POLÍTICA CAMBIAL E MACROECONOMIA DO DESENVOLVIMENTO
Paulo Gala
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archivos en pdf comprimidos ZIP. (167 pags., 1359 Kb) A primeira conclusão do trabalho aponta para os problemas da sobrevalorização
cambial e para as vantagens de uma relativa desvalorização do câmbio real no processo de
desenvolvimento econômico. Destaca, portanto, a não neutralidade da política
cambial. Um assunto que recebeu alguma atenção na literatura empírica por conta dos estudos
de desalinhamento e crescimento, mas que tem pouquíssima representatividade nos
estudos teóricos. Com a exceção da literatura sobre “Dutch Disease”, que se liga ao tema
de forma complementar, os trabalhos na área de crescimento e macroeconomia passam ao
largo da questão. Os argumentos teóricos apresentados ao longo do texto analisaram os
problemas causados por longos períodos de apreciação do câmbio real, alinhando-se às
regularidades empíricas encontradas por diversos estudos. Levando-se em consideração as
possíveis conseqüências negativas de reduções da poupança e investimento na acumulação de
capital,
o potencial de estagnação ou até mesmo regressão tecnológica ligado aos casos de
“Dutch Disease” e o aumento de probabilidade de crises no balanço de pagamentos,
apreciações cambiais prolongadas podem ter impactos bastante negativos em trajetórias de
crescimento econômico. Por outro lado, níveis relativamente depreciados de câmbio real podem,
além de evitar crises cambiais, representar importantes estímulos para acréscimos em
taxas de poupança e investimento agregados e inovações tecnológicas, especialmente via
produção de manufaturas para exportação. O populismo econômico latino-americano dos anos 70 e 80 foi muito estudado pelo
FMI e Banco Mundial. A recomendação de ajuste econômico de ambos sempre foi a desvalorização cambial e o ajuste de contas públicas. Curiosamente, nos anos 90,
as preocupações com as sobrevalorizações desapareceram. Nos casos da Argentina e
Brasil, toda a atenção foi voltada para a questão das contas públicas, sendo os
problemas de política cambial praticamente ignorados. Os trabalhos de macroeconomia do
populismo dos anos 80 já demo nstravam claramente as graves conseqüências negativas de sobrevalorizações cambiais. Os estudos do Banco Mundial sobre “Dutch Disesase”
apontavam também nesse sentido. Durante os anos 90 essa experiência foi deixada
de lado e muitas das recomendações de política econômica ignoraram o tema. Os resultados
econômicos da América Latina no período recente se aproximaram muito do que
previa a teoria a respeito.
Quanto à questão da “Dutch Disease”, vale a pena destacar que grande parte da
literatura e discussão atual sobre política econômica continua ignorando um tema já
amplamente tratado em pesquisas teóricas e empíricas. Esse debate, praticamente ignorado
pelos atuais estudos de macroeconomia, foi desenvolvido nos anos 80 após os choques do
petróleo, ligado principalmente aos trabalhos na área de energia, recursos naturais e desenvolvimento. Um bom exemplo desta lacuna está na literatura mais recente que
discute a relação entre desenvolvimento econômico, perfil de comércio e dinâmica
tecnológica, sem se preocupar em discutir questões ligadas à administração cambial. Os
argumentos apresentados neste trabalho destacam a atualidade do assunto e procuram
contribuir para uma retomada das análises baseadas nesta literatura dos anos 80. Como
discutimos, câmbios relativamente depreciados estimulam o setor de manufaturas
comercializáveis, evitando problemas de “Dutch Disease”, contribuindo para o acréscimo de
exportações e para o desenvolvimento tecnológico. O problema da “Dutch Disease” parece ter um
alcance muito mais geral do que se pensava inicialmente.
A questão da substituição de poupança interna pela externa merece destaque. Os
trabalhos de “mainstream” que relacionam automaticamente o déficit em contas correntes a
aumentos de investimentos ignoram uma possibilidade teórica importante como procuramos
argumentar. Em muitos casos, um déficit em contas correntes surge única e
exclusivamente para financiar “booms” de consumo, sem acréscimos ao estoque de capital. Esses
episódios costumam terminar em crises de balanço de pagamentos. Muitos dos casos de
apreciação cambial na América Latina nos anos 80 e 90 foram acompanhados de redução de
poupança doméstica e crise, especialmente Chile no início dos 80 e Brasil, México e
Argentina nos
90. Como argumentamos ao longo do trabalho, o nível da taxa de câmbio real pode
afetar trajetórias de acumulação de capital via definição de níveis de poupança e
investimento, com óbvias conseqüências para o processo de desenvolvimento econômico. O
problema de “savings displacement” representa importante argumento teórico na explicação das
conseqüências negativas de sobrevalorizações cambiais.
Ao seguir a estratégia de crescimento com déficits em contas correntes e
endividamento externo nos 90, os países latino-americanos representam bons exemplos dos
problemas que uma estratégia de crescimento com utilização de poupança externa pode trazer.
Câmbios sobrevalorizados, crises no balanço de paga mentos, excessivo endividamento
externo e “defaults” marcaram a trajetória destes países na década de 90, em muito se
assemelhando aos episódios do final dos anos 70 e início dos 80. Ao se endividar para
financiar ciclos artificiais de aumento de consumo, México, Brasil e Argentina passaram por
grandes crises cambiais e estagnação econômica nos anos recentes. O Brasil, ao abandonar sua
estratégia de “real exchange rate targeting” dos anos 70, passou por três grandes ciclos de
apreciação cambial desde o final dos anos 80. O México repetiu no início dos 90 o ciclo de
sobrevalorização e crise do início dos 80. A Argentina levou essa estratégia ao
paroxismo e passou, a partir da implantação de seu “currency board”, a conviver com grandes
desalinhamentos cambiais. O Chile parece ter sido um dos únicos na América
Latina a aprender com as lições dos anos 70 e 80. Ao mudar seu estilo de administração
cambial e evitar o excessivo endividamento externo, passou pelas crises da década de 90
praticamente incólume.
Na Ásia, as principais diferenças entre Taiwan, China e Índia e os países que
entraram em crise também se relacionam à discussão do comportamento da taxa de câmbio real e
do endividamento externo. Na segunda metade dos 90, Coréia do Sul, Malásia e
Tailândia alteraram a estratégia dos 80, passando a depender fortemente de financiamento
externo de curto prazo, permitindo algum grau de apreciação cambial. Mesmo direcionando os
fundos de empréstimos para investimentos, passaram por grandes crises a partir da
reversão súbita do financiamento. A Indonésia, por contágio e problemas políticos, acabou também
se juntando ao time dos asiáticos em crise. China, Índia e Taiwan seguiram outra
rota. Mantiveram a conta capital razoavelmente fechada, controlaram o endividamento
externo, praticaram câmbios reais relativamente desvalorizados e, com a exceção da Índia,
continuaram operando com superávits em conta corrente. A crise asiática de 1997
teve poucos efeitos nesses países. As grandes quedas no PIB da Coréia do Sul, Malásia,
Tailândia e Indonésia contrastam fortemente com as taxas de crescimento de
China, Taiwan e Índia.
Alguns autores argumentam que um câmbio real relativamente apreciado poderia
contribuir para aumentos do investimento na medida em que tornaria bens de capital
importados relativamente mais baratos. De fato, uma apreciação cambial torna todos os bens
importados mais baratos. Para que o efeito da redução de preços de
comercializáveis seja benéfico para aumentos de investimento agregado, deve-se assumir que o impacto
da redução nas margens de lucro no setor de comercializáveis seja mais do que
compensado pelo barateamento dos bens de capital. Assumindo-se que a apreciação cambial
reduz substancialmente a margem de lucro dos setores de bens comercializáveis, o
aumento da margem de lucro dos setores não comercializáveis decorrentes do barateamento de
custos de produção deverá ser significativo e, portanto, capaz de desencadear aumentos
de investimentos. Em termos empíricos, os casos asiáticos e latino-americanos não
apontam nesse sentido. Na Ásia, maiores taxas de investimento associam-se a menores
níveis de câmbio real, sendo oposta a situação da América Latina. O caso latino-americano
recente demonstra a alta elasticidade da função consumo em relação ao câmbio. As
apreciações relativas nessa região tenderam a desencadear surtos de consumo e não de
investimento como sugere o argumento favorável à relativa apreciação cambial. Os impactos da
apreciação real parecem ser mais fortes no consumo do que no investimento
agregados.
A segunda conclusão desta pesquisa aponta para a política cambial como um dos
fatores responsáveis pelo relativo sucesso dos asiáticos quando comparados aos
latino-americanos nos últimos 20 anos. Um tema presente ao longo de todo o trabalho é o relativo
sucesso dos primeiros quando comparados aos segundos, especialmente após o final dos anos 70
e da crise da dívida. Duas características de todas essas economias são marcantes em
relação à perspectiva deste trabalho : o nível da taxa de poupança e o desenvolvimento do
setor de bens comercializáveis manufatureiro. Numa comparação entre o leste e sudeste da
Ásia e América Latina, os primeiros apresentam altas taxas de poupança e um dinâmico e
desenvolvido setor de comercializáveis voltado para o mercado mundial, são
economias “outward-looking”. Os latino-americanos apresentam baixas taxas de poupança e,
com a exceção de um ou outro caso, têm um parque industrial voltado para o mercado
interno, são economias “inward-looking”.
Duas das principais conseqüências negativas da permanente apreciação cambial
podem ser, como vimos, o deslocamento ou perda de poupança interna e a retração do setor
manufatureiro. Devido aos recorrentes ciclos de sobrevalorização, países da
América Latina provavelmente sofreram, nos últimos 30 anos, de “Dutch Disease” e “savings displacement”. Por outro lado, a relativa depreciação dos câmbios reais nas
economias do leste e sudeste asiático parece ter exercido papel determinante nos altos níveis
de poupança e investimento e no dinamismo do setor de bens comercializáveis da região. As
trajetórias de desenvolviemnto dessas duas macro-regiões parecem ter sido fortemente
determinadas pela evolução do nível de seus câmbios reais nessas últimas décadas.
Existem vários riscos e problemas ao se fazer uma análise que agrega países tão
distintos como Coréia do Sul e Indonésia ou ainda Brasil e Chile. Entretanto, no nível de
abstração que trabalhamos, não parece tão absurdo agrupar os países do leste e sudeste
asiático que ora analisamos quanto a abordagens nas questões cambia is. Um bom exemplo disso
encontra-se nos chamados tigres de segunda geração: Indonésia, Malásia e
Tailândia. Uma das principais diferenças entre estes e os asiáticos de primeira geração, Coréia
do Sul, Hong Kong, Taiwan e Cingapura, está no tamanho de seus territórios e abundância de
recursos naturais, especialmente petróleo. Seriam todos candidatos naturais a “Dutch
Disease”. Entretanto, quando comparados a países africanos ou latino -americanos
semelhantes, apresentaram trajetórias de desenvolvimento completamente distintas. Ao invés de
praticar a busca de rendas econômicas decorrentes de recursos naturais abundantes,
embarcaram numa estratégia de “export-led growth”, em muitos pontos semelhantes à primeira
geração de tigres. A comparação da política cambial perseguida pela Indonésia e Nigéria
é emblemática nesse sentido.
Apesar de todas as evidências apresentadas por esta pesquisa, seria obviamente
descabido afirmar que a política cambial por si só explica as diferenças entre o leste e
sudeste da Ásia e a América Latina. A literatura de crescimento econômico já está bastante
consolidada nesse aspecto e as diferenças entre essas regiões já são bem conhecidas: níveis
de educação, austeridade fiscal, qualidade da burocracia, menores níveis de corrupção e rent-seeking
e assim por diante. Na literatura que trata de política industrial e
desenvolvimento, as diferenças entre estes dois grupos são também bastante claras e as virtudes do
modelo asiático de promoção de exportações (EPI) sobre o modelo latino-americano de
substituição de importações (ISI) estão bem demonstradas. Ao analisar a evolução da política
cambial nessas duas macro-regiões, este trabalho procurou contribuir para um setor menos
explorado por estas duas literaturas.
7. CONCLUSÕES