POLÍTICA CAMBIAL E MACROECONOMIA DO DESENVOLVIMENTO
Paulo Gala
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A Indonésia se tornou independente da Holanda em 1945 após o final da ocupação
japonesa e foi reconhecida internacionalmente em 1949. Na primeira década de
independência, a instabilidade política no país foi intensa, culminando em pesadas restrições
políticas que em 1959 deram extremo poder ao presidente Sukarno com o apoio do exército. O
governo desligou-se da ONU, aproximou relações com a União Soviética e China e lançou um
mal sucedido plano de ação econômica. A má gestão do presidente Sukarno pode ser
observada em alguns indicadores da época: taxas de desemprego da ordem de 25% e taxas de
inflação na casa dos 600% ao ano. Com o empobrecimento e desempenho econômico
extremamente negativo ao longo dos anos 60, um novo golpe de estado em 1967 coloca no poder
o general Suharto que permaneceria até o final dos anos 90. Uma das medidas mais
reconhecidas dessa nova fase na história da Indonésia, conhecida como “New Order”,
foi a nomeação de um time de qua lificados burocratas que teriam ampla autonomia no
manejo da economia durante todo o período da ditadura. Apesar da abundância de recursos naturais como petróleo, borracha e madeira, a
Indonésia era um dos países mais pobres e populosos do mundo no início dos 70 com um PIB
per capita de U$715 (dólares de 1985) e uma população de 129 milhões de habitantes.
A equipe de burocratas que assumiu o poder com o golpe de Suharto lançou um bem sucedido
plano de ação econômica, com as seguintes linhas gerais: estabilização da economia,
fortalecimento da agricultura, indústria e infraestrutura, promoção de comércio
externo e exportações, austeridade fiscal e reforma do setor financeiro. Dentre estas,
destaca-se a unificação do mercado de câmbio em 1970 com a subseqüente desvalorização da
rúpia e a adoção de um regime de câmbio fixo a partir de 1971. No início dos 70, os
resultados positivos do plano podiam ser observados em alguns índices: queda da inflação
para níveis abaixo de 10% ao ano, aumento da produção agrícola e industrial e acréscimo no
nível de reservas cambiais. A arrecadação de impostos aumenta de 4% do PIB em 1965 para
10% em 1970.
Antes do primeiro choque do petróleo, uma enorme crise se abateu sobre a maior
estatal do petróleo na Indonésia, a empresa Pertamina. Devido ao excessivo endividamento
contraído no exterior, sem controle do governo central, a companhia não foi capaz de
honrar seus compromissos em 1974. Para contornar a crise, o governo foi obrigado a
direcionar 2/5 do total de receitas nacionais anuais de petróleo para pagamento das dívidas da
estatal. As enormes conseqüências negativas do episódio para a economia da Indonésia
serviriam de lição para o governo a respeito dos possíveis riscos de uma excessiva
dependência econômica em relação ao petróleo. As respostas do país aos choques do petróleo
seriam fortemente influenciadas pelo caso Pertamina.
Em meados dos 70, o regime de câmbio fixo associado ao aumento da inflação
causado por uma quebra na safra de alimentos e por acréscimos de renda e demanda decorrentes
do choque positivo de preços do petróleo provocou forte apreciação do câmbio real
indonésio. Segundo cálculos de Gelb (1988 pg.207), o câmbio real saiu de uma base 100 entre
19701972 para 133 em 1978. O governo respondeu com controle fiscal e restrições
monetárias. Nesse mesmo ano, desvalorizou a rúpia, que passou de 415 para 625 por dólar.
Muitos analistas (Banco Mundial 1993 pg.127, Edwards 1991 pg.175 e Hill 2000 pg.16, por
exemplo) destacam que essa desvalorização não estaria associada a problemas no
balanço de pagamentos ou dificuldades no pagamento de importações, já que os recursos do
petróleo continuavam a fluir para o país. Gelb (1988 pg.270) argumenta que o
objetivo das autoridades foi principalmente proteger o setor de bens comercializáveis não
ligado ao petróleo, com destaque para a borracha, o café e a incipiente indústria de
manufaturados.
Os acréscimos de receita pública decorrentes do aumento dos preços do petróleo
em 1973 e 1974 foram largamente utilizados para investimentos em infraestrutura na
agricultura e indústria.
No segundo choque do petróleo, a resposta das autoridades foi também bastante
positiva. Mantiveram uma posição fiscal razoavelmente equilibrada e no limite até
superavitária. Em termos de contas externas, a Indonésia passou de um déficit em contas correntes
de 1,6% em relação ao PIB (exceto atividades de mineração) para um superávit de 2,3% no
final dos anos 70. As reservas cambiais aumentaram de 2,6 bilhões de dólares em 1978 para
5 bilhões em 1980, apesar de uma elevada dívida externa. Comparado a cinco casos
similares analisados por Gelb (1988), Equador, Nigéria, Venezuela, Algéria, Trinidad e
Tobago, o câmbio real da Indonésia ficou praticamente estável no período 1978-1982,
sofrendo praticamente nenhuma apreciação real (Gelb 1988, pg.211). Com a queda dos preços
do petróleo no início dos 80 e uma forte deterioração nas contas externas, o
governo promoveu nova desvalorização da rúpia para o valor de 970 por dólar em 1983.
Ao longo dos 80, a estratégia de política cambial continuou com nova
desvalorização da rúpia em 1986 em reposta a queda nos preços do petróleo e adoção de um sistema
de “crawling peg” até o início dos 90. Inicialmente o câmbio seguiu a trajetória do
dólar que se desvalorizou após os acordos do Plaza, especialmente em relação ao yen. Com a
estabilização da moeda norte-americana e movimentos no sentido de apreciação no
início dos 90, as autoridades da Indonésia introduziram um “crawling peg” mais amplo,
deixando a rúpia se desvalorizar novamente em relação a uma cesta de moedas.
