EVOLUÇÃO E PERSPECTIVAS DO COMÉRCIO INTERNACIONAL DE AÇÚCAR E ÁLCOOL
Eduardo Fernandes Pestana Moreira
Puede bajarse la tesis completa en PDF comprimido ZIP
(200 páginas, 802 kb) pulsando aquí
Esta página muestra parte del texto pero sin formato.
Os efeitos da Grande Depressão de 1929 se fizeram notar em todo o setor agropecuário brasileiro, em especial na produção de café que representava o pólo dinâmico da produção e da geração de renda internas. Embora a produção brasileira deste período fosse destinada principalmente ao mercado interno, pois o açúcar brasileiro não apresentava competitividade internacional desde o século anterior, como já mencionado anteriormente, o impacto da crise econômica geral sobre a renda trouxe dificuldades de colocação da produção, que já vinha apresentando crescimento elevado durante a década de 1920. Medidas de intervenção estatal no setor já vinham sendo discutidas desde antes da 1ª Guerra Mundial, mas efetivamente quase nada havia sido efetivado até aquele momento. A gravidade da crise e, fundamentalmente, a mudança do pensamento econômico sobre o tema, que vai generalizar-se nas economias capitalistas durante a década de 30, irão dar as bases para o processo mais sistematizado de intervenção sobre o setor açucareiro que, criado neste período, irá se manter até 1990.
A primeira medida efetiva de intervenção foi a obrigatoriedade da adição de 5% de álcool à gasolina carburante, determinada pelo decreto nº 19.717 de 1931, medida efetiva pois condicionava a importação de gasolina à aquisição prévia do volume de álcool correspondente a cada lote importado . Esta medida permitia às usinas desviar parte da cana para produção direta de álcool, o que garantia o controle da produção do açúcar sem prejuízos aos industriais e aos agricultores. Por outro lado, as dificuldades do setor cafeeiro criavam constrangimentos cambiais pela queda nas receitas de exportação, o que justificava aquela medida pela redução na importação de combustíveis, ou seja, uma medida que ganhava a chancela de buscar o “interesse geral da sociedade brasileira”.
A obrigatoriedade da mistura álcool/gasolina trouxe impactos sobre o processo produtivo, pois até então a produção de álcool, feita com a utilização do melaço residual, era destinada ao uso doméstico e da indústria alimentícia e farmacêutica, que não exigiam o mesmo padrão do álcool para mistura combustível. Foram necessários investimentos adicionais nas usinas ou em unidades autônomas (desidratadoras de álcool), apoiados e incentivados pelo Estado, o que contribuía para a melhoria geral das condições técnicas do setor.
No mesmo ano de 1931 foi editado o decreto nº 20.401, que obrigava as usinas a depositarem 10% de seu açúcar destinado ao mercado interno em armazéns designados pelo Estado, e também a exportação de excedentes, independentemente do preço vigente no mercado internacional, além de estabelecer um pagamento em dinheiro para as regiões com produção insuficiente para gerar os 10% do estoque regulador, criando-se um fundo de compensação para aquelas usinas que tivessem de exportar açúcar de forma gravosa.
Com estes dois decretos, retomava-se o controle sobre a produção e a comercialização da agroindústria açucareira que existiu em todo o período de constituição e consolidação desse negócio durante a colônia, ainda que agora esta intervenção tenha passado a se dar em novas bases. Os interesses dos produtores passam a ter a primazia no processo de intervenção, muito embora os interesses dos consumidores internos e da geração/economia de divisas externas também tenham importância. A solução para o problema da superprodução não era assegurada por estes mecanismos ; porém, uma vez que a produção de álcool combustível permitia gerar economias de divisas e simultaneamente absorver a expansão da produção de cana (especialmente da região do Centro-Sul que podia continuar se expandindo e abastecendo o consumo interno crescente de açúcar) podiam ser acomodados os interesses dos capitais locais e enfrentada a situação externa desfavorável.
