EVOLUÇÃO E PERSPECTIVAS DO COMÉRCIO INTERNACIONAL DE AÇÚCAR E ÁLCOOL
Eduardo Fernandes Pestana Moreira
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Este trabalho tem como objetivo fazer previsões sobre o futuro, o que significa que não estaremos formulando uma hipótese a ser testada, nem chegando a uma conclusão assertiva de sua aceitação ou rejeição. Isto não significa que não sejam formuladas hipóteses e pressupostos durante o trabalho que, ao longo da argumentação presente no texto, vão constituir a base para a construção de alguns cenários para as próximas duas décadas, período este que foi escolhido para abarcar as previsões.
O trabalho analisa a evolução do setor produtor de açúcar e álcool no Brasil, setor que se constitui como uma das bases importantes das cadeias produtivas nacionais e que está presente desde os primórdios da colonização. Depois de ficar afastado da mídia desde o fim do Proálcool no início da década de 1990, ele voltou com vigor a aparecer nas discussões sobre o futuro do planeta, seja por um novo ciclo de alta nos preços do petróleo, seja pelas previsões sobre o aquecimento global e estratégias para mitigá-lo. Embora não seja esta a nossa pretensão, fica aqui uma esperança de que algumas idéias colocadas aqui possam ajudar o leitor a pensar sobre o futuro do setor para além de visões idílicas de uma nova geopolítica energética ou de um novo capitalismo ambientalmente sustentável.
O principal objetivo do trabalho é fazer previsões sobre o mercado internacional de açúcar e álcool, particularmente sobre a inserção do Brasil neste mercado, que já é forte, mas que pode vir a ser ainda maior dependendo da evolução da economia mundial e do sistema de poder internacional. Consideramos este último aspecto como o mais relevante, pois o comércio de bens agrícolas possui determinantes que ultrapassam os aspectos de produtividade e de capacidade produtiva e que dizem respeito à capacidade de romper com a postura protecionista dos principais mercados, particularmente os mercados americano e europeu. Esta postura protecionista possui sólidas razões uma vez que é suportada por poderosos setores da área rural dos países desenvolvidos, seja do capital, seja do trabalho, além de representar um delicado jogo político interno da UE com a incorporação recente e ainda em andamento dos países do leste europeu na união. Internamente à sociedade brasileira, muitos conflitos também devem se fazer presentes no período da previsão, seja aqueles relativos a interesses de frações do capital em inevitáveis reciprocidades das negociações internacionais, seja aqueles relativos aos impactos ambientais, fundiários e no mercado de trabalho, conflitos estes que uma expansão na cultura cana-de-açúcar, da forma pela qual opera no Brasil, pode potencializar. Estes aspectos internos poderão aparecer ao longo do texto não como objetivo do trabalho, mas como fruto da bibliografia utilizada, como observações complementares ou como “pistas” para desenvolvimentos futuros. O foco da análise foi o mercado internacional e a produção de açúcar e álcool ao redor do mundo (até onde as fontes utilizadas nos permitiram) para tentar avaliar a possibilidade de o setor sucroalcooleiro brasileiro aumentar sua participação no mercado internacional e crescer internamente.
No aspecto metodológico, o trabalho foi, na sua maior parte, desenvolvido por intermédio da análise de dados secundários de organismos nacionais e internacionais e de documentos e legislações sobre políticas agrícola, energética e comercial de alguns países e de organismos internacionais. Parte das informações foi obtida diretamente dos produtores da informação; parte foi obtida indiretamente por intermédio da bibliografia. Para a construção dos cenários foi utilizado um ferramental desenvolvido por Michel Godet no CNAM – Conservatoire National des Arts e Métiers , que utiliza a multiplicação de matrizes para o tratamento de sistemas com muitas variáveis, principalmente qualitativas, e nos quais o jogo entre atores é um fator importante no desenho dos cenários. A utilização desta metodologia demanda a valoração das variáveis e da força dos atores pelo analista ou por grupo de trabalho o que, neste trabalho, foi feito com base nas informações analisadas nos capítulos 1 a 3 e aproveitando discussões de uma mesa de especialistas, da qual fiz parte, a propósito de um projeto que avaliou impactos da cultura de cana-de-açúcar sobre as florestas nativas .
O primeiro capítulo do trabalho, fundamentado em pesquisa bibliográfica, discorre sobre as perspectivas da economia e do sistema de poder mundiais, etapa que consideramos essencial para construir cenários futuros já que são os arranjos comerciais e políticos os determinantes fundamentais do comércio agrícola internacional, como já dissemos anteriormente. Desta análise destaca-se a conclusão de que a economia americana deverá continuar crescendo mais rápido do que a UE e o Japão, mas não está descartado o aumento na contestação de sua hegemonia, com a possibilidade de constituição de blocos políticos na Ásia e na Europa, até mesmo com uma aliança UE-Rússia. Mesmo não se concretizando, estas possibilidades tendem a fortalecer a postura defensiva das políticas comerciais, o que significa que avanços mais arrojados nas negociações da OMC não estão presentes entre os cenários mais prováveis. Fortalecimento do Mercosul e baixa possibilidade de constituição da ALCA também são conclusões que vão servir de base à análise de cenários, embora no último capítulo tenhamos considerado a conjectura de algum acordo hemisférico (que seguramente não seria a ALCA como em seu projeto atual) como hipótese de um dos cenários construídos.
