sendo baixo o consumo doméstico do produto ; além disso, a China é um grande consumidor de sacarina e outros adoçantes sintéticos, que, em seu mercado industrial concorre efetivamente com o açúcar. A China é hoje o quarto maior mercado de adoçantes calóricos e o terceiro maior mercado de açúcar, principalmente em função de seu crescimento recente. No período 1990-2002 o consumo de adoçantes calóricos pela população chinesa cresceu a uma taxa de 2,2% ao ano, acima dos 1,8% ao ano de crescimento do consumo mundial, o qual se beneficiou do aumento acelerado na renda da camada urbana e do maior controle governamental sobre o uso da sacarina a partir de 1993.
A produção chinesa alicerça-se fundamentalmente na cana-de-açúcar, cabendo à beterraba açucareira uma pequena parcela de 7% do total produzido em 2005. Nos últimos 15 anos, a área destinada à cana teve um aumento de 45%, enquanto que a área de beterraba caiu quase 60%, essencialmente em razão da concorrência entre os dois tipos de açúcar, uma vez que na China, não obstante a existência de um preço de referência, o mercado influencia bastante o nível de preços. A China produz ainda adoçantes de milho e de outros cereais, mas esta produção possui pouca expressão no mercado. Conforme se percebe no gráfico 3.7, a produção chinesa vem apresentando um crescimento acelerado, em ritmo maior que o crescimento do consumo, tanto pela extensão da área cultivada de cana como pelo aumento no seu rendimento industrial. A queda nos últimos três anos não representa uma tendência a longo prazo, mas é resultado dos efeitos do clima, que beneficiaram o ano de 2002 e prejudicaram os anos seguintes. A melhoria recente nos preços internacionais vem impulsionando ainda mais o cultivo da cana.
O crescimento da produção interna de açúcar tem sido resultado de uma política deliberada de perseguir a auto-suficiência, pela manutenção dos preços no mercado interno em níveis atrativos para os produtores (tanto agrícolas quanto industriais). Os instrumentos básicos desta política são o controle das importações, a manutenção de estoques governamentais para controlar a oferta interna e controle da produção e da utilização de sacarina pela indústria alimentícia.
Este último instrumento possui um efeito poderoso sobre a demanda de açúcar, já que a China é o maior produtor e consumidor deste adoçante artificial, cujo consumo em 2004 representou o equivalente a 2,3 milhões de toneladas de açúcar (cerca de 20% do total consumido neste mesmo ano). A produção chinesa de sacarina correspondeu a três quartos do total mundial neste período, baseada em 14 plantas industriais com capacidade de suprir com folga toda a demanda mundial. As autoridades chinesas iniciaram um processo de fechamento de fábricas para reduzir pela metade esta capacidade, seja em razão da redução das perspectivas de exportação em favor de outros adoçantes artificiais, seja, principalmente, em razão de uma política explícita de fomentar a produção interna de açúcar, garantindo, assim, sua competitividade. Este fechamento se mantém desacelerado em virtude da atual conjuntura de preços elevados do açúcar, o que estimula a demanda pelos adoçantes artificiais, mas parece ser um movimento a longo prazo de controle do mercado geral de adoçantes pelo governo chinês.
O controle das importações por meio de tarifas é outro instrumento importante de incentivo à produção interna de açúcar. A China é uma importadora líquida de açúcar (raros foram os anos em que houve exportações maiores que as importações). Entretanto, os volumes importados não chegam a representar parcela substancial do consumo, que é inclusive um dos objetivos de sua política. Durante a década de 1990, as importações líquidas foram em média de 600 mil toneladas, volume que subiu para 1 milhão de toneladas nos últimos cinco anos, período em que a produção interna recuou como vimos anteriormente.
A China mantém há muito tempo um acordo de fornecimento com Cuba, de 450 mil toneladas/ano, por meio do qual supre a maior parte de suas importações em anos normais. Nos momentos de maior necessidade de importação, recorre ao mercado livre ; é pequena a participação do Brasil mesmo nestes momentos. Quando da admissão da China na OMC, foi estabelecida uma quota de importação de 1,6 milhões de toneladas a uma tarifa de 20% , subindo a tarifa a 76% para volumes acima deste nível. Esta quota foi aumentada para 1,95 milhões de toneladas em 2004, e a tarifa para os volumes excedentes reduzida para 65%. As importações cresceram neste período, embora não tenham superado os limites e tenham sido determinadas principalmente pela queda na produção interna, como vimos acima.
As expectativas futuras de aumento das importações chinesas não devem carregar o tom de otimismo presente nas avaliações de mercado de outras matérias primas e produtos básicos, tais como grãos, minérios e petróleo entre outros. O mercado interno deve continuar a crescer como conseqüência do aumento na renda, ainda que se tenha em conta que a dieta básica chinesa não inclua o açúcar nas quantidades consumidas nos países de renda equivalente. Entretanto, a maior parte deste crescimento não deverá ser absorvido por importações de outros países por vários fatores, entre eles :
a) as autoridades chinesas têm-se colocado como objetivo diminuir as disparidades econômicas entre as áreas urbanas e costeiras a as áreas rurais, o que pressupõe aumentar a produção e manter preços remuneradores para a cana-de-açúcar, o que já vem sendo feito há muitos anos;
b) mesmo com a redução de sua produção, Cuba ainda pode manter folgadamente seu acordo (ou mesmo aumentar suas exportações) com a China que, por outro lado, não deve rompê-lo ;
c) a redução perseguida na produção de sacarina tem como objetivo melhorar as condições de preço para os produtores chineses de açúcar, mais do que melhoria da saúde pública, o que significa que esta sempre será uma alternativa competitiva com o açúcar de outros países;
d) embora ainda pequena, a produção chinesa de adoçantes calóricos a partir de cereais (milho, arroz e outros) tem amplas possibilidades de crescimento, a um custo mais baixo que outros países em virtude do custo da mão-de-obra chinesa, podendo ocupar parte do mercado futuro de açúcar .