No sentido de enfrentar a questão da superprodução de açúcar, que era a pauta dos acordos internacionais mencionados no item anterior, novos diplomas legais são editados em 1932 e 33, culminando com o Decreto nº 22.789 de 1º de julho que criou o Instituto do Açúcar e do Álcool - IAA, órgão que iria centralizar as atribuições das várias comissões de regulação anteriores e adquirir outras funções durante a década de 30. Embora a promoção da produção de álcool combustível continuasse a ser uma das principais atribuições do IAA, institucionalizou-se o mecanismo de fixação de quotas de produção individualizadas, com base na média produzida no último qüinqüênio, nos estoques disponíveis de açúcar e nas estimativas de produção de cada safra que se iniciava. Legalmente, o instituto ficava autorizado a confiscar, sem qualquer indenização, a produção excedente àquela autorizada e o maquinário de qualquer nova unidade de produção instalada sem sua prévia autorização. Tratava-se de uma prerrogativa poderosa e que colocava nas mãos do IAA os instrumentos necessários para o planejamento da produção desta agroindústria.
Nos primeiros anos de intervenção, o IAA sofreu muita resistência dos produtores, acostumados a intervenções de “socialização dos prejuízos”, mas não de restrições a seus investimentos e à sua produção. Estas resistências foram diminuindo à medida que ficava claro de que a superprodução precisava ser enfrentada para a garantia do setor a longo prazo. Apesar do sistema de quotas criar conflitos, principalmente regionais, entre as áreas tradicionais (Nordeste e Rio de Janeiro) e os produtores paulistas, o Quadro 2.8 mostra-nos que durante a década de 30 a produção de álcool cresceu e as variações bruscas na produção de açúcar foram compensadas pelo volume exportado, o que aponta para um relativo sucesso das ações de intervenção na produção e na comercialização.
A partir de 1942, com a entrada do Brasil na 2ª Grande Guerra, a comercialização do açúcar nordestino no mercado do Centro-Sul ficou prejudicada, o que levou o IAA a relaxar seu controle sobre a instalação de novas unidades produtivas nessa região e permitir a ampliação da capacidade produtiva paulista, fundamentalmente. Embora a participação da região sobre o total nacional tenha subido lentamente durante os anos de guerra, criou-se aí uma tendência inexorável de perda da hegemonia do Nordeste sobre o Centro-Sul, que não foi revertida apesar da luta dos produtores nordestinos ao final do conflito e da tentativa do IAA de garantir a colocação de seu açúcar nos mercados do sul.
Nos anos seguintes ao conflito mundial, as pressões dos produtores nordestinos se arrefecem, uma vez que a exportação do açúcar a preços satisfatórios lhes permite escoar a produção, especialmente nos anos de 1947 e 48. Entretanto, a recuperação da produção européia faz de novo os preços baixarem, tornando nossas exportações gravosas e exigindo subsídios aos exportadores. O IAA procurou incentivar a produção de álcool combustível para canalizar o excedente de matéria-prima, mas estes esforços foram limitados, pois sua produção cresceu apenas 13% nos cinco anos do pós-guerra contra 42% da produção de açúcar.
Este foi um período de grande discussão e disputas sobre o poder regulador do IAA, cujas atribuições de controlar preços, estabelecer quotas de produção, disciplinar os conflitos entre as unidades industriais e fornecedores independentes de cana, autorizar o investimento privado na expansão da produção, entre outras, chocava-se com a Constituição de 1946 que consolidava o retorno do país ao regime democrático e, fundamentalmente, liberal. Conforme M. L. Costa,
“Várias foram as investidas, principalmente dos industriais de São Paulo, que não se conformavam com a política de preço uniforme e de limitação da produção, impossibilitando a expansão de seus parques. Corriam risco a indústria açucareira nordestina (pois questionava-se as normas protetoras, mais que dos lavradores, dos usineiros nordestinos) e o próprio IAA. Levada a questão ao Poder Judiciário, muitas foram as decisões declarando a constitucionalidade da legislação açucareira, posteriormente confirmadas pelo Supremo Tribunal Federal. De fato, o entendimento jurídico mais apropriado, à vista da autorização constante do artigo nº 146 da Carta de 1946, para que pudesse a União, mediante lei especial, intervir no domínio econômico e monopolizar determinada indústria ou atividade, tendo por base tal intervenção o interesse público e, por limite, os direitos fundamentais assegurados naquela Constituição ...”
