EVOLUÇÃO E PERSPECTIVAS DO COMÉRCIO INTERNACIONAL DE AÇÚCAR E ÁLCOOL
Eduardo Fernandes Pestana Moreira
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Como já havíamos apontado na introdução deste trabalho, o objetivo perseguido foi desenhar cenários e previsões para o setor sucroalcooleiro brasileiro, com previsões para a demanda mundial de açúcar e de combustíveis líquidos, o que significa que não buscávamos o teste de uma hipótese particular, mas, sim, desenvolver uma argumentação que formulasse hipóteses básicas que dessem base às previsões, hipóteses estas desenvolvidas pela análise da evolução do setor ao longo do tempo, com base na bibliografia e nas séries de dados secundários coletados, e na utilização da metodologia das matrizes de impacto cruzado para captar a importância de cada variável levantada diante do conjunto e a força de cada ator diante dos demais. Embora as previsões em si resumam a conclusão do objetivo assumido, alguns pontos merecem ser destacados como produtos ou subprodutos da nossa análise.
1) A produção do açúcar ao redor do mundo não esteve determinada exclusivamente pelas condições técnicas de produção, industriais e agrícolas, com preços de mercado resultantes da taxa de lucro média dos capitais investidos e da renda diferencial da terra. Perduraram ao longo do tempo, e deverão ainda perdurar no futuro, mecanismos de regulação dos mercados e de proteção à produção interna dos Estados-Nação que interferiram na livre circulação dos produtos e dos capitais e que também foram elementos importantes na configuração deste setor. Dois exemplos analisados nos capítulos 2 e 3 ilustram esta característica do setor : o aparecimento do açúcar extraído da beterraba no século XIX, principalmente na Europa, e o desenvolvimento do mercado de adoçantes à base de milho no século XX, principalmente nos USA. No primeiro caso, o cultivo da beterraba açucareira, mesmo com rendimentos inferiores àqueles da cana-de-açúcar, foi uma resposta de várias nações européias a uma produção que ainda estava ligada ao sistema colonial e que, portanto, correspondeu a uma política mercantilista de proteção e incentivo à renda interna. No caso dos adoçantes de milho, que se expandiram em uma fase já monopolista do capitalismo, vimos mecanismos similares se reproduzindo, com uma parcela da sociedade americana (agricultores e capitalistas industriais) fazendo valer sua força para garantir políticas econômicas que garantissem a rentabilidade de suas produções.
2) Em um mercado fortemente regulado nos países desenvolvidos e de consumo declinante a partir de um determinado patamar de renda pessoal, os produtores mais eficientes de açúcar (todos a partir da cana como matéria-prima) passaram a privilegiar os mercados dos países emergentes, nos quais o consumo ainda apresenta perspectivas de crescimento e as barreiras ao comércio são menores. Este conjunto de países, chamados de grandes exportadores no capítulo 3, também adotou políticas explícitas de proteção à produção interna e regulação do mercado e só mais recentemente (particularmente Austrália e Brasil) passaram a defender menor intervenção, já que seus produtores já se encontram em patamares elevados de competitividade a nível mundial.
3) As perspectivas de aumento de exportações para os países desenvolvidos são explicadas mais por dificuldades internas destes países em manter suas políticas protecionistas do que por uma efetiva liberalização de seus mercados. No caso da União Européia, o custo elevado da PAC (Política Agrícola Comum) no setor de açúcar tem sido um fator tão ou mais relevante que a derrota de suas posições na OMC para a redução dos subsídios à exportação de sua produção. No caso dos USA, será provavelmente o aumento do preço do milho, pela elevada demanda das destilarias de álcool, fruto de políticas econômicas explícitas de redução no consumo de petróleo, que poderá produzir sua substituição parcial por açúcar líquido de cana importado. O mesmo efeito poderá ser visto, ainda que em menor escala, nos mercados japonês e canadense.
4) A produção e o consumo de álcool para fins combustíveis foram resultado de políticas explícitas de intervenção econômica e de subsídios, como vimos pela evolução do setor no Brasil e nos USA. Esta característica não mudará no horizonte de tempo analisado neste trabalho (20 anos), nem mesmo no Brasil onde o custo de produção já é inferior à gasolina derivada do petróleo, mas onde não existem indícios de mudanças na obrigatoriedade dos índices de mistura ao redor de 25% de álcool. Em todos os países que recentemente passaram a se preocupar com a substituição do petróleo por biocombustíveis, quer por motivos ambientais, quer por motivos de segurança energética, foram criados dispositivos legais ou acordos voluntários de mistura obrigatória dentro de um dado percentual, o que entendemos como única forma possível de orientar os investimentos para alternativas novas e sem viabilidade econômica certa.
