POLÍTICA CAMBIAL E MACROECONOMIA DO DESENVOLVIMENTO
Paulo Gala
Esta página muestra parte del texto pero sin formato.
bajarse los
archivos en pdf comprimidos ZIP. (167 pags., 1359 Kb)
O termo populismo econômico tem definição distinta do tradicional conceito de
populismo utilizado na ciência política, associado à idéia de líderes carismáticos que
governam junto ao povo sem o intermédio de partidos políticos. Governos que praticam déficits
orçamentários recorrentes como conseqüência de aumentos salariais acima da produtividade do trabalho ou ainda que promovem apreciações cambiais com o
intuito de aumentar os salários reais, estariam incorrendo em populismo econômico. Melhoram
o bem estar dos trabalhadores no curto prazo com vistas ao ciclo político sem levar em
consideração as conseqüências de longo prazo de tais políticas. A lógica
populista produz distorções com efeitos benéficos no curto prazo à custa de grandes
desajustamentos no longo prazo. O desalinhamento da taxa de câmbio no sentido de sobrevalorização é
uma poderosa ferramenta de aumento de salários reais sem contrapartida de mudanças
estruturais adequadas na economia. A redução de preços dos bens comercializáveis
em relação aos não comercializáveis, especialmente salários nominais, representa um
significativo aumento de salário real.
O excesso de demanda provocado por políticas populistas não tem uma
contrapartida em aumento da capacidade produtiva. O esgotamento das reservas cambia is e a
incapacidade de financiamento do setor público resultam em crises de balanço de pagamentos,
insolvência fiscal e aceleração inflacionária . A perda de bem estar geral
decorrente das crises oriundas dos ciclos populistas acaba por superar em muito o ganho
transitório do que ficou conhecido nessa literatura como “distributivismo ingênuo”. O aumento
artificial dos salários reais provoca fortes deseq uilíbrios internos e externos que prejudicam
a situação dos trabalhadores em termos de ganhos reais e emprego (Canitrot 1991[1978]).
Nos modelos tradicionais de macroeconomia do populismo na América Latina, a
economia é descrita por dois setores: um primeiro baseado em bens não comercializáveis
compostos por serviços e manufaturas e intensivo em trabalho e um segundo, intensivo em
capital, baseado em bens comercializáveis agrícolas, especialmente dependentes da terra.
A produção de manufaturas do primeiro setor depende de elevado protecionismo e é
voltada para o mercado interno. Os bens agrícolas do segundo setor são produzidos
principalmente para o mercado externo, como nos casos tradicionais da Argentina e Brasil.
Devido aos altos níveis de desigualdade de renda, governos populistas tentam
transferir recursos para as classes mais baixas através do aumento do gasto público. A
expansão monetária decorrente do financimento dos déficits públicos reduz as taxas de
juros e estimula a demanda agre gada. O aquecimento da economia provoca aumentos de
preços nos setores de não comercializáveis e aumento de importações de bens de consumo
e capital. A prática de taxas fixas de câmbio somada a aumentos da inflação
resulta em sobrevalorizações cambiais. O ajuste é postergado pois a política favorece
inicialmente os trabalhadores, geralmente ligados ao setor de não comercializáveis. Uma
desvalorização do câmbio real é vista como uma trans ferência de renda para as classes mais
privilegiadas na medidade em que beneficia a produção de bens agrícolas das oligarquias rurais
para o mercado mundial (Sachs 1991, pg.130).
