POLÍTICA CAMBIAL E MACROECONOMIA DO DESENVOLVIMENTO
Paulo Gala
Esta página muestra parte del texto pero sin formato.
bajarse los
archivos en pdf comprimidos ZIP. (167 pags., 1359 Kb)
A partir da crise da dívida no início dos anos 80, o padrão de crescimento dos
países latino americanos se distanciou de seu registro histórico. Países como Brasil e México que exibiam altas taxas de crescimento per capita até então entram num ciclo de
“stop and go ” que persiste até hoje. Com a exceção do Chile e possivelmente Colômbia, o
desempenho dos países da região nos 80 e 90 ficou muito aquém de seu desempenho histórico.
Nesse período mais recente de crescimento cíclico e inflação fora de controle, dois
elementos são comuns à maioria dos países-latino americanos: populismo e planos de
estabilização com ancoragem cambial. Com efeito, os países da América Latina são conhecidos por
sua longa tradição de populismo econômico que traz em seu bojo descontroles orçamentários
e ciclos de apreciação cambial. Crises no balanço de pagamentos e processos
inflacionários crônicos são constantes latino-americanas. A sobrevalorização cambial e a
indisciplina fiscal foram dois ingredientes básicos em sua histó ria recente, especialmente
quando comparados com países do leste e sudeste asiático.
A sobrevalorização cambial foi também largamente utilizada em países da América
Latina no período de substituição de importações para estimular a industrialização
substitutiva de importações (ISI). Funcionava como uma forma indireta de taxação sobre a
exportação de “commodities”. Transferia para o setor industrial parte dos lucros auferidos
pelas exportações agrícolas que se beneficiavam do elevado nível de preços dos bens
primários. Entretanto, a partir da consolidação da industrialização a estratégia passou a
ser contraproducente na medida em que dificultava a penetração dos produtos latino
americanos no mercado internacional. Os ciclos de apreciação decorrentes dos episódios populistas e de estabilização tiveram graves conseqüências no desenvolvimento do
setor de bens comercializáveis não tradicional da região. Como destaca Fishlow (2004), a
sobrevalorização cambial deixou de ser funcional para o desenvolvimento da
América Latina como na fase de industrialização substitutiva de importações (ISI) na
década de 70; “a supervalorização do câmbio inerente a estratégia do Cone Sul para redução da
inflação provou-se desastrosa” (Fishlow 2004[1985], pg.228).
Dentre muitos autores que trataram do assunto, Dornbusch et al (1995) analisam
três casos de significante apreciação real nos últimos 20 anos na América Latina
decorrentes de planos de estabilização de preços: México 1978-1982, Chile 1978-1982, e México
19901994. No caso mexicano, ressaltam as semelhanças do que teriam sido dois grandes
ciclos de apreciação resultantes em grandes crises de balanço de pagamentos em 1982 e
1994. Ao comparar o desempenho chileno com o mexicano depois da crise da dívida, dão
grande ênfase à política cambial competitiva praticada pelo Chile como um dos
principais fatores responsáveis pelo seu sucesso, comparado ao relativo fracasso mexicano (ver
Dornbusch et al 1995, pg.259 e Abud 1996 a respeito).
Analisam também brevemente os casos de apreciação cambial no Brasil e Argentina
nos anos 90. Alertava m já à época para os riscos de uma crise cambial nos dois
países e recomendava m uma depreciação para o caso brasileiro e uma estratégia de
manutenção da caixa de conversão argentina até que uma deflação fosse capaz de corrigir a
apreciação da moeda (Dornbusch et al 1995, pgs.262-263). Os autores ressaltam ainda dois
episódios anteriores de apreciação nesses países que teriam sido corrigidos sem crises
cambiais: Brasil 1987-1990 no período pré-Collor com uma apreciação real da ordem de 54% e
Argentina de Martínez de Hoz entre 1979-1980 com uma apreciação de
aproximadamente 60% (ver também Frenkel e Damill 2003).
A Argentina representa um caso paradigmático de sobrevalorização cambial e crise
nos anos 90. Depois da bem sucedida implantação da caixa de conversão e do programa
de estabilização no início dos 90, o câmbio real se apreciou consideravelmente,
especialmente após o fortalecimento do dólar na segunda metade dos 90 e da desvalorização
brasileira em 1999. De fato, os principais ciclos de apreciação da América Latina nos anos 90
estão associados a 3 grandes programas de estabilização: México 1987, Brasil 1994 e
Argentina 1991 (ver a respeito Mussa 2000). A utilização da ancoragem cambial nos três
planos, entre outras medidas, trouxe como conseqüência negativa apreciações cambiais que
acabaram por resultar em três grandes crises externas: México em 1994, Brasil em 1999 e
Argentina em 2001 (ver Frenkel 2002 e Frenkel et al 1996).
O programa de estabilização chileno iniciado na segunda metade dos 70 também
guarda semelhanças com esses casos como já discutimos. A partir de sua implantação,
observa-se uma considerável apreciação cambial, que somada a outros fatores, acaba por
terminar numa crise em 1982. Os quatro ciclos foram muito parecidos com os episódios de
populismo cambial elencados por Sachs (1991). Inicialmente observou-se
crescimento nos quatro países. Os salários reais aumentaram, o consumo aumentou, o endividamento
externo aumentou e finalmente o balanço de pagamentos entrou em colapso, seguido
de forte depreciação cambial. Todos os ciclos foram acompanhados de crescente
apreciação cambial até o momento da crise (para uma análise resumida dos casos de Chile,
México e Brasil, ver Dornbusch 2002, pgs. 252-262).
Todas as crises dos anos 90 na América Latina estão associadas a problemas de
apreciação cambial. Palma (2003a) identifica três rotas para crises financeiras em países
em desenvolvimento desde a crise da dívida de 1982. Na primeira, representada
principalmente pelas experiências de liberalização financeira e estabilização chilena
1975-1982, mexicana 1987-1994 e argentina 1990-2000, houve grande aumento de crédito ao setor
privado, sobrevalorização cambial, bolhas nos mercados de ativos e um “boom” de consumo
de importados. Na segunda rota seguida pelo Brasil entre 1994-1998, a tentativa de
se evitar os erros contidos na rota 1 acabou por criar um novo caminho para a crise. A
esterilização dos fluxos de capital somada a prática de altas taxas de juros para evitar um “boom”
de consumo e a dificuldade de controle de gastos públicos acabou por colocar a
dinâmica da dívida pública em trajetória insus tentável. Na terceira rota, representada pelo
caso da Coréia do Sul entre 1988-1996, a queda no preço de componentes eletrônicos no
mercado internacional e a entrada da forte concorrência chinesa levou à queda nas
margens de lucro das empresas coreanas que passaram a buscar financiamento no endividamento
externo.
Malásia e Tailândia teriam sofrido no período 1988-1996 uma combinação das rotas
1 e 3, na medida em que também sofreram com a queda de lucros devido às condições do
mercado internacional de eletrônicos, passaram por um “boom” no mercado de
ativos mas não apresentaram sinais de aumentos de consumo. No caso brasileiro, pode-se
observar algumas características da rota 1 na sobrevalorização cambial e aumento do
consumo agregado. Em todas as rotas, foram os grandes déficits em conta corrente
associados a “sudden stops” de financiamento que, em última análise, levaram às crises. No
caso asiático, os déficits estavam primordialmente associados ao financiamento de
investimentos e nos casos latino-americanos ao financiamento de consumo com fortes apreciações
do câmbio real. Com a exceção do Brasil, que teve um forte componente de
endividamento público, todas outras rotas levaram a uma crise a partir do endividamento
privado de empresas e consumidores.
O gráfico abaixo apresenta o comportamento da taxa de câmbio real em relação ao
dólar americano (calculada a partir dos dados de Easterly (2001)) para alguns dos
principais ciclos de apreciação da América Latina no período (para uma discussão detalhada
dos dados ver o último capítulo). Destacam-se os casos de populismo elencados por
Sachs (1991), os episódios de liberalização financeira e estabilização analisados por
Palma (2003a) e os casos de apreciação ressaltados por Dornbusch et al (1995). Na
comparação entre as moedas asiáticas e latino-americanas nos anos 90, percebe-se que os
ciclos de apreciação dos primeiros foram muito maiores. Coréia do Sul, Tailândia e Malásia
apresentaram também alguma apreciação nos anos de 1995, 1996 e 1997, mas ainda
assim menores do que nos casos latino-americanos. Alguns autores argumentam que a
apreciação em alguns dos países asiáticos foi um dos fatores responsáveis pela crise de
1997 (ver Lim 2004, por exemplo).
A partir dos dados de câmbio real de Easterly (2001) pode-se construir uma
rotina simples, capaz de detectar ciclos de apreciação na Ásia e América Latina no período
1970-1999. Definindo-se um ciclo de apreciação cambial como uma seqüência de n anos com um
câmbio real médio superior a x% em relação à um ano base, pode-se calcular
ciclos de apreciação a partir da divisão da média de três anos subseqüentes em relação a
um dado ano base. Analisando-se a ocorrência desses rápidos ciclos de apreciação cambial na
Ásia e América Latina, encontra-se uma grande diferença. Para 3 anos com apreciação
média de 30% em relação ao ano base, encontram-se 16 anos base no que parecem ser 9
ciclos de apreciação para América Latina e 4 anos base que parecem constituir 2 ciclos
para a Ásia numa amostra de 10 países para cada continente (tabelas 7 e 8 do apêndice). Se
se estende em 1 ano o ciclo, ou seja, 4 anos de câmbio real médio 30% acima do ano base,
encontram se 24 anos base e 11 ciclos para a América Latina e 5 anos base com ainda 2
ciclos para a Ásia. Relaxando-se as restrições do ciclo de apreciação para um câmbio real
médio superior em 3 anos a 15% do ano base encontram-se 59 casos para a América Latina e 25
para a Ásia (tabelas 9 e 10 do apêndice).
Populismo e âncoras cambiais na América Latina