5) Embora o ponto central das argumentações favoráveis à utilização de biocombustíveis seja o elevado preço do petróleo e os cenários pessimistas de fim das reservas e de preços ainda maiores no futuro, os reais impulsionadores da produção e do consumo dos primeiros são as preocupações ambientais com as emissões de CO2 e, principalmente, a possibilidade de garantir renda e mercado para os setores rurais de cada país e/ou região. Após o segundo choque do petróleo, o preço do barril em termos reais subiu para um patamar maior que o alcançado nos dois últimos anos e, nem por isto, as políticas de substituição foram generalizadas (embora a busca por maior eficiência dos motores e outras formas de economia tenham alcançado resultados expressivos). A experiência brasileira bem sucedida de utilização do álcool como combustível, se teve como um dos propulsores a necessidade premente de economizar divisas pelas dificuldades no balanço de pagamentos fruto da crise da dívida externa, foi determinada, fundamentalmente, pela existência de capacidade ociosa no setor produtor de açúcar e pela necessidade de ocupá-la, sem mencionar os vultosos financiamentos subsidiados a que o setor teve acesso. Se a tecnologia permite que reduções no custo de produção dos biocombustíveis sejam atingidas, ela também permite que novas reservas de petróleo, convencionais e não convencionais, sejam viabilizadas, fazendo com que seu preço continue mantendo um comportamento cíclico como o de todas as commodities e não uma trajetória sempre crescente.
6) A análise estrutural das variáveis intervenientes no mercado internacional do açúcar e do álcool, feita no capítulo 4, mostrou que os aspectos relacionados à disputa pela hegemonia política e econômica , o papel do Estado como regulador da atividade agrícola e econômica em geral e o crescimento da economia mundial e dos preços do petróleo desempenham papel mais importante que as variáveis ligadas diretamente à atividade sucroalcooleira, o que nos conduziu a estruturar os cenários futuros a partir de hipóteses sobre aquelas variáveis mais gerais.
7) A análise dos atores que influenciam neste mercado mostrou três aspectos importantes do Governo do Brasil : em primeiro lugar, que ele não é um ator secundário como se poderia supor a princípio, mas um ator com relativa força de ação ; em segundo lugar, que existe uma aproximação entre sua ação e aquela da OMC, o que reflete sua atuação atual nas negociações internacionais no âmbito desta organização ; e, em terceiro lugar, que o Mercosul não aparece como ator importante nas discussões relativas ao açúcar e ao álcool, e que o G-20 aparece com importância pequena, sugerindo que a diplomacia econômica brasileira deva trabalhar com múltiplas alianças. Como já era esperado, os Governos da UE, dos USA e do Japão aparecem como fortes e próximos entre si, ainda que os dois primeiros sofram também de forte influência de outros atores. Na análise da mobilização dos atores em direção aos objetivos, concluímos que os objetivos de segurança energética (mesmo sujeito às objeções que lhe colocamos no item 5 acima) e a redução da poluição do ar aparecem como aqueles com maior convergência e menor oposição no conjunto dos atores, devendo, portanto, ser (ou continuar a ser) o eixo das discussões sobre abertura dos mercados pela diplomacia brasileira.