Embora o resultado final tenha sido a confirmação da autoridade do IAA como órgão regulador, no esteio dos mecanismos que irão consolidar uma participação ainda mais efetiva do Estado no domínio econômico durante a primeira metade da década de 1950 (BNDE, Petrobras e outros empreendimentos estatais diretos), sua ação foi limitada por se tratar de um setor pujante e já fortemente instalado na economia nacional, ainda que em grande parte pouco eficiente em relação aos padrões internacionais.
O principal papel do IAA, ainda que não explicitado na legislação, era mediar a disputa entre frações do capital, primeiramente regionais e mais tarde (a partir dos anos 1970 principalmente) individuais. É por isso que sua atuação apresentava avanços e recuos, pois os capitais mais dinâmicos e com capacidade de autofinanciamento contestavam sua autoridade e promoviam sua expansão, criando então fatos consumados que passavam depois a ser referendados. Foi um processo que se repetiu durante toda a existência do órgão, mas foi na década de 1950 que ele mais se mostrou, redundando na supremacia da agroindústria do centro-sul sobre a do nordeste.
A produção ampliou-se de maneira muito significativa, mais do que dobrando durante a década de 1950 (ver Quadro 2.9), e baseou-se em unidades com maior escala de produção, ainda que muitas vezes sem ganhos expressivos de eficiência e de custo. Já do lado da exportação, embora os avanços relativos tenham sido muito expressivos, a evolução mostrada no mesmo quadro indica que o Brasil ainda possuía uma estratégia errante de inserção no mercado internacional. Como mencionamos no item anterior, o Brasil só se manteria signatário no acordo internacional de 1958, o que significa que até este ano suas exportações dependiam das oscilações nos preços e na demanda internacionais. Como o IAA regulava as exportações e garantia preços aos produtores nacionais, subsidiando o açúcar exportado a preços abaixo do preço interno, os volumes exportados dependiam também da capacidade de financiamento do Estado e da existência de excedentes à demanda interna que também crescia em ritmo tão acelerado quanto a produção. As oscilações nas exportações que vemos no Quadro 2.9 indicam que a exportação não era um objeto de uma estratégia clara e consistente, oscilando entre volumes inexpressivos a até quase 5% do comércio mundial em 1958.
A partir de 1959, o Brasil passou a contar com uma quota de 505 mil toneladas garantida pelo acordo internacional, substancialmente maior do que o atribuído em 1953 e a quarta maior quota entre os países signatários. Entretanto ela era pequena diante do total do açúcar comercializado no mercado internacional (ao redor de 3%) e da capacidade de produção nacional. Paradoxalmente, estes volumes só foram efetivamente superados nos três primeiros anos, seguidos por outros três anos de exportações reduzidas. Já em 1959, grupos técnicos do IAA apontavam a necessidade de enfrentar a baixa produtividade e o alto custo do açúcar nacional, o que exigia alto volume de subsídios pois os preços internacionais continuavam caindo em termos reais, conforme já vimos no Gráfico 2.1, fator limitante ao pleno escoamento da produção efetiva e potencial.
Este período merece uma reflexão especial, uma vez que ele coincide com a exclusão de Cuba do mercado preferencial americano em 1961, mercado este protegido e que praticava preços maiores que as cotações do mercado livre. A reação das autoridades e dos produtores brasileiros foi de euforia, como se veria em outras ocasiões no futuro, pois trabalhava-se com a hipótese de o Brasil poder substituir toda a produção cubana para aquele mercado, ignorando que dezenas de outros países produtores possuíam capacidade de atender àquela demanda. Ao invés de focar os incentivos estatais na melhoria de produtividade, que poderia garantir uma vantagem competitiva mais permanente e resistente às oscilações de preços, opta-se por uma política de expansão da produção. Créditos subsidiados de longo prazo passaram a ser concedidos para que fosse ampliada em 50% a capacidade produtiva durante a década de 60, colocando-se como meta uma produção de 6 milhões de toneladas para o ano de 1971. Os interesses dos industriais encontravam eco nas instâncias governamentais, que tomavam eventos conjunturais como base de projeções a longo prazo, para traçar suas estratégias de intervenção. O decreto nº 156 de 1961 é um exemplo claro desta visão, pois criou um poderoso Fundo de Consolidação e Fomento da Agroindústria Canavieira dotado de amplos recursos (entre eles uma taxa de Cr$ 50,00 por saco de açúcar) , cujo objetivo principal era o financiamento da exportação e da expansão produtiva, deixando em segundo plano a pesquisa e formação de pessoal técnico.
Esta expansão coincidiu com duas condições desfavoráveis em meados da década de 60. Após uma alta conjuntural nos preços em 1963, os preços voltaram a cair e, ao mesmo tempo, o consumo interno se arrefecia em virtude da política econômica recessiva empreendida pelo governo militar. A exportação torna-se, assim, um elemento importante do setor (em torno de ¼ da produção), mas sem correspondência em preços remuneradores, o que obrigava a transferência de subsídios financiados sobre a taxação do açúcar no mercado interno e de outras fontes orçamentárias.
A década de 70 se iniciou com uma inflexão das duas tendências discutidas acima. Em primeiro lugar, a intervenção estatal passou por uma mudança qualitativa, com o lançamento, em 1971, de dois programas de intervenção : o Programa Nacional de Melhoramento da Cana-de-Açúcar (Planalsucar) e o Programa de Racionalização da Indústria Açucareira. O primeiro deles tinha como objetivo o desenvolvimento da pesquisa de novas variedades de cana, adequadas às nossas condições e mais produtivas, pela experimentação e melhoramento genético. Embora seus resultados só tenham começado a ser significativos a partir da década de 80, dado o longo período da pesquisa agropecuária, a mudança do enfoque da intervenção foi significativa por sinalizar que a preocupação central do IAA deixava de ser a expansão horizontal da produção de per si e passava a ser a sustentação a longo prazo de uma competitividade do açúcar brasileiro. O segundo programa (dois anos mais tarde substituído pelo Programa de Apoio à Indústria Açucareira, mas sem mudanças radicais nos seus objetivos) visava a estimular a concentração da agroindústria, de modo a que as unidades pudessem usufruir economias de escala e que tivessem maior capacidade de introduzir tecnologias mais modernas. Deixava-se de lado a preocupação com as pequenas unidades (e até com o Estatuto da Lavoura Canavieira ), promovendo mediante créditos baratos e de longo prazo as unidades mais eficientes. Usineiros paulistas e alagoanos, que representavam as unidades mais eficientes, responderam rapidamente ao estímulo, embora unidades menos produtivas do norte fluminense também tenham sido apoiadas pelo programa. Expandiu-se ainda mais a capacidade, mas agora dentro de um novo enfoque que privilegiava a produtividade.
A segunda mudança importante na década foi a quebra na produção mundial nos anos 1971 e 72, que reduziram os estoques acumulados e deixaram espaço para as exportações brasileiras. Os produtores brasileiros ficaram numa posição privilegiada pois possuíam estoques e capacidade de produção, o que permitiu que as exportações tivessem atingido cerca de 3 milhões de toneladas (Quadro 2.9) e a preços crescentes (Gráfico 2.1). Embora o volume tenha recuado um pouco em 1974 e 75, os preços desses anos mais que duplicaram, fazendo com que a receita com a exportação fosse substancial nestes dois anos. Esta conjuntura favorável permitiu ao IAA, pela primeira vez em sua história, acumular um excedente financeiro com as taxas de produção pois não precisou canalizar recursos para equalização de preços. Estes recursos foram fundamentais para a dinamização dos programas em curso, tendo a capacidade produtiva crescido ainda mais diante dos incentivos e da conjuntura internacional.