Importa aqui destacar a trajetória do câmbio nestes ciclos. Bresser-Pereira
(1991, pg.111) chama a atenção especificamente para o caso de populismo cambial presente nos
casos de populismo econômico mais gerais. Ao apreciar o câmbio real, o governo aumenta
salários reais de forma artificial devido à redução do preço dos bens comercializáveis. O
aumento de salários reais tem como conseqüência um acréscimo do consumo agregado,
voltado para bens importados. Como a melhoria dos salários não decorre de aumentos de
produtividade,
o acréscimo de consumo, especialmente de bens importados, é financiado por endividamento externo. Os excessivos déficits comerciais e o agravamento das
contas externas resultam numa crise no balanço de pagamentos. Bresser-Pereira e Nakano
(2003) descrevem em termos estilizados os episódios do ciclo populista, “a
administração populista aumenta os salários nominais, aumenta os gastos do Estado e fixa a
taxa de câmbio. Em breve, a taxa de câmbio fica sobrevalorizada, a taxa de inflação
decai, os salários reais aumentam, o consumo e as importações disparam e as exportações
declinam” (Bresser-Pereira e Nakano 2003, pg.16). Na primeira fase do programa populista, as restriçõe s macroeconômicas permitem
uma expansão de gastos e endividamento externo já que, em geral, planos deste tipo
são implantados após situações recessivas ou de ajustamento. A expansão da demanda
no curto prazo, com decorrente aumento de emprego e salários, aumenta a credibilidade das
autoridades e estimula a manutenção do programa. A economia atinge então pontos
de estrangulamento. Déficits públicos, déficits externos e aumento da inflação
sinalizam a gravidade do problema. O ajuste é postergado devido a seu alto custo social. A
escassez generalizada de produtos, aceleração extrema da inflação e a defasagem cambial
estimulam fugas de capital. O programa entra em colapso e uma grande desvalorização
cambial segue como conseqüência do ajustamento. Na seqüência, um plano de estabilização
ortodoxo impõe grandes custos sociais, com reduções consideráveis nos salários reais. As
conseqüências negativas do ciclo populista tendem a se perpetuar, com redução de
investimentos e emprego (Dornbusch e Edwards 1991, pg.155). Muitas vezes as desvalorizações são acompanhadas de medidas de controle cambial que acabam
também por estimular o surgimento de mercados paralelos de divisas.
Muitos autores analisaram episódios de populismo econômico na América Latina.
Sachs (1991) discute 3 ciclos entre 1970 e 1990: Chile durante os anos 1970-1973,
Brasil 19851987 e Peru 1985-1987. Segundo o autor, em todos esses períodos, podem-se observar as
características acima elencadas: descontrole do orçamento, intensa apreciação
cambial, crise no balanço de pagamentos e descontrole da inflação. Em todos os ciclos
observa-se um crescimento acelerado do PIB num primeiro momento seguido de fortes ajustes
recessivos. Salvador Allende no período 1971-1973, José Sarney entre 1985-1987 e
Alan Garcia de 1985 a 1988 teriam todos, a seu modo, praticado o tipo de política
econômica descrita acima. Sachs vai além e identifica no populismo econômico uma das
causas fundamentais das inflações crônicas latino-americanas, “o populismo econômico
ajuda a explicar o fato de que, em 1987, havia nada menos do que cinco países
latino-americanos (Argentina, Brasil, México, Nicarágua e Peru) com taxas de inflação de três
dígitos” (Sachs 1991, pg.126).
A recorrência dos ciclos populistas na América Latina chama a atenção. Como
destacam Edwards e Dornbusch (1995), o ciclo característico do populismo se repete
inúmeras vezes como tentativa de melhorar a distribuição de renda na região, “again and again,
and in country after country, policymakers have embraced economic programs that rely
heavily on the use of expansive fiscal and credit policies and overvalued currency to
accelerate growth and redistribute income” (Dornbusch e Edwards 1995, pg.7). Cardoso e Helwege
(1991) tratam do populismo clássico de Perón na Argentina entre os anos de 1946 e 1949,
além do caso chileno no período Allende. Analisam também o período dos sandinistas na
Nicarágua, com destaque para a grande sobrevalorização da moeda no início dos
80. Concluem, entretanto, que a situação da Nicarágua na década de 80 se aproxima
muito mais de um programa socialista do que de um caso de populismo econômico. Cardoso e
Helwege (1991) e Bresser-Pereira (1991) também identificam traços de populismo
no ajustamento brasileiro do início dos anos 80 e no governo Sarney entre 1985 e
1987.
As sobrevalorizações cambiais presentes nos episódios de populismo são um
resultado colateral da prática de políticas econômicas irresponsáveis. A fixação da taxa
de câmbio nominal associada ao excesso de demanda decorrente do aumento de gastos públicos
eleva
o preço dos bens não comercializáveis, apreciando o câmbio real. O efeito
subseqüente de aumento de salários reais sem contrapartida de produtividade é
negligenciado pelas autoridades que enxergam nisso uma benesse para os
trabalhadores. Os desajustamentos causados por tal política são resolvidos por
uma grande desvalorização cambial acompanhada de crise no balanço de pagamentos.
Populismo econômico