8) As previsões de crescimento do setor sucroalcooleiro brasileiro nos cenários selecionados, após nova redução do conjunto de variáveis e exclusão dos cenários inconsistentes na combinação das hipóteses, não mostraram no geral um futuro tão brilhante a longo prazo como as visões que têm aparecido na mídia atualmente. Nos cenários “Multilateralismo e Crescimento Moderado” e ‘Multilateralismo e Petróleo Barato”, o segundo apresentando um crescimento mais acelerado da economia mundial, e ambos tomando como hipótese a manutenção da hegemonia americana nos próximos 20 anos, o setor perde importância relativa na economia brasileira, embora mais que duplique seu tamanho nos dois cenários. Após um período de maior dinamismo, quando o mercado mundial de etanol crescerá a uma taxa mais acelerada, e os produtores brasileiros poderão atender a uma parcela dele, o crescimento do setor refluirá para aquele de um setor fornecedor de produtos pouco elásticos (açúcar principalmente, mas também álcool combustível). No cenário pouco provável “Hegemonia Disputada”, as previsões são muito mais negativas, uma vez que neste cenário assumimos a hipótese de inflexão da corrente de comércio num mundo com múltiplas conflagrações, o que refletiria sobremaneira num setor com alto índice exportação/produção. Somente no cenário “Bloco Hemisférico”, em que a perda de influência da economia americana na Europa e na Ásia empurre os USA para um acordo mais aceitável para a América do Sul e/ou o Brasil, é que as perspectivas para os produtores brasileiros seriam melhores e o papel deste setor no conjunto da economia brasileira aumentaria por um período mais sustentado.
Além das conclusões acima expostas, consideramos relevante levantar alguns pontos decorrentes da análise que não foram objeto de nosso trabalho, mas que apontaram como indicações de problemas que podem vir a justificar trabalhos futuros.
1) Mesmo considerando que este setor deva perder dinamismo a longo prazo, suas expectativas de crescimento a curto e médio prazos são significativas, pois a utilização de álcool combustível no futuro próximo é uma questão apenas de dimensão, não devendo ser revertida. Isto significa um crescimento acelerado nos próximos 10 anos, o que irá certamente significar uma mudança na estrutura do setor, a nosso ver, no sentido de uma maior centralização dos capitais e aumento no seu coeficiente de internacionalização, ainda baixo nos dias de hoje. Alguns estudos têm sido feitos nos anos recentes abordando este assunto , mas a rapidez com que esperamos novas mudanças, inclusive com a possibilidade de internacionalização de grupos nacionais, deve justificar novas avaliações.
2) As possibilidades de produção de álcool a partir da celulose, principalmente de resíduos agrícolas, vêm aparecendo fortemente na mídia como um novo campo de expansão que poderia afetar o desempenho dos produtores tradicionais do álcool de cana. Esta possibilidade nos parece muito distante da realidade, pois já houve experiências com esta matéria-prima que se mostraram altamente inviáveis. A nosso ver, esta parece uma reedição de visões românticas a exemplo das experiências com o uso da mandioca como matéria-prima do álcool no Brasil, incompatível com uma agroindústria que requer escalas elevadas de produção e abastecimento de matéria-prima constante e planejado. O que nos parece uma ameaça mais concreta para o setor a longo prazo é o desenvolvimento de células solares e da utilização de hidrogênio líquido em veículos automotores, fontes alternativas que possuem amplas vantagens ambientais sobre os biocombustíveis e que mereceriam estudos prospectivos.
3) Considerando que o setor deverá mais que duplicar sua produção nos próximos 20 anos e que a fronteira provável desta expansão deverá ser a região do centro-oeste em primeiro lugar e os estados de Tocantins e Maranhão num segundo momento, devemos esperar modificações muito fortes nos mercados de trabalho destas regiões. Hoje, elas constituem-se ou de matas nativas de cerrado (e uma parte com florestas) ou estão ocupadas com plantio de grãos e, principalmente, pecuária, atividades que requerem um emprego de força de trabalho muito inferior ao requerido pela cultura de cana-de-açúcar. Desta forma, a expansão desta cultura deverá trazer um impacto populacional substancial a estas regiões e, provavelmente, deverão replicar no interior do país os mesmos problemas que se manifestam ns regiões tradicionais da cana em relação ao mercado de trabalho. Embora a expansão prevista deva concretizar-se com o uso bastante intenso da colheita mecânica, o que reduz bastante a sazonalidade da ocupação da força de trabalho, as migrações permanentes e temporárias (no período da safra) deverão trazer um componente novo para um grande número de municípios destas regiões, uma vez que a cana gravita sempre nas áreas próximas da unidade industrial. Por outro lado, não nos parece que a expansão da cana para o centro-oeste do país vá acontecer sob um modelo agrário diferente daquele das áreas tradicionais do país. Embora a Austrália seja um exemplo de que é possível estruturar uma indústria eficiente esteada na pequena produção agrícola de cana, o cenário mais provável imaginado por nós é de que a concentração fundiária poderá até aumentar nas novas áreas.