POLÍTICA CAMBIAL E MACROECONOMIA DO DESENVOLVIMENTO
Paulo Gala
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Num trabalho amplamente citado, David Dollar argumenta que países em
desenvolvimento voltados para fora crescem mais do que países voltados para dentro. Analisando
uma amostra de 95 países no período 1976-1985 constrói um índice de “outward
orientation” baseado no que chama de distorção cambial e conclui que quanto mais voltado para
fora está o país, maior é seu crescimento (Dollar 1992, pg.541). Dividindo os países
em desenvolvimento em 3 grupos, Ásia, América Latina e África, demonstra como os
primeiros, tidos como caso de sucesso no processo de desenvolvimento econômico,
são mais voltados para fora quando comparados aos dois outros grupos. A partir de
uma medida do nível de distorção e variabilidade do câmbio real, mostra que câmbios
reais mais depreciados e menos voláteis estão associados a maiores taxas de crescimento.
Trabalha com medidas de câmbio real baseadas em comparações de cestas de bens entre
diversos países (PPP) como discutiremos adiante.
Na análise do autor, um nível menor de preços relativos em comparações
internacionais significa um câmbio real mais depreciado e menor protecionismo. Sua formulação
segue, portanto, o argumento de que menor protecionismo ou menor apreciação cambial
devem resultar em maior crescimento. Segundo cálculos de Dollar (1992, pg.535),
baseados em coeficientes encontrados pelas regressões, uma mudança para os padrões cambiais
asiáticos teria aumentado a taxa média de crescimento per capita de países da América
Latina e África em 1,5 e 2,1 pontos percentuais respec tivamente no período 1976-1985.
Nos termos do autor, “these results strongly imply that trade liberalization, devaluation
of the real exchange rate, and maintenance of a stable real exchange rate could dramatically
improve growth performance in many poor countries” (Dollar 1992, pg.541).
O autor concentra seu trabalho na análise empírica, dedicando praticamente
nenhum espaço para a discussão teórica. Entre os argumentos que apresenta, destaca-se o maior
dinamismo do setor de bens comercializáveis e, portanto, a importância para o crescimento
econômico de externalidades positivas trazidas pela produção de exportações. Importante
notar que alguns autores discordam da caracterização que Dollar (1992) faz de seu índice.
Rodrik (1994, pg.37), por exemplo, qualifica-o apenas como uma medida de apreciação
cambial e não como grau de abertura ou proteção de uma dada economia como já mencionamos.
Ainda nessa linha, Benaroya e Janci (1999) encontram evidências que confirmam os
resultados de Dollar (1992). Apresentam uma metodologia para a construção de
índices de distorção cambial que segue o padrão do trabalho do autor. Relaxam algumas
hipóteses restritivas contidas nos trabalhos de Balassa (1964) e Samuelson (1964) que
inspiram o trabalho de Dollar (1992) e também encontram evidências empíricas de que câmbios
reais mais desvalorizados estão associados a maiores taxas de crescimento na média.
Segundo Benaroya e Janci (1999), países que apresentam uma taxa de câmbio relativamente
desvalorizada em relação ao que chamam de regra ampliada de Harrod-Balassa-Samuelson
(quanto maior a renda per capita, maior a apreciação cambial), apresentam maior
crescimento de renda per capita e exportações. Mencionam que esses resultados
fornecem evidências para os argumentos de que os asiáticos estariam usando sua política
cambial de forma deliberada para ganhar competitividade no mercado mundial.
William Easterly (2001) analisa o crescimento de países em desenvolvimento no
período 1980-1998. Argumenta que, apesar das reformas dos 80 e 90, as taxas de
crescimento nestes países teriam ficado aquém do esperado e em níveis menores do que nas
décadas de 60 e 70. Para explicar a aparente contradição entre melhoras dos indicadores e
avanço na s reformas e menor crescimento, lança mão de algumas outras hipóteses: redução do
crescimento nos países da OCDE, aumento das taxas de juros no mercado
internacional e o peso da dívida nos países em desenvolvimento. Na parte econométrica do trabalho,
Easterly apresenta regressões com as tradicionais variáveis da literatura de crescimento
econômico: renda per capita inicial, educação, infraestrutura, inflação, índices de M2/GDP,
entre outros. Encontra os resultados típicos e os sinais esperados nas regressões. Uma
das imporatantes inovações de seu trabalho está na construção de um índice de câmbio
real a partir do estudo de David Dollar (1992). Elabora uma grande série de câmbios
reais para o período 1960-1999, para depois torná-los compatíveis a partir de um nivelamento
baseado nos cálculos de David Dollar (ver discussão na próxima seção). Correlaciona
taxas de crescimento de renda per capita com níveis de câmbio real, controlando por uma
série de fatores, e encontra novamente uma relação negativa, em linha com os resultados
de Dollar (1992) e Benaroya e Janci (1998).
Ao estudar o crescimento comparado das economias latino -americanas e de outros
países no período 1960-99, Fajnzylber et al (2002) reportam resultados similares.
Utilizamo índice de sobrevalorização de câmbio real construído por Easterly (2001). Após
controlar as regressões por uma série de variáveis usuais da literatura, chegam também à
conclusão de que a sobrevalorização cambial exerce importante influência negativa na
determinação de taxas crescimento. Sobre possíveis explicações teóricas para os achados
empíricos, destacam o aumento da probabilidade de crises no balanço de pagamentos associada
à sobrevalorização cambial e o problema do deslocamento de recursos de produção
dos setores de bens comercializáveis para a produção de não comercializáveis.
Registram ainda, de forma algo cética, que seria importante estudar os possíveis efeitos bené
fícos de subvalorizações cambiais para o crescimento econô mico em oposição aos problemas
das sobrevalorizações (Fajnzylber et al 2002, pg.35).
Utilizando o índ ice de Easterly (2001), Acemoglu et al (2002) apresentam
evidências semelhantes da relação entre níveis de câmbio real e crescimento per capita. Num
trabalho sobre instituições e políticas macroeconômicas com 96 países entre 1970 e 1997
não conseguem descartar o efeito do câmbio real em variações da taxa de crescimento
per capita. Apesar de uma das principais conclusões do estudo ressaltar a
importância de instituições ao invés de variáveis macro como causa do desenvolvimento econômico,
a taxa de câmbio real aparece ainda com muita relevância. Como destacam, “t he
only macro variable which appears to play an important mediating role is overvaluation of
the real exchange rate, which is consistent with our discussion of the Ghanaian case,
where real overvaluation was used as a method of expropriation or redistribution” (Acemoglu
et al 2002 pg.50). Segundo Acemoglu et al (2002), a má administração macroeconômica
seria um sintoma da presença de “weak institutions”. Os autores encontram forte
correlação entre instituições e volatilidade macroeconômica, crises e
crescimento.
Ironicamente um dos principais trabalhos empíricos da literatura que procura
medir desalinhamentos cambiais a partir da noção de equilíbrio interno e externo foi o
de Domingo Cavallo et al (1990). Os autores constroem um índice de desequilíbrio
cambial para países em desenvolvimento no período 1960-1983. Correlacionam taxas de crescimento de renda per capita com o índice que representa desvios do câmbio em
relação a uma suposta posição de equilíbrio, para chegar ao resultado típico desta
literatura: sobrevalorizações cambiais associadas a menores taxas de crescimento per capita
em países em desenvolvimento (Cavallo et al 1990, pg.75). Encontram também o resultado de
maior volatilidade cambial associada a menores taxas de crescimento per capita. O índice construído pelos autores leva em consideração algumas medidas para tentar
identificar a posição do câmbio real de equilíbrio: excesso de criação de moeda
e crédito pelo governo, excessiva entrada de fluxos de capital ou endividamento externo e
política comercial demasiadamente protecionista. Argumentam que a ausência destes fatores
implicaria numa taxa de câmbio real mais próxima do equilíbrio. Segundo Cavallo
et al (1990), estas medidas seriam capa zes de identificar desalinhamentos cambiais
induzidos por políticas domésticas e, portanto, não dependentes de choques externos.
Os autores não aprofundam a discussão teórica, seguindo o padrão da maioria dos
trabalhos dessa literatura. Limitam-se a apresentar argumentos em relação às conseqüências
negativas da sobrevalorização cambial, com destaque para a redução da
lucratividade dos setores de bens comercializáveis decorrentes de ciclos de apreciação real. Ao
destacarem a importância do dinamismo tecnoló gico presente neste setor, tem em mente o
problema da “Dutch Disease” e seus potenciais efeitos negativos em termos de produtividade
das indústrias domésticas (Cavallo et al 1990, pg.62). Em relação à volatilidade do
câmbio real, destacam as conseqüências negativas da incerteza sobre as decisões de produção e
investimento. Importante notar que Cavallo et al (1990) também ressaltam a
possibilidade de apreciação cambial como conseqüência do processo de desenvolvimento econômico.
Nesse caso, a apreciação do câmbio real decorrente de aumentos de produtividade
nas indústrias domésticas significaria um movimento natural de equilíbrio, não se
caracterizando num problema de desalinhamento (hipótese Harrod-Balassa-Samuelson
discutida adiante).
Em linha com o trabalho de Cavallo et al (1990), Razin e Collins (1997) também
exploram a relação entre desalinhamento cambial e crescimento per capita. Constroem uma
medida de desalinhamento para 93 países de 1975 a 1993 a partir das noções de
equilíbrio interno e externo que guarda bastante semelhança com o índice de Cavallo et al (1990). A
taxa de câmbio de equilíbrio de longo prazo seria aquela capaz de gerar uma dinâmica de
conta corrente sustentável ao nível de atividade de pleno emprego e plena capacidade,
na definição de Williamson (1995) uma “equilibrium real exchange rate (RER)”. Desalinhamentos seriam representados por desvios da taxa real de câmbio em
relação a essa suposta posição de equilíbrio. A partir da construção de um índice de
desalinhamento, Razin e Collins (1997) fazem análises de regressão para estimar a relação entre
crescimento per capita e nível do câmbio real. Encontram câmbios fortemente apreciados
associados a baixas taxas de crescimento per capita e câmbios moderadamente desvalorizados
associados a altas taxas (Razin e Collins 1997, pg.20). O trabalho dos autores
se concentra na construção das medidas de desalinhamento, não se preocupando em oferecer
explicações teóricas para os resultados empíricos. Mencionam, brevemente, o problema de
crises no balanço de pagamentos e a influência do câmbio real na acumulação de capital.
Ainda nessa registro, Popov e Polterovich (2002) seguem um caminho distinto. Os
autores estão mais preocupados com os possíveis efeitos positivos de desvios no sentido
de subvalorização cambial no processo de crescimento de longo prazo do que com os
problemas da sobrevalorização. Constroem medidas para averiguar em análises de
“crosscountry” o efeito de posições desvalorizadas do câmbio no desempenho de diversas economias. Trabalham com uma amostra de 100 países desenvolvidos e em desenvolvimento no período 1960-1999. Introduzem um novo conceito de
subvalorização cambial associado à situação de acumulação de reservas cambiais. Na proposta dos
autores, sempre que as autoridades monetárias acumulam reservas, a posição do câmbio real
estará relativamente mais depreciada do que numa situação de livre funcionamento do
mercado externo. A acumulação de reservas funcionaria, portanto, como uma “proxy” para
situações de subvalorização cambial (Popov e Polterovich 2002, pg.8).
Argumenta-se na literatura que o câmbio real tenderá a estar mais depreciado em
países em desenvolvimento devido à predominância do baixo nível dos salários que acaba por
reduzir
o preço dos bens não comercializáveis em relação aos comercializáveis. A
subvalorização de moedas em países pobres estaria também associada a recorrentes episódios de
“capital flight”. Popov e Polterovich (2002) chamam a atenção para o fato de que muitos
governos de países em desenvolvimento praticam uma política deliberada de subvalorização
do câmbio real como estratégia de desenvolvimento. Oferecem assim uma explicação de
estratégia de política econômica para tal regularidade. Segundo os autores, tal
opção se manifestaria na constante aquisição de reservas pelo governo, que acabaria por
manter o câmbio real numa posição subvalorizada por longos períodos. Destacam como
exemplo China, Hong Kong, Taiwan, Cingapura, Malásia e Tailândia que teriam hoje,
juntos, cerca de 1/5 das reservas mundiais. Constatam também que países que praticam esse tipo
de política tendem a financiá-la com superávits fiscais, criação de dívida interna
e algum controle de capitais e não via emissão monetária. Não encontram uma relação
significante entre acumulação de reservas e níveis de inflação nesses países.
Analisando o período 1960-1999, reportam ampla variação nos níveis de reservas
cambiais em diversos países. Algumas economias atingiram já mais de 40% do PIB em
reservas por longos períodos: Hong Kong 40%, Cingapura 60%, Bo tswana 100%. Outros países apresentam níveis bastante reduzidos, variando entre 5 e 10% do PIB. Ao
correlacionar níveis de reservas com taxas de crescimento per capita, encontram uma relação
positiva para países em desenvolvimento. Após controlar as regressões de “cross-country”
por nível inicial de renda per capita, taxas de investimento sobre PIB e crescimento
populacional, concluem que a acumulação de reservas como política deliberada de autoridades
monetárias é fator relevante para explicar taxas de crescimento per capita (Popov
e Polterovich 2002, pg.13). Os autores encontram ainda forte correlação positiva
entre acumulação de reservas e: taxas de investimento sobre PIB, volume de comércio
sobre PIB, níveis de investimento direto estrangeiro (IDE) e subva lorização cambial
calculada a partir de medidas de PPP.
Para explicar possíveis motivos dos efeitos benéficos da subvalorização no
crescimento econômico, constroem um modelo que segue os padrões da literatura de crescimento
endógeno. Argumentam, a partir dos resultados apresentados pelo modelo, que
posições de subvalorização cambial podem resultar em aumentos de bem estar. As
justificativas teóricas seguem, grosso modo, a literatura de “export-led growth”. Ressaltam que a
acumulação de reservas produz uma posição de câmbio real mais desvalorizada que traz
benefícios de expansão de demanda agregada no curto pra zo e ganhos tecnológicos no longo
prazo. Um câmbio real relativamente desvalorizado aumenta os lucros no setor de produção
de bens comercializáveis para exportação, estimulando acréscimos nas taxas de
investimento. A presença de externalidades positivas e “learning by doing” no setor de
exportações contribui para uma dinâmica tecnológica mais vigorosa nas trajetórias de
desenvolvimento.
Desalinhamento cambial e crescimento