O segundo capítulo recupera a evolução da indústria do açúcar desde sua constituição no século XVI até 1990, apresentando séries de produção, de preços e do consumo de açúcar, de cana primeiro e de beterraba depois, e de outros adoçantes que passaram a competir com ele para adoçar a boca do consumidor. Particularmente no caso dos adoçantes de milho, tentamos mostrar como a evolução de seu mercado segue ainda os pressupostos mercantilistas que suportaram a criação do negócio internacional do açúcar a partir do século XVI. Já no final do período analisado, aconteceu a primeira experiência de produção e utilização do álcool de cana em larga escala como combustível, o que aprofundou a regulamentação de todas as operações deste setor econômico, pois os imperativos ambientais e geopolíticos pela substituição do petróleo vieram a se agregar ao controle do comércio e da produção que já era tradicional no setor.
O terceiro capítulo, que trata do período mais recente (a partir de 1990), analisa a produção e o consumo de açúcar e de outros adoçantes entre os principais produtores e consumidores, fazendo a ligação com suas políticas agrícolas e comerciais, inclusive sobre a pauta das discussões em andamento na OMC. Nesse período, vemos a consolidação do conjunto dos produtores brasileiros como o maior ofertante no mercado internacional de adoçantes, ocupando espaços abertos por problemas localizados de concorrentes, mas ainda distante do patamar de exportação que seria possível atingir devido a fatores exclusivamente de custo e de produtividade.
Ainda neste capítulo, tratamos do crescimento recente na utilização do álcool como combustível misturado à gasolina, principalmente nos USA, e da evolução do mercado do petróleo que, ao lado da pressão ambiental pela redução nas emissões de CO2, condiciona a expansão daquele consumo. O que se conclui preliminarmente neste capítulo é que existe um grande potencial de crescimento para esta produção e consumo, mas que isto não desloca o petróleo do seu papel central da matriz energética mundial, nem deverá converter o Brasil em garantidor do combustível para o mundo desenvolvido.
No capítulo final, procedemos à construção dos cenários para os próximos vinte anos, iniciando o trabalho pela análise do conjunto de variáveis que explicaria nosso objeto, qual seja, o mercado internacional para o açúcar e o álcool produzidos no Brasil. A utilização das matrizes de impactos cruzados (módulo Micmac) mostrou-se muito útil, uma vez que possibilitou “filtrar” as variáveis mais importantes para o resultado, reduzindo assim a dificuldade de tratar o problema. O mesmo aconteceu com o uso do módulo Macator, que ajudou na avaliação da força e do posicionamento de cada ator no problema analisado.
Ainda utilizando o software francês analisamos o campo dos cenários possíveis para as variáveis selecionadas como mais importantes e selecionamos quatro cenários para elaborarmos previsões para a produção e exportação do setor sucroalcooleiro do Brasil :
Cenário 1: aparecendo como o mais provável dos quatro, pressupõe uma evolução mais lenta da economia mundial, mas favorável à evolução do setor, já que os preços do petróleo se manteriam nos patamares atuais e as políticas de utilização de biocombustíveis abrangeriam um grande número de países. Não haveria mudanças substanciais nos subsídios e nas barreiras ao comércio agrícola e haveria uma continuidade da hegemonia americana, o que, na nossa hipótese, implicaria na não existência de acordos dos USA com Brasil e/ou Mercosul.
Cenário 2: igual ao anterior nos dois últimos aspectos, pressupõe um crescimento mais acelerado da economia mundial (o que é bom para o mercado de açúcar), em parte devido aos baixos preços do petróleo, que voltariam à média histórica. Como conseqüência deste patamar de preços, as políticas de substituição de combustíveis seriam refreadas, o que teria impacto direto na taxa de crescimento do mercado de álcool.
Cenário 3: pressupõe mudanças no sistema mundial de poder, com a redução do grau de influência dos USA sobre as demais regiões do mundo. Neste cenário, prevemos que, apesar de uma menor taxa de crescimento da economia mundial, da manutenção do protecionismo nos níveis atuais e mesmo de desvio de exportações brasileiras de açúcar e de álcool para outros grandes produtores que se vinculem a blocos econômicos, o poder de barganha do Brasil com os USA aumentaria, resultando em maior acesso da produção brasileira àquele mercado.
Cenário 4: cenário extremo e com baixa probabilidade de ocorrência, levaria a uma retração nos fluxos de comércio por conta de tensões e conflitos entre blocos econômicos, o que faria com que os preços do petróleo se mantivessem em patamares elevados e a maior parte dos países procurasse adotar políticas de incentivo aos biocombustíveis. Entretanto, isto não se refletiria em maior mercado para os grandes exportadores, pois, neste cenário, haveria um recrudescimento das práticas protecionistas.
Os resultados obtidos nas previsões feitas para cada cenário apresentados e comentados neste capítulo e nas Conclusões e Considerações Finais, acabaram surpreendendo. Todos os três primeiros cenários, mesmo considerando que se pautaram por hipóteses quase conservadoras, apresentaram uma perspectiva de crescimento expressivo para o cultivo e a produção de cana-de-açúcar no país, o que significa que nós e as próximas gerações ainda vamos conviver com a paisagem das “ondas verdes” que o vento produz nos canaviais que se estendem até o horizonte.