A importância do setor de bens comercializáveis não tradicional
Tesis doctorales de Economía

POLÍTICA CAMBIAL E MACROECONOMIA DO DESENVOLVIMENTO

Paulo Gala

 

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A importância do setor de bens comercializáveis não tradicional

Os argumentos teóricos que explicam os canais pelos quais a “Dutch Disease” pode afetar uma economia se relacionam primordialmente ao enc olhimento do setor de bens comercializáveis. A apreciação cambial decorrente da exportação dos recursos naturais com base em rendas econômicas dificulta ou, no limite, torna impossível a produção de bens comercializáveis agrícolas e, especialmente, manufaturados que teriam maior potencial de inovações tecnológicas e ganhos de produtividade. O setor de recursos naturais ocupa o espaço da produção agrícola e de manufaturas num processo de “crowding out”. Capital e trabalho são deslocados para a extração de recursos naturais e produç ão de não comercializáveis. A indústria do país volta-se para dentro, especializando-se na produção de bens não comercializáveis que apresentam maior rentabilidade por conta da apreciação cambial. Dependendo da intensidade do processo, a economia se torna excessivamente “inward-looking”, o que também acaba prejudicando seu nível de eficiência devido à ausência da competição que seria encontrada no mercado mundial.

Os modelos que descrevem os problemas de “Dutch Disease” assumem uma economia de três setores: bens não comercializáveis (NT), recursos naturais comercializáveis, por exemplo , petróleo (RT) e bens comercializáveis agrícolas e manufaturados (MT). Corden (1984) analisa a questão em termos de um setor de não comercializáveis (NT), um “booming sector” (B) e um “lagging sector” (L), fazendo o segundo as vezes do setor de comercializáveis em recursos naturais e o terceiro representando o setor de manufaturas para exportação. Na lógica tradicional desses modelos, a expansão do setor de recursos naturais (RT) causa apreciação cambial por dois canais possíveis: maior fluxo de divisas devido ao acréscimo de exportações e aumento do preço dos bens não comercializáveis por conta do aumento de demanda interna gerada pelos ganhos de renda no setor de recursos naturais. O setor de comercializáveis manufatureiro (MT) é prejudicado pois perde os fatores de produção capital e trabalho que são deslocados para os setores de não comercializáveis (NT) e de recursos naturais (RT).

Essas conseqüências também podem ser descritas em termos de dois efeitos: deslocamento de recursos, onde capital e trabalho são transferidos para o setor “booming” devido ao aumento de rentabilidade e o efeito de gasto, onde os fatores utilizados no setor de comercializáveis “not booming” também são transferidos para o setor de não comercializáveis como conseqüência do aumento de demanda. O destaque para o segundo efeito está no aumento da demanda por não comercializáveis decorrente do acréscimo de renda gerada no setor “booming”. Os comercializáveis agrícolas e manufaturados passam então a ser importados. No final de um processo com essas características o setor de não comercializáveis e de recursos naturais se ampliou e o setor de comercializáveis não tradicional, especialmente a indústria, encolheu (Gelb 1988, pg.22).

Sobre o problema da desindustrialização, Palma (2003b) destaca o aumento do desemprego presente nos casos de “Dutch Disease”. Apresenta um padrão de redução do emprego industrial decorrente do processo de desenvolvimento que desloca naturalmente trabalhadores dos setores de manufatura para os setores de serviços. Os impactos negativos da excessiva apreciação cambial por conta das divisas geradas pelos setores de “commodities” e serviços de turismo resultariam na expulsão prematura de trabalhadores dos setores de manufaturas. Separa os países em duas categorias: aqueles que perseguem um superávit no setor de manufaturas por necessidade de importação de outros tipos de bens e aqueles que, apesar de abundantes em recursos naturais, perse guem uma estratégia de industrialização e exportação de manufaturas. Analisa a trajetória de vários países que teriam evitado o problema da “Dutch Disease”, com destaque para os casos do sudeste asiático. Malásia, Indonésia e Tailândia são exemplos do que Palma chama de “nadar contra a maré” da desindustrialização. Apesar da existência de vastos recursos naturais, conseguiram desenvolver consideráveis indústrias de manufaturas.

O efeito negativo da “Dutch Disease” relaciona-se, assim, ao bloqueio do desenvolvimento de um setor de bens comercializáveis não tradicional agrícola ou manufatureiro decorrente da apreciação cambial. Assumindo-se que existem externalidades positivas, “learning by doing” (Wijnbergen 1984) ou ainda “forward” e “backward linkages” a la Hirshman na produção desses bens, a ausência ou retração de um setor desse tipo traz sérias conseqüência em termos de dinâmica tecnológica e ganhos de produtividade. A regressão do setor de comercializáveis agrícola e manufatureiro resulta em perdas, possivelmente irreversíveis, de “know-how”, capacidades locais e plantas produtivas. Esse resultado também é reconhecido na literatura como o efeito de perda de “spill-overs” tecnológicos trazido pela “Dutch Disease” (ver também Williamson 2005, pg.10). Como afirma van Wijnbergen (1984, pg.41), as histórias de sucesso no desenvolvimento econômico no período do pós-guerra passam, sem exceção, pela promoção agressiva do setor de comercializáveis onde o progresso tecnológico é mais rápido.

Ao destacar o sucesso chileno em evitar o problema da “Dutch Disease”, Williamson (1996) critica a economia neoclássica por não incorporar e desenvolver adequadamente esse problema em seu instrumental analítico. Critica ainda as recomendações de política econômica que tendem a ignorar a “Dutch Disease”. Resume, neste trabalho, o argumento teórico da defasagem tecnológica decorrente de apreciações cambiais presente nos poucos trabalhos que se dedicam ao tema. “These stories emphasize that the manufacturing sector has a potential for learning-by-doing and cumulative technological progress that other sectors lack. They imply that a country that prices itself out of the market for manufactures through excessive enjoyment of the benefits of strong primary exports – or aid receipts, or capital inflows – abandons the chance to work its way up the ladder of dynamic comparative advantage toward the world’s technological frontier” (Williamson 1996, pg.29).


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