EVOLUÇÃO E PERSPECTIVAS DO COMÉRCIO INTERNACIONAL DE AÇÚCAR E ÁLCOOL
Eduardo Fernandes Pestana Moreira
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Neste capítulo pretendemos construir alguns cenários para o setor sucroalcooleiro brasileiro, com base em variáveis qualitativas, e projetar a produção e o comércio de seus produtos no mundo, bem como a participação da produção brasileira nestes totais. Como já visto até agora neste trabalho, os cenários futuros são função de um conjunto de variáveis, muitas delas relacionadas entre si, além de estratégias políticas e econômicas que envolvem múltiplos atores, não existindo uma única força que, sozinha, possa determinar a evolução do mercado. Assim, definimos o “comércio internacional do açúcar e do álcool produzidos no Brasil” como um sistema, que sofre o efeito de muitas variáveis e a ação de muitos atores, aspectos estes que tentaremos analisar para entender e prever seus movimentos em diferentes situações.
Para trabalhar com este conjunto de variáveis e de atores utilizamos um conjunto de ferramentas desenvolvido por Michel Godet no LIPSOR - Laboratório de Investigação em Prospectiva, Estratégia e Organização . Estas ferramentas constituem-se em algoritmos simples, que se valem da multiplicação de matrizes, e que auxiliam na seleção de variáveis e de atores em sistemas complexos, bem como na construção de cenários. Embora sejam ferramentas voltadas para o planejamento estratégico, elas se mostraram úteis para a análise a que nos propusemos neste trabalho, como apresentado no decorrer do capítulo.
4.1 Análise Estrutural das Variáveis Relevantes.
Para projetarmos os cenários futuros do setor, faz-se necessário compreender a ação das variáveis que os influenciam, como também a relação de dependência entre estas mesmas variáveis para que se possam captar os efeitos indiretos que cada uma delas provoca nas demais. “A análise estrutural tem, precisamente, por objeto por à luz a estrutura das relações entre as variáveis qualitativas, sejam quantificáveis ou não, que caracterizam o sistema estudado.”
Utilizando o programa MICMAC , procuramos levantar as relações indiretas que ocorrem entre as diversas variáveis levantadas como intervenientes no sistema, a fim de poder reduzir o escopo da análise pela identificação das variáveis mais motrizes e mais dependentes, segundo nossa avaliação (tomando como base a pesquisa bibliográfica e aproveitando discussões de uma mesa de especialistas, da qual fiz parte, a propósito de projeto de avaliação dos impactos da cultura de cana-de-açúcar sobre as florestas nativas ) do grau de relação entre cada uma das variáveis levantadas.
O Quadro 4.1 apresenta a relação das variáveis que consideramos como as mais relevantes para o futuro do mercado internacional do açúcar e do álcool produzido no Brasil, algumas quantificáveis, mas que na sua essência representam variáveis qualitativas. O passo seguinte da análise se constituiu na construção de uma matriz quadrada de todas estas variáveis (nas linhas “i”e nas colunas “j”), preenchida com um valor representando a influência da variável “i” na variável “j”. Dada a característica abrangente de muitas das variáveis selecionadas, optamos por uma escala de valoração reduzida em que :
A soma dos valores atribuídos em cada linha irá determinar o grau de influência desta variável sobre as demais, que chamamos de motricidade, enquanto que a soma dos valores de cada coluna representará o grau de sua dependência das demais variáveis. Plotando os valores obtidos para cada variável podemos visualizar um gráfico como o da Figura 4.1 em que enxergamos melhor qual o grau de influência ou motricidade de uma variável sobre o sistema e qual o grau de sua dependência. No quadrante superior-esquerdo estarão representadas aquelas variáveis mais motrizes, pois têm uma grande influência sobre o resultado final e pouca dependência das demais. Estas variáveis constituem-se naquelas de maior poder explicativo-preditivo do sistema estudado. As variáveis localizadas no quadrante superior-direito, chamadas de variáveis de ligação, possuem alta influência, mas são também resultado da influência de outras variáveis. Desta forma, podem ser variáveis importantes para a compreensão do sistema, mas sua dependência de outras variáveis, que podem ser motrizes, reduzem seu papel na análise. As variáveis do quadrante inferior-direito, chamadas de variáveis de resultado, têm baixa influência sobre o resultado final e são altamente dependentes de outras variáveis do sistema. Assim, devem ser características dos cenários futuros, mais do que variáveis com alto poder explicativo. Por fim, temos as variáveis localizadas no quadrante inferior-esquerdo que, por serem variáveis com baixa influência no sistema e pouco dependentes das demais, podem ser excluídas da análise sem comprometer seu resultado.
Utilizando o programa MICMAC com as variáveis e valores por nós definidos, obtivemos o plano dos impactos diretos das variáveis entre si, observado na Figura 4.2 . No quadrante superior-esquerdo, podemos notar que seis variáveis se caracterizam como motrizes: ESTADO, PREÇOPETRO, TAXACRESC e, em menor medida, IDE, HEGEMON e AGRÁRIA.
A capacidade dos Estados nacionais de controlar o fluxo de capitais financeiros e produtivos aparece como a variável mais importante do sistema e, como vimos no capítulo 1, sujeita a um comportamento incerto no futuro do sistema capitalista. Para a maior parte dos autores tomados como apoio a este trabalho, esta capacidade deve se manter no horizonte de análise, representando dois vetores de contenção da expansão da agroindústria brasileira : de um lado, uma resistência (que imaginamos ser real, embora não intensa) à desnacionalização do setor sucroalcooleiro do Brasil, o que diminui a taxa de investimento no setor ; de outro lado, a resistência ao controle por empresas brasileiras das cadeias de distribuição nos principais mercados (que deve ser forte), o que reduz a possibilidade de construção de um sistema produtivo mundial de açúcar e de álcool com uma base produtiva predominantemente localizada no Brasil e/ou na América do Sul.
O preço do petróleo é outra variável motriz importante, pois vimos no capítulo 3 que o maior direcionador para a expansão do setor é hoje a produção de combustíveis alternativos. Para construção dos cenários de evolução para os próximos anos continuaremos a assumir a hipótese de que o álcool e os demais combustíveis renováveis não terão influência importante no preço do petróleo e sim uma relação de forte dependência de sua evolução.
Como vimos no capítulo 1, as projeções sobre a taxa de crescimento da economia mundial, as quais deverão ser determinadas principalmente pelas economias em desenvolvimento e menos desenvolvidas, impactam sobre o setor, principalmente pelo crescimento no mercado de açúcar.
Dentre as demais variáveis classificadas como motrizes, a política agrária aparece como uma variável de baixa dependência dentro do sistema e com moderado grau de influência. Sua influência no sistema pode vir a ser importante na medida em que as disputas intra-setor podem afetar não só o custo de produção (uma vez que o controle das fontes de matéria-prima e a apropriação da renda fundiária foram características desse setor desde o Proálcool), bem como afetar a disposição de grupos estrangeiros em investir na expansão do setor, variável que também foi classificada como motriz. Já as disputas pela hegemonia mundial terão reflexos sobre a expansão do setor, já que o acesso aos mercados e a evolução dos acordos internacionais são fortemente condicionados pelo espaço que o Brasil pode ter (sempre secundário pela nossa avaliação) dentro destas disputas.
Dentro do grupo das variáveis de ligação, que possuem influência importante no sistema e são dependentes de outras variáveis, visualizamos três subgrupos que terão papéis distintos em nossa análise de futuro.
No primeiro subgrupo se destaca a alta influência da formação da ALCA e das políticas agrícolas internas na evolução do mercado internacional do açúcar e do álcool brasileiros (com a produção interna de biocombustíveis acompanhando as políticas agrícolas internas), e também sua alta dependência das demais variáveis do sistema. Analisando a rede de dependência na Matriz Direta de Impactos , vemos que somente a variável ALCA possui uma dependência mais distribuída entre as demais variáveis do sistema, levando-nos a selecionar esta variável para a análise final dos cenários. Já as outras duas possuem forte dependência entre si e, também, com PREÇOPETRO (que é variável motriz), com ALCA e OMC (que podem explicar sua evolução estando presentes na análise) e com PRODMUNDO e PTERRA, que são variáveis de resultado. Desta forma, vamos excluir estas variáveis por entender que seus efeitos já estarão contemplados na análise final.
No segundo subgrupo, de variáveis com alta influência e dependência menor que as do subgrupo anterior, iremos manter as variáveis política interna de combustíveis e OMC, descartando da análise a taxa de crescimento do comércio internacional pela sua forte dependência de TAXACRESC, HEGEMON E OMC, variáveis já contempladas.
O terceiro subgrupo é formado pelo desenvolvimento tecnológico do cultivo da cana e pela taxa de crescimento da economia brasileira, ambas com influência e dependência distribuídas pelas demais variáveis e que podem, eventualmente, ser componente importante de algum dos cenários levantados.
As variáveis do quadrante inferior-direito terão seu comportamento apenas acompanhado e, da mesma forma que o conjunto do quadrante inferior-esquerdo, não serão consideradas como importantes para a análise do curto prazo.
O passo seguinte da análise estrutural pelo método MICMAC consiste na multiplicação sucessiva da matriz de influência-dependência por ela mesma, de forma que se perceba qual deverá ser o comportamento de cada variável a longo prazo. Como a multiplicação de matrizes é resultado da soma de cada produto de aij com aji (linhas x colunas) , variáveis que possuem influência média com um grande número de outras variáveis poderão assumir outra posição na matriz influência-dependência, representando seu papel no sistema a longo prazo. A figura 4.3 apresenta o resultado após várias iterações feitas pelo MICMAC, a partir da matriz original preenchida por nós.
O resultado obtido mostra uma relativa homogeneidade do sistema a longo prazo, com pequenas alterações na posição de quase todas as variáveis. Dentre as variáveis classificadas como relevantes para a análise, as que mais aumentam sua influência a longo prazo são HEGEMON, PREÇOPETRO e ESTADO, dentre as variáveis motrizes, e OMC e POLAGRI no grupo das variáveis de ligação. Embora a variável TECCANA mude sua posição para dentro do quadrante superior-esquerdo, ela perde influência no sistema, o que nos leva a mantê-la como variável secundária na análise.
O aspecto mais importante a ser captado da análise precedente é que o mercado internacional do açúcar e do álcool apresenta sua evolução condicionada por variáveis que estão fora do controle direto quer dos produtores quer do Estado brasileiros, ainda que existam espaços de influência dos primeiros, pela dimensão deste setor no Brasil e sua elevada competitividade diante da concorrência, e de nossa diplomacia econômica, pela sua capacidade de articular outros atores com objetivos parecidos.