Os gráficos abaixo apresentam a evolução das contas externas (dados Banco
Mundial) e do câmbio real indonésio em relação ao dólar americano a partir dos dados de
Easterly (2001) para o período 1970-1999. Novamente, posições acima de zero apontam para sobrevalorizações e abaixo para subvalorizações. O movimento de apreciação no
primeiro choque do petróleo e as desvalorizações reais de 1978 e 1983 ficam bastante
claros.
O desempenho mais notável da Indonésia foi no setor de exportações não
tradicionais. De 1982 a 1992 as exportações não ligadas ao petróleo aumentaram em 300%. No ano de
1979, após a primeira desvalorização, a exportação de manufaturas aumentou em
260%. Comportamento similar foi observado após a desvalorização de 1983 (Gelb 1988, pg.220).
O forte aumento das exportações de manufaturas foi um dos grandes responsáveis
por manter a economia numa trajetória positiva após a grande queda dos preços do
petróleo em meados dos 80. Um dos setores que mais prosperou nessa época foi o de bens industrializados. O investimento estrangeiro direto voltado para exportações
começou a entrar com vigor no país a partir de 1986. Alguns autores se referem a um “boom”
de exportações na Indonésia após 1985 (ver Hill 2000, pg. 81, por exemplo). Em
termos de composição das exportações, a transformação é bastante notável. Em 1980, 3% das
exportações da Indonésia eram compostas por manufaturas. Em 1983, esse
percentual passa para 7% e em 1992 atinge a marca de 50%. Entretanto, apesar da grande
importância das exportações na transformação da estrutura da economia, não se pode dizer que o
país tenha seguido uma trajetória de “export-led growth” stricto sensu como seus vizinhos
asiáticos. Até o início dos 90, suas exportações nunca haviam superado a marca de 31% do
PIB.
Collier et al (1999) destacam a superioridade da condução da política cambial no
desenvolvimento da Indonésia numa comparação com a Nigéria nos 70 e 80. Em
relação à política cambial, o governo da Nigéria teria deixado o câmbio se apreciar
excessivamente no choque do petróleo com enormes conseqüências negativas para as exportações
não petrolíferas. Quando o “boom” de preços acabou no início dos 80, as autoridades
optaram por manter a moeda sobrevalorizada para auxiliar no controle da inflação. Na
Indonésia, o caminho foi outro. “The difference in visions was reflected in different
exchange rate strategies. By the late 1970s Indonesian policymakers chose to sacrifice part of
the public investment program to achieve exchange rate undervaluation, thereby protecting
competitiveness. Because Indonesian nontraditional exports grew rapidly in
response, the policies were vindicated by success and became more secure” (Collier et al 1999,
pg.4).
Ainda nessa linha, Gelb (1988) conclui que a Indonésia é um dos melhores
exemplos de resposta bem sucedida ao choque do petróleo. O país consolidou o setor agrícola
e desenvolveu uma base exportadora de manufaturas apesar dos grandes fluxos de
receita decorrentes das exportações de petróleo. Sofreu uma enorme transformação
no período 1970-1990. Em meados dos 60, a agricultura representava 53% do PIB, passando
para 19% no início dos 90. A porcentagem de empregos no setor agrícola caiu de 73% em
1961 para 50% em 1990. Uma série de medidas preventivas, dentre as quais a adequada
condução da política cambial, transformou a Indonésia num caso importante de superação de
“Dutch Disease”. O gráfico abaixo mostra a evolução do câmbio real em relação ao dólar
americano para os países analisados por Gelb (1988) quanto a respostas ao choque
do petróleo (dados de Easterly 2001). As desvalorizações reais do final dos 70 e dos 80 parecem ter influenciado
fortemente no bom desempenho do país. Azis (1990) destaca positivamente o papel da política
cambial nesse período, especialmente no que diz respeito ao estímulo para a indústria
exportadora de manufaturas. Segundo o autor, as desvalorizações de Março de 1983 (28%) e de
Setembro de 1986 (31%) associadas a um ativo regime de administração cambial resultaram numa depreciação real de 55% no período 1981-1988. Conclui que, “the
results have been very encouraging from the viewpoint of boosting the non-oil exports.
In fact, it is believed that the impacts of devaluation were greater than those of the trade
deregulation, at least as for the last two years” (Azis 1990, pg.242).
O gráfico abaixo mostra a evolução do PIB per capita da Indonésia desde o início
dos 60. Fica aparente a estagnação do período Sukarno nos anos 60 e o início de um
processo sustentado de desenvolvimento a partir de meados dos 70 até o final dos anos 90.
A maior queda de renda per capita do período está associada a grande crise cambial de
1997.
O bom desempenho da Indonésia nos 80 e 90 não se deve simplesmente à política
cambial praticada. Entretanto sua importância como peça de uma estratégia de sucesso
parece ficar clara a partir da argumentação desenvolvida acima. Esse exemplo torna-se ainda
mais interessante se levarmos em consideração a relativa ab undância em recursos
naturais. Uma administração passiva da política econômica certamente faria com que o país
continuasse dependente do mercado mundial de “commodities”, com as já conhecidas
desvantagens apontadas pela literatura de desenvolvimento econômico. A construção de um setor
de bens comercializáveis não tradicional e a integração ao mercado mundial foram pré-requisitos
essenciais para a trajetória de sucesso da Indonésia.
Respostas bem sucedidas aos choques do petróleo